Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/13.3TBSAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: PROVA PERICIAL
ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO
Data do Acordão: 03/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.151.º E 163.º, DO CPP
Sumário: I - O valor da prova pericial é acrescido em relação aos outros meios na medida em que «[o] juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador», o qual, se dele divergir, deve fundamentar a sua discordância (artigo 163.º, n.ºs 1 e 2).

II - A descrição que o relatório pericial faz da máquina apreendida e do seu modo de funcionamento resulta do conhecimento especializado do perito sobre o tipo de máquinas em causa, sendo certo que nenhum elemento de prova foi apresentado ao tribunal a quo que lhe permita divergir do juízo contido no relatório pericial.

III - No que respeita aos elementos subjectivos do tipo temos por certo que o dolo – ou o nível de representação ou de reconhecimento que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico – pertence, por natureza, ao mundo interior do agente. Por isso ou é revelado pelo arguido, sob a forma de confissão, ou tem de ser extraído dos factos objectivos – isto é, inferido através da consideração de determinado circunstancialismo objectivo com idoneidade suficiente para revelá-lo.

IV - Porque o teor daqueles factos [factualidade típica objectiva] está de acordo com as regras da experiência comum, segundo as quais, quem, como o arguido, coloca uma máquina de jogo apta a desenvolver jogos de fortuna ou azar em exploração num estabelecimento comercial com as ditas características, actua de forma intencional, conhecendo o carácter ilícito da sua conduta, sabido, como é, que a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos é proibida, não merece qualquer censura a decisão recorrida também nesta parte.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

1. No âmbito do processo comum singular n.º 4/13.3TBSAT, do extinto Tribunal Judicial de Sátão, realizada a audiência de julgamento, foi proferida a sentença de fls. 540 a 564 com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, decido julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência:

a) Condeno o arguido A..., pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 108º, n.º 1, 3.º e 4.º, n. º1, al. g), do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro na pena de cinco meses de prisão, substituída por uma pena de multa correspondente a 150 (cento e cinquenta) dias, à taxa diária de € 10,00 (dez euros) e na pena cumulativa de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros);

b) Ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 48/95, de 15 de Março, fixo o quantitativo global da pena de multa em 240 (duzentos e quarenta) dias, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz um total de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros);

c) Condeno o arguido no pagamento das custas penais, fixam-se em 3 UC’s a taxa de justiça.

*

         Proceda ao depósito legal da presente sentença, nos termos do n.º 5 do artigo 372.º e n.º 2 do artigo 373.º, ambos do Código de Processo Penal.

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Após o trânsito remeta boletins ao registo criminal (artigo 374.º, n.º 3 al. d) do Código de Processo Penal e artigo 5.º, al. a), da Lei n.º 57/98, de 18.08, na sua última versão, dada pela Lei n.º 115/2009, de 12.01).»

2. Inconformado, o arguido A... veio interpor recurso da sentença, retirando da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«1.ª- O presente recurso vem interposto da sentença proferida no âmbito dos autos em epigrafe, que condenou o arguido, pela prática de um crime de “exploração ilícita de jogo”, p. e p. pelos artigos 108.º, n.º 1, 3.º e 4.º, n.º1, al. g) do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na pena de cinco meses de prisão, substituída por uma pena de multa correspondente a 150 dias à taxa diária de 10,00 Euros, e na pena cumulativa de 90 dias de multa à taxa diária de 10,00 Euros.

2.ª- O arguido discorda da sentença recorrida por entender que nos autos não existe prova constituída nem foi produzida prova em julgamento que permita ao tribunal recorrido dar como provada a matéria de facto vertida nos pontos 6 (6.1, 6.2 e 6.3), 7 (7.1., 7.2 e 7.3), 9, 10, 12, 13 ultima parte, 15 e 16 da “ FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO” da sentença.

3.ª- E por consequência, que a matéria de facto efetivamente provada, quando subsumida aos artigos 108.º, n.º 1, 3.º e 4.º, n.º1, al. g) do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, não permite condenar o arguido pela prática de um crime de “exploração ilícita de jogo”.

4.ª- Quanto aos pontos 6 (6.1, 6.2 e 6.3), 7 (7.1., 7.2 e 7.3):

Os referidos pontos da matéria de facto procuram reproduzir os termos em que a máquina apreendida nos autos funcionaria.

5.ª- Para considerar provada aquela factualidade o Tribunal recorrido estribou-se, de forma determinante e praticamente em exclusivo, no relatório pericial junto a fls. 406 a 413.

