Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2212/19.4T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE CRÉDITO
CONTRATO DE SEGURO DE VIDA
SEGURO DE GRUPO
COLIGAÇÃO
INTERVENÇÃO DE TERCEIRO
Data do Acordão: 06/02/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 10 Nº5, 32, 33, 34, 53, 54, 56, 311, 709, 728, 729 CPC, DL Nº 72/2008 DE 16/4
Sumário: 1. Verdadeira justiça só será a que se recusa a cobrir com o equilíbrio aparente das justificações formais, as manifestas injustiças dos desequilíbrios reais.

2. Nas execuções por dívida provida de garantia real hipotecária, sempre que esteja em crise a manutenção do direito à habitação e interesses fundamentais relacionados com a protecção da vida familiar, havendo contrato de seguro do ramo vida, se, na sequência do falecimento do segurado/mutuário, o credor opta voluntariamente por não accionar a companhia seguradora com quem mantém relacionamento negocial privilegiado, preterição essa que à luz da boa fé e do equilíbrio contratual causa um impacto negativo aos executados de valor superior ao benefício que advém para o credor por intermédio dessa inacção, é possível a intervenção do terceiro segurador co-responsável pelo pagamento da dívida titulada por esta ser uma providência adequada à realização coactiva da obrigação devida e estar integrada na esfera de protecção do título executivo habilitante.

3. Perante um incipiente enquadramento fáctico e numa fase adjectiva preliminar, nada desaconselhará a intervenção em juízo de quem em primeira linha deva, pelo menos, esclarecer se e em que circunstâncias o seguro, já accionado, deverá pagar a quantia pedida na acção executiva, estando assim aberta a possibilidade de, na oposição mediante embargos, demandar ou fazer intervir a própria seguradora conjuntamente com o exequente/tomador do seguro, a que se encontre “umbilicalmente ligada”.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

I. Em 20.9.2019, M (…), D (…) e I (…) deduziram oposição, por embargos, à execução para pagamento de quantia certa, no valor de € 90 744,69, que lhes é movida por Banco (…), S. A. - embargos opostos a esta e a S (…) Seguros, Companhia de Seguros Vida, S. A. -, pedindo a condenação da Seguradora no “pagamento do valor em dívida exequenda extinguindo-se o processo executivo”.

Alegam, em síntese: a dívida exequenda resulta do empréstimo que foi contraído para a aquisição de habitação própria permanente da executada M (…) e de seu falecido marido J (…); foi condição para que a entidade bancária concedesse tal empréstimo a celebração de seguro de vida de ambos os mutuários; foi celebrado seguro de vida entre estes e S (…) Seguros, figurando o Banco exequente como Tomador do Seguro e a embargante e seu falecido marido como 2ª e 1ª Pessoa Segura, respectivamente; tal contrato cobre os riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva das Pessoas Seguras, garantindo o pagamento do empréstimo; no dia 29.7.2016, por infortúnio, o marido da executada M (…) foi mortalmente atropelado; foi accionado o supra referido seguro por carta dirigida à 2ª demandada, a 28.8.2016, não tendo, até hoje, a Seguradora assumido o pagamento da indemnização a que têm direito os sucessores e o Tomador do Seguro (exequente); até à data do óbito do mutuário não existia incumprimento; o circunstancialismo que envolveu o decesso do marido da executada não se encontra excluído da cobertura da referida apólice; estava ciente a executada M (…) que não se encontrava a incumprir qualquer das suas obrigações, pois a Seguradora tinha a obrigação de assumir o pagamento integral da dívida à data do óbito de seu marido/segurado; devem, assim, ser admitidos os presentes embargos, deduzidos também contra a Seguradora, ainda que não exequente.

 Por despacho de 07.10.2019, o Mm.º Juiz a quo, nos termos e para os efeitos do art.º 732º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), indeferiu liminarmente os Embargos de Executado, por manifesta improcedência, considerando, por um lado, que não servem para demandar terceiros nem para obter a condenação desses terceiros no que quer que seja e, por outro lado, que a Exequente/Embargada é terceira em relação ao contrato de seguro (apenas devendo ser beneficiária do mesmo), e não configura a alegada existência de um contrato de seguro válido fundamento de Oposição à Execução por Embargos de Executado.

Inconformados, pugnando pela revogação daquele despacho, os embargantes apelaram formulando as seguintes conclusões:

1ª - Foram violados os art.ºs 54º n.º 1, 731º e 732º n.ºs 2, 4 e 5 do CPC.

2ª - Os Embargos de Executado são na sua verdadeira acepção processual a enxertia de uma nova acção judicial noutra pré-existente esta de cariz executivo, não sendo possível a utilização do expediente de chamamento à Demanda, pelo Embargante/Executado naquele articulado, pelo que é admissível a sua dedução contra terceiro não executado.

3ª - Foram invocados factos relacionados com a negociação do crédito dado à execução, mormente, a obrigação de contratação de seguro de vida imposto pela Exequente.

4ª - Assim, e tendo sido já accionado tal contrato de seguro, é lícito nos termos das disposições processuais civis proceder à inclusão da seguradora na acção que se intenta, pois na esfera jurídica da mesma serão produzidos efeitos que obstam ao ganho de causa e pretensão da Exequente.

5ª - Caso assim se não entenda, com a conjunção das disposições legais ínsitas nos art.ºs 54º n.º 1 e 731º do CPC sempre se terá obrigatoriamente que admitir que a fundamentação da mesma constante se subsume do art.º 731º do CPC.

6ª - Se a oposição à execução se fundar noutro título que não seja a sentença ou injunção com fórmula executória, o executado pode deduzir embargos com base em qualquer dos fundamentos de oposição à execução daqueles títulos e bem assim, quaisquer outros que este possa usar como defesa na acção declarativa, na medida em que os embargos seguem esta forma processual. Pode, assim, o executado defender-se por excepção e por impugnação, alegando circunstâncias de facto que não resultam do título executivo, assim como pode deduzir pedido reconvencional, nomeadamente com vista à compensação com crédito de que seja titular contra o exequente.

7ª - Nos casos em o mutuante impõe ao mutuário a celebração de contrato de seguro que assegure a obrigação de restituição do capital mutuado e a remuneração acordada, deve entender-se que a vontade usual das partes será a de que o mutuante se pague primeiro à custa do segurador, pelo que se o mutuante executa o mutuário, este pode, com sucesso, deduzir oposição à execução, desde que alegue e prove que o segurador está efectivamente vinculado ao dever de prestar ao mutuante.

            Notificada nos termos e para os efeitos dos art.ºs 638º, n.º 5 e 641º, n.º 7 do CPC, a exequente nada disse.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e/ou decidir se existe fundamento para o recebimento dos embargos (em razão da possibilidade de intervenção de terceiros na acção executiva e do
direito aplicável por força do seguro de vida associado ao contrato de crédito por dívida provida de garantia real sobre imóvel).


*

II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do relatório que antecede e o seguinte:

a) Consta do requerimento executivo (de 21.3.2019):

1º - Por título particular de mútuo com hipoteca e fiança (Lei de 16.4.1874, Decreto de 07.01.1876 e DL 272/90, de 07/9), considerado, para todos os efeitos legais, como escritura pública - (…) - outorgado em 18.01.2007[1] (doc. n.º 1)[2], o Banco exequente concedeu a J (…) e M (…)um empréstimo no valor de € 90 000, pelo prazo de 492 meses, vencendo juros à taxa Euribor a 3 meses, acrescida de spread de 2,5 % e demais condições constantes do aludido título.

2º - Para garantia do indicado mútuo, juros e despesas, os referidos mutuários constituíram, a favor do Banco exequente, hipoteca sobre o prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra, na ficha 1322/19910621, da freguesia de x...., a qual se encontra registada em definitivo.

3º - J (…) faleceu em 30.7.2016 (doc. n.º 2).

4º - São seus únicos e universais herdeiros, contra eles devendo correr a presente execução (cf. art.º 54º do CPC) a viúva M (…) (cf. doc. n.º 3) e os filhos do casal D (…) e I (…)(cf. docs. 4 e 5).

5º - Não foi paga a prestação do empréstimo vencida em 02.8.2016, nem as subsequentes.

6º - De acordo com o contratualmente previsto o Banco considerou o contrato resolvido e a dívida integralmente vencida.

7º - Os executados, nesta data, quanto a tal empréstimo, são devedores ao Banco exequente da quantia global de € 90 744,69 (€ 79 865,59 de capital em dívida + € 7 279,10 de juros à taxa de 0,451 %, contados de 02/7 a 02/8/2016 e à mesma taxa, acrescida da sobretaxa de 3 %, contados desde 03/8/2016 e até esta data + € 3 600 das despesas judiciais e extrajudiciais).

8º - Os executados C.... e A....[3] constituíram-se fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia, quanto às obrigações assumidas pelos mutuários no identificado contrato.

b) Relativamente ao contrato de seguro conexo com o contrato de mútuo que é título executivo no Processo Executivo de que os presentes autos constituem incidente declarativo, em 11.02.2007, S (…) Seguros Vida, S. A., emitiu a apólice n.° 15.000001/certificado n.º 271176, com data de efeito de 18.01.2017 e duração de um ano e seguintes, tendo como prazo máximo o do empréstimo associado ou no ano em que a 1ª pessoa segura complete 75 anos de idade.

c) A referida apólice de seguro, subscrita pelos aludidos mutuários (segurados), com as condições gerais e especiais descritas nos documentos de fls. 5 verso a 8, passou a garantir/cobrir os riscos de morte e invalidez total e permanente dos mutuários; o valor seguro é o capital em dívida do empréstimo contraído pelas pessoas seguras, à data da ocorrência; o Tomador de Seguro do seguro, a exequente.

d) O mutuário/segurado J (…) foi vítima do atropelamento objecto da participação de acidente de viação reproduzida a fls. 8 verso a 10, desconhecendo-se algumas das circunstâncias desse embate.

e) Por carta datada de 26.8.2016, a embargante M (…) accionou o seguro identificado em II. 1. b) e c) com fundamento na morte do mutuário J (…).

2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            A situação em análise não é isenta de dificuldades.

Porém, sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, afigura-se que uma leitura menos formal e ortodoxa das normas aplicáveis, aliada ao primordial desiderato de alcançar uma solução que responda com razoabilidade e justiça aos interesses em presença - respeitando-se, também, os subsídios e as orientações da doutrina e da jurisprudência ao longo das duas últimas décadas -, aponta, claramente, para uma resposta diversa da encontrada em 1ª instância, quiçá, mais próxima do entendimento de que “verdadeira justiça só será a que se recusa a cobrir com o equilíbrio aparente das justificações formais, as manifestas injustiças dos desequilíbrios reais”.[4]

A realidade que desde já se antevê configurada reclama, pelo menos, uma mais larga discussão da problemática em apreço, que atenda a todas as particularidades do caso; só depois se poderá/deverá concluir pelo melhor enquadramento e a resposta razoável e adequada, sabendo-se que «nenhum direito (…) admite uma paralisação no tempo: mesmo que as normas não mudem, muda o entendimento das normas, mudam os conflitos de interesses que se têm de resolver, mudam as soluções de direito, que são o direito em acção. Nenhum direito é definitivamente ´factum`: é sempre uma coisa ´in fieri`.»[5]

            3. Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (art.º 10º, n.º 5 do CPC[6]).

Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos art.ºs 32º, 33º e 34º (art.º 311º).

Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão (art.º 54º, n.º 1).

Quando não se verifiquem as circunstâncias impeditivas previstas no n.º 1 do art.º 709º, é permitido: a) A vários credores coligados demandar o mesmo devedor ou vários devedores litisconsortes; b) A um ou vários credores litisconsortes, ou a vários credores coligados, demandar vários devedores coligados desde que obrigados no mesmo título (art.º 56º, n.º 1).

O executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação (art.º 728º, n.º 1).

 Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no art.º 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração (art.º 731º).

Os embargos são liminarmente indeferidos quando: a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo; b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos art.ºs 729º a 731º; c) Forem manifestamente improcedentes (art.º 732º, n.º 1). Se forem recebidos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo (n.º 2). A procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte (n.º 4).

4. Decorre do regime jurídico do contrato de seguro (aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16.4):

- Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente (art.º 1º).

- O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador (art.º 24º, n.º 1). O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito (n.º 2).

- O contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar (art.º 76º).

- Sem prejuízo do disposto nos art.ºs 18º a 21º, que são aplicáveis com as necessárias adaptações, o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador (art.º 78º, n.º 1). Compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores (n.º 3).

- O sinistro corresponde à verificação, total ou parcial, do evento que desencadeia o accionamento da cobertura do risco prevista no contrato (art.º 99º).

- No seguro de vida, o segurador cobre um risco relacionado com a morte ou a sobrevivência da pessoa segura (art.º 183º).

- O disposto relativamente ao seguro de vida aplica-se aos seguros complementares dos seguros de vida relativos a danos corporais, incluindo, nomeadamente, a incapacidade para o trabalho e a morte por acidente ou invalidez em consequência de acidente ou doença (art.º 184º, n.º 1, alínea a)).

5. Considerados os elementos disponíveis, nenhuma dúvida se suscita sobre a validade do título dado à execução, nem sobre o mencionado contrato de mútuo e a existência de um contrato de seguro associado - o contrato de mútuo supra identificado tinha associado o seguro de grupo celebrado com a Seguradora ora demandada, destinado ao (eventual) reembolso da dívida contraída pelos mutuários junto da exequente, em caso de morte ou de invalidez absoluta e definitiva dos segurados/mutuários.

De reter ainda, sobretudo, dado o objecto do recurso, a existência de um seguro vida grupo em que o tomador e beneficiário é a exequente, a pessoa segura, os mutuários, e o objecto do seguro, o financiamento concedido.

A questão em litígio surge verificado o evento - morte - que se pretende ligado àquela relação contratual que envolve e/ou se repercute na esfera jurídico-patrimonial das partes da acção executiva em apreço, sabendo-se que pode ocorrer circunstância impeditiva, modificativa ou extintiva do dever de prestar, não sendo inatacável o direito que o título confere.[7]

6. No caso em apreço, existem dois contratos típicos distintos (contrato de crédito e o contrato de seguro) ligados entre si por um nexo funcional, com uma finalidade económica comum e que devem ser objecto de uma aplicação unitária[8]; daí, a interpretação negocial não pode deixar de ser sistémica, convocando os princípios, como o da justiça contratual, da boa fé, da segurança, do equilíbrio das prestações.[9]

A exigência da celebração de seguros de vida (e seguros complementares) coenvolve uma relação empresarial em que, por regra, a seguradora é indicada pelo Banco mutuante, tomador e beneficiário do seguro, sendo a apólice acordada entre eles e, naturalmente, conforme aos interesses dessa equação económico-empresarial; os mutuários são meros aderentes ao seguro de vida de grupo, e, como no caso vertente, sendo o contrato de adesão, sem nenhuma influência negocial, gerando-se uma relação trilateral: tomador do seguro, seguradora e aderente (este,  com a posição contratual mais fraca); tratando-se de uma relação negocial complexa, imposta pelo interesse contratual do banco mutuante e da seguradora que, normalmente lhe está associada em ostensiva sinergia económica[10], o aderente fica entre dois colossos e sem meios de defesa eficazes.

O contrato de seguro de vida, coligado com o contrato de crédito, se é uma garantia exigida pelo credor bancário (garantindo o pagamento do empréstimo contraído pelo mutuário), também é uma garantia dos mutuários contra o infortúnio da doença, da morte ou de grandes incapacidades, que afectam a sua vida, mormente, o emprego e a solvabilidade, em caso de ocorrência de risco, pelo que não actua de boa fé o Banco que, sem ter demonstrado qualquer diligência (quando sabedor do direito que lhe assiste de poder accionar o seguro que lhe garante o reembolso da quantia mutuada ainda em dívida, por via da ocorrência do risco verificado em relação aos segurados do ramo vida), não acciona a sua seguradora, e antes instaura execução contra os mutuários, prescindindo de actuar prontamente a garantia.[11]

7. Nos seguros de grupo, de tipo contributivo, a prestação prometida pela seguradora destina-se à tomadora do seguro (financiadora) e a esta impõe-se o ónus da prova de ter informado o segurado sobre as obrigações e os direitos, em caso de sinistro, sem perda de garantias, por parte deste, até que se mostre cumprida aquela obrigação. O risco de morte resultante de doença pré-existente, bem como outros riscos excluídos da cobertura contratual do seguro de vida, traduzem-se em factos ou causas impeditivas do efeito jurídico dos factos articulados pelo executado (normalmente, o mutuário ou herdeiros), que à seguradora ou à embargada, como defesa por excepção, caberá demonstrar, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 342º, n.º 2 do Código Civil (CC) e 576º, n.º 3 do CPC.[12]

8. No habitual circunstancialismo em que o contrato de seguro de grupo é concluído e dada a sua finalidade, verificado o sinistro, a vontade usual das partes será a de que o credor se pague primeiro à custa do segurador, sendo que a exigência de que o mutuante procure, primeiro, a satisfação do seu crédito junto do segurador, não deixa sem tutela aquele credor, pois sempre poderá demonstrar que não lhe é comprovadamente possível obter aquela satisfação junto do segurador, porque, por exemplo, o contrato de seguro é inválido ou não se verificam as condições convencionadas para que aquele se constitua no dever de prestar a que se vinculou pelo contrato. E a razão que talvez explique que, por vezes, o mutuante (beneficiário primeiro da prestação convencionada no contrato) não procure satisfação junto do segurador consiste no facto de o segurador pertencer ao mutuante ou, ao menos, ambos se compreenderem no universo do mesmo grupo económico.

O que, de todo, parece contrário à norma comportamental objectiva da boa fé - à luz deste entendimento - é exigir a contracção de um seguro (e o sacrifício económico do pagamento do prémio) com um certo conteúdo e junto de determinado segurador e impor-se como seu beneficiário, e, depois, aceitar como boa qualquer recusa, mesmo que exasperadamente infundada do segurador em honrar o contrato, e demandar o segurado como se um tal contrato não existisse.

Ora, perante a dita estrutura triangular do seguro de grupo, tanto o tomador do seguro e o beneficiário do seguro como o segurado podem demandar o segurador e exigir dele a prestação convencionada, nada impondo, portanto, que só o segurado possa - ou deva - demandar o segurador; e tem sido afirmada a obrigação do exequente obter o pagamento da quantia exequenda demandando, em primeiro lugar, a seguradora.[13]  

Esta a perspectiva que tem encontrado adequado acolhimento na doutrina e jurisprudência, que cremos maioritária.[14]

9. No caso em análise, existe uma total sintonia e comunhão de interesses entre a Seguradora e a Instituição Bancária, bem ilustrada, inclusive, no cabeçalho de todos os elementos relativos ao denominado “seguro de vida grupo 2 cabeças” reproduzidos a fls. 4 verso e seguintes, nos quais se concretizam os “dados do contrato de crédito associado” e a exequente surge identificada como “tomador do seguro” (e “beneficiária”), sendo os mutuários meros aderentes ao seguro de vida de grupo[15], sem nenhuma influência negocial[16].

10. A oposição à execução por meio de embargos - verdadeira acção declarativa que corre por apenso ao processo de execução - visa a extinção da execução (impedir que a acção executiva tenha seguimento), mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva (que pode ser o próprio título executivo); apresenta-se como uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e/ou da acção que nele se baseia; é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante o pedido do exequente, idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção (para além de servir fins de impugnação).[17]

11. Por norma, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor (art.º 53º, n.º 1).

No entanto, a própria lei admite desvios à regra geral da determinação da legitimidade, permitindo, por exemplo, a exequibilidade da sentença contra terceiros, a coligação em determinadas situações (art.ºs 54º a 56º) e a alteração subjectiva por via de habilitação.

12. A respeito duma situação idêntica à dos presentes autos, considerou-se que a solução demanda que se entrelacem normas específicas do regime da intervenção de terceiros, do contrato de seguro e da boa fé contratual, analisadas à luz do direito fundamental à protecção da vida familiar e à salvaguarda da habitação, sendo que nalguns arestos do STJ já se defendeu que «a realidade sócio-económica e psicológica associada aos contratos de seguro do ramo vida e o contexto em que são celebrados, quando ligados a um contrato de mútuo para habitação - bem essencial para a vida dos segurados - contribui, quer para reduzir a atenção do segurado sobre o conteúdo do contrato de seguro, visto como elemento meramente acessório em relação ao empréstimo, quer para a seguradora se aproveitar desta situação, inserindo cláusulas contratuais gerais prejudiciais aos interesses do segurado ou omitindo algumas das causas de exclusão de cobertura»[18], e bem assim que o interesse dos aderentes que decorre naturalmente da ligação funcional entre o contrato de empréstimo, o contrato de seguro e o acto de adesão a este último, reclama o amparo dos mais elementares princípios da boa fé, sob pena de a adesão ao contrato de seguro que o banco mutuante exige ao seu devedor, com o inerente encargo de suportar o custo do respectivo prémio, não passar de «simples artifício destinado a obter mais uma prestação a favor da seguradora, muitas vezes ligada ao grupo de que o banco faz parte».[19]

E a actuação que vemos analisada em diversos arestos dos tribunais superiores leva a concluir que, por vezes, são causados sacrifícios aos mutuários de valor superior àquele que resulta do benefício da prestação ser cumprida através do recurso ao património da empresa integrada no mesmo grupo económico, dado o prejuízo normalmente infligido à família, elemento fundamental da sociedade (cf., v. g., o art.º 67º, nº1, da Constituição da República Portuguesa), sendo que no confronto de direitos entre a garantia do pagamento do crédito, por um lado, e o da salvaguarda da habitação e da unidade da vida familiar, por outro, deve prevalecer aquele que se considerar superior, sendo que,  para além do fim do exercício em concreto, que aponta claramente para a preponderância deste último, existe um outro critério a ponderar que é o da minimização dos danos.

13. Nesta linha de entendimento, também se propugna que numa hipótese como a vertente existe uma situação de potencial litisconsórcio ou, noutra acepção, talvez mais exacta, de coligação passiva de executados, porquanto  é o próprio título executivo que, na sua cláusula 12ª, impõe uma obrigação de negociação de um seguro de vida[20], o que, indirectamente, alarga o conceito de devedor e contratualmente coloca um terceiro na situação de ter de suportar o pagamento da dívida contraída junto da entidade bancária em caso de sobrevivência do risco. Ou seja, o título executivo absorve a própria obrigação de contratar o seguro, integrando no núcleo essencial dispositivo que delimita qualitativa e quantitativamente a obrigação exequenda, concedendo-lhe uma eficácia ´ultra vires` que isoladamente este contrato de seguro não teria. De maneira que a obrigação do executado é composta pela dupla imposição de pagar a remuneração acordada, a que se acrescenta a vinculação à celebração do seguro destinada a suportar integralmente o montante do capital em dívida e demais acessórios impostos pelo credor hipotecário.[21]

A possibilidade de coligação na acção executiva - considerada por alguma doutrina[22] -, respeitará, in casu, os princípios ditos em II. 2., supra e o comando interpretativo do n.º 1 do art.º 9º do CC[23], porquanto obedece ao mesmo devir que é lei de todas as coisas, no sentido de encontrar a solução que melhor corresponda aos interesses da vida.[24]

14. Daí que também se acolha o entendimento de que nas execuções por dívida provida de garantia real hipotecária, sempre que esteja em crise a manutenção do direito à habitação e interesses fundamentais relacionados com a protecção da vida familiar, havendo contrato de seguro do ramo vida, se, na sequência do falecimento do segurado/mutuário, o credor opta voluntariamente por não accionar a companhia seguradora com quem mantém relacionamento negocial privilegiado, preterição essa que à luz da boa fé e do equilíbrio contratual causa um impacto negativo aos executados de valor superior ao benefício que advém para o credor por intermédio dessa inacção, é possível a intervenção do terceiro segurador co-responsável pelo pagamento da dívida titulada por esta ser uma providência adequada à realização coactiva da obrigação devida e estar integrada na esfera de protecção do título executivo habilitante.[25]

15. Assim, nesta fase inicial de alegação dos elementos de facto, já se vislumbram os pressupostos objectivos que condicionam o accionamento/funcionamento do benefício/“garantia” constante do seguro de grupo, verificando-se que a embargante/executada informou, tempestivamente, os factos relevantes.

Transferida para a seguradora a responsabilidade pelo saldo em dívida à entidade mutuante (beneficiária do seguro), no âmbito do contrato de crédito pessoal, por morte do mutuário, que se apresentava como um risco coberto pelo seguro (à data do sinistro), se, numa dada perspectiva (referida, sobretudo, em II. 1. 6. a 8., supra), podemos considerar caber à exequente/beneficiária interpelar a seguradora (para o eventual pagamento da quantia em dívida), primeira responsável pelo pagamento da quantia mutuada, sob pena de, não o fazendo, se extinguir a instância executiva[26], noutra leitura, que também se sufraga, explanada em II. 11. a 14., supra, importa igualmente concluir que perante um incipiente enquadramento fáctico e numa fase adjectiva preliminar, nada desaconselhará a intervenção em juízo de quem em primeira linha deva, pelo menos, esclarecer se e em que circunstâncias o seguro, já accionado, deverá pagar a quantia pedida na acção executiva, estando assim aberta a possibilidade de, na oposição mediante embargos, demandar ou fazer intervir a própria seguradora  conjuntamente com o exequente/tomador do seguro, a que se encontre “umbilicalmente ligada”![27]

            A tramitação deve prosseguir, conforme já delineado no despacho do Mm.º Juiz a quo de 10.01.2020.

16. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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III. Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida, com o consequente prosseguimento dos autos.

Custas segundo o decaimento a final.


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02.6.2020

Fonte Ramos ( Relator)

Alberto Ruço

Vítor Amaral



[1] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[2] Documento - como os a seguir indicados - reproduzido nos autos (a fls. 25 e seguintes).

[3] Melhor identificados no final do requerimento executivo: C (…) e A (…)
[4] Vide António Castanheira Neves, Lições de Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, 1968-69, pág. 79.
[5] Vide Orlando de Carvalho, A Teoria Geral da Relação Jurídica (seu sentido e limites), 2ª edição, Centelha, Coimbra, 1981, págs. 50 e seguinte.
[6] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[7] Cf. o acórdão do STJ de 07.11.2019-processo 4118/17.2T8GMR-A.G1.S2, publicado no “site” da dgsi.

[8] Vide F. M. Pereira Coelho, Coligação Negocial e Operações Negociais Complexas, Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, 2003, págs. 209 e seguintes.

[9] Cf. o acórdão da RC de 01.4.2014-processo 1386/12.0TBVNO.C1 (depois de enunciar as três orientações jurisprudenciais sobre a questão de saber se a existência de seguro de vida implica a exoneração da responsabilidade dos herdeiros do mutuário, veio a concluir: «I - Muito embora sendo dois contratos típicos distintos (contrato de crédito ao consumo e o contrato de seguro), em face da dependência recíproca ambos os contratos se completam na obtenção da finalidade económica comum, consubstanciando coligação de contratos, que deve ser perspectiva através de uma “concepção unitária”, com reflexos ao nível da interpretação negocial. II - A existência de seguro de vida implica, em princípio, a exoneração da responsabilidade dos herdeiros do mutuário.»), publicado no “site” da dgsi.

[10] Fenómeno designado por “bancassurance” e que se traduz na ligação e colaboração entre os Bancos e as Companhias de Seguros, para o desenvolvimento de sinergias e economias de sistema, designadamente, na produção-comercialização de “produtos” concorrentes (seguros de vida, que vencem juros e capitalizam) ou “produtos” complementares (seguros de vida para garantia de empréstimos bancários - cf. o acórdão do STJ de 02.6.2015-processo 109/13.0TBMLD.P1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[11] Cf., nomeadamente, o acórdão do STJ de 11.12.2018-processo 3049/15.5T8STB-B.E1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[12] Cf. o acórdão do STJ de 03.02.2009-processo 08A3947, publicado no “site” da dgsi.

[13] Neste sentido, cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 18.4.2006-processo 06A818, 03.02.2009-processo 08A3947 e 07.11.2019-processo 4118/17.2T8GMR-A.G1.S2, da RP de 16.7.2007-processo 0753388 e da RC de 11.02.2011-processo 5559/04.0TBCRA, 01.4.2014-processo 1386/12.0TBVNO.C1 e 10.12.2019-processo 1444/18.7T8CTB-A.C1 [do mesmo colectivo, assim sumariado: «1. Nos seguros de grupo, de tipo contributivo, a prestação prometida pela seguradora destina-se à tomadora do seguro (financiadora) e a esta impõe-se o ónus da prova de ter informado o segurado sobre as obrigações e os direitos, em caso de sinistro. 2. O risco de morte resultante de doença pré-existente, bem como outros riscos excluídos da cobertura contratual do seguro de vida, traduzem-se em factos ou causas impeditivas do efeito jurídico dos factos articulados pelo executado (normalmente, o mutuário ou herdeiros), que à seguradora ou à embargada/exequente, como defesa por excepção, caberá demonstrar, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 342º, n.º 2, do CC e 576º, n.º 3, do CPC. 3. No habitual circunstancialismo em que o contrato de seguro de grupo é concluído, verificado o sinistro, a vontade usual das partes será a de que o credor se pague primeiro à custa do segurador, sendo que a exigência de que o mutuante procure, primeiro, a satisfação do seu crédito junto do segurador, não deixa sem tutela aquele credor, pois sempre poderá demonstrar que não lhe é comprovadamente possível obter aquela satisfação junto do segurador, porque, por exemplo, o contrato de seguro é inválido ou não se verificam as condições convencionadas para que aquele se constitua no dever de prestar a que se vinculou. 4.  Transferindo-se para a seguradora a responsabilidade pelo saldo em dívida ao mutuante, beneficiário do seguro, no âmbito do contrato de crédito pessoal, por invalidez permanente do embargante/mutuário, que se apresentava como um risco coberto pelo seguro, antes de mais, cabia ao exequente/beneficiário interpelar a chamada seguradora (para o eventual pagamento da quantia em dívida), primeira responsável pelo pagamento da quantia mutuada, sob pena de, não o fazendo, se extinguir a instância executiva.» ] e da RE de 26.5.2018-processo 3049/15.5T8STB-B.E1, publicados no “site” da dgsi.

[14] Vide ainda, nomeadamente, F. Gravato de Morais, União de Contratos de Crédito e de Venda para o Consumo, Teses, Coimbra 2004 e Fernando Baptista de Oliveira, Contratos Privados, Vol. III, pg. 587 e 588.
[15] Definindo o contrato de seguro de grupo como o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, a que aderem, como pessoas seguras, os membros dum determinado grupo ligado ao tomador, vide Paula Ribeiro Alves, Estudos de Direito dos Seguros, Intermediação de Seguros e Seguros de Grupo, Coimbra, 2007, pág. 345.
[16] Cf., entre outros, o referido acórdão do STJ de 11.12.2018-processo 3049/15.5T8STB-B.E1.S1.

[17] Vide, designadamente, J. Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 2º, reimpressão, Coimbra Editora, 1985, págs. 12 e seguintes; J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 193 e 212 e seguintes e Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, Lisboa/2018, págs. 365 e seguintes.
[18] Com todo o respeito, dir-se-á que a tal problemática não será alheio o teor do documento de fls. 6 verso, denominado “Condições especiais/Cobertura principal de morte”.

[19] Cf. o acórdão da RE de 15.11.2016-processo 802/05.1TBPSR-C.E1, publicado no “site” da dgsi, onde também se lembra o seguinte ensinamento de Joaquim Sousa Ribeiro (Direito dos Contratos, Direitos dos Contratos e Regulação do Mercado, pág. 61): «a liberdade de contratar assenta em pressupostos cognitivos que, justamente, o imperativo de transparência, reportado ao momento da formação, visa assegurar. O conhecimento da natureza e qualidade do bem ou serviço objecto do contrato, do montante exacto das contrapartidas exigidas e do alcance preciso das condições de execução deve ser acessível a quem pretende estabelecer uma relação contratual. Não há contrato digno desse nome se qualquer dos contraentes não tiver, pelo menos, a possibilidade real de tomar conhecimento completo e efectivo das suas consequências vinculativas».
[20] Consta do respectivo ponto “Dois”: «O “Mutuário” declara ter conhecimento que constitui sua obrigação subscrever apólice de seguro de vida que tenha o “IC” (exequente) como beneficiário, cobrindo os riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva ou outros riscos, por acidente e/ou doença, consoante o que tiver acordado com a “IC”, e até ao limite do capital mutuado e nas demais condições constantes do presente contrato
[21] Cf. o citado acórdão da RE de 15.11.2016-processo 802/05.1TBPSR-C.E1.
[22] Vide, designadamente, Eurico Lopes-Cardoso, Manual da acção executiva, edição da INCM, 1987, pág. 134, onde se defende que a expressão contida na lei “obrigados no mesmo título” se refere a “diversos devedores” e não ao “mesmo devedor”, sendo que «gramaticalmente não pode deixar de ser assim (…). Nem o intuito do legislador, ao acrescentar as referidas palavras, foi limitar o campo de aplicação do artigo 58º [a que corresponde o art.º 56º do CPC de 2013]. Pelo contrário, teve em vista alargar esse campo».
[23] Que assim reza: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”
[24] Vide Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, Arménio Amado – Editor Sucessor, Coimbra, 1987, págs. 17 e 106 e, ainda, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 58 e J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, Almedina, Coimbra 2002, págs. 190 e seguintes.
[25] Cf. o mencionado acórdão da RE de 15.11.2016-processo 802/05.1TBPSR-C.E1, de resto, em sintonia com o preconizado noutro aresto, da RP, que, aí, assim se cita: «a admissibilidade dos incidentes de intervenção de terceiro no âmbito da acção executiva e respectiva oposição tem que ser analisada em face das circunstâncias do caso concreto, com vista a apurar se, nessas circunstâncias, estão ou não verificados os respectivos pressupostos legais e se a intervenção tem ou não a virtualidade de satisfazer um qualquer interesse legítimo e relevante e se a intervenção implica ou não com a estrutura e a finalidade da acção executiva».

[26] Cf., neste sentido, por exemplo, os acórdãos do STJ de 26.6.2014-processo 3220/07.3TBGDM-A.P1.S e 24.11.2016-processo 7531/12.8TBMTS-A.P1.S1, da RL de 24.10.2019-processo 33/09.1TCSNT-A-6 e da RE de 06.4.2017-processo 115/14.8TBBNV-A.E1, publicados no “site” da dgsi, além dos já citados acórdãos do STJ de 03.02.2009-processo 08A3947 e 07.11.2019-processo 4118/17.2T8GMR-A.G1.S2, da RP de 16.7.2007-processo 0753388, da RC de 11.01.2011 e 10.12.2019-processo 1444/18.7T8CTB-A.C1 e da RE de 15.11.2016-processo 802/05.1TBPSR-C.E1.

   Com uma abordagem porventura mais ortodoxa mas dando o devido relevo às particularidades de cada caso, cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 27.10.2009 (com um voto de vencido do Senhor Conselheiro relator do mencionado acórdão de 03.02.2009-processo 08A3947), da RP de 26.11.1998-processo 9831247, da RC de 12.7.2011-processo 5282/09.0T2AGD-A.C1, [subscrito pelo aqui relator como 1º adjunto, numa situação em que foram constituídas diversas garantias em ordem a assegurar o reembolso do capital mutuado e juros, nomeadamente garantias pessoais, reais e contratos de seguro de vida (mero reforço das garantias hipotecárias), sendo que o exequente participara o sinistro à seguradora e esta declinara a assunção do sinistro] e 18.12.2013-processo 821/12.1TBGRD-A.C1, publicados, o primeiro,  na CJ-STJ, XVII, 3, 106, e, os restantes, no “site” da dgsi.
[27] Relativamente a situações em que teve lugar a intervenção provocada da seguradora, cf. os cit. acórdãos da RC de 10.12.2019-processo 1444/18.7T8CTB-A.C1 (intervenção principal provocada) e da RE de 15.11.2016-processo 802/05.1TBPSR-C.E1.