Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
96/11.0GTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: FURTO
RESTITUIÇÃO
ATENUAÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 06/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 206º Nº 2 CP
Sumário: 1.- Não ocorre a restituição da coisa apropriada, para os efeitos do art. 206º, nº 2, do CP, quando o arguido, depois de furtar um veículo automóvel e de o passar a conduzir na via pública, é intercetado pela GNR e, perguntado pelos militares desta força sobre a identidade do dono da viatura e a razão da existência da ligação direta, diz que a havia furtado, vindo a viatura, em consequência, a ser rebocada para as instalações da autoridade, ficando sob a guarda desta
2.- A restituição da coisa, que pressupõe a sua entrega ao ofendido reunindo o conjunto essencial das suas qualidades e aptidões, deve ser feita por iniciativa do agente do crime, pois só assim será possível alcançar o efeito ressocializador que fundamenta a atenuação especial da pena.
Decisão Texto Integral:

19

I. RELATÓRIO


No 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Castelo Branco o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido A..., com os demais sinais nos autos, a quem imputava a prática, em autoria material, de um crime de furto, p. e p. pelo art. 203º, nº 1, do C. Penal, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), do C. Penal, e de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 4º, nºs 1 e 3, do C. da Estrada.

Por sentença de 21 de Julho de 2011, foi o arguido condenado pela prática dos imputados crimes e contra-ordenação, nas penas de 1 ano de prisão e, de 6 meses de prisão e pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por sete meses, respectivamente, e em cúmulo, na pena única de 1 ano e 3 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por sete meses, e ainda, na coima de € 550.
*


Inconformado com a decisão, dela recorre o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
1º Resultam dos depoimentos conjugados das testemunhas e do próprio depoimento confessório do arguido, que, como o veículo não tinha chave o seu proprietário havia "improvisado" uma ligação directa, o que deveria ter considerado como.
2º O Tribunal incorreu em erro ao não aplicar o disposto no art. 206º nº 1 do CP.
3º Face ao disposto nos artigos nº 206º, nº 2, e 73º, nº 1 al. a) ambos do CP, deveria ter sido aplicada pena de duração inferior, pois a pena aplicada deve ser reduzida em função da atenuação especial prevista.
4º A pena de prisão deveria ter sido suspensa na sua execução, com sujeição a regime de prova, nos termos do artigo 50º, 52º e 53º do CP.
5º Violou a Douta Sentença proferida, os artigos 50º, 52º, 53º, 71º, 73º, 206º, todos do Código Penal, e 374º, nº do CPP, devendo esta Decisão ser revogada, sendo substituída por outra que suspenda a aplicação da pena de prisão aplicada ao arguido pena de duração inferior, sendo a mesma suspensa na sua aplicação com regime de prova.
(…)”.
*

Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da contra-motivação as seguintes conclusões:
“ (…).
1. Nos autos não existiu qualquer restituição do bem furtado por parte do arguido.
Aliás o ofendido apenas o recuperou pela intervenção dos militares da GNR que procederam à sua apreensão.
2. Nestes termos, não poderia ser aplicado nos autos o regime previsto no art. 206.º, n.º 1 do Código Penal.
3. Pelos mesmos fundamentos a pena aplicável ao crime de furto não poderia ser especialmente atenuada, nos termos do art. 206.º, n.º 2 do Código Penal.
4.Por outro lado, e no concerne à suspensão da execução da pena de prisão verificamos que o arguido, apesar de já ter sido condenado pela prática de 3 crimes de condução em estado de embriaguez, 3 crimes de furto, 2 crimes de furto de uso e um crime de falsificação de documento, condenações que viu cumuladas na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, voltou a delinquir, passados pouco mais de 6 meses após ter terminado a liberdade condicional relativamente àquela pena.
5. O arguido também não se encontra social, familiar e profissionalmente integrado, o que aliado à sua personalidade e vastos antecedentes criminais não permitem que se efectue um juízo de prognose favorável relativamente à sua inserção na sociedade e actuação conforme o Direito.
6. Além do mais, e não obstante lhe terem sido dadas diversas oportunidades nas condenações anteriores o arguido não modificou a sua conduta, de facto continua a delinquir apesar de já ter contactado com o meio prisional.
7. Assim sendo, concluímos que bem andou a sentença recorrida e que apenas a condenação do arguido, em prisão efectiva será uma advertência séria ao arguido de que deve manter uma conduta conforme ao Direito.
8. Nestes termos deverá ser mantida a sentença recorrida nos seus precisos termos.
(…)”.
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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, louvando-se na argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, e concluiu pelo não provimento do recurso.
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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO


Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Edição, pág. 335, e Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, 2007, pág. 103).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- A modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
- A atenuação especial da pena nos termos do art. 206º, nº 2, do C. Penal;
- A suspensão da execução da pena de prisão.

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Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevo consta da sentença recorrida. Assim:

A) Nela foram considerados provados os seguintes factos (sendo a numeração entre parêntesis da nossa responsabilidade):
“ (…).
1. A hora não concretamente apurada, mas que se situa entre as 19 horas e 30 minutos do dia 11 de Julho de 2011 e as 2 horas do dia 12 de Julho de 2011, o arguido aproximou-se do veículo automóvel de maca Fiat, propriedade de B..., com o valor de cerca de 400 €, que se encontrava estacionado na Rua … , nesta cidade, e, de forma não concretamente apurada, acedeu ao seu interior.
2. Depois, efectuou uma ligação directa, colocou o veículo em funcionamento e saiu daquele local conduzindo o veículo.
3. Quando o arguido circulava com o veículo supra referido na EN. n.º 3, ao km. 212,4, junto da entrada Norte desta cidade, cerca 2 horas do dia 12 de Julho, o militar da Guarda Nacional Republicana C..., devidamente uniformizado, fazendo uso de material reflector e utilizando um bastão luminoso, deu ordem de paragem ao arguido.
4. Porém, o arguido em vez de parar, imprimiu mais velocidade ao veículo automóvel que conduzia e dirigiu-se à A23, no sentido Castelo Branco/Alcains.
5. Após alguns quilómetros de seguimento, o arguido foi interceptado pelo militar supra referido ao km. 129,8 da A23, já junto da saída de Alcains.
6. Ao ser submetido ao teste de alcoolemia, o arguido acusou uma TAS de 2,18 g/l.
7. O arguido havia ingerido, algum tempo antes, várias bebidas que sabia serem alcoólicas e em quantidade tal que eram apropriadas a provocarem-lhe uma taxa de álcool no sangue igualou superior à legalmente admissível.
8. O arguido conhecia as características do veículo que conduzia e sabia que se tratava de via pública.
9. O arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, querendo fazer seu o veículo automóvel supra identificado, bem sabendo que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário, o que conseguiu.
10. O arguido agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo ter uma taxa de álcool no sangue igual ou superior à legalmente admissível, não obstante decidiu conduzir nessas circunstâncias.
11. O arguido sabia ainda que a ordem de paragem foi dada por militar da Guarda Nacional Republicana, o qual tinha legitimidade para tal, mas decidiu não acatar tal ordem, prosseguindo com a marcha do veículo automóvel que conduzia.
12. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas pela lei.
[Mais se provou que:]
[13] O veículo de que o arguido se apropriou encontrava-se aberto;
[14] O arguido já sofreu as seguintes condenações:
- pela prática em 29.12.1999 de um crime de condução de veículo estado de embriaguez na pena de 45 dias de multa, por sentença transitada em julgado a 20.03.2003 (processo n.º 203/00.8GCCTB), cuja pena foi declarada extinta pelo cumprimento;
- pela prática a 6.09.2004 de um crime de furto simples na pena de 95 dias de multa, por sentença transitada em julgado 18.10.2005 (processo n.º 398/04.1GBFND), tendo o arguido cumprido 63 dias de prisão subsidiária;
- pela prática em Fevereiro de 2003 de um crime de furto simples, um crime de falsificação de documento, um crime de furto de uso de veículo, na pena de 3 anos de prisão efectiva, por acórdão transitado em julgado a 5.12.2006 (processo n.º 17/03.3GDCTB);
- pela prática a 8.11.2003 de um crime de furto de uso de veículo na pena de 150 dias de multa, por sentença transitada em julgado 20.03.2007 (processo n.º 105/03.6GAFCR), pena que perdeu autonomia, uma vez que foi englobada no cúmulo jurídico efectuado no processo n.º 152/02.5GTPTG;
- pela prática em 18.04.2006 de um crime de condução de veículo estado de embriaguez na pena de 85 dias de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses, por sentença transitada em julgado a 30.05.2006 (processo n.º 174/06.7GBFND);
- pela prática em 6.03.2005 de um crime de furto simples na pena de 7 meses de prisão, por decisão transitada em julgado a 21.06.2007 (processo 86/05.1 GBFND);
- pela prática em 2.08.2002 de um crime de condução de veículo estado de embriaguez na pena de 120 dias de multa, por sentença transitada em julgado a 17.07.2007 (processo n.º 152/02.5GTPTG);
- No âmbito deste processo n.º 152/02.5GTPTG foi ainda efectuado cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido, tendo o arguido sido condenado na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão efectiva, tendo o arguido cumprido tal pena, tendo-lhe sido concedida liberdade condicional entre 13 de Dezembro de 2009 e 1 de Janeiro de 2011.
[15] O arguido reside actualmente na … , pagando uma mensalidade de € 100,00;
[16] O arguido está desempregado há cerca de 2 meses, sendo que antes era vendedor de publicidade em Portalegre, tendo trabalhado durante 1 ano e 1 mês ainda durante o período em que esteve em liberdade condicional;
[17] Actualmente (e há menos de duas semanas) o arguido não aufere qualquer rendimento ou subsídio;
[18] O arguido está inscrito no centro de emprego, estando à procura de emprego;
[19] O arguido tem o 9.º ano de escolaridade;
[20] O arguido tem pouco contacto com a sua família, pois que quando os seus pais se separaram ficou a viver com o pai e entretanto o seu pai falecera, ficando o arguido a viver sozinho.
(…)”.

B) Dela consta a seguinte motivação de facto:
“ (…).
Na formação da sua convicção, o Tribunal apreciou de forma livre, crítica e conjugada a prova produzida em audiência, bem como a prova documental junta aos autos, de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do Código de Processo Penal. De notar, que livre apreciação da prova não é sinónimo de apreciação arbitrária da prova, antes significando uma apreciação de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
Desde logo, o Tribunal começou por valorar os depoimentos das seguintes testemunhas:
- B..., proprietário do veículo … . Esta testemunha depôs de forma isenta, coerente e credível, explicitando ao Tribunal que adquiriu este veículo, embora o veículo ainda não se encontre registado em seu nome, embora já tenha tratado dos papéis para proceder a tal registo. Descreveu ainda que por volta das 19H30 estacionou o seu veículo na rua mencionado no ponto 1 da acusação e que no dia seguinte de manhã constatou que o veículo havia desaparecido;
-C… , militar do Destacamento de Trânsito da Guarda Nacional Republicana e que procedeu à intercepção e identificação do arguido no dias 12 de Julho de 2011, cerca das 2H00. A testemunha descreveu de forma circunstanciada, espontânea e credível a conduta do arguido, indo ao encontro do libelo acusatório. A testemunha revelou ainda não ter quaisquer dúvidas quanto à identidade do arguido, uma vez que procedeu à sua identificação através da exibição dos documentos de identificação pelo arguido. Confirmou ainda o teor do auto de notícia de fls. 2 e ss., bem como o resultado do teste de alcoolemia efectuado ao arguido.
O Tribunal valorou ainda a prova documental constante dos autos: auto de notícia de fls. 2 e ss., talão de alcoolímetro de fls. 5, documentos de fls. 12, 13 e 18.
Após a produção de prova, o arguido, que inicialmente exercera o seu direito ao silêncio, desejou prestar declarações, acabando por confessar os factos de que vinha acusado de forma livre e espontânea, o que nessa medida também contribuiu para reforçar a nossa convicção já formadas pela prova produzida.
A convicção do Tribunal, no que concerne às condições sócio-económicas do arguido baseou-se nas declarações deste, que se afiguraram credíveis.
No que se refere aos antecedentes criminais, teve-se em conta o C.R.C. de fls. 36 a 43, examinado em audiência.
(…)”.

C) A seguinte motivação de direito quanto ao preenchimento do crime de furto:
“ (…).
O arguido encontra-se indiciado pela prática, em autora material e na forma consumada, de:
- Um crime de furto, previsto e punido pelo art.º 203º, n.º 1 do Código Penal;
- Um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido no art.º 292°, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a) do Código Penal; e
- Uma contra-ordenação prevista e punida pelo art.º 4º, n.ºs 1 e 3 do Código da Estrada.
Vejamos se a conduta do arguido integra estes tipos legais de crimes.
Dispõe o art. 203.º, n.º 1, CP que "Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa ".
Estamos perante um crime contra o património, em que o bem jurídico protegido é a propriedade, enquanto "disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica" (José de FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, página 30).
Constituem elementos objectivos do tipo em análise: a subtracção; de coisa móvel alheia.
No que diz respeito à vertente subjectiva do tipo legal de crime, este é um crime que apenas é concebido na forma dolosa (cfr. art. 203.º/1 e 13.º do CP). Além do dolo genérico, que deverá cobrir todos os elementos objectivos do tipo (art. 14.º CP), para a consumação do crime de furto exige-se um elemento subjectivo específico, por outras palavras, um dolo específico – a ilegítima intenção de apropriação – que se traduz na intenção do agente de, contra a vontade do proprietário da coisa, a haver para si ou para terceiro, integrando-a na sua esfera patrimonial.
Dúvidas não restam que estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do crime de furto, porquanto ficou demonstrado que o arguido subtraiu o veículo UX-01-16, que não lhe pertencia, contra a vontade do seu proprietário e com a intenção de apropriação, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
(…)”.

D) E a seguinte motivação de direito quanto à escolha, medida e substituição da pena:
“ (…).
Efectuado o enquadramento jurídico-penal das condutas do arguido e analisada a sua responsabilidade penal, cabe agora determinar a natureza e medida concreta das penas a aplicar ao arguido.
Determinantes nesta operação são as finalidades da punição consagradas no art. 40,º do CP: prevenção geral positiva ou de reintegração e a prevenção especial.
Nos termos do preceituado no n.º 2 do art. 40.º do C. Penal, a culpa é um pressuposto irrenunciável e um limite inultrapassável da aplicação de uma pena. De facto, não há pena sem culpa e, jamais, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de violação da dignidade humana, princípio fundamental de um Estado de Direito Democrático.
Acompanhando o Professor FIGUEIREDO DIAS, in As consequências jurídicas do crime, Coimbra, 1988, pag. 279 e ss., diríamos que a prevenção geral positiva fornece uma moldura de prevenção, em que o limite máximo expressa a medida óptima de tutela dos bens jurídicos, ainda consentida pela culpa, e o limiar mínimo, aquele abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação de uma pena, sem se pôr em causa a defesa dos bens jurídicos.
Dentro desta moldura de prevenção geral actuam as exigências de prevenção especial sentidas no caso, tendo como função primordial a socialização do agente e a sua reintegração social e como função subordinada a intimidação individual.
Feita esta análise sobre as finalidades punitivas, analisaremos o caso concreto.
Para o efeito, haverá que ponderar a moldura abstracta prevista nos tipos legais de crimes imputáveis ao arguido, que são as seguintes:
- crime de furto (203.º/1 CP): prisão até 3 anos ou pena de multa;
- crime de condução de veículo em estado de embriaguez (292.º/1 CP): prisão até 1 ano ou multa até 120 dias.
Estipula o artigo 70º do Código Penal que "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência á segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
A pena de prisão apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face ás necessidades de reprovação e prevenção.
Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir á determinação da pena aplicável á violação de um bem jurídico fundamental.
Ora, no momento da escolha em causa, relevam, por um lado, exigências de prevenção geral positiva, interpretadas através da necessidade de restabelecer a confiança comunitária na validade e vigência da norma infringida, e por outro lado, exigências de prevenção especial positiva, entendidas à luz da pretendida ressocialização do arguido.
Debruçando-nos sobre o caso sub judice, cremos ser relevante ponderar que são significativas as exigências de prevenção geral positiva, atentos os infelizes índices de sinistralidade automóvel que se verificam no nosso país (em parte ocasionados por condução sob o efeito do álcool) e a frequência com que este tipo de crimes é cometido, sendo que a frequência do crime de furtos tem gerado na comunidade um forte sentimento de insegurança.
Já no domínio das exigências de prevenção especial positiva, afigura-se-nos que as mesmas se situarão a um nível bastante elevado, uma vez que o arguido já foi condenado por idênticos crimes, contando condenações pela prática de três crimes de condução em estado de embriaguez, três crimes de furto simples e dois crimes de furto de uso, além de um crime de falsificação de documento. Pela prática destes crimes foi efectuado cúmulo jurídico, tendo o arguido sido condenado em 3 anos e 9 meses de prisão efectiva, cuja liberdade condicional terminou a 1 de Janeiro de 2011. Ou seja, passados pouco mais de 6 meses, o arguido voltou a delinquir, voltou a praticar os crimes pelos quais havia sofrido uma pena de prisão efectiva. Tal revela, não só uma conduta desconforme ao direito, mas também elevada insensibilidade face às penas que lhe foram aplicadas e à consequente censura penal de que foi alvo por repetidas vezes desde o ano de 1999.
Ora, atendendo a tudo o exposto, não cremos que a pena de multa seja proporcional e adequada às sobreditas finalidades da punição, apresentando-se como insuficiente face à factualidade provada, pelo que a adequada ponderação de tais aspectos, conduz-nos a pensar que se impõe o recurso à pena de prisão.
Para determinar o quantum de pena adequado à culpa e à prevenção há que ponderar as circunstâncias gerais presentes no caso concreto que, revelando pela via da culpa ou pela via da prevenção, deponham a favor ou contra os arguidos, sempre com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração (71.º/1 e 2 do C. Penal). O n.º 2 do art. 71.º estabelece uma enumeração não taxativa destas circunstâncias, que auxilia o julgador na tarefa de individualização judicial da pena.
Assim, na determinação da pena teremos de ponderar:
- a gravidade do ilícito em causa, que é manifesta [71.º/2, al. a) do CP];
- a concreta taxa de álcool no sangue, que é elevada (2,18 g/l);
- a forma de actuação do arguido, sendo que o veículo de que se apropriou se encontrava aberto, o que facilitou a prática do crime;
- o valor do veículo apropriado que não é de considerável valor (€ 400,00);
- a recuperação do veículo pelo seu proprietário;
- o dolo directo, que presidiu à actuação do arguido e é intenso [14.º/1 e 71.º/2, al. b) do CP].
No que concerne às exigências de prevenção especial, cumpre referir que são elevadas, atento o vasto elenco de antecedentes criminais do arguido e o facto do arguido não se encontrar inserido social e profissionalmente.
Conforme já referimos, o arguido já foi condenado por idênticos crimes, contando condenações pela prática de três crimes de condução em estado de embriaguez, três crimes de furto simples e dois crimes de furto de uso, além de um crime de falsificação de documento. Pela prática destes crimes foi efectuado cúmulo jurídico, tendo o arguido sido condenado em 3 anos e 9 meses de prisão efectiva, cuja liberdade condicional terminou a 1 de Janeiro de 2011. Ou seja, passados pouco mais de 6 meses, o arguido voltou a delinquir, voltou a praticar os crimes pelos quais havia sofrido uma pena de prisão efectiva.
A culpa do arguido é, assim, elevada, uma vez que o arguido persiste na reiteração de crimes de furto e de condução sob efeito do álcool, mostrando-se indiferente às solenes advertências contidas nas condenações anteriores. De igual forma, são bastante elevadas as exigências de prevenção especial, dada a comprovada falta de sensibilidade à pena e susceptibilidade de ser por ela influenciado.
Acresce que as exigências de prevenção geral são elevadas quanto a estes tipos de criminalidade.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez tutela a segurança pública, mais concretamente a segurança rodoviária, é cada vez mais crescente a preocupação pelo acréscimo de acidentes nas nossas estradas, muitas vezes, causados pela condução sob o efeito do álcool. Deve, assim, ser reforçada, aos olhos da comunidade, a validade da norma violada que pune tal conduta e protege aquele bem jurídico fundamental.
De igual forma, são prementes as exigências de prevenção geral no que toca ao crime de furto, atenta a frequência com que ocorrem na sociedade de hoje crimes desta natureza, de que é reflexo o sentimento da comunidade de falta de segurança.
Por último há que ponderar a postura do arguido em julgamento que compareceu em audiência e que, não obstante inicialmente ter exercido o seu direito ao silêncio, posteriormente acabou por reconhecer que praticara os factos de que vinha acusado.
Ponderadas as circunstâncias agravantes e atenuantes gerais, efectuado um juízo de culpa e analisadas as exigências de prevenção geral e especial, mostra-se adequada a aplicação ao arguido das seguintes penas parcelares:
- pela prática do crime de furto (203.º/1 CP): 1 ano de prisão;
- pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez (292.º/1 CP): 6 meses de prisão.
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De harmonia com o disposto no art. 77.º do C. Penal, torna-se necessário efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares impostas ao arguido, uma vez que os crimes praticados estão em concurso efectivo e foram praticados antes do trânsito em julgado de qualquer um deles (art.s 30.º/1 e 77.º/1, ambos do C. Penal).
Ao concurso de crimes é aplicável uma pena única, que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar os 25 anos de prisão, e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, nos termos do preceituado no art 77.º/2 do C. Penal.
Nestes termos, a moldura do concurso aplicável tem como limite mínimo 1 ano de prisão e como limite máximo 1 ano e 6 meses de prisão.
Dentro desta moldura, a medida concreta da pena única deve ser encontrada tendo em conta os factos e a personalidade do agente (art. 77.º/1).
Não podemos deixar de reconhecer que os factos dos autos estão numa relação de estreita conexão, tendo sido motivados pela mesma situação e ocorrido numa actuação sequencial do arguido, o que revela uma certa unidade de motivação que reduz a necessidade de aplicação da completa punição de cada um dos crimes.
Atentas estas circunstâncias, o Tribunal julga justo e adequado aplicar ao arguido a pena única de 1 ano e 3 meses de prisão.
Aqui chegados importa, desde logo, apreciar quanto à eventualidade da suspensão da pena aplicada ou outra pena de substituição (apenas a prestação de trabalho a favor da comunidade atenta a pena concreta aplicada).
Ora, dispõe o art.º 50º, n. º 1, do Código Penal, na versão introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, que "O Tribunal suspende a pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição".
Daqui deriva que são somente necessidades de prevenção especial, na vertente da socialização, limitadas pelas de prevenção geral, na modalidade de defesa do ordenamento jurídico, que neste momento devem ser equacionados.
O elemento determinante da suspensão é a expectativa, criada pelo Tribunal, de que no futuro o arguido se afastará da via da delinquência, mediante a formulação de um juízo de prognose nesse sentido.
Ora, em face de todo o historial e reacções penais já experimentadas pelo arguido (prisão efectiva), é manifesto que a mera suspensão não é de molde a corresponder às exigências de prevenção acima descritas, como o não é, por maioria de razão, a substituição por trabalho a favor da comunidade.
Tudo ponderado, a imagem global do facto, não permite, pois, a sobredita suspensão da execução da pena de prisão, mesmo acompanhada de regime de prova, assim como a referida substituição por trabalho a favor da comunidade não garantem as expectativas da comunidade na validade e vigência da norma violada e na reinserção social do arguido.
Na verdade, o arguido não se encontra social, familiar e profissionalmente inserido, já que há menos de 2 semanas alterou a sua residência para uma associação, não tem qualquer trabalho e tem poucos contactos com a família, não tendo família constituída. No que diz respeito à personalidade do agente e face aos vastos antecedentes criminais do arguido, podemos afirmar que o arguido tem vindo a assumir uma atitude não própria de uma pessoa fiel ao Direito, antes uma conduta manifestamente contrária ao Direito. Sublinhe-se que nas anteriores condenações já foram dadas diversas oportunidades ao arguido (tendo o arguido sido condenado em penas de multa e colocado em liberdade condicional), e o arguido persiste em praticar os crimes.
Não é, assim, possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao arguido.
Pelo exposto, afigura-se necessário advertir seriamente o arguido mediante a aplicação de uma pena de prisão efectiva, de forma a que este mantenha uma conduta conforme ao Direito, com respeito pelos bens jurídicos fundamentais, não sendo para tal suficiente a simples censura do facto e ameaça de prisão. Nestes termos, não se suspende a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
(…)”.
*
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Da modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto

1. Diz o arguido resultar das suas declarações e dos depoimentos das testemunhas que o veículo automóvel de que se apropriou não tinha chave, tendo o seu proprietário improvisado uma ligação directa, pretendendo por isso que esta factualidade seja considerada provada.
A modificabilidade da decisão recorrida depende, além do mais, de ter a prova sido impugnada nos termos do art. 412º, nº 3, do C. Processo Penal (art. 431º, b), do mesmo código). Assim, o recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus da tripla especificação, previsto naquele nº 3, a saber: deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; deve especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e; deve especificar as provas que devem ser renovadas. No caso de provas gravadas, as duas primeiras especificações são feitas por referência ao consignado na acta, com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação (nº 4 do art. 412º, do C. Processo Penal).
O arguido não deu cumprimento a este ónus. Com efeito, nem no corpo da motivação, nem nas respectivas conclusões, encontramos a indicação especificada dos factos que entende incorrectamente julgados, e se pode deduzir-se que pretende que se considere provado que «o veículo automóvel não tinha chave, tendo o seu proprietário improvisado uma ligação directa», a verdade é que o ponto 2 dos factos provados atribui a ligação directa ao arguido, sem que se mostre impugnado. Depois, indicar como provas, os depoimentos conjugados das testemunhas, sem ao menos as identificar, e isto, independentemente do seu maior ou menor número, não satisfaz a exigência legal. Finalmente, nem quanto às suas próprias declarações, nem quanto aos ditos depoimentos, é feita a mínima referência às concretas passagens/excertos em que funda a impugnação (cfr. Acórdão Uniformizador 3/2012, in DR nº 77, I, de 18 de Abril de 2012).
Tudo isto bastaria para inviabilizar o conhecimento do recurso amplo da matéria de facto, face aos termos deficientes em que foi apresentado pelo recorrente.

Ainda assim, e independentemente da relevância do facto que o arguido parece sindicar, este tribunal de recurso ouviu a gravação da prova por declarações produzida em audiência o que vale dizer que, ouviu as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas B… e C..., e o que delas resulta, para a questão de que cuidamos, é que:
- A testemunha B…, dono da viatura automóvel subtraída pelo arguido nada referiu, sendo certo que nada lhe foi perguntado, quanto à existência ou não, da chave da viatura e quanto à forma como esta era posta em funcionamento, mas afirmou que a deixou estacionada pelas 19h do dia 11 de Julho de 2011 e que na manhã do dia seguinte deu pela sua falta;
- A testemunha C…, militar da GNR, afirmou que ao interceptarem o arguido, por ele foi dito que o havia furtado, mas que o mesmo estava aberto e tinha uma ligação directa, e que mais tarde, junto do dono, constataram que este havia perdido a chave;
- O arguido afirmou que os fios já lá estavam, que não fez a ligação directa.
Assim, sendo inquestionável que, como consta do auto de notícia, a viatura tinha ignição com ligação directa, e não sendo crível que o ofendido B… a tivesse deixado estacionada na via pública, em funcionamento, mesmo que, por se ter perdido a chave, o seu funcionamento se iniciasse através do contacto manual de fios da ignição – nisto se traduz a vulgar ligação directa – é evidente que o arguido, para conseguir subtrair a viatura, teve que a por em funcionamento e para tanto, na ausência da chave, teve que pôr em contacto os referidos fios ou seja, fez uma ligação directa. Saber se tais fios já se encontravam acessíveis, ou não, é circunstância que não releva.

Em conclusão, mantêm-se a decisão sobre a matéria de facto, nos exactos termos em que foi proferida pela 1ª instância.
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Da atenuação especial da pena nos termos do art. 206º, nº 2, do C. Penal

2. Diz o arguido resultar dos autos e da própria sentença recorrida que o veículo furtado foi recuperado e restituído ao proprietário, pelo facto de o próprio ter informado as autoridades que o havia subtraído, razão pela qual, atento o disposto no art. 206º, nº 2, do C. Penal, deveria ter a pena respeitante ao crime de furto especialmente atenuada, vindo necessariamente a fixar-se em medida inferior à que lhe foi aplicada.

Dispõe o art. 206º, nº 2, do C. Penal que, quando a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for restituída, ou tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1ª instância, a pena é especialmente atenuada.
Trata-se de um caso se atenuação especial obrigatória, fundada na prevenção e no seu relacionamento com a necessidade de pena, e que é consequência da relevância que nos crimes patrimoniais é dada pela lei à reintegração do património do ofendido, seja pela reparação do dano propriamente dito, seja pela restituição da coisa.
A restituição da coisa, que pressupõe a sua entrega ao ofendido reunindo o conjunto essencial das suas qualidades e aptidões, deve ser feita por iniciativa do agente do crime, pois só assim será possível alcançar o efeito ressocializador que fundamenta a atenuação especial da pena.
Assim, resta agora concluir que não ocorre a restituição da coisa apropriada, para os efeitos do art. 206º, nº 2, do C. Penal, quando o arguido, depois de furtar um veículo automóvel e de o passar a conduzir na via pública, não respeita uma ordem de paragem da GNR, é por tal razão perseguido e interceptado e, perguntado pelos militares daquela força sobre a identidade do dono da viatura e a razão da existência da ligação directa, diz que a havia furtado, vindo a viatura, em consequência, a ser rebocada para as instalações da autoridade, ficando sob a guarda desta (cfr. auto de notícia de fls. 2 a 4). Com efeito, o arguido não restituiu, nem tomou a iniciativa de restituir a viatura que havia furtado. Pelo contrário, a restituição foi feita pela autoridade policial, depois de ter colocado sob a sua custódia, a viatura. O arguido limitou-se a, face à sua intercepção pela autoridade policial e às perguntas que por esta lhe foram feitas, confessado a prática do crime – o que era quase inevitável, face às aparências – e não mais do que isso.

Concluindo, não se verificam, in casu, os pressupostos de que o art. 206º, nº 2, do C. Penal faz depender a aplicação da atenuação especial da pena pelo que improcede, por via desta, a pretendida redução da pena de prisão decretada na 1ª instância pela prática do crime de furto.
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Da suspensão da execução da pena de prisão

3. Pretende o arguido que, levando-se em conta a sua idade, a sua situação de desempregado, os esforços que desenvolve para encontrar emprego, o seu desejo de levar uma vida honesta, a sua inserção social, o facto de a viatura se encontrar aberta, não necessitar de chave para funcionar e ter sido restituída ao dono, em conjugação com a ausência de efeito ressocializador nas penas de prisão de curta duração, a pena de prisão decretada seja suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova.
Vejamos então se pode ou não proceder esta pretensão.

3.1. A suspensão da execução da pena de prisão, pena de substituição em sentido próprio, tem como pressuposto formal que a medida da pena aplicada ao agente não seja superior a cinco anos de prisão (art. 50º, nº 1, do C. Penal), e como pressuposto material a possibilidade de o tribunal concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição (art. 50º, nºs 1 e 2, do C. Penal).
O objectivo de política criminal visado por este instituto é, “ (…) o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. (…). Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».” (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 343).

São razões de prevenção, geral e especial, que fundamentam a suspensão da execução da pena de prisão, e não considerações relativas à culpa (como sucede aliás, com todas as operações de escolha das penas de substituição). Mas os fins de prevenção especial, de reinserção social do agente, têm sempre como limite o conteúdo mínimo da prevenção geral de integração. Ensina, a este propósito, o Prof. Figueiredo Dias, que a prevenção geral “ deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.” (ob. cit., 333).

O juízo de prognose a realizar pelo tribunal, elemento fundamental do funcionamento da suspensão da execução da pena de prisão, parte da análise das circunstâncias do caso concreto – as condições de vida e conduta anterior e posterior do agente, e as circunstâncias do crime, conjugadas e relacionadas com a sua revelada personalidade –, da qual resultará como provável, ou não, que o agente irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando a sua eventual reincidência prevenida com a simples ameaça da prisão (com ou sem imposição de deveres, regras de conduta ou regime de prova), para concluir ou não, pela viabilidade da sua socialização em liberdade.
Na formulação deste juízo o tribunal deve correr um risco prudente pois que a prognose é apenas uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, isto é, se o julgador duvida séria e fundadamente, da capacidade do agente para não repetir a prática de crimes se deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 344, e Cons. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, I Volume, 2ª Edição, pág. 444).
Posto isto.

3.2. Na decisão recorrida foi entendido não ser possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido, tendo em conta os seus antecedentes criminais, a sua personalidade avessa ao direito e a sua falta de inserção social, familiar e profissional.
O julgamento feito não merece censura. Explicando.

É certo que a viatura de que o arguido se apoderou se encontrava na via pública e que a mesma foi recuperada. Mas como o arguido não pode ignorar, mesmo que não tivesse chave de ignição, a sua colocação em movimento necessitava de uma ligação directa, como sucedeu no caso, sendo indiferente que fosse este, ou não, o meio também usado pelo dono para tal fim.
É também certo que o arguido compareceu na audiência de julgamento e que confessou os factos, como consta da sentença [não dos factos provados, mas da motivação de facto], mas fê-lo nas suas últimas declarações e portanto, sem grande relevo para a descoberta da verdade, o que é manifestamente insuficiente para, contrariamente ao por si pretendido, permitir a conclusão de que pretende levar uma vida futura honesta e conforme o direito.
Não se vê, por outro lado, como o facto de o arguido residir numa associação que, aparentemente, desenvolve uma actividade de apoio a cidadãos dele carecidos, pode significar, sem mais, a inserção social.

Quanto ao mais, temos provado que o arguido vêm cometendo crimes desde Dezembro de 1999, tendo já sofrido três condenações pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez [em Dezembro de 1999, Agosto de 2002 e Abril de 2006] em penas de multa, três condenações pela prática de crimes de furto [em Fevereiro de 2003, Setembro de 2004 e Março de 2005], numa pena de multa [convertida em prisão subsidiária] e duas penas de prisão, duas condenações pela prática de dois crimes de furto de uso de veículo [em Fevereiro de 2003 e Novembro de 2003] numa pena de multa e numa pena de prisão, e uma condenação pela prática de crime de falsificação de documento [em Fevereiro de 2003] em pena de prisão.
Acresce que o arguido viu parte das penas parcelares em que foi condenado cumuladas na pena unitária de 3 anos e 9 meses de prisão, que cumpriu parcialmente, tendo sido colocado em liberdade condicional pelo TEP de Coimbra em 13 de Dezembro de 2009 e até 1 de Janeiro de 2011. Daqui decorre que o arguido, sete meses depois de cessada a liberdade condicional recaiu na prática de crimes de furto e de condução de veículo em estado de embriaguez.
Perante tudo isto, é evidente que o arguido revela uma personalidade mal formada, pouco sensível aos valores sociais que as normas penais tutelam e quase indiferente às respectivas sanções, como se evidencia da circunstância de a pena de prisão que acabara de cumprir, já me regime de liberdade condicional, não ter constituído suficiente motivação para o afastar da prática de idênticos comportamentos típicos. Sendo pois, muito elevadas as necessidades de prevenção especial, e existindo sérias e pertinentes dúvidas sobre a capacidade do arguido para entender o significado ressocializador da pretendida pena de substituição, é inevitável concluir que a sua aplicação não preveniria a reincidência do arguido.

Em suma, face à revelada personalidade do arguido e à sua conduta anterior aos factos que constituem o objecto dos autos, não é viável a formulação do juízo de prognose favorável pressuposto pela aplicação do art. 50º, nº 1, do C. Penal, pelo que não pode o mesmo ver suspensa a execução da pena de prisão que lhe foi decretada pela 1ª instância.
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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (arts. 513º, nº 1, do C. Processo Penal e 8º, nº 5 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
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Coimbra, 27 de Junho de 2012


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(Heitor Vasques Osório)

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(Jorge Dias)