6.ª-Porém, o arguido considera que aquele relatório resulta de uma perícia levada a cabo de forma enviesada e, por isso, não pode merecer a concreta força probatória que o Tribunal lhe atribui.

7.ª- E isto porque, resulta patente da leitura daquele relatório pericial, que a entidade que procedeu à perícia, para poder suprir lacunas que não consegui superar pela observação que conseguiu fazer a partir do material apreendido, decidiu vazar naquele relatório dados que obteve de outras perícias que efetuou a maquinas mais ou menos similares, e, a partir dessa “técnica” afirmou como premissas adquiridas factos que ficaram por demonstrar.

8.ª- Do relatório pericial é possível tirar três conclusões:

1.ª Conclusão: Para que a referida máquina possa desenvolver jogos de fortuna e azar é necessária uma pendrive (ou dispositivo USB) com as credenciais de validação que permita aceder ao servidor onde se encontram os jogos;

2.º Conclusão: A quando da fiscalização essa pendrive (ou dispositivo de USB) não existia no local da apreensão, só assim se justificando que não tenha sido apreendida;

3.º Conclusão: Precisamente porque aquela pendrive não existia, não era possível desenvolver aqueles jogos a partir daquela máquina, apesar de, aparentemente, a mesma ter potencialidade para tal; da mesma forma que não foi possível a quem executou a perícia, chegar até esses jogos.

9.ª- A entidade que procedeu à perícia, por não dispor de pen drive que lhe dava ligação válida ao servidor, não pode chegar até ao tema de jogo de fortuna e azar que a máquina “pode” desenvolver, e por isso, não pode exibir fotografias desses tema de jogo obtidas através desta máquina; e por consequência, a descrição que fez acerca do modo de funcionamento não resulta do que observou mas do conhecimento que lhe advém da observação que – por ventura – terá feito de outras maquinas.

10.ª- Quanto ao ponto 9:

não existe nos autos um único elemento de prova, seja testemunhal seja documental   que permita atribuir a propriedade da máquina apreendida nos autos ao aqui arguido.

11.ª- De resto, nenhuma das testemunhas ouvidas em julgamento revelou conhecer o arguido e muito menos essa relação do arguido com a referida máquina.

Assim, esse ponto deve ser dado como: não provado.

12.ª- Quanto à matéria vertida no ponto 10:

Mesmo admitindo, sem conceder, que entre o proprietário e anterior explorador do “ K... BAR”, a testemunha I... e o qui arguido tenha sido estabelecido um qualquer acordo acerca da forma como a máquina iria ser explorada, não existe nos autos nada que autorize que dar como assente que essa exploração tinha por base o fornecimento ao publico de jogos de fortuna e azar.

13.ª- E assim, quando muito, poder-se-ia dar como provado que aquele máquina era explorada como “ponto de internet”, e nunca que a referida máquina fosse explorada pelo aqui arguido para desenvolver temas de jogo de fortuna e azar.

14.ª- A partir da prova produzida em julgamento nada se diz acerca da utilização daquela máquina para exploração de jogos de fortuna e azar e quanto à repartição pelos referidos sujeitos do produto de uma tal exploração.

15.ª- Posto isto, nada nos autos autoriza o Tribunal recorrido a dar como assente que esse acordo girava em torno do produto da exploração da dita máquina como jogo de fortuna e azar.

16.ª- Quanto à matéria vertida na ultima parte do ponto 13:

Não existe nos autos um único elemento de prova, constituída ou constituenda, que permita concluir que, no estabelecimento onde a máquina foi apreendida se procede ao pagamento aos seus clientes de prémios de jogo.

17.ª- Quanto aos factos 15 e 16:

Nestes factos estão vertidos os elementos subjetivos do tipo legal de crime pelo qual o arguido vem acusado.

18.ª- Porém, depois de ouvidos, de fio a pavio, os depoimentos de todas as testemunhas ouvidas em julgamento, não existe uma única que permita concluir que o arguido tinha conhecimento de que a referida máquina estava a ser usada para a exploração de jogos de fortuna e azar aos quais se acedia mediante o suo de um dispositivo USB contendo as credenciais de validação do acesso a um servidor que proporcionava os referidos jogos.

19.ª- Quanto muito, e sem conceder, poder-se-ia admitir que o arguido soubesse da existência ali da máquina apreendia e que a mesma permitia o acesso à internet.

20.ª- Mas não existe nada que permita concluir que o arguido sabia mais do isso.

