Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3664/09.6TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: INQUÉRITO
NULIDADE
FALTA
INQUÉRITO
Data do Acordão: 03/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TIC DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 119º D) E 272º Nº 1 DO CPP
Sumário: I- O inquérito tem como finalidade investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre a acusação.
II- Se os factos que são participados por si só não constituem crime, ou seja, não há qualquer dúvida de que não configuram um crime (p. ex crime amnistiado, direito de queixa já caducou) pôr a máquina judicial a funcionar, a trabalhar, para de seguida determinar o arquivamento é uma inutilidade a todos os níveis (humanos e económicos).
III- Se, porém, estamos perante factos que nos oferecem dúvidas pela sua complexidade, pelos valores em causa, pelos contornos da situação que não são tão simples como se desenham na denúncia e pela abundante prova que há a investigar, significa que estão reunidos todos os pressupostos do dever de investigar a começar pelo interrogatório do arguido.
IV- Em tal caso, se o MP profere despacho de arquivamento sem proceder a qualquer diligência, comete-se a nulidade insanável de falta de inquérito previsto no artº 119, al d) do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


O assistente JM... não se conformando com o despacho de não pronúncia do arguido HF..., vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:
B1: O "inquérito" dos autos é nulo e, na verdade, insanavelmente nulo, por violação do disposto na alínea d) do artigo 119° do CPP. Com efeito,
B2: nem sempre ante o surgimento da noticia de um "crime" cabe estritamente ao Mº Pº proceder à instauração do procedimento criminal. Porém
B3: na hipótese dos autos, verifica-se que já havia decisão explícita do Mº Pº determinando a instauração do inquérito e despacho de mesma instituição de não oposição à pretensão do ora recorrente em ser admitido a intervir nos autos (de inquérito) como assistente
B4. o que apenas pôde ficar a dever-se ao facto de ao tempo o Mº Pº considerar que as circunstâncias noticiadas percutiam a esfera jurídico criminal, e já corriam autos de inquérito, nos termos que para a expressão decorrem, designadamente dos artigos 89° e 90° do CPP,
B5: sendo ainda certo que o despacho do Mº Pº, violou caso julgado judicial, o que admitiu o recorrente a intervir na qualidade de assistente,
B6 além de ser inválido por violação do art. 97°-5 do mesmo diploma. Com efeito,
B7 não basta para se considerar que o despacho do Mº Pº está devidamente fundamentado a enxuta remissão para o preceituado no art. 218° CP, uma vez que seria mister, para ser válida, que a assinalada remissão fosse acompanhada dos motivos de facto e de direito da decisão, o que não sucedeu. Por outro lado,
B8: Em ordem à cabal clarificação dos factos, e como o recorrente salientou no seu requerimento de 29.10.2010, cabia à M.ma Juíza, por força do principio da investigação, ter determinado ao arguido a junção de documentos comprovativos do suposto "negócio no XX...", mais precisamente:
a) Certidão de: Conservatória do Registo Predial (ou equivalente) relativa à aquisição do presuntivo terreno. em Natal, XX..., posterior a 2007.
b) Pedido de loteamento e construção de 120 fogos no referido terreno e o respectivo projeto
c) Decisão da Câmara (Prefeitura) com a alegada aprovação do projeto
d) Documentos comprovativos de transferências efetuadas para o XX... com o dinheiro que recebeu do arguido, ou seja posteriores a 28 de Janeiro de 2008
B9: Na verdade, como se salientou supra nestas alegações (A.2,e em especial A. 2.3), em resultado de tais diligências probatórias uma de duas coisas resultaria, sem sombra de dúvidas:
Ou se comprova, como o recorrente está convencido, que não existiu nenhum negócio, sendo este uma confabulação que o arguido urdiu para enganar o tribunal e o assistente, e comprovada fica a prática do crime de burla p.p. nos artes 217 e 218°,nº 2, al a), do C.P ;
Ou o arguido faz prova de ter feito um negócio com o dinheiro do assistente e, como projecto não foi para a frente e não prestou contas ao assistente do dinheiro que deste recebeu com obrigação de restituir e então locupletou-se com o mesmo pelo que praticou um crime de abuso de confiança p.p. no artº 205 nº 1 e al b) do n° 4 do C.P.
B10: Ora, na medida em que a M.ma Juíza não procedeu a tais diligências probatórias, referidas nas absolutamente cruciais conclusões B8 e B9 (págs 4 a 8 e 21 a 24 da motivação), importa concluir que violou flagrantemente o principio da investigação, circunstância de que resultou a insuficiência da base probatória em que assentou a decisão recorrida.
B11. Face a esta ostracização do dever de demonstração processual que uma "parte" normalmente diligente não deixaria de acautelar e, neste caso, o recorrido, cabe inquirir: quid inde?
B12 Duas soluções se antolham: ou V.as Ex.es determinam a baixa do processo à instância recorrida, para que agora ai se determine ao recorrido da predita forma, ou então V.as Ex.es ordenam agora ao arguido que o faça, ao abrigo do disposto no artigo 430°-1 por força do art. 4° do CPP, uma vez que a decisão recorrida incorreu no vicio a que alude o art. 410-2, al. a) do CPP (conf., mais detalhadamente, págs. 7 e 8 da motivação).
B13 Corroborando toda esta manifesta omissão na avaliação da prova produzida em sede instrutória foram inúmeras as insuficiências, as deficiências e as omissões na avaliação e apreciação dessa prova como supra se referiu a no ponto A.3 das presentes alegações a fls 8 a 24.
B14 O recorrente demonstrou abundantemente, no referido ponto A3,que a matéria decorrente da instrução ou não foi valorada ou foi-o erroneamente.
B15 O e-mail de 26-08-2009 (a f1s. 12 dos autos), no qual o arguido informa falsamente encontrar-se no XX... é mais uma prova do respectivo comportamento fraudulento, apenas visando adiar o cumprimento da exigência de pagamento que lhe estava a ser feito pelo assistente. Por outro lado,
B16 Na participação inicial de 25.11 2009, refere-se claramente:
“No seguimento de atribuições patrimoniais feitas pelo denunciante ao denunciado" este, em 22 de abril de 2009, comprometeu-se a entregar àquele em 22 de outubro de 2009 a quantia de € 90.809,00”.
B17 É, pois, claramente referido que as entregas dos cheques representativos de uma quantia em euros, feitas em 2009, vieram no seguimento das atribuições patrimoniais que, no caso, começaram em 2007. O mesmo é dito, sem margem para dúvidas, no aditamento à denúncia feita em 10 de Dezembro de 2009. Em tal aditamento a tal queixa, volta-se a referir: “No seguimento de atribuições patrimoniais feitas pelo denunciante ao denunciado HF..., este comprometeu-se a entregar àquele através de mais dois cheques (além, pois, dos efeitos comercieis referidos no papel que deu origem a estes autos) outra determinada quantia em dinheiro). E assim, emitiu para titular o seu débito e facilitar ao denunciante a realização do respectivo crédito, dois cheques ambos por ele integralmente preenchidos na data da entrega dos mesmos um e outro com a data de vencimento de 7 de Dezembro de 2009 e sacados pelo denunciado sobre a conta de que se auto-proclamou único titular da Agência da A.... (conta de depósitos bancários nº …) respectivamente nos montantes de € 142.380.00 (cento e quarenta e dois mil e trezentos e oitenta euro) e € 3.559,00 (três mil quinhentos e cinquenta e nove euros)"
B18 Como se refere na sentença do arresto decretado contra o arguido, em 29 de janeiro de 2010, após oposição deste deduzida em 27.04.2010 (portanto. com contraditório), e junta aos presentes autos a fls 160 a 165, "os cheques destinavam-se tão somente à restituição do dinheiro que o requerente (leia-se, o assistente, interpolação) tinha entregue ao requerido (isto é, ao arguido, interpolação) e que se destinava à aplicação na sua actividade empresarial, com os lucros da qual também fazia face aos encargos da vida familiar. Ora, o facto de já terem sido emitidos e entregues ao requerente outros cheques em data anterior (junto aos autos) não permite concluir que os ora apresentados não se destinassem a ser pagos” (sublinhado agora).
B19: É espantoso que a sentença que decretou o arresto e a que indeferiu a oposição ao mesmo sejam totalmente ignorados na DI.
B20 Com efeito, quando o recorrente afirma na denúncia, que "no seguimento de atribuições patrimoniais o denunciante entregara ao denunciado a
quantia de € 90.809.00”, (e o mesmo se diga para o aditamento à denúncia) tão só quis dizer, como é óbvio, que esse era o montante dos cheques na posse do arguido em tal data, e que este lhe entregara de volta em substituição de outros, com a falsa arguição de que ainda os não podia pagar por estar a tentar, para o efeito, vender uma propriedade "virtual" que afirmava possuir no XX....
B21 A conclusão de que "existem indícios de ter sido o assistente a procurar o arguido a fim de aplicar uma determinada quantia em dinheiro", O que, eventualmente, estaria em contradição com artigos 4°, 5° e 7 da resposta do ora assistente à oposição formulada pelo executado HF…, resulta tão só do depoimento deste pois, quer o assistente quer a testemunha MM..., afirmaram o contrário e que foi este que propôs ao assistente aplicar-lhe o dinheiro.
B22 Como tão só as declarações do arguido, e não as de qualquer outra testemunha ou documento, pode ter levado à conclusão de que, meses mais tarde, o assistente "resolveu contactá-lo para investir com ele", pois quer o assistente, quer a testemunha atrás referida, tão só declararam que foi o arguido que, "em conversa", propôs ao assistente a aplicação do dinheiro que este afirmara ter disponível (DI a fls 392 e 393).
B23: Igualmente a conclusão de que "existem indícios de o assistente saber que a aplicação financeira tinha a ver com negócios do XX..." é tão só fundada na versão distorcida e inverdade ira dos factos relatada pelo arguido, pois o e-mail do assistente de 02.03.2008 (fls. 287 dos autos), em que este interroga aquele sobre a existência de boas novas do XX... apenas confirma mais uma astúcia do arguido, pois
B24 este dizia àquele, faltando à verdade, que estava a tentar vender um terreno que ele tinha no XX... para lhe pagar. Por isso, lhe perguntava o assistente: "Já há mais novas do XX...'!"
B25: Como referido acima, o assistente soube (e disse-o em sede instrutória) que o arguido, ao contrário do que lhe afirmava ao telemóvel e no mail de 25 Agosto de 2009, não estava no XX... em tal mês de 2009, mas no distrito e concelho de Coimbra!
B26: Como resulta das declarações do ora recorrente a fls 397 dos autos, este ignorava qual o destino das suas aplicações. Por outro lado,
B27: é apodítico que o assistente teve como boas as informações que então o recorrido propôs e subscreveu (com o seu próprio punho) nos "Acordos", do mesmo passo que lhe entregava cheques do montante dos autos que seriam pagos na data do vencimento dos mesmos, salvo eventual prorrogação que viesse a ser pactuada. Com efeito,
B28: o arguido, ao contrário do que aparentava e fez crer ao assistente, não tinha- como modo de vida mais do que malbaratar o património que hesdere, contraindo empréstimos garantidos por hipotecas, de tal jeito que não lhe resta um só bem que não esteja onerado.
B29: Naturalmente que o recorrido terá falado com o ora assistente, lesado e recorrente ela forma como iria aplicar o dinheiro. Porém fê-lo de forma vaga e tão encomiástica pelo que, face ao acima referido e às relações anteriormente existentes entre ambos, difícil não se lhe antolhou pleno êxito para o embuste, como veio a suceder
B30 embuste para o qual o recorrente só veio a acordar após os embustes e os cheques de 2009, altura em que este "acordou" e se deu conta de que o HF...estava a vigarizá-lo. Porém,
B31: a burla existiu desde sempre como se deu conta a M.ma Juíza que decretou o arresto cível - ao qual, repete-se, a M.ma julgadora autora de decisão recorrida não atribuiu qualquer significado, nem sequer lhe fazendo a mais mínima alusão e, por conseguinte arrostando com o desprestígio que uma contradição de julgados sempre acarreta. Ora,
B32 a clara demonstração do comportamento fraudulento do arguido e do "negócio" reside claramente nos alegados cheques "extraviados". Mas os mesmos eram "gato escondido com o rabo de fora": foram invocados "enganos" em quatro cheques e em dois momentos temporalmente separados por quase três meses, com outra conta que o arguido possuía no mesmo banco. Na verdade,
B33 a despeito da evidente habilidade das multifacetadas "explicações" em que o arguido caprichou, a M.ma Juíza deu-lhe crédito e mais, indeferiu a requerida junção de documentos comprovativos da conduta "ostensivamente embusteira" do arguido e, sem outro fundamento - se aquilo que então referiu considerar se pode como "fundamento" - que não fosse uma diáfana e inconcreta falta de interesse ... para a decisão. Finalmente,
B34 ante a postura do arguido referida na página 21 da presente peça, cabe matutar: se um terreno de 50 ou 60 mil euros não dá para construir e havendo dinheiro para tal, como o arguido asseverou, mas não se procedendo a qualquer construção, porque não devolver o dinheiro ao seu legitimo proprietário? E mais: Se o terreno "virtual" valia 50 ou 60 mil euros e o assistente entregou ao arguido 140 mil, o que fez este a essa maquia?
Pois é!
Termos em que o presente recurso deve ser julgado provado e procedente, com revogação da decisão instrutória recorrida.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Respondeu o arguido, HF..., pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O recorrente JM… apresentou queixa contra HF... imputando-lhe os seguintes factos:
No seguimento de atribuições patrimoniais feitas pelo ofendido ao arguido, este, em 22/4/2009 obrigou-se a entregar àquele em 22 de Outubro de 2009 a quantia de € 90809,00. Com efeito, em 22 de Abril de 2009, o queixoso entregara ao denunciado HF... a referida quantia de € 90.809,00, montante este que o denunciado deveria retornar ao ofendido, nos termos e condições temporais acima referidos, conforme contrato celebrado entre ambos. Para garantir a devolução da importância referida, o denunciado emitiu e entregou-lhe dois cheques, referentes à conta nº … da agência do B...., sediada na A....em C...e de que era co-titular (cfr. cópia dos cheques juntos a fls 10 e 11). Apresentados a pagamento na citada agência bancária na data deles constante, foram os mesmos devolvidos e recusado o seu pagamento, por terem sido dados por extraviados pelo denunciado. Os dois cheques em questão foram usados pelo denunciado, aquando da referida transferência patrimonial, com vista a obter para si um enriquecimento ilegítimo, locupletando-se com os montantes que lhe foram entregues e que deviam ser restituídos na data deles constante.
Assim, a emissão e entrega de tais cheques materializou uma actuação astuciosamente provocada por parte do denunciado, de jeito à causação de um estado de engano no denunciante sobre a solvabilidade do denunciado e assim ter acesso aos referidos montantes, dos quais o denunciante não se viu, até ao momento ressarcido, que lhe provocou um prejuízo de montante consideravelmente elevado.
O queixoso requereu uma série de diligências a efectuar.
Recebida a participação, o Mº Pº, perante a análise da mesma, considerou que os factos ali descritos não integravam a prática de qualquer crime, designadamente, o de burla, emissão de cheque sem provisão e de falsificação.
Não foi ouvido o arguido, não foi realizada qualquer diligência instrutória, vindo a ser proferido despacho de arquivamento por parte do Mº Pº titular do inquérito e que conduziu ao requerimento de abertura da instrução.
No requerimento de instrução foi requerido que o JIC declarasse a nulidade insanável de omissão de inquérito nos termos do artº 119 al d) do CPP. A Sra Juiz entendeu que o inquérito não estava ferido de tal nulidade.
A primeira questão que cumpre decidir é a de saber se é ou não de manter a decisão do Mmo JIC na parte em que não declarou verificada a nulidade do inquérito, prevista na al d) do artº 119 do CPP.
O art 262 nº 1 e nº 2 do CPP, define a finalidade e âmbito do inquérito como “o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre a acusação”.
Com as excepções previstas no código de processo penal, a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito.
Portando se o inquérito compreende “o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre a acusação” e se nos autos não se realizou quaisquer diligências, nem se efectuou quaisquer actos investigatórios temos de concluir que não houve inquérito.
E tal pode acontecer se os factos trazidos a juízo não constituírem crime.
Vejamos:
Dispõe o artº 272º nº 1 do CPP que “correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la”.
Esta disposição pressupõe que os factos imputados ao arguido estejam previstos na lei como crime, ou seja como facto típico, ilícito e punível, mas mais que dos actos já realizados no inquérito resultem fortes indícios de que o arguido praticou o crime que lhe é imputado.
Sendo o arguido conhecido e sendo possível notificá-lo é obrigatório ouvir o arguido, na medida em que a sua audição é essencial não só, para irmos à raiz da questão mas, também, para a descoberta da verdade sendo certo que o Ac do STJ nº 1/2006, de 23/11/2005 firmou doutrina obrigatória no sentido de que “A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui nulidade prevista no art 120, nº 2, al d) do CPP” .
No entanto, se os factos trazidos a juízo por si só não configuram a prática de qualquer crime é óbvio que não há que proceder a qualquer diligência, incluindo o interrogatório do denunciado como arguido e o Mº Pº quando, de seguida, profere despacho de arquivamento do inquérito não comete a nulidade insanável p. no artº 119, al d) do CPP.
O artº 119 al d) só comina a falta de inquérito com o vício da nulidade nos casos em que a lei comina a sua obrigatoriedade e o “inquérito só é obrigatório para o Mº Pº no processo comum, quando o facto noticiado constitui facto ilícito, culposo e punível. Se o facto denunciado não apresentar estas características, não há que proceder a qualquer inquérito”.
Portanto, se os factos que são participados por si só não constituem crime, ou seja, não há qualquer dúvida de que não configuram um crime (p. ex crime amnistiado, direito de queixa já caducou) pôr a máquina judicial a funcionar, a trabalhar, para de seguida determinar o arquivamento é uma inutilidade a todos os níveis (humanos e económicos).
Agora, quando estamos perante factos, como no caso vertente, que nos oferecem dúvidas pela sua complexidade, pelos valores em causa, pelos contornos da situação que não são tão simples como se desenham na denúncia e pela abundante prova que há a investigar, significa que estão reunidos todos os pressupostos do dever de investigar a começar pelo interrogatório do arguido.
O Mº Pº ao proferir o despacho de arquivamento sem efectuar qualquer diligência no inquérito, nomeadamente, sem interrogar o arguido sendo possível notificá-lo, cometeu a nulidade insanável de falta de inquérito.

Do exposto julga-se procedente o recurso e, em consequência, declara-se nulo o despacho que determinou o arquivamento do inquérito, bem como todos os actos posteriores.

Ficam prejudicadas as restantes questões.
Sem custas.

Alice Santos (Relatora)
Belmiro Andrade