Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
149/16.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DANOS REFLEXOS
TERCEIROS
DANOS PATRIMONIAIS PUROS
OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
MORA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.406 Nº2, 483, 804, 806 CC
Sumário: 1. Na responsabilidade contratual não são indemnizáveis os danos causados a terceiro pelo incumprimento do devedor.

2. Os danos patrimoniais puros, não são, por regra, reparáveis em sede responsabilidade civil extracontratual.

3. Na responsabilidade contratual, a indemnização pela mora no cumprimento de obrigações pecuniárias encontra-se fixada à fortait, correspondendo necessariamente aos juros devidos, sem que seja facultada ao credor a prova de que o dano sofrido é superior.

Decisão Texto Integral:








Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

P (…), Lda., e J (…) intentam a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra:

1. E (…), S.A. – Sucursal de Portugal,

2. E (…) Serviço Universal, S.A.,

Pedindo a condenação solidária das Rés a pagarem à Autora P (…) a título de juros de mora a quantia de €3.207,06 e uma indemnização complementar no valor de €150 000,00, e ao Autor J (…) a quantia de €8.637,23.

Alegando, para tal e em síntese:

a 8 de Novembro de 2012, a 1ª Autora e a 1ª Ré celebraram um contrato designado de “Contrato de compra e venda de energia elétrica unidades de Miniprodução”, no qual a Autora figura P (…) como Produtor e a Ré E (…) como Comercializador;

a ligação da unidade da miniprodução de energia foi efetuada a 16 de Novembro de 2012, pelo que o primeiro pagamento à Autora P (…) pela energia produzida e injetada na rede deveria ter acontecido em Dezembro de 2012, o que não aconteceu;

a partir desse momento a gerência desta Autora estabeleceu comunicações diversas com a Ré E (…) para os pagamentos em atraso ou que não estavam a ser efetuados, todos documentados, alegando que atrasos nos pagamentos da energia produzida gerava incumprimento dos compromissos financeiros que tinham sido assumidos com o investimento na criação da unidade de miniprodução, nomeadamente os assumidos com o crédito efetuado pelo 2º Autor, com um contacto deste Ré a dizer que o problema residia no facto do distribuidor – a 2ª Ré - não estar a enviar as respetivas leituras da energia produzida.

nesse contexto a Autora P (…) viu-se obrigada a atrasar os pagamentos aos seus fornecedores e o seu sócio, Autor J (…), a suportar o pagamento dos encargos por conta do financiamento efetuado na instalação da unidade de miniprodução, sendo que solicitaram esclarecimentos à Ré E (…) que informou que as leituras estavam a ser devidamente comunicadas à Ré E (…);

apenas em 13 de Setembro de 2013 a Ré E (…) procedeu ao pagamento de 33 9327 KWH de energia no valor de €84.797,82, acrescidos do respetivo IVA;

na ocasião a P (…) ainda não podia aceder ao crédito bancário para obter financiamento para o investimento – estava a iniciar a sua atividade – e assim foi convencionado entre os sócios que ele seria realizado com capital próprio de cada um a título de suprimentos para a sociedade pelo período de 12 meses, tempo que seria o necessário para que as instituições financeiras lhe concedessem o crédito, dado que receberia pagamentos de 30 em 30 dias após a assinatura do contrato em causa;

o sócio J (…) teve de recorrer a crédito bancário para efetuar um investimento de 135.000,00 €, o que fez por estar convencido do cumprimento do contrato celebrado entre a Autora P (…) e a Ré E (…) sendo que, se tudo tivesse corrido normalmente em 12 meses, a Autora P(…) reuniria as condições necessárias para poder contrair um empréstimo que serviria para o reembolso dos seus suprimentos;

tal incumprimento comportou prejuízos para a sua pessoa, no caso o prolongamento do pagamento dos encargos assumidos por conta do crédito acima referido, num montante de €8.637,23, cujo ressarcimento é da responsabilidade das RR;

em 10 de Abril de 2013, a Autora P (…) assinou um contrato denominado de “Contrato de Autorização de Instalação de Miniprodução” com a empresa L (…)”, com um o investimento de €161 815,00, avançando as previsões de produção de energia solar fotovoltaica;

encetaram negociações ou conversações para obterem financiamento, mas dado que a conta que devia estar aprovisionada para satisfação das prestações, quando em Julho de 2013, deveria ter sido creditado pelas Rés pelo menos o valor de €75 264,63 em 5 de Agosto de 2013, a outra outorgante denunciou o contrato em questão, explicando que a Autora P (…) não iniciou os trabalhos na instalação da unidade de Miniprodução;

essa denúncia causou na Autora P (…)uma perda de lucros no valor calculado de €150 000,00.

A Ré E (…) Serviço Universal, S.A., apresenta contestação, alegando, em síntese, que a competência para a contagem e comunicação das leituras para efeito de faturação recai sobre a E (…)Distribuição;

de qualquer modo, a Ré (…) procedeu ao pagamento da energia produzida pela autora, no valor de 104.301,32 €, quando não estava obrigada a fazê-lo, respeitante ao período de faturação que era da exclusiva responsabilidade da Ré (…) respeitante ao período de 17-11-2012 a 12-09-2013; e só não o fez mais cedo, porque a Ré (…) não lhe forneceu os dados mais cedo;

assim que foi possível a transição do processo  da Ré (…) para a Ré (…) em 10 de setembro de 2013, foram feitos todos os pagamentos referentes à energia produzida, pelo que não lhe poderá ser assacada qualquer responsabilidade.

Conclui pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

A Ré E (…) apresenta contestação, alegando, em síntese:

não tendo sido parte no contrato em causa, o Autor J (…) não tem legitimidade para peticionar uma indemnização pelo suposto incumprimento do contrato;

a Ré E (…) nunca obteve qualquer indicação por parte do Operador de Rede de Distribuição da data de ativação da referida instalação, do início da produção; estava dependente do envio das leituras/contagens/medidas por parte do Operador de Rede de Distribuição de que tais montantes lhes fossem previamente liquidados por parte do Distribuidor;

mais comunicou à autora que o erro e falta de cumprimento haviam sido admitidos pelo Distribuidor e que a E (…) iria assumir o pagamento da energia produzida  pela instalação em causa desde a data da sua ligação;

Conclui pela ilegitimidade do 2º Autor e pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador a julgar improcedente a invocada exceção de ilegitimidade do 2º autor J (…)

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente:

1. Condenando a Ré E (…) a pagar à Autora a quantia de €116.667,00 e ao Autor J (…) a quantia de €6.717,85, acrescidas dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal aplicável, desde a data de citação até efetivo integral pagamento.

2. Absolvendo do pedido a Ré E (…) Serviço Universal, SA..


*

Inconformada com tal decisão, a Ré E (…) dela interpõe recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com 83 conclusões, que aqui se não reproduzem dado o nítido incumprimento do dever de nelas sintetizar os seus fundamentos de recurso (artigo 639º CPC).

*

A Ré E (…) apresentou contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso.
Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto.
2. Verificação dos pressupostos da responsabilidade:
a.  pelo dano invocado pelo autor J (…)
b. pelo dano da perda de lucros invocado pela autora P (…)
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Impugnação da matéria de facto

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

 Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o artigo 640º, do CPC, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:

1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:

a) indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões;

b) indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

c) indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas. 

Estes requisitos visam assegurar a plena compreensão da impugnação deduzida à decisão sobre a matéria de facto, mediante a identificação concreta e precisa de quais os pontos incorretamente julgados e de quais os motivos de discordância, de modo a que se torne claro com base em que argumentação e em que elementos de prova, no entender do impugnante, se imporia decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal.

Tais exigências surgem como uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[1], assegurando a seriedade do próprio recurso intentado pelo impugnante.

(…)

(…)


*

A. Matéria de facto

São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida, com as alterações aqui introduzidas:

1. Em 8 de Novembro de 2012 a 1ª Autora, doravante designada de Autora P (…) e a 1ª Ré, doravante designada de Ré E (…), celebraram um contrato designado de “CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ENERGIA ELÉCTRICA UNIDADES DE MINIPRODUÇÃO”, onde a Autora P (…) figura como “Produtor” e a Ré E (…)como “Comercializador”, sendo que a fonte de energia da unidade de miniprodução é do tipo solar.

2. O objeto do contrato referido na alínea anterior é o que consta da sua Cláusula 1.ª, ou seja:

“ 1. O Titular possui um contrato de compra e venda de energia eléctrica em média tensão, celebrado com o Comercializador, para a instalação sita em Zona Industrial x (...) , LT17, y (...) , com o Código de Ponto de Entrega PT00 (...) , e a potência contratada de 500,00 KW.

2. O Titular autorizou o Produtor, mediante contrato escrito celebrado entre ambos, a estabelecer uma unidade de mini produção, na instalação de utilização de energia eléctrica identificada no número 1 da presente cláusula, a qual se encontra registada no Sistema de Registo de Mini produção (SRMini) com o Nº MN2011 22(...) e possui o certificado de exploração, a que corresponde o CPE PT00 11(...) .

3. O Comercializador obriga-se a adquirir ao Produtor a totalidade da energia eléctrica produzida, líquida dos serviços auxiliares, entregue na rede receptora até ao limite da potência referida no nº 1 da cláusula 3.ª e, no caso de Produtor com acesso ao regime bonificado, com valor máximo de energia previsto no nº 2 da cláusula 3.ª.

4. A Produtor entregará à rede a energia eléctrica nas condições estipuladas na legislação e nos regulamentos aplicáveis”.

3. As Cláusulas 7.ª, 8.ª e 9.ª, definem o modo de facturação, o regime remuneratório, preços e o pagamento, ou seja, a facturação é mensal o pagamento é de € 0,2499 por KWH conforme o Decreto-Lei 34/2011 de 8 de Março.

4. A Autora P (…) é uma sociedade por quotas, constituída em Setembro de 2012, com um capital social de €5000,00, dividido em duas quotas, uma de €2450,00 pertencente ao Autor J (…) e outra de €2550,00 pertencente á empresa S (…) e que tinha como objecto a produção, comercialização de energia eléctrica e instalação e manutenção de instalações eléctricas.

5. O primeiro investimento da Autora sociedade ocorreu na instalação da unidade registada no Sistema de Registo de Mini produção (SRMini) com o Nº MN2011 22(...) com o certificado de exploração a que corresponde o CPE PT00 11(...) , aquela objeto do contrato ajuizado.

6. O investimento total com a instalação da unidade supra referida foi de €259 145,74 (duzentos e cinquenta e nove mil cento e quarenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).

7. Uma vez que a Autora P (…)ainda não podia aceder ao crédito bancário para obter aquele montante, uma vez que estava a iniciar a sua atividade, foi convencionado entre os sócios que o investimento seria realizado com capital próprio de cada um a título de suprimentos para a sociedade, pelo período de 12 meses, tempo que seria o necessário para que as instituições financeiras lhe concedessem o crédito.

8. Com a assinatura do contrato referido em 1 e 2, com os pagamentos mensais que a Ré E (...) teria que efetuar de 30 em 30 dias, por contrapartida da energia produzida e injetada na rede e com o contrato de cedência dos direitos do produtor da unidade supra melhor identificada pelo período de 9 anos, as instituições financeiras em 12 meses estariam em condições de conceder crédito à Autora P (…)

9. Como tal os sócios da Autora P (…) emprestaram €265 000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil euros), nas seguintes proporções: o sócio aqui também Autor J (…) €135 000,00 (cento e trinta e cinco mil euros) e a sócia S (…)., €130 000,00 (cento e trinta mil euros)

10. A sócia da Autora (…) a S (…) tinha capital em carteira, o que não acontecia com o sócio J (…) que teve de recorrer a crédito bancário para o efetuar referido investimento.

11. O Autor J (…) em 27 de Setembro de 2012 contratou com a C (…) um crédito pessoal denominado CP TRANSVERSAL COM GARANTIA HIPOTECÁRIA (...) , no valor de €135 000,00 (cento e trinta e cinco mil euros), pelo período, imposição bancária, de 84 meses e com uma TANB de 11,6 %, (… eliminado).

12 A energia produzida pela Autora P (…) era normalmente comercializada pelas Rés E (…) e E (…) cobrando dos seus clientes mensalmente o respetivo preço.

13. A ligação da unidade da miniprodução de energia, supra melhor identificada, foi efetuada em 16 de Novembro de 2012.

14. No dia 7 de Dezembro de 2012, via correio eletrónico, a gerência da Autora P (…)alertou a Ré E (…)para o facto de ainda não ter recebido o contrato junto sob o nº 1 devidamente assinado, bem como não poderem ocorrer atrasos nos pagamentos da energia produzida, uma vez que se tal sucedesse geraria incumprimento dos compromissos financeiros que tinham sido assumidos com o investimento na criação da unidade de miniprodução, nomeadamente os assumidos com o crédito efetuado pelo 2º Autor, J (…), sócio gerente da Autora P (…)

15. Em 13 de Fevereiro de 2013 a Ré E (…) ainda não tinha creditado qualquer valor por conta do contrato assinado com a Autora P (…), embora comercializasse aquela energia, pelo que a Autora sociedade insistiu, novamente via correio eletrónico, nessa data.

16. A Autora P(…) foi entretanto contactada via telefone pela Ré E(…) referindo que estava a analisar a situação, afirmando que em princípio o problema residia no facto do distribuidor – no caso 2ª Ré – não estar a enviar as respetivas leituras da energia produzida.

17. Estes solicitaram então esclarecimentos à Ré E(…) a qual, de imediato, informou que as leituras estavam a ser devidamente comunicadas à Ré E (…)

18. No dia 9 de Abril de 2013, a Autora P (…) via correio eletrónico comunicou à Ré E (…)o conteúdo do email recebido do gestor de clientes da Ré E (…), e mais uma vez alertava para as consequência do não pagamento atempado, nomeadamente para o incumprimento com os seus fornecedores, pagamento de juros e ainda para o facto de um dos sócios da Autora, o aqui Autor, J (…), ter recorrido a um empréstimo bancário para a criação da unidade e cujas prestações estavam a vencer-se desde Outubro de 2012.

19. Em 3 de Junho de 2013 através de carta registada com aviso de receção, a Autora P (…) interpelou a Ré E (…) para o pagamento da energia produzida e que tinha sido injetada na rede desde 16 de Novembro de 2012 até ao dia 11 de Maio de 2013, naquela data acendia ao montante de pelo menos €36 034,73 (trinta e seis mil e trinta e quatro euros e setenta e três cêntimos) acrescidos de IVA, a que correspondiam 144 196 KWH produzidos, com uma tarifa para a unidade em causa de €0,2499 por KWH.

20. Após esta interpelação a Ré E (…) nada pagou e nada disse.

21. No dia 4 de Julho de 2013, através de carta registada com aviso de receção, a Autora P (…) interpelou a Ré E (…)e também a Ré E(…) para o pagamento da energia que tinha sido produzida e injetada na rede desde 16 de Novembro de 2012, que até àquela data rondaria o montante de pelo menos €50 000,00 (cinquenta mil euros) acrescidos de IVA.

22. Na sequência desta interpelação as Rés nada disseram tão pouco pagaram algo, na ocasião.

23. No dia 13 de Setembro de 2013 a Ré E (…) procedeu ao pagamento à Autora P (…) de 33 9327 KWH de energia no valor de €84.797,82,00 (339 327 KWHx€0,2499=€84 797,82) acrescidos do respetivo IVA no valor global de €104.301,32, (cento e quatro mil, trezentos e um euro e trinta e dois cêntimos), quantia titulada pela fatura nº 40000784734, emitida em 12/9/2013, referente à energia produzida pela Autora no período compreendido entre 17-11-2012 (inicio dos efeitos do contrato celebrado com a E (...) ) e 12-09-2013 data de conclusão do processo de transição dos processos.

24. Face aos relatados atrasos no pagamento da energia produzida na mini produtora a Autora P(…) viu-se obrigada a atrasar os pagamentos aos seus fornecedores e o seu sócio- o Autor J (…) – a suportar o pagamento dos encargos por conta do financiamento efetuado na instalação da unidade de miniprodução, sendo que no que respeita à primeira tal sucedeu com a instaladora da unidade de miniprodução, a empresa SS (…)Lda. ela que deveria ter recebido €25 000,00 da fatura nº 87/2012ª em 26/12/1012.

25. Devido ao atraso de 9 meses nos pagamentos da energia por parte da Ré E (…) à Autora P (…), o Autor J (…) foi obrigado a prolongar o pagamento dos encargos assumidos por conta do crédito referido em 11 desta factualidade, pelo menos desde Dezembro de 2013 até Dezembro de 2014, no valor total de €8.637,23 (oito mil seiscentos e trinta e sete euros e vinte e três cêntimos) no qual se encontram incluídos os juros, despesas bancárias, seguro de vida e seguro do imóvel dado de garantia, suportados exclusivamente pelo Autor J (…)

26. A Autora P (…) não reuniu as condições necessárias para poder contrair um empréstimo que serviria para o reembolso dos suprimentos dos seus sócios em razão da falta do pagamento mensal a que a Ré E (…) estava obrigada, uma vez que a C.(…)., que apenas lhe concederia crédito desde que fosse comprovada a existência de receitas mensais com origem no contrato de fornecimento de energia elétrica, durante pelo menos um ano.

27. A Autora P (…), em Janeiro de 2015, obteve o aludido crédito bancário, facto que sucedeu tendo em conta os pagamentos mensais que, a partir de Setembro de 2013, passaram a ser regularmente efetuados à Autora P (…) e, consequentemente, a provisionar a conta dela nº (…)na C.(…)

28. Pelas razões apontadas, apenas em Janeiro de 2015 o Autor J (…) logrou amortizar a totalidade do empréstimo, que lhe fora concedido por 84 meses, período este que lhe foi imposto pela instituição bancária.

29. Em 10 de Abril de 2013, a Autora P (…) acordou com a L (…), Lda., que esta, na qualidade de titular de uma instalação de energia elétrica, de acordo com a alínea a), do nº 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei 34/2011 – sendo titular de um registo para a produção de eletricidade também de acordo com o citado Dec. Lei, o qual lhe conferia o direito de instalação de uma unidade de miniprodução com recurso à tecnologia solar fotovoltaica e ainda porque disponha de registo de miniprodutor válido junto do sistema SRMini –, autorizava a Autora P (…) a instalar uma unidade de miniprodução nas suas instalações transferindo -lhe a qualidade de “PRODUTOR”, acordo que se regeria pelas clausulas exaradas no doc. de fls. 23, exarado para o efeito e cujo teor aqui se dá por reproduzido

30. (eliminado).

31 (eliminado);

32. (eliminado).

33. A unidade de miniprodução seria instalada por conta da Autora P (…) e o investimento seria no valor de €161 815,00 (cento e sessenta e um mil oitocentos e quinze euros) acrescidos de IVA.

34. De acordo com as previsões do instituto da Comissão Europeia, JRC, que estuda e prevê a produção de energia solar fotovoltaica, tendo em conta nomeadamente o número de painéis solares, a sua capacidade de produção e a localização da unidade, a produção de energia elétrica nos 14 anos era de 3 018 846 KWH, com uma tarifa de € 0,1499 por KWH.

35. A Autora P (…) procurou então junto de várias instituições financeiras financiamento para a instalação da dita unidade nomeadamente na C (…), ocasião na qual- Maio de 2013 –a Autora sociedade já tinha produzido e injetado na rede cerca de 193 591 KWH x €0,2499, eletricidade produzida na referida unidade.

36. Naquela data ou momento os sócios da Autora P (…) não tinham qualquer possibilidade de obter financiamento individualmente uma vez que estavam já a assumir os compromissos financeiros com investimento efetuado na instalação da unidade de miniprodução da P (…)

37. Em 24 de Junho de 2013 e depois de várias conversações, a Autora P (…) solicita à C(…)uma simulação para um crédito no valor de €150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), valor aproximado do investimento para a instalação da referida unidade.

38. Em 16 de Julho de 2013 obteve uma resposta via correio eletrónico, na qual aquela instituição chama à atenção para o facto da Autora não apresentar qualquer movimento na conta domiciliada para a receita mensal com origem no contrato de compra e venda de energia elétrica celebrado com a Ré E (…) pelo que, devido ao facto daquela conta não apresentar qualquer movimento, quando naquela altura- Julho de 2013 -deveria ter sido creditado pelas Rés pelo menos o valor de €75 264,63 (setenta e cinco mil duzentos e sessenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos) (244861 KWHx0,2499+23%), a C (…) negou o financiamento à Autora P (…)

39. Em 5 de Agosto de 2013, através de carta registada com aviso de recepção, a L (…)Lda. denunciou o contrato de autorização de instalação de Miniprodução (MN2013 33(...) ) que tinha celebrado com a Autora P (…), uma vez que não tinham sido iniciadas quaisquer trabalhos de instalação da referida unidade.

40. A Autora P (…) não iniciou os trabalhos na instalação da unidade de Miniprodução (MN2013 33(...) ) da L (…), Lda. devido ao facto de não ter conseguido financiamento bancário, pelas apontadas razões.

41. Segundo as previsões efetuadas pela autora P (…) o projeto de instalação e exploração da unidade de Miniprodução (MN2013 33(...) ) da L (…), Lda. permitir-lhe-ia arrecadar lucros no valor estimado de €150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), os quais correspondem o valor da receita líquida dos 14 anos de exploração deduzidos, para além do investimento necessário, referido em 33 os 12% de renda e ainda a respetiva manutenção da unidade.

42. Desde Maio de 2013 foi a Ré E (…) quem passou a gerir todos os pontos de microprodução e de miniprodução onde se inclui a unidade de miniprodução em causa nos autos, ainda que a Autora sociedade nunca tenha sido notificada formalmente de tal transferência.

43. As leituras da instalação da produção de mini energia em causa apenas foram sendo comunicadas pelo Operador de Rede à Ré E (…) desde fevereiro a agosto de 2013, e apenas foi sendo comunicado um valor acumulado desde o início da produção.

44. Na sequência da aplicação do Decreto-Lei 25/2013 de 19 de Fevereiro, relativo ao processo de aquisição da energia produzida pelas unidades de microprodução, nomeadamente na articulação das ações entre os 3 intervenientes no referido processo- o comercializador de último recurso, os comercializadores e os produtores –e da atribuição, em exclusivo, ao comercializador de último recurso – a E (…) – da obrigação de celebrar os contratos de compra e venda de eletricidade com os mini e micro produtores, eliminando a intervenção dos comercializadores, neste caso da Ré E (...) , o processo de transição dos 914 (novecentos e catorze) contratos de produção dos comercializadores para a E (…) apresentou várias dificuldades práticas, o que impossibilitou o cumprimento cabal dos “timings” inicialmente fixados.

45. A E (…) por forma a operar a transferência dos contratos de produção de energia nos termos definidos pelo diploma legal referido supra, em 26 de Fevereiro de 2013 enviou um email a todos os comercializadores, incluindo a Ré E (...) , com o seguinte teor:

“ A fim de agilizar o processo de cedência de posição contratual previsto no Artigo 5.º do citado DL, vimos solicitar que a declaração de cedência venha acompanhada dos dados conforme estrutura constante dos ficheiros anexos, com as seguintes indicações de preenchimento:

i) Os ficheiros estão divididos por atividades (micro e miniprodução);

ii) Todos os campos são de preenchimento obrigatório à exceção dos dados de financiamento (existentes somente nos ficheiro de microprodução) que devem ser preenchidos somente quando o proditor tem financiamento.

Mais, tendo em conta a necessidade de efetuar os desenvolvimentos adequados nos sistemas, que permitam a transferência em boas condições solicitamos que os dados sejam enviados até 18 de Março, devendo processar-se a faturação normalmente até à data de envio”.

46. Na sequência do email enviado, a Ré E (…)preencheu os mapas enviados com todas as informações solicitadas – relativas ao nome do cliente, ao NIF, o CPE de Produção, o CPE de consumo, o NIB, o telefone e a morada –, com exceção da potencia contratada (referindo apenas “regime bonificado” –, dados que enviou a 17 de maio de 2013.

47. A Ré insistiu com a Ré E (…), mas a 30 de agosto de 2013, a Ré E (...) ainda não tinha enviado à concreta informação respeitante à “tarifa”.

48. No email enviado em 05-09-2013 a Ré E (…) mais uma vez adverte que “É essencial que sejam facultados a totalidade dos dados comerciais para que a cessão dos contratos seja concluída e para que os produtores comecem a ser faturados”.

49. Apesar da insistência da E (…)., a Ré E (…) apenas enviou a informação respeitante à “Tarifa” em 10.09.2013, data em que a Ré E (…), procedeu à conclusão da transição do processo da Autora, elaboraram novo contrato, passaram a faturar e a pagar a energia produzida.

50. O contrato identificado em 1 prevê que o pagamento das faturas pelo comercializador ao Produtor será feito nos prazos previstos para o pagamento, pelo Titular, da faturação referente ao consumo de energia na instalação de utilização.

51. A Ré E (…) comunicou aos Autores que não creditou qualquer valor referente à produção de energia da unidade de miniprodução em causa nos presentes autos alegando que nunca obteve qualquer indicação por parte do Operador de Rede de Distribuição da data de ativação da referida instalação, do início da produção- porque estava dependente do envio das leituras/contagens/medidas por parte do Operador de Rede de Distribuição -porque estava dependente de que tais montantes lhes fossem previamente liquidados por parte do Distribuidor; devido à alteração do regime jurídico aplicável.

52. A Ré E (…) anunciou à E (…), em 22-04-2013, que assumiria o pagamento da energia produzida desde o início do contrato.


*

B. O Direito

1. Pressupostos da responsabilidade civil

Os Autores P (…) e J (…)  intentam a presente ação contra a E (…), S.A. (na parte que interessa para o objeto do presente recurso), com a qual a P (…) havia celebrado um “Contrato de Compra e Venda de Energia Elétrica Unidades de produção”, alegando que, tendo a P (…) ficado sem receber o preço devido pela eletricidade por si produzida desde Dezembro de 2012 até Setembro de 2013, este atraso na faturação e pagamento da eletricidade ter-lhes-ia causado os seguintes prejuízos:

- ao autor J (…), no valor de 14.000,00 €, correspondente aos encargos bancários que suportou por ter sido obrigado a prolongar o pagamento dos encargos assumidos por conta de um empréstimo que foi obrigado a contrair para financiar a instalação da Miniprodução, prolongamento que ocorreu, pelo menos desde Dezembro de 2013 até Dezembro de 2014;

- à autora P (…), no valor de 150.000,00 €, correspondente ao valor estimado que deixou de auferir durante 14 anos, pelo facto de os atrasos na faturação e pagamento por parte da ré terem impossibilitado o recurso ao crédito por parte da autora, tendo levado à desistência pela outra contratante, L(…), do negócio de criação de uma outra Miniprodução de energia.

A sentença recorrida, integrando a situação em causa no regime da responsabilidade contratual, e considerando que a E (…)deveria ter faturado e procedido aos correspondentes pagamentos mensais a partir de 16 de dezembro de 2012, o que só veio a acontecer em 13 de setembro de 2013, e que o atraso na faturação e pagamento é imputável à Ré E (…) pelo menos, um atraso de 7 meses:

- concluiu que, devido a tal atraso nos pagamentos de energia por parte da Ré E (…), o Autor J (…) foi obrigado a prolongar o pagamento dos encargos assumidos por conta do crédito, pelo menos desde Dezembro de 2013 até Dezembro de 2014, no valor total de 6.717,85 €, condenando a Ré E (…) ao respetivo pagamento ao autor.

- a denúncia do contrato pela L (…) causou uma perda de lucros para a autora no valor de 150.000,00 €, valor correspondente à receita líquida durante os 14 anos previstos para a vigência de tal contrato, condenado a Ré E (…) no pagamento de 116,667,00 €, montante correspondente aos sete meses de atraso imputáveis à Ré E (…);

Insurge-se a Ré Apelante contra o decidido, alegando, antes de mais, que, para o cumprimento escrupuloso dos contratos celebrados ao abrigo de uma imposição legal, a Ré E (…) dependia de outras entidades, designadamente da E (…) Distribuição, a qual tem a obrigação de proceder e enviar as leituras ao comercializador, deparando-se com dificuldades práticas e operacionais que vieram a ser reconhecidas pelo legislador ao promulgar o DL nº 25/2013, de 19 de fevereiro, que operou a transição do contrato celebrado entre a A. P (…) a Ré E (…) para a E (…).; a Ré E (…) enviou, antes de setembro de 2013, os elementos essenciais que tinha ao seu alcance relativos ao contrato em causa nos presentes autos.

Comecemos, assim, pela análise da verificação da ilicitude e da culpa, enquanto pressupostos da responsabilidade civil (contratual ou extracontratual).

Enquadrada a condenação da Ré E (…)a no âmbito da responsabilidade contratual, o ilícito que lhe é imputado reside no incumprimento contratual da obrigação de proceder à faturação e pagamento mensal, desde 12 de Dezembro de 2010 a 12 de setembro de 2013, data da conclusão da transição do processo para a Ré E (…)

À data da instalação da unidade de miniprodução da P (...) , só o comercializador podia e devia celebrar contrato de compra e venda da eletricidade da miniprodução e assegurar o seu pagamento ao produtor (artigo 14º, do DL nº34/2011, de 8 de março).

O comercializador (neste caso, a Ré E (…)), obrigava-se a adquirir a energia produzida pelo “produtor”, a autora P (…), competindo-lhe proceder à respetiva faturação e pagamento.

Contudo, como salienta a Ré E (…) ao longo da presente ação, a comercializadora funcionava, de facto, como uma mera intermediária: a energia era injetada diretamente na rede pelo produtor e era adquirida pela E (…) Distribuição, que, após receber a respetiva faturação a emitir pela E (…), procedia ao pagamento à E (...) da energia produzida, e esta, por sua vez, procedia ao seu pagamento ao produtor.

Em tal qualidade, incumbia à Ré E (…)processar a comercialização e pagamento da eletricidade resultante da miniprodução, “juntamente e com a periodicidade dos pagamentos relativos ao consumo faturado à instalação elétrica de utilização” – nºs. 2 e 3, do artigo 14º do DL nº 34/2011.

Ou seja, de acordo com tal contrato incumbiria à Ré E (…) a faturação e o pagamento mensal da energia produzida pela unidade de miniprodução da P (…)

Contudo, quem procede à ligação da unidade de miniprodução à rede, quem sela o contador e quem tem acesso direto e imediato às leituras da energia produzida, não era o comercializador mas a EDP Distribuição – segundo o artigo 21º do DL 34/2011, é o operador da rede de distribuição que procede à ligação da unidade de miniprodução à RESP. E, segundo o ponto 9. da clausula 6ª do contrato de compra e venda celebrado entre a autora P (…) e E (…), “O Operador da Rede de Distribuição é a entidade responsável pela leitura dos equipamentos de medição”.

No caso em apreço, tendo a ligação à rede sido efetuada a 16 de novembro de 2012, a 1ª faturação e o primeiro pagamento foi efetuado somente a 12 de setembro de 2013, constatando-se a ocorrência de mora, quer relativamente à obrigação mensal quer de faturação, quer de pagamento, da energia produzida por tal unidade – devendo a primeira fatura ser emitida a 12 de dezembro, a 1ª faturação e pagamento são realizados com um atraso de 9 meses, embora pela totalidade da energia até aí produzida (no valor de 84.797,82 €, acrescida de IVA).

Contudo, a execução de tal contrato foi objeto de várias vicissitudes que acabaram por influenciar o (in)cumprimento da obrigação de faturação e de pagamento mensais que recaía sobre a comercializadora.

Em primeiro lugar, efetuada a ligação à rede a 16 de novembro de 2011, as leituras da instalação da produção de mini energia em causa apenas foram sendo comunicadas pelo operador de rede (E (…)) à E (…) desde fevereiro a agosto de 2013 e apenas foi sendo comunicado um valor acumulado desde o início da produção (ponto 43 da matéria de facto).

Embora, segundo o contrato e o regime legal em vigor, a 1ª faturação devesse ter ocorrido no 1º mês seguinte ao da ligação à rede, ou seja, em dezembro de 2012, a 1ª leitura disponibilizada pela E (…) Distribuição à E (…)[2] só veio a ocorrer em fevereiro de 2013, tendo-lhe sido fornecido unicamente um valor acumulado, valor este que não lhe permitia proceder à faturação em separado de cada um dos meses de dezembro e janeiro.

A Ré E (...) defende-se, na sua contestação, alegando não ter creditado qualquer valor à autora porque nunca obteve qualquer indicação por parte do Operador de Rede de Distribuição da data da ativação da referida instalação e porque estava dependente do envio das contagens e leituras por parte do Operador de Rede de Distribuição e de que os respetivos montantes lhe fossem previamente liquidados por este e ainda devido á alteração do regime jurídico aplicável.

Vejamos o que se acha demonstrado nos autos a tal respeito.

Ficou efetivamente provado que “As leituras da instalação da produção de minienergia em causa apenas foram comunicadas pelo Operador de Rede à Ré E (...) , desde Fevereiro a Agosto de 2013, e apenas foi sendo comunicado um valor acumulado desde o início da produção (ponto 43 da matéria de facto).

Do nº6 do artigo 20º do DL nº 34/2011, consta que “A data de ligação à RESP é registada no SRMini pelo operador da rede de distribuição.” e o nº3 do art. 15º de tal diploma prevê que as “DRE, o operador da rede de distribuição e os comercilaizadores de eletricidade devem registar-se no SRMini aderir ao sistema de comunicações eletrónico.

Assim sendo, se é o Operador de produção que procede à ligação da instalação à rede, devendo registar no SRMimi a data de ligação à RESP, em princípio também a Ré E (...) , na qualidade de comercializador deveria ter acesso a tal registo.

Alegando a Ré E(…) que tal elemento – a data de ligação à rede – nunca lhe foi comunicado, aos autores ou à co-ré E (…)., incumbiria a alegação e prova de que tal data lhe foi de facto comunicada e quando, bem como o valor da leitura inicial do contador.

Assim sendo, tendo o comercializador acesso ao SRMmini – a testemunha (…) diz que não – não se tem por demonstrado que a comercializadora não tivesse acesso a tal informação, à qual poderia aceder mediante mera consulta do SRMmini.

De qualquer modo, ainda que a mera informação do valor “acumulado”, não lhe permitisse processar a faturação dos meses anteriores a fevereiro de 2013, pelo facto de a informação disponibilizada não conter a contagem inicial, a partir da data em que lhe transmitiram a 1ª leitura de um valor acumulado, em fevereiro de 2013, daí em diante a Ré (…) encontrar-se-ia em condições de proceder à faturação. Ou seja, pelo menos em março, assim que recebe a respetiva leitura poderia ter procedido à faturação: bastava-lhe subtrair o valor acumulado de fevereiro ao valor acumulado de março e encontraria o valor produzido entre 12-02-2013 e 12-03-2014, sendo de aplicar o mesmo raciocínio aos meses subsequentes.

Mas os reveses relacionados com o processamento da faturação e do pagamento da energia produzida por esta unidade não se ficaram por aqui.

A 19 de fevereiro de 2013 foi publicado o Decreto-Lei nº 25/2013, que reconhecendo as “dificuldades práticas e operacionais, seja no que respeita à articulação entre o comercializador de ultimo recurso ( E (..)), os comercializadores e os produtores no processo de aquisição da energia produzida pelas unidades de microprodução e miniprodução em regime bonificado (…), veio alterar “os regimes jurídicos da micro produção e miniprodução, cometendo apenas ao comercializador de ultimo recurso a obrigação de celebrar com os microprodutores e os miniprodutores contratos de compra e venda da eletricidade produzida pelas respetivas unidades (…).

O disposto em tal diploma, sendo imediatamente aplicável às unidades de produção que já se encontrassem registadas no SRMini, implicava que os comercializadores titulares de contratos de compra e venda de energia produzida por proveniente de unidades de microprodução, como a da autora, deveriam ceder ao comercializador de último recurso, no prazo máximo de três meses a contar da data de entrada em vigor de tal decreto-lei, as respetivas posições contratuais nos referidos contratos.

Ora, alguns dias após a publicação de tal diploma – a 26 de fevereiro de 2013 – a Ré E (…) (na pessoa do seu funcionário (…)) envia às diversas comercializadoras, entre as quais a Ré E (...) , um mail, comunicando que vindo o DL nº 25/2013 cometer apenas ao comercializador de último recurso a obrigação de celebrar com os miniprodutores contratos de compra e venda de eletricidade produzida pelas respetivas unidades, e a fim de agilizar o processo de cedência da posição contratual “que a declaração de cedência seja acompanhada dos dados conforme estrutura constante dos ficheiros anexos”, comunicação acompanhada das indicações de preenchimento, requerendo que tais dados não fossem enviados antes de 18 de março, “devendo processar-se a facturação normalmente até à data de envio”.

Ou seja, face a tal comunicação, a Ré E (…) ficou a saber que, enquanto não se encontrasse concluída a transição dos contratos para a comercializadora final, a qui Ré, E (…) continuava a incumbir-lhe o processamento da faturação da energia produzida pela unidade em causa.

Contudo, logo no mês seguinte, 22 de abril de 2013, a E (…)Soluções Comerciais, envia um mail à Ré E (…) (mail junto a fls. 254 do processo físico), comunicando-lhe que “envio a resposta para as situações em que a E (…) não recebeu leituras de instalações de produção indicando que a E (…) no momento da cessão contratual assumirá as leituras desde o início. O objetivo é que nenhum período de produção seja faturado em duplicado”.

Ou seja, de tal mail deduzir-se-ia que a Ré E (…) não teria de se preocupar em, a partir daí, emitir qualquer faturação relativamente a esta unidade de produção e que deveria concentrar os seus esforços na transição destes contratos (e haveria 199 contratos para transferir, como se encontra refletido nos vários mails trocados entre a E (…) Comercial e a Ré E (…)) para a aqui Ré E (…). E a confirmar que era, de facto, essa a ideia das entidades envolvidas nesta transição que, no preciso dia em que deu por concluído o processo de transição da unidade da P (…), emitiu uma fatura de toda a energia produzida desde a data da ligação à rede – 16 de novembro de 2012 – até à data da transição – 12 de setembro de 2013.

Vejamos, agora, da responsabilidade da Ré E (…) no atraso da transição do contrato de venda de energia para a Ré, E (…) Universal.

Com interesse relativamente a tal matéria, foram dados como provados os seguintes factos:

- na sequência da aplicação do DL 25/2013, o processo de transição dos 914 contratos de produção dos comercializadores para a E (…) apresentou várias dificuldades práticas, o que impossibilitou o cumprimento dos timings inicialmente fixados Ponto 43 dos factos provados) – o referido diploma previa que tal transição estivesse completa no prazo de três meses após a sua entrada em vigor, ou seja, a 5 de julho de 2013;

- a 26 de fevereiro pela E (…) foi enviado um mail a todas as comercializadoras, solicitando o envio de declaração de cedência e dos dados dos produtores (ponto 44 da matéria de facto) e que tais dados não lhe fosse enviados antes de 18 de março de 2013;

- a Ré E (…) a 17 de maio de 2013, enviou a totalidade dos dados solicitados, com exceção da tarifa contratada, dado este que só terá fornecido à E (…) Comercial a 10 de setembro de 2013.

É certo que a Ré E (…)demorou até ao envio total dos dados que lhe estavam a ser solicitados pela E (…). Contudo, não se percebe por que motivo a E (…) ficou tanto tempo à espera que a Ré E (...) lhe enviasse esses elementos quando a plataforma SRMini – sistema de registo de produção – conteria a maior parte dos elementos pretendidos pela E (…)dados esses que igualmente poderia ter solicitado à E (…).

Ou seja, ficou demonstrado que a mora no processamento da faturação e pagamento da energia produzida por esta unidade de produção se deveu a vários fatores que, juntamente com a conduta da Ré E (…), concorreram para que a 1ª faturação e pagamento viesse a ocorrer unicamente a 12 de setembro de 2013.

De qualquer modo, ainda que se considere que a demostração das demais concausas da mora na faturação e pagamento, não seria suficiente para afastar a presunção de culpa que impende sobre a Ré E(…), ao abrigo do disposto no nº1 do artigo 799º do Código Civil, sempre, em nosso entender, as pretensões indemnizatórias de cada um dos autores seriam de improceder, como passamos a explicitar.

Passemos a analisar, separadamente, as pretensões de cada um dos autores perante a Ré E (...) .

a. indemnização pelos danos sofridos pelo autor J (…)

O Juiz a quo justifica a responsabilização da Ré E (…) pelos danos alegadamente sofridos pelo autor J (…), pela seguinte forma:

“Acresce que devido ao atraso de 9 meses nos pagamentos da energia por parte da Ré E (…)à Autora P (…) o Autor J (…) foi obrigado a prolongar o pagamento dos encargos assumidos por conta do crédito acima identificado, pelo menos desde Dezembro de 2013 até Dezembro de 2014, no valor total de €8.637,23 (oito mil seiscentos e trinta e sete euros e vinte e três cêntimos) no qual se encontram incluídos os juros, despesas bancárias, seguro de vida e seguro do imóvel dado de garantia, suportados exclusivamente pelo Autor J (…)

No tocante à Autora P(…) esta não reuniu as condições necessárias para poder contrair um empréstimo que serviria para o reembolso dos suprimentos dos seus sócios em razão da falta do pagamento mensal a que a Ré E (…) estava obrigada, uma vez que a C.G.D., que apenas lhe concederia crédito desde que fosse comprovada a existência de receitas mensais com origem no contrato de fornecimento de energia eléctrica, durante pelo menos um ano; e como ela obteve o aludido crédito bancário em Janeiro de 2015, levando em conta os pagamentos mensais que passaram a ser regularmente efectuados à Autora P (…) e a provisionar a conta dela nº 0(…) na C.G.D., a partir de Setembro de 2013.

Assim apenas em Janeiro de 2015 o Autor J (…) logrou amortizar a totalidade do empréstimo, que lhe fora concedido por 84 meses, período este que lhe foi imposto pela instituição bancária.

A Apelante insurge-se contra o decidido alegando que a condenação da Ré E (…) relativamente aos danos sofridos pelo Autor J (…), com base na responsabilidade civil contratual constitui uma decisão surpresa que não se coaduna com o fundamento jurídico e os factos alegados pelo autor, pelo que tal decisão seria nula; de qualquer modo, não sendo o autor J (…) parte no contrato de compra e venda de energia em causa, não tinha a faculdade de exigir qualquer atuação por parte da Ré: não há ilícito relativamente ao autor, não há nexo causal entre o eventual atraso no pagamento e o pagamento tardio dos encargos com reembolso de empréstimo bancário contraído por este autor.

Quanto à questão da invocada nulidade da sentença – alegação de que a Ré terá sido condenada com base na responsabilidade contratual quando o fundamento da presente ação residiria na responsabilidade extracontratual –, não esclarece o apelante em que circunstâncias se baseia para afirmar que os autores fundamentam a responsabilização da Ré E (…) pelos danos sofridos pelo primeiro autor no instituto da responsabilidade extracontratual.

Por outro lado, lida a Petição Inicial da presente ação, constata-se que os autores fazem assentar a responsabilização da Ré E (…), quer pelos danos sofridos pelo autor J (…) quer pela autora P (…), exatamente no mesmo facto ilícito – na ocorrência de mora no cumprimento por parte da Ré da obrigação de faturação e de pagamento mensal da energia produzida pela unidade de microprodução gerida pela P (…). Quanto à questão de determinar se, relativamente a danos provocados em terceiro, a eventual responsabilidade se situa no âmbito da responsabilidade contratual ou extracontratual pelo facto de inexistir qualquer vínculo contratual entre o autor e a lesante, constitui já uma mera questão de qualificação jurídica, relativamente à qual o juiz possui plena liberdade de atuação.

Assim sendo, não se reconhece a invocada nulidade.

Vejamos agora, e em primeiro lugar, quais os danos efetivamente sofridos pelo autor J (…) na sequência do atraso na faturação e pagamento da energia produzida na unidade da P (…)

Tendo o autor J (…) sido “obrigado” a contrair um empréstimo em seu nome para financiar o arranque da atividade da P (…), precisamente pelo facto de, encontrando-se ainda em início de atividade, a P (…) não ter ainda acesso ao crédito por parte da banca, alega este autor que o atraso na faturação e pagamento da energia produzida o obrigou a prolongar o pagamento dos encargos assumidos por conta de tal crédito – despesas bancárias, seguro de vida e seguro do imóvel dado de garantia –, pelo menos de dezembro de 2013 a dezembro de 2014, valor que ascenderia a 14.000,00 €.

De acordo com a pretensão do autor, se a Ré E (…) tivesse iniciado a faturação e os pagamentos logo no mês seguinte ao início da ligação à rede, ou seja, em dezembro de 2012, a P (…) no espaço de 12 meses encontrar-se-ia em condições de poder contrair um empréstimo que serviria para reembolso dos seus suprimentos (cfr. art. 24º da P.I.), nomeadamente, aos resultantes para o autor empréstimo contraído e encargos por si assumidos.

Os danos a indemnizar serão aqueles que não teriam ocorrido se não fosse o evento danoso.

Se não tivesse ocorrido a mora por parte da Ré E (…)s e a autora P (…) tivesse tido, logo ao fim de um ano de atividade, acesso ao crédito, isso significaria que a P (…) teria assumido de imediato os encargos decorrentes da concessão do empréstimo a celebrar em seu nome.

Uma vez que a Autora P (…) ainda não podia aceder ao crédito bancário para obter aquele montante, por se encontrar em início a sua atividade, foi convencionado entre os sócios que o investimento seria realizado com capital próprio de cada um a título de suprimentos para a sociedade, pelo período de 12 meses, tempo que seria o necessário para que as instituições financeiras lhe concedessem o crédito.

Tendo o empréstimo sido contraído em nome do autor, como de facto foi, se não tivesse ocorrido o facto danoso – atraso na faturação e pagamento das faturas – e a P (...) tivesse começado, desde logo, a receber pagamentos mensais, o que teria ocorrido, segundo o acordado, é que autora P(…), em Janeiro de 2013, contrairia o empréstimo em seu nome e o autor deixaria de ter de suportar as despesas associadas a tal empréstimo.

Contudo, se a autora P(…)em janeiro de 2013 estivesse em condições de contrair um empréstimo em seu nome, a P(…) teria também ela de, a partir daí, assumir os encargos com a quantia mutuada.

Ou seja, independentemente de o mútuo ter sido contraído em nome da autora P (…) ou em nome do autor J (…), seriam sempre devidos encargos associados a tal empréstimo e, uma vez que o beneficiário de tal empréstimo era, de facto a P (…) seria esta quem, em última análise, teria de arcar com os respetivos custos, reembolsando o autor J (…) pelos encargos que teve de suportar (não só durante o período de 12 meses, período estimado pelas partes para a possibilidade de acesso ao crédito por parte da P (…) mas até fevereiro de 2014, data a partir da qual a autora teve acesso ao crédito), como, aliás, foi acertado entre a P (…) e seu sócio J (…) (o investimento seria realizado com capital próprio de cada um dos sócios a título de suprimentos para a sociedade). E a P (…) teria de reembolsar o seu sócio não apenas pelo capital investido, mas também pelos encargos que este fosse suportando pelo empréstimo contraído em seu nome, tal como os suportaria se o mútuo tivesse sido logo, desde o início da atividade, sido contraído em nome da P (…)

Sendo um modo de financiar a atividade da P (…), quer o empréstimo tivesse sido inicialmente contraído em nome do seu sócio ou em nome da P (…) tal empréstimo envolveria necessariamente a ocorrência de encargos associados a tal crédito (despesas bancárias, seguro de imóvel dado em garantia, etc.) encargos estes pelos quais a P (…) sempre seria a responsável, em primeira ou em ultima análise.

Assim sendo, quando, em janeiro de 2015, a autora P (…) tem finalmente acesso ao crédito, seria obrigada a reembolsar o seu sócio não apenas da totalidade da quantia (que obteve mediante empréstimo pessoal) que o mesmo investiu na empresa a título de suprimento mas, igualmente, todos os encargos decorrentes de tal empréstimo, encargos que teria suportado de qualquer modo se tivesse celebrado o empréstimo em seu nome logo em setembro de 2012.

O atraso na faturação não causou, de facto, qualquer agravamento nos custos associados ao mútuo da quantia necessária ao financiamento da Ré – apenas teve por consequência que, esses encargos tenham continuado a ser suportados pelo autor J (…) desde Dezembro de 2013 (data a partir da qual pelas estimativas dos autores a P (…)estaria em condições de aceder ao crédito) até Dezembro de 2014. De qualquer modo, tratando-se de encargos que a autora sempre teria de suportar afinal – conforme o acordado entre os autores, o investimento feito pelos sócios seria a reembolsar pela sociedade.

Logo que a P (…) acedeu ao crédito teria a obrigação, não só, de pagar ao autor J (…) o valor adiantado por este, mas igualmente o valor dos encargos suportados por este com o mútuo contraído para o efeito. Tal como a P(…) sempre teria de suportar tais encargos se, desde logo em setembro de 2012, tivesse ela própria reunido condições de aceder ao crédito.

Ou seja, os encargos do empréstimo contraído para financiar o início da atividade da P (…) durante o período de Dezembro de 2013 e Dezembro de 2014, sempre teriam de ser suportados pela autora P (…) (que além do mais já estava a receber regulamente os pagamentos da produção de eletricidade desde setembro de 2013), ainda que tivesse conseguido aceder ao crédito logo em Dezembro de 2013, conforme as suas estimativas iniciais.

Os referidos encargos não constituem assim qualquer prejuízo a carecer de indemnização.

Como salienta Pinto Monteiro, sem dano não há indemnização[3].

Ainda que assim se não entendesse, é entendimento dominante a irressarcibilidade dos chamados “danos reflexos” na responsabilidade contratual – danos causados pelo incumprimento do devedor na esfera patrimonial de um terceiro.

Na responsabilidade contratual é corrente o entendimento de que a legitimidade para a invocação dos efeitos derivados dos contratos se circunscreve às pessoas dos contraentes.

Como sustenta António Abrantes Geraldes[4], a resposta a tal questão é o corolário da eficácia relativa ou do princípio da relatividade dos contratos expressamente consagrado no artigo 406º, nº2 do Código Civil.

Segundo Maria João Pestana de Vasconcelos[5], compete à responsabilidade delitual selecionar as situações em que o interferir numa esfera jurídica alheia dá lugar a uma obrigação de indemnizar.

Contudo, também no âmbito da responsabilidade civil ou extracontratual subsiste a regra geral de que são apenas reparáveis os danos causados ao titular dos bens diretamente atingidos e não já os de terceiro, só podendo exigir indemnização aquele cujo direito absoluto ou cujo interesse protegido por uma norma jurídica de proteção foi lesado (nº1 do artigo 483º CC).

Fora as situações expressamente previstas no artigo 495º do CC em caso de morte ou lesão corporal do lesado, em que se prevê a ressarcibilidade de certos danos patrimoniais e não patrimoniais de terceiros, em matéria de responsabilidade civil extracontratual, apenas são indemnizáveis os danos sofridos pelo lesado, ou seja, o titular do direito violado ou do interesse protegido pela disposição legal violada[6].

Os danos económicos puros (ou danos patrimoniais puros – em que há uma perda económica (ou patrimonial) sem que tenha existido prévia afetação de uma posição jurídica absolutamente protegida –, não são reparáveis em sede de responsabilidade civil extracontratual, salvo no caso de violação de normas destinadas a proteger interesses alheios, ou em determinadas hipóteses especiais como as dos artigos 485º e 495º do CC ou ainda quando se verifique abuso do direito enquanto fonte de responsabilidade civil[7].

Relevante em sede delitual não é todo e qualquer dano mas apenas aquele que surge como a consequência da violação de um direito subjetivo absolutamente protegido do lesado[8].

Segundo Mafalda Miranda Barbosa[9], os danos puramente patrimoniais não são indemnizados porque o conceito restritivo de ilicitude contido no artigo 483º do CC nos remete obrigatoriamente para a violação de direitos absolutos[10], e ainda porque, no fundo, se a responsabilização do agente se impõe em nome de uma ideia mais densa de responsabilidade que, fazendo apelo à pessoa livre, reclama a reparação dos danos causados aos outros, ela não pode ultrapassar um certo limite que nos encaminhe para um excesso de responsabilidade.

Segundo tal autora, a discrepância de tratamento dada por lei à propriedade e outros bens que estão na base dos direitos reais e os meros interesses económicos não titulados por direitos subjetivos tem por fundamento a preocupação de evitar um alargamento desmesurado da responsabilidade civil: “Se não se restringisse a responsabilidade por alguma via, e aqui a regra é a não indemnização dos danos puramente patrimoniais, facilmente a responsabilidade resvalaria ad infinitum[11].

Concluindo, a simples mora no cumprimento de uma obrigação contratual por parte da Ré E (…) não seria suscetível de acarretar a sua responsabilização por eventuais danos puramente patrimoniais causados a terceiro (se os houvesse).

b. danos patrimoniais causados à autora P (…)

A sentença recorrida, considerando que a mora de cerca de 7 meses, por parte da Ré E (…) no pagamento da energia à P(…), impossibilitando-a de recorrer ao crédito, determinou que a L (…) viesse a denunciar o contrato celebrado com a autora, implicando para esta uma perda de 150.000,00 € (correspondente ao lucro que deixou de obter durante os 14 anos previstos para a vigência de tal contrato), condenou a Ré E (...) no pagamento de uma indemnização no valor de 116.667,00 €.

Insurge-se a Apelante contra tal decisão, com base nas seguintes ordens de razões:

- por um lado, não se encontrariam demonstrados factos comprovativos de que os danos (lucros cessantes) fossem prováveis e que o atraso no pagamento por parte da Ré fosse determinante para a autora P (…) não poder instalar a miniprodução ou executar ou cumprir o contrato com a L (…)

- encontrando-se em causa meros atrasos no pagamento de energia produzida na microprodução da autora, por presunção legal do nº 1 do artigo 806º do CC, a Ré E (…) só poderia ser responsável pelo pagamento de juros à Autora P (…)., a contar do dia da constituição em mora.

Comecemos pelo último argumento.

No caso em apreço a autora fundamenta a responsabilidade da Ré no atraso na faturação e pagamento da eletricidade por si produzida e injetada na rede. Encontramo-nos, assim, perante uma situação de mora no cumprimento de uma obrigação pecuniária[12] (que, segundo a alegação da autora a terá impossibilitado de recorrer ao crédito bancário).

A simples mora constituiu o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, sendo que, “na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora” (artigos 804º e 806º, nº1, CC).

No entanto, o credor pode provar que a mora lhe causou dano superior aos juros e exigir a indemnização complementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco (nº3 do artigo 806º do CC).

O desvio que o nº 3 vem consagrar à regra contante do nº1 – de que ao credor não é lícito, no âmbito das obrigações pecuniárias exigir do devedor indemnização superior à fixada no regime da indemnização à forfait, alegando que a mora lhe causou, no caos concreto, prejuízo mais elevado – ficou circunscrito ao domínio de facto ilícito (responsabilidade extracontratual) ou baseada no risco[13].

O nº1 do artigo 806º contém a previsão tradicional de que, nas obrigações pecuniárias a indemnização é à forfait e consiste nos juros que, de acordo com o nº2, são, em princípio, os legais.

Parte-se do pressuposto de que o dinheiro tem um rendimento necessário pelo se dispensa a existência do dano e de nexo causal[14].

Como defendia Adriano Vaz Serra, a indemnização consiste nos juros, de sorte que o credor não carece de demonstrar que sofreu prejuízo com a mora ou o devedor não pode demostrar a falta desse prejuízo para se eximir ao dever de prestar os juros: “A razão disto é que aquele que conta com o seu dinheiro para determinado dia, sofre sempre um prejuízo, quando espera o seu pagamento. Sendo o dinheiro uma coisa frutífera, fácil de fazer frutificar, o credor é sempre privado do rendimento, que teria podido tirar da colocação do capital[15]”.

 E, questionando, então, tal autor se não deveria poder o credor, provando que o dano foi superior aos juros, exigir indemnização suplementar, veio a ser aditado o nº3 pelo DL nº 262/83, que vem consagrar a possibilidade de uma indemnização acrescida mas somente quando se trate de responsabilidade extraobrigacional[16].

Aqui chegados, fica prejudicada a apreciação da 1ª questão levantada pela apelante, relativamente à falta de prova da probabilidade de ocorrência dos danos sofridos pela P(…) e da (ir)relevância do atraso nos pagamentos na ocorrência de tais danos.

 A apelação será de proceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e, julgando-se a ação totalmente improcedente, absolve-se a Ré E (…) do pedido.

Custas pelos Apelados.                    

     Coimbra, 19 de dezembro de 2018


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. Na responsabilidade contratual não indemnizáveis os danos causados a terceiro pelo incumprimento do devedor.
2. Os danos patrimoniais puros, não são, por regra, reparáveis em sede responsabilidade civil extracontratual.
3. Na responsabilidade contratual, a indemnização pela mora no cumprimento de obrigações pecuniárias encontra-se fixada à fortait, correspondendo necessariamente aos juros devidos, sem que seja facultada ao credor a prova de que o dano sofrido é superior.


Maria João Areias ( Relatora )
Alberto Ruço
Vítor Amaral


[1] Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 127.
[2] Enviadas por FTP – protocolo de comunicação informática que envia um ficheiro de um servidor para outro, como foi devidamente explicado pelas testemunhas (…)
[3] “Rudimentos da Responsabilidade Civil”, p.358, in Revista da FDUP, disponível in https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/23773/2/49738.pdf.
[4] “Temas da responsabilidade civil, II Volume, Indemnização por Danos Reflexos”, Almedina, p.10.
[5] Maria João Sarmento Pestana de Vasconcelos, «Algumas Questões Sobre a Ressarcibilidade Delitual de Danos Patrimoniais Puros no Ordenamento Jurídico Português», in “Novas Tendências da Responsabilidade Civil, Almedina, p.174.
[6] Neste sentido, entre outros, Acórdão do STJ de 17-09-2099, relatado por João Camilo.
[7] Acórdão do STJ de 08-09-2016, relatado por Maria da Graça Trigo.
[8] Maria João Sarmento Pestana de Vasconcelos, «Algumas Questões Sobre a Ressarcibilidade Delitual de Danos Patrimoniais Puros no Ordenamento Jurídico Português», in “Novas Tendências da Responsabilidade Civil, Almedina, pp.149-150. Já Vaz Serra havia invocado tal argumento no sentido de que, se os terceiros pudessem ser responsabilizados pela violação de direitos de crédito, resultaria daí uma grave enfraquecimento da vida económica – “Responsabilidade de terceiros no não cumprimento das obrigações”, BMJ nº 85, pp.345-352.
[9] Ana Mafalda Castanheira Neves de Miranda Barbosa, “Um caso de ressarcimento de danos puramente patrimoniais”, in Cadernos de Direito Privado, nº 57, Janeiro Março 2017, p. 64, e ainda “Danos, Uma leitura personalista da responsabilidade civil”, Principia, p. 45.
[10] O ato é ainda ilícito quando viola ainda quando vila disposições legais de proteção de interesses alheios ou quando se configura como um abuso de direito.
[11] “Danos (…), pp.48-49.
[12] Na definição de Manuel de Andrade, obrigações pecuniárias “são aquelas em que a prestação debitória tem por objeto dinheiro”, visando proporcionar o respetivo valor – Teoria Geral do Direito Civil, Vol. ----, p. 215.
[13] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, p. 69.
[14] Ana Prata, “Código Civil Anotado”, Volume I, 2017, Almedina, Coordenação de Ana Prata, p. 1012.
[15] “A mora do devedor”, BMJ nº 48, Maio 1955, p. 100.
[16] Ana Prata, “Código Civil Anotado”, Vol. I, p. 1013.