21.ª- Subsumindo-se a matéria de facto provada, depois de expurgada aquela que não deveria ter sido dada como provada vertida nos pontos 6 (6.1, 6.2 e 6.3), 7 (7.1., 7.2 e 7.3 pelas razões expostas supra, aos referido preceito legais, forçoso será concluir não ter ficado demonstrado que o arguido procedia á exploração de uma máquina que desenvolvida jogos de fortuna e azar, não podendo, por isso, ser sancionado nos termos em que o foi.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, de facto e de direito, e em consequência, o arguido absolvido da prática do crime de de “exploração ilícita de jogo”, p. e p. pelos artigos 108.º, n.º 1, 3.º e 4.º, n.º1, al. g) do Decreto-lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, pelo qual vem condenado, assim se fazendo Justiça!»

3. O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e consequente manutenção da sentença recorrida.

4. Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal([i]), subscrevendo a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder.

5.No âmbito do disposto no n.º 2 do artigo 417.º, o arguido reiterou a posição anteriormente assumida na motivação de recurso.

6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

                                          *

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. A sentença recorrida.

1.1. Na sentença proferida na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

«1. No dia 11 de Fevereiro de 2010, pelas 14H30m, militares do Núcleo de Investigação Criminal do Destacamento Territorial de Mangualde da Guarda Nacional Republicana levaram a efeito uma acção de fiscalização ao estabelecimento de restauração e de bebidas, denominado por "K... BAR", sito no (...), em Sátão, na sequência de informações que reportavam a existência de máquina de jogo ilícito no referido estabelecimento.

2. Em resultado da acção de fiscalização acima referida, foi detectada, num compartimento do mesmo estabelecimento, que servia igualmente de armazém, uma máquina do tipo vídeo com a designação “Quiosque de Internet", ligada à corrente eléctrica e sem qualquer referência exterior quanto à sua origem, fabricante, número de fábrica ou série.

3. No momento da abordagem pelas autoridades policiais, a referida máquina encontrava-se a ser utilizada por C..., que ali jogava um jogo.

4. A máquina em causa era constituída por um móvel de um só corpo, com estrutura em madeira, possuindo na parte frontal superior o monitor de vídeo e, mais abaixo, uma “gaveta” com um teclado de computador e uma ficha de ligação USB.

5. Na parte inferior encontrava-se um dispositivo de inserção de notas e outro um dispositivo para introdução de moedas, seguidos das portas dos respectivos cofres.

6. O funcionamento dessa máquina operava-se da seguinte forma:

6.1 Após a ligação à corrente eléctrica, introduzia-se uma pen USB que instalava no disco rígido e executava automaticamente uma aplicação que gerava uma ligação à internet, mais concretamente ao servidor do sítio dgtgames.com.

6.2 Dessa ligação, e com a introdução das credenciais adequadas, que eram validadas online, resultaria o download e execução de uma outra aplicação que, serviria para gerir a comunicação entre a máquina e um servidor de jogos.

6.3 Através dessa ligação devidamente autenticada pelo servidor, seria possível aceder a outras cinco aplicações que corresponderiam aos seguintes jogos: “POKER MANIA” (aplicação 1.exe), “EL DUENDE DE LA SUERTE” (aplicação 2.exe), “HALLOWEEN” (aplicação 3.exe), “SHOW MAX” (aplicação 4.exe) e “POKER CLASSIC” (aplicação 5.exe).

7. Por sua vez, os jogos supra referenciados desenvolviam-se da seguinte forma:

7.1 Jogo “SHOW MAX”:

- Este jogo possuía as características do jogo do Bingo.

- O seu objectivo seria obter determinados alinhamentos de números, os quais iam aparecendo de forma aleatória e dispostos num quadro, à medida que iam saindo.

- Os alinhamentos que davam prémio encontravam-se expostos permanentemente na área superior direita do cenário de jogo com o respectivo valor de prémio em função da aposta efectuada.

- Para poder identificar as teclas respectivas a cada função durante o desenvolvimento do jogo, o jogador possuía uma imagem que acedia no menu de ajuda.

- O jogador podia utilizar de 1 a 4 cartões para jogar e podia, nomeadamente, escolher de entre vários cartões disponíveis, que estavam dispostos na área inferior do ecrã.

- Para começar o jogo era necessária a introdução de créditos.

- De seguida, era escolhida a quantidade de cartões (de 1 a 4) com que se pretendia jogar, após o que se efectuava a aposta.

- Através do accionamento do respectivo botão era iniciado o jogo, começando o sorteio aleatório de números (ou bolas).

- Terminado o sorteio dos números, se existirem cartões com alinhamentos premiados, o valor dos respectivos prémios eram adicionados ao respectivo contador, podendo o jogador iniciar outra jogada.

- Caso contrário, o jogador nada ganhava.

7.2 Jogos “EL DUENDE DE LA SUERTