Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | MARIA JOSÉ GUERRA | ||
| Descritores: | PERDA ALARGADA DE BENS INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO INTEMPESTIVIDADE VALOR DO PATRIMÓNIO DO ARGUIDO VALOR INCONGRUENTE COM OS RENDIMENTOS LÍCITOS ARRESTO DOS BENS DO ARGUIDO ORIGEM LÍCITA OU ILÍCITA PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DA ORIGEM ILÍCITA DO VALOR INCONGRUENTE PERICULUM IN MORA PRINCÍPIOS DA NECESSIDADE ADEQUAÇÃO SUBSIDIARIEDADE PRECARIEDADE E PROPORCIONALIDADE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO QUE DECRETA O ARRESTO | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 1 | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 1.º, 7.º, N.º 1, E 10.º, N.ºS 1 E 2, DA LEI N.º 5/2002, DE 11 DE JANEIRO ARTIGOS 109.º A 112.º DO CÓDIGO PENAL ARTIGOS 97.º, N.ºS 4 E 5, E 194.º, N.º 6, 120.º, N.º 3, ALÍNEA C), 123.º, N.º 2, 227.º E 228.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
| Sumário: | I - O arresto decretado ao abrigo da Lei n.º 5/2002, 11 de Janeiro, pode ser requerido a todo o tempo, sendo seus requisitos a condenação pela prática de um crime de catálogo, do artigo 1.º, do património do condenado e do valor incongruente com o seu rendimento lícito.
II - A intempestividade do incidente de liquidação da perda alargada de bens a favor do Estado não é de conhecer no recurso do arresto decretado por referência a tal liquidação. Sustentando-se o arresto no artigo 10.º da Lei aplica-se, em primeira linha, o regime da perda alargada de bens, dos artigos 7.º a 12.º da Lei, e como direito subsidiário as normas dos artigos 109.º a 112.º do Código Penal, os artigos 227.º e 228.º do C.P.P. e, ainda, as normas que regulam o arresto em processo civil. III - Apurado o valor do património do arguido, se confrontado com os rendimentos de proveniência comprovadamente lícita auferidos no naquele período resultar um “valor incongruente” não justificado, incompatível com os rendimentos lícitos, é esse montante da incongruência patrimonial que pode ser declarado perdido a favor do Estado, pois a condenação por crime de catálodo opera a presunção (juris tantum) da origem ilícita desse valor. IV - No arresto de bens do arguido não cabe a discussão sobre a sua origem lícita ou ilícita e sendo ele decretado «independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal», como diz o n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, o decretamento não depende do fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias de pagamento do montante incongruente. V - O decretamento do arresto exige o respeito pelos princípios da necessidade, adequação, subsidiariedade, precariedade e proporcionalidade, o tribunal não está dispensado de verificar a existência dos requisitos comuns a todas as medidas de garantia patrimonial. VI - Os despachos de aplicação de medidas de garantia patrimonial, nas quais se inclui o arresto a que alude o artigo 10.º da Lei 50/2002, de 11 de Janeiro, têm que ser fundamentados, nos termos dos artigos 97.º, n.ºs 4 e 5, e 194.º, n.º 6, do C.P.P. VII - Não constituindo a violação do dever de fundamentação do despacho que decreta o arresto do artigo nulidade insanável, o seu conhecimento depende sempre de arguição, nos termos do artigo 120.º, n.º 3, alínea c), ou 123.º, n.º 2, do C.P.P., sob pena de se considerar sanada. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório 1. … veio a Digna Magistrada do Ministério Público, por referência à Liquidação para Perda Ampliada de Bens a Favor do Estado apesentada em 15.07.2024, requerer a garantia patrimonial de ARRESTO DE BENS, em conformidade com os artigos 10.º e 11.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, contra os arguidos AA … e BB … e Outros, alegando para o efeito e em síntese, que deve ser declarado perdido a favor do Estado relativamente aos mencionados arguidos o valor de 289.674,63€, por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito dos mesmos, e, consequentemente, tais arguidos condenados a pagar ao Estado esse montante e ser decretado arresto de todos de todos e quaisquer bens que sejam encontrados em poder dos arguidos, deles pertença, que sejam suficientes para garantir o pagamento dessa quantia, mais concretamente os que para o efeito indica. * “Pelo exposto, de acordo com os artigos 7.º, n.º 1, 10.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2202, julga-se procedente a providência requerida, e, nessa sequência, decreta-se o arresto como constituindo vantagem da actividade criminosa: (…) IX e X – Relativamente aos arguidos AA … e BB … pelo valor que previsivelmente seja declarado perdido a favor do Estado no valor de 289.674,63€. (…) B. Nos termos do disposto no artigo 10.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, decreta-se o arresto de bens, até ao limite dos valores que se pretende acautelar e supra referidos: (…) IX e X – Relativamente aos arguidos AA … e BB …: a. Saldos das contas bancárias de depósitos à ordem tituladas ou co-tituladas pelos arguidos, incluindo as contas de depósito a prazo e outras aplicações financeiras que estejam associadas àquelas, e que não constituam garantia de contratos de mútuo, nomeadamente as anteriormente indicadas e sem prejuízo de outras que venham a ser identificadas b. Bens imóveis: i. Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de …, e descrito na Conservatória de Registo Predial de …; ii. Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de …, e descrito na Conservatória de Registo Predial de …; iii. Prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, da freguesia de …, e descrito na Conservatória de Registo Predial de …; c. Viaturas anteriormente indicadas. (…) * O arresto dos saldos bancários será efetuado através da notificação da respetiva instituição bancária (artigo 780.º, do Código de Processo Civil). Mais se determina o arresto dos veículos e imóveis identificados propriedade dos arguidos ou que tenham sido adquiridos com dinheiro proveniente de crime no período elencado como promovido . Comunique-se a presente decisão ao Gabinete de Recuperação de Activos, tendo em vista a sua urgente execução, nos termos do que dispõe o art. 4°, n.° 3, da Lei n.° 45/2011, de 24-06; D.N. * 2. Inconformada com tal decisão dela interpôs recurso a arguida … extraindo da motivação do recurso apresentado as seguintes conclusões que se transcrevem:
“i. O recurso ora interposto tem como obejcto: a) A preclusão / intempestividade da providência de liquidação; b) A falta de preenchimentos dos requisitos de decretação do arresto; c) A consideração na liquidação feita de contas bancárias de 3.ºs da quais a Recorrente não é titular, mas apenas foi, em tempos, autorizada a movimentar atenta a menoridade das filhas – da nulidade por falta de fundamentação; d) da consideração na liquidação do património incongruente do valor de um crédito bancário pessoal feito, de resgates de seguros, dos veículos e das entradas nas contas que, por ora, se consegue justificar a origem. artigos 19.º a 31.º das alegações: ii. Aos 15.07.2024, o Digníssimo Magistrado do MP deduziu nos autos principais requerimento onde requerer a perda ampliada de bens a favor do Estado contra, além do mais, a aqui Recorrente, reproduzindo a acusação pública deduzida nos autos em 06.03.2023. iii. Justifica-se em 2.º daquele requerimento de liquidação que: «Apenas neste momento se efectua a liquidação do património incongruente por não ter sido possível proceder à mesma aquando da dedução da acusação, em virtude de estar então ainda a decorrer a investigação financeira e patrimonial que lhe serviu de base a cargo do Gabinete de Recuperação de Activos (GRA), em conformidade com o disposto no artigo 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro». iv. O alegado em 2.º é falacioso porquanto quando da dedução da acusação em 06.03.2023, o GRA já tinha solicitado junto da Autoridade Tributária e das Instituições bancárias informação sobre o património financeiro dos arguidos, tendo inclusive elaborado relatório de investigação financeira e patrimonial concluído em 16.12.2019 e remetido o mesmo à consideração da Magistrada do Ministério Público, … v. Compulsados os autos, incluindo o apenso organizado para o efeito pelo GRA, resulta que no momento da acusação os autos continham todos os elementos necessários à realização da liquidação (relatório elaborado pelo GRA e que coligido aos autos sob o Apenso A- (Investigação patrimonial e financeira – NAI 3300316, Volumes I, fls 194 a fls 363). vi. O Ministério Público ao não ter formulado na acusação a liquidação e ao peticionar só em 07.2024, a perda ampliada de bens a favor do Estado, sem apresentar qualquer justificação para a delonga e quando já tinha todos os elementos para que a mesma fosse formulada quando da dedução da acusação, incorre na intempestividade do incidente, pelo que deveria o Tribunal ad quo ter rejeitado a liquidação, por que intempestiva. … vii. O requerente de aresto, neste caso, o Ministério Público, tem que alegar e provar factos (conforme resulta do artigo 392.º, n.º 1 do CPC, ex vi artigo 228.º do CPP) que levem o tribunal a concluir: – pela probabilidade séria da existência do direito invocado; – justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito. viii. Terá que existir objectivamente fundado receio de que falte ou diminua substancialmente a garantia patrimonial do pagamento/entrega destas quantias, não bastando, pois, meras convicções, desconfianças, conjeturas ou suspeições, mas nada obsta a que se decrete o arresto ante a ameaça de dissipação/ocultação patrimonial aferida por concretas condutas atribuídas ao requerido, mesmo que ainda não materializadas, desde que permitam supor de acordo com as regras de experiência e do normal acontecer a iminência da lesão dos direitos ou interesses a acautelar com o arresto. ix. Compulsado o requerimento de liquidação do MP deduzido nos autos em 15.07.2024, não se vislumbra a alegação de qualquer facto de onde possa emergir o justificado receio de perda da garantia patrimonial. … xi. Neste circunstancialismo, não se mostrando preenchido o requisito do periculum in mora ou do justo receio de perda da garantia patrimonial, imprescindível para o decretamento do arresto preventivo requerido pelo Ministério Público, cujo ónus - repete-se -sobre si impendia, a providência não deveria ter sido deferida. artigos 55.º a 67.º das alegações: xii. O requerimento de arresto labora num equívoco, num dado momento diz que as contas são da próprio Recorrente e do marido e, imediatamente a seguir, já diz que o mesmo está autorizado a movimentar a mesma … xiii. A conta do Banco 1... … é titulada em exclusivo pela filha …, e a conta do Banco 1... …é titulada em exclusivo pela filha … xiv. Andou mal o requerimento de arresto e por contaminação a douta sentença, ao considerar como rendimentos para efeitos de apuro do património incongruente, contas das quais Recorrente não é titular.
XV. A Douta Sentença de Arresto ao não fundamentar o motivo do arresto de contas bancárias de que a Recorrente apenas é autorizada a movimentar, padece de falta de fundamentação (artigo 374.º, 2.º e 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, o que faz resvalar a douta sentença para a nulidade, o que se aqui se argui. … xvii. Acresce, ainda, que, caso se considerasse que a Recorrente é titular das contas, a douta sentença nunca se poderia deixar de atender ao número de titulares / autorizados a movimentar de cada uma das contas (3), considerando apenas para efeitos de determinação do património incongruente 1/3 do valor – artigo 516.º do Código Civil. xviii. O MP ao considerar no requerimento de arresto a totalidade do valor, está a contrariar a presunção legal prevista no artigo 516.º do CódCiv, sem que tenha alegado um único facto que sustente a sua conduta. … xix. Na determinação do rendimento incongruente a douta sentença considerou que o valor de € 35.000,00 (ano de 2017 – conta Banco 1...), resultante de um crédito pessoal contraído pelo Recorrente e pela esposa junto do Banco 1.... xx. A douta sentença considerou que o valor de € 51.767,62, resultante de uma transferência da …, para a conta da Banco 2... em 08.10.2016, em resultado de um seguro de feito em 15.03.2010, pelo valor de € 50.000,00. xxi. Bem como considerou o valor de € 48.809,19, resultante de uma transferência da …para a conta da Banco 2... em 17.12.2018, em resultado de um seguro de feito em 15.03.2010. xxii. O sogro do Recorrente, pai da arguida … esteve emigrado na … vários anos, recebendo pensões da …, fazendo, nas épocas festivas (principalmente na altura do Natal), atribuições em dinheiro ao casal, fazendo-o por vezes em numerário e noutras vezes por transferência. … xxiv. A douta sentença considerou que o valor de € 10.000,00, resultante de depósito da mãe do Recorrente, que esta lhe emprestou para que este procedesse à compra da sua habitação que se encontrava em venda judicial por uma dívida que esta possuía – imóvel arrestado nestes autos – vide artigo 664.º da douta sentença. xxv. A douta sentença considerou, ainda, as entradas (na conta da Banco 2...) das seguintes quantias: … xxvi. A douta sentença considera no apuro do rendimento incongruente (por adesão ao requerimento do MP) a aquisição dos veículos automóveis que indica, ignorando-se como o MP chegou ao valor atribuído cada um deles. … * 3. A Exma. Sra. Procuradora da República junto da primeira instância, respondeu ao recurso … * 4. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer … * 5. Cumprido o disposto no art. 417º nº2 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta, e, colhidos os vistos, foram os autos apresentados a conferência. * * II- Fundamentação A) Delimitação do objeto do recurso … Assim sendo, estando a apreciação do recurso balizada pelas conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a decidir são as seguintes: - A preclusão / intempestividade da providência de liquidação; - A falta de preenchimento dos requisitos para decretamento do arresto; - A incorreta ponderação do rendimento incongruente e da falta de fundamentação da decisão recorrida nessa parte. * B) Da decisão recorrida Para a apreciação das questões que cumpre apreciar no presente recurso importa ter presente o que deflui da decisão recorrida que aqui damos por reproduzida, a qual, na parte para o efeito relevante, transcrevemos: “
I. A Digna Magistrada do Ministério Público com referência à LIQUIDAÇÃO de Perda Ampliada de Bens a Favor do Estado, deduzida nos autos principais, veio requerer a garantia patrimonial de ARRESTO DE BENS, em conformidade com os artigos 10.º e 11.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, contra os arguidos : (…) IX. AA … X. BB … O Tribunal é competente; Da não audição dos Requeridos antes da decisão do Arresto, sendo o contraditório deferido após tal decisão ; * II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO III.1. Factos suficientemente indiciados :
I. Do crime de associação criminosa II. Dos crimes de Fraude sobre mercadorias, Contrafacção, imitação e uso ilegal de marca, Venda ou ocultação de produtos, Falsificação ou contrafacção de documento e Branqueamento A. … B. Da actividade desenvolvida pelos produtores de peças de vestuário contrafeitas (…)
B.4. Da actividade desenvolvida pelo arguido … 160. O arguido AA … reside com a arguida BB …, sua mulher, numa habitação situada na Rua dos … 161. O arguido AA …é sócio único e gerente da sociedade … 162. A par da actividade que desenvolvia na referida sociedade, o arguido AA …tinha ainda por actividade o fabrico e comercialização de peças de vestuário contrafeitas, como se de artigos originais se tratassem, sobretudo polos, t-shirts e boxer/cuecas, o que fazia sem introduzir na contabilidade da sua empresa a produção e os lucros dessa actividade, e sem declarar à autoridade tributária os proveitos económicos que daí lhe advinham. 163. A arguida BB …tinha perfeito conhecimento das actividades do marido e, de comum acordo e em conjugação de esforço com ele, teve intervenção na produção e comercialização do vestuário contrafeito. 164. Assim, a arguida BB …tinha registado em seu nome o veículo …, utilizado habitualmente no transporte do vestuário contrafeito, e figurava como destinatária de embalagens remetidas a partir de Espanha, através de serviços de transporte, contendo dinheiro enviado pelos clientes para pagamento da mercadoria contrafeita adquirida … 165. A arguida BB … também participava na recolha, transporte e entrega do vestuário contrafeito e nas respectivas operações de segurança, … …
IX e X Arguidos AA … e BB …
AA … e BB … foram constituídos arguidos nos autos, em 19/02/2019 … Os arguidos … são casados entre si desde ../../1992, no regime de comunhão de adquiridos. Durante os cinco anos que antecederam a sua constituição como arguidos, … obtiveram os seguintes rendimentos, que declararam à administração tributária, no montante global de 223.078,05€. … Os arguidos AA e BB não obtiveram durante o referido período outros rendimentos lícitos. Entre 2014 e 2019, o património dos arguidos AA … e BB … era composto por bens móveis, imóveis, depósitos bancários e produtos financeiros. … Nas referidas contas bancárias dos arguidos AA … e BB … foram efectuados os seguintes movimentos/entradas a crédito no valor total de 445.238,155€ resultantes de depósitos de cheques e valores em numerário e transferências, conforme listagem de movimentos a crédito do apenso de recuperação de activos, que aqui damos por reproduzida: … Entre 2015 e 2019 os arguidos AA … e BB … compraram, pelo menos, as seguintes viaturas automóveis, com um valor global nunca inferior a 65.400,00€. O património dos arguidos AA … e BB … é constituído por activos no valor global de 511.638,15€. Durante os cinco anos que antecederam a sua constituição como arguidos, e até à presente data, AA … e BB … auferiram rendimentos lícitos no valor global de 221.963,52. Com a sua actividade criminosa, os arguidos AA … e BB … obtiveram uma vantagem no valor de 289.674,63€, resultante da dedução do seu rendimento lícito à totalidade do seu património: …
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, relativamente aos arguidos AA … e BB … o MP liquidou a vantagem da actividade criminosa, correspondente ao património incongruente, no valor total de 289.674,63€, assim discriminado e que deve ser declarado perdido a favor do Estado: … Em conformidade com o disposto no artigo 10.º, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, o MP requereu que seja decretado o arresto de todos os bens dos arguidos AA … e BB …, até ao limite do que for suficiente para garantia do pagamento do valor do património incongruente, porque existe fundado receio de diminuição das garantias patrimoniais e fortes indícios da prática, além do mais, dos crimes de Branqueamento e Associação criminosa, contemplados no artigo 1.º, do mesmo diploma. Designadamente: * III.3. Motivação da matéria de facto
* IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO … * * C) Apreciação do recurso - Da preclusão / intempestividade da providência de liquidação
Na argumentação que consta das conclusões ii. a vi. resume a recorrente as razões pelas quais entende que a dedução do incidente da liquidação, da perda ampliada de bens a favor do Estado, se apresenta intempestiva. Sendo, como é, objeto do presente recurso o despacho que decretou o arresto – por ter sido esta via (do recurso) pela qual a arguida e ora recorrente BB optou para se insurgir contra o decretamento do mesmo – nele não cabe conhecer da alegada intempestividade do requerimento apresentado pelo Ministério Público a promover a perda ampliada de bens a favor do Estado. Com efeito, estando em causa no presente recurso, apenas, o decretamento do arresto de bens da arguida e do seu marido, também arguido nos autos, para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 5/2002, 11.01, o arresto desses bens pode ocorrer a todo o tempo, como resulta da conjugação do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 10º da mesma Lei, não podendo a alegada intempestividade do incidente de liquidação ser objeto de apreciação no presente recurso que apenas se prende com o arresto decretado por referência a essa liquidação. Face ao que, neste segmento, improcede a pretensão recursiva. * - Da falta de preenchimento dos requisitos para decretamento do arresto Na argumentação que consta das conclusões vii. a xi resume a recorrente as razões pelas quais entende não se verificarem os requisitos necessários ao decretamento do arresto, por considerar que não foi alegada pelo Ministério Público, e, por isso, não constar da decisão recorrida factualidade donde possa emergir o justo receio de perda de garantia patrimonial e do “periculum in mora”. Como espelha tal argumentação recursiva as razões que nela aduz a recorrente para demonstrar o não preenchimento dos requisitos do arresto decretado assenta no pressuposto de que o decretamento de tal providência cautelar está sujeito, por remissão do artigo 228.º do Cód. Proc. Penal, às normas do processo civil (artigos 392.º e segs. do Código de Processo Civil), que exigem que o requerente demonstre: a) a existência, a seu favor, de um direito de crédito sobre o requerido ou, pelo menos, a probabilidade da existência de um crédito (o chamado fumus bonus iuris); b) o perigo de insatisfação desse crédito aparente (o chamado periculum in mora). Adiantando já, diremos que não lhe assiste razão. Como expressamente deflui da decisão recorrida o arresto decretado em relação aos bens da ora recorrente (e do seu marido) sustenta-se no disposto no art. 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, o que a recorrente pretende escamotear. Com efeito, no âmbito do combate à criminalidade organizada e económico-financeira, a Lei 5/2002, de 11.01, estabelece regimes especiais em matérias como a recolha de prova, a quebra do sigilo fiscal e bancário e a perda de bens a favor do Estado. O art. 1.º da mesma estabelece um “catálogo” de crimes que se caracterizam, não só pelo grau de sofisticação e organização que, por norma, envolvem, mas também, e sobretudo, pela sua capacidade de gerar avultados proventos para quem os pratica, como é o caso dos crimes de associação criminosa e de branqueamento de capitais [nº1 als. i) e j)] Daí a necessidade de criar mecanismos de ordem legal e especiais que visam facilitar a investigação e a recolha de prova e de um mecanismo sancionatório, repressivo que garanta a perda das vantagens obtidas com a atividade criminosa, tomando por base a presunção de obtenção de vantagens patrimoniais ilícitas através dessa atividade. A criação desse mecanismo substantivo de perda alargada, suscetível de confiscar o valor do património ilícito do arguido (arts. 7º e ss. da Lei nº 5/2002, de 11.01), despoletou a necessidade de criar, também, o correspondente mecanismo processual cautelar, capaz de assegurar a possibilidade mínima do cumprimento futuro da decisão final de confisco. Dispõe o art. 10º, nº 1, da citada Lei nº 5/2002: que “Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do nº 1 do art. 7º, é decretado o arresto de bens do arguido.”. Tal arresto, que pode ser requerido a todo o tempo pelo Ministério Público, deve ser decretado sobre bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa (nº 2 do referido preceito legal). O arresto é decretado pelo juiz independentemente da verificação dos pressupostos referidos no nº l do art. 227º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios do cometimento do crime (nº 3 do referido preceito legal). Do n.º 4 do citado preceito legal resulta que, em tudo o que não contrariar o referido diploma legal, é aplicável o regime de arresto preventivo previsto no Código Processo Penal. Assim, no caso em vertente, aplica-se, em primeira linha, o regime da perda alargada de bens previsto nos artigos 7.º a 12.º daquele diploma legal. Como direito subsidiário, temos as normas dos artigos 109.º a 112.º do Código Penal, os artigos 227.º e 228.º do Código de Processo Penal e, ainda, as normas que regulam o arresto em processo civil. Como se refere no ac. do TRP, de 15.4.2015, onde vem citado o ac. do mesmo TRP de 11.6.2014: “A base de partida é o património do arguido, todo ele, pois o conceito é utilizado no artigo 7.º numa perspectiva omnicompreensiva [Cfr. Hélio R. Rodrigues, “Perda de bens no crime de tráfico de estupefacientes”, in Revista do Ministério Público, 134.º, Abril/Junho de 2013, p. 233], de forma a abranger, não só os bens de que ele seja formalmente titular (do direito de propriedade ou de outro direito real), mas também aqueles de que ele tenha o domínio de facto e de que seja beneficiário (é dizer, os bens sobre os quais exerça os poderes próprios do proprietário), à data da constituição como arguido ou posteriormente. Esta amplitude com que a lei define o património do arguido para este efeito tem um fito: o de minimizar a possibilidade de ocorrência de fraude, de ocultação do seu verdadeiro titular. Por isso, como assinala Jorge Godinho [“Brandos Costumes? O confisco penal com base na inversão do ónus da prova”, in “Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias”, p. 1345], “visam-se aqui os bens detidos formalmente por outra pessoa, singular ou colectiva, tratando-se de provar que em todo o caso os bens pertencem à esfera jurídica do arguido”, cabendo ao Ministério Público a prova de que “apesar de a titularidade pertencer a outrem, o respectivo domínio e benefício – conceitos claramente usados em sentido económico-factual, com vista a expandir o âmbito de aplicação do confisco e a evitar o que seriam fáceis fugas ao mesmo – pertencem ao arguido”. Para este efeito, incluem-se, ainda, no património do arguido os bens transferidos para terceiros de forma gratuita ou através de uma contraprestação simbólica nos cinco anos anteriores à constituição de arguido e os por ele recebidos no mesmo período. Apurado o valor do património, há que confrontá-lo com os rendimentos de proveniência comprovadamente lícita auferidos pelo arguido naquele período. Se desse confronto resultar um “valor incongruente” não justificado, incompatível com os rendimentos lícitos, é esse montante da incongruência patrimonial que poderá ser declarado perdido a favor do Estado, uma vez que, condenado o arguido, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime do catálogo, opera a presunção (juris tantum) de origem ilícita desse valor. Para garantir a efetiva perda desse valor incongruente, pode o Ministério Público requerer ao juiz que decrete o arresto de bens do arguido (sem que caiba qualquer discussão sobre a sua origem lícita ou ilícita), podendo o arresto ser decretado “independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal” (n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002), o que é dizer que o decretamento do arresto não depende da verificação do periculum in mora, do fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias de pagamento do montante incongruente - neste sentido, Jorge Godinho, in ob. cit., 1346 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal”, UCE, 2.ª edição actualizada, p. 627). Ressuma, pois, do que vem de dizer-se que o legislador português consagrou na Lei nº 5/2002, de 11.01, um regime de perda alargada, baseado na diferença entre o património do arguido e aquele que seria compatível com o seu rendimento lícito, presumindo-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito (art. 7º, nº 1, da Lei nº 5/2002, de 11-01). Ou seja, com base em determinados pressupostos (condenação por crime de catálogo, património, incongruente com o rendimento lícito), para efeitos de confisco, o legislador presume que a diferença entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o seu rendimento lícito provém de atividade criminosa. Daí que, a aplicação do mecanismo de “perda alargada” de bens, previsto na Lei nº 5/2002, de 11.01, assenta na verificação dos seguintes requisitos: a) Condenação pela prática de um crime do catálogo (art. 1º da Lei nº 5/2002, de 11-01); b) Património do condenado; c) Incongruente com o seu rendimento lícito. Sendo, como é, o arresto previsto no artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, como já referido, o correspondente mecanismo processual cautelar, capaz de assegurar a possibilidade mínima do cumprimento futuro da decisão final de confisco, o respetivo decretamento exige o respeito pelos princípios da necessidade, adequação, subsidiariedade, precariedade e proporcionalidade. Na verdade, apesar de, como referido, o Ministério Público estar dispensado de demonstrar o periculum in mora (cfr. art. 10º, nºs 3 e 4, da Lei nº 5/2002, de 11-01), o tribunal não está dispensado de verificar a existência dos requisitos comuns a todas as medidas de garantia patrimonial, pautados pelo respeito de tais princípios. Na decisão recorrida foi considerado em relação à arguida e ora recorrente que se verifica a existência de fortes indícios da prática pela mesma, para além de outros, do crime de branqueamento de capitais e de associação criminosa, previstos e punidos pelos arts. 299.º, n.º1, 2, 3 e 5, do Código Penal e e 368.º-A, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal por referência ao crime precedente de associação criminosa e de crime contra a propriedade industrial, respetivamente, pelos quais se encontra já pronunciada, e, também, que “a liquidação dos patrimónios respectivos dos arguidos encontram-se realizadas e devidamente explanadas, e devidamente sustentada em elementos probatórios, tendo sido apurada as vantagens da actividade criminosa supra referidas. Nessa medida, encontram-se preenchidos os requisitos específicos de que depende a procedência da medida.” Outro tanto nela se considerou, a respeito, agora, dos requisitos gerais, aduzindo-se que: “ - A medida de arresto é necessária à salvaguarda dos interesses do Estado em levar a cabo uma efectiva cobrança do crédito que resultará na declaração de perda do património incongruente promovida pelo Ministério Público, nos termos da liquidação a que se procedeu em sede de despacho do MP. - Também no caso dos autos, o arresto se revela proporcional à gravidade do ilícitos indicados, o que, aliás, já resulta da ponderação do legislador ao incluir nos crimes de catálogo os crimes de associação criminosa e de branqueamento de capitais por que os requeridos se encontram pronunciados. - Como se mostra proporcional e adequado tendo em consideração que apenas se pede o arresto em bens que garantam o pagamento da quantia em que se liquidou o património incongruente, isto é que garantam o pagamento da quantia em que se liquidou o património incongruente, dos respectivos valores indicados pelo que o património dos requeridos só serão afectados na exacta medida do necessário para garantir a efectiva cobrança por parte do Estado do crédito resultante da declaração de perda daquele valor. - Finalmente, também no caso dos autos se mostra previsível (atenta o grau de indiciação subjacente à dedução de uma pronúncia ) uma decisão final em matéria de perda ampliada do valor de incongruência patrimonial liquidada, aliás, ela mesma fortemente indiciada e já liquidada.” Assim sendo, não existindo espaço para acolher a necessidade de alegar outros factos a que alude a arguida e ora recorrente no seu recurso, pois esse será um requisito exigido pela lei processual civil para a providência cautelar de arresto, mas já não pela Lei n.º 5/2002, de 11.1 para decretar o arresto para efeitos de perda ampliada, não temos dúvidas, por isso, de que estão preenchidos os requisitos para o decretamento do arresto determinado nos autos. Improcedendo, por isso, também neste segmento a pretensão recursiva da recorrente. * - Da incorreta ponderação do rendimento incongruente e da falta de fundamentação da decisão recorrida nessa parte Nas conclusões xii a xviii resume a recorrente a argumentação em que sustenta a nulidade da decisão recorrida com base em que nesta não se mostra fundamentado o motivo pelo qual foram levadas em conta para efeitos de apuro do rendimento incongruente da mesma e do seu marido também arguido nos autos – como rendimentos obtidos pelos mesmos - as duas contas do Banco 1... que indica e que foram consideradas na decisão recorrida para esse efeito, das quais são titulares as suas filhas e que a recorrente e o seu marido estão autorizados a movimentar, entendendo, ainda, que os valores referentes às mesmas – no montante global de € 36.234,85 - deverão ser amputados do valor considerado para efeitos de rendimentos obtidos, ou, quando assim se não entenda, dever ser apenas considerado para esse efeito 1/3 do montante global das mesmas, tendo em conta o número de titulares/autorizados a movimentar as mesmas, em número de 3, e a presunção legal que resulta do disposto no art. 516º do Código Civil. Falta de fundamentação que também assaca à sentença recorrida, noutra perspetiva, alegando que nela não se fundamentou o valor atribuído aos veículos com base no qual se considerou ser o mesmo incremento patrimonial incongruente, sustentando-se na argumentação que aduz nas conclusões xxvi e xxix. Ancorado nesta argumentação pretende a recorrente que a decisão recorrida padece de falta de fundamentação que a faz resvalar para a nulidade prevista nos arts. 374º, nº2 e 379º, nº1, al. a) do CPP. Em primeiro lugar, cumpre referir que, nos termos do art.º 228º do CPP a decisão que decreta o arresto é um despacho e não uma sentença. Sendo as nulidades previstas no art.º 379º do citado diploma nulidades específicas da sentença, conforme aí literalmente expresso, nunca a decisão recorrida poderia padecer das mesmas (cf. Fernando Gama Lobo, in Código de Processo Penal Anotado, 4ª edição, 2022, Almedina, pág. 865). No entanto, os despachos de aplicação de medidas de garantia patrimonial, nas quais se inclui o arresto a que alude o art. 10º da Lei 50/2002 têm que ser fundamentados, em obediência ao previsto no art.º 194°, nº 6 do Cód. Proc. Penal, onde se refere que: «A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade: a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime; c) A qualificação jurídica dos factos imputados; d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º». Verifica-se, assim, que o despacho de aplicação de uma medida de garantia patrimonial é um ato judicial decisório, que deve ser fundamentado, nos termos gerais do art.º 97º, nºs 4 e 5, e nos termos específicos do art.º 194º, nº 6 ambos do Cód. Proc. Penal. O dever de fundamentação deste despacho encontra-se vinculado a um determinado conteúdo, sendo a sua falta de fundamentação cominada com a nulidade. Porém, dado que esta nulidade não figura expressamente no elenco das nulidades insanáveis do art.º 119º do CPP, considera-se que a mesma só poderia configurar uma nulidade relativa ou uma irregularidade, dependente de arguição pelo Ministério Público ou pelo arguido, no primeiro caso no prazo previsto no art.º 120º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma, ou, no segundo, no prazo previsto no art. 123º, nº2 do mesmo diploma legal, sob pena de se considerar sanada. Não tendo a nulidade/irregularidade invocada pela recorrente sido arguida no prazo previsto na lei, não pode este Tribunal de recurso dela conhecer, impondo-se considerá-la sanada. Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre se dirá que o despacho em apreço se encontra suficientemente fundamentado de facto e de direito, importando não esquecer que nele se sustenta o arresto das contas bancárias que vem posto em causa pela recorrente no disposto no art. 7º da Lei 5/2002, e que, como já deixámos adiantado, o conceito de património utilizado em tal normativo legal assume uma perspectiva omnicompreensiva, de forma a abranger, não só os bens de que o arguido seja formalmente titular (do direito de propriedade ou de outro direito real), mas também aqueles de que ele tenha o domínio de facto e de que seja beneficiário, ou seja, os bens sobre os quais exerça os poderes próprios do proprietário), à data da constituição como arguido ou posteriormente. Já quanto ao valor dos veículos adquiridos pela recorrente e pelo seu marido que foi considerado para apuramento do rendimento incongruente, cuja falta de fundamentação invocada, se bem a entendemos, se prenderá com a falta de exame crítico das provas que o sustentam, também ela se não verifica. Com efeito, decorre da motivação da matéria de facto exarada na decisão recorrida a propósito do incremento patrimonial incongruente que nela foi considerado em relação à recorrente e ao seu marido também arguido nos autos [ponderação que foi feita em conjunto também em relação aos demais arguidos requeridos no arresto] que: Perante tal motivação, ao contrário do que pretende a recorrente, resulta bem evidente os meios de prova que sustentam o valor atribuído aos veículos que foi considerado para efeitos de apuramento do rendimento incongruente que sustenta o arresto decretado. Percebe-se que a recorrente não concorda com a inclusão do montante das referidas contas bancárias e do valor atribuído aos ditos veículos que foi considerado na decisão recorrida para efeitos do valor global considerado dos rendimentos por si obtidos levado em conta para apuramento do seu rendimento incongruente, todavia, tal não é motivo para reputar de infundamentada a mesma, porque, a decisão recorrida mostra-se suficientemente fundamentada quer de facto, quer de direito. Por fim, quanto às demais questões que vêm suscitadas pela recorrente relacionadas com os bens e respetivos valores considerados para afeitos de apuramento do seu rendimento incongruente que ditou o arresto sobre os bens indicados na decisão recorrida, sustentada na argumentação que resume nas demais conclusões que formula no final da sua motivação do recurso, diremos que nesta fase – do despacho que recebeu o requerimento de liquidação para perda ampliada de bens e que decreta o arresto de bens da arguida – não cabe discutir o mérito da liquidação que para o efeito foi operada, de acordo com os elementos probatórios que foram carrados para os autos e que se mostram escalpelizados na decisão recorrida, porque tal decorrerá da prova que for produzida sobre a proveniência desses montantes, que tem a sua sede na audiência de julgamento, por ser aí, como bem aduz a Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância na resposta ao recurso, “que se concretizam e são aplicados, em toda a sua extensão, os princípios enformadores do nosso processo penal - v.g., o princípio da imediação, da oralidade, da livre apreciação da prova, da presunção da inocência, do in dubio pro reo e do contraditório, sendo que a conformidade da Lei n.º 5/2002, mais propriamente do mecanismo previsto no artigo 7.º, com esses princípios constitucionais, foi já discutida e aceite pela doutrina e jurisprudência”, até porque, a recorrente lançou mão do recurso do despacho que decretou o arresto e não, como podia, em alternativa, da oposição ao arresto. Como, sobejamente, decorre do já expendido, o arresto em causa foi decretado ao abrigo da Lei nº 5/2002, cujo art.º 1º, nº 1 “estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado” relativamente aos crimes que cataloga nas suas diversas alíneas. Muito embora a previsão legal se baste com a condenação pela prática de um daqueles crimes de catálogo nos autos onde essa perda ampliada é declarada, o certo é que, mesmo assim, a aquisição dos bens em causa deve ser contextualizada com as circunstâncias em que se provou a ocorrência do crime. Como vimos, decorre do art.º 7º, nº 1 do citado diploma que, analisada a questão criminal, e se for caso de condenação por um daqueles crimes, funciona a presunção de que constitui vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. Para a determinação dos bens cuja perda deve ser decretada há que ter em conta o valor do património global do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. Só aqueles bens que não encontrem esse tipo de justificação, constituindo a diferença entre uma e outra premissa, devem ser decretados perdidos a favor do Estado, por presumidamente serem vantagem da atividade criminosa, podendo o arguido afastar essa presunção nos termos previstos no art.º 9º, nº 3 do mesmo diploma. Porém, estando em causa um procedimento cautelar, não se pode exigir, nesta fase, o estabelecimento de um grau de certeza, não só relativamente aos factos integradores do ilícito criminal, como quanto ao valor dos bens relativamente aos quais se verifique a incongruência entre o património do arguido e o seu rendimento lícito apurado. O TEDH reiterou que se lhe afigura legítimo que as autoridades nacionais emitam ordens de confisco na base da "preponderância da prova" (ou probabilidade preponderante) que sugira que os rendimentos legítimos de determinada pessoa não são suficientes para adquirir [licitamente] os bens que lhe foram encontrados, ao invés de exigir uma prova para além de qualquer dúvida razoável. Resta, assim concluir pela improcedência do recurso também neste segmento recursivo. * Face ao que improcede o recurso na totalidade. * * * III- Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 4º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em: 1. Julgar improcedente o recurso interposto pela arguida/requerida …, e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida. 2. Condenar o recorrente nas custas do recurso, fixando a taxa de justiça em 4 UCs. * * * Coimbra, 10 de dezembro de 2025
(Texto elaborado pela relatora e revisto por todas as signatárias – art. 94º, nº2 do CPP )
(Maria José Guerra – relatora) (Isabel Gaio Ferreira de Castro – 1ªadjunta) (Maria José Matos – 2ª adjunta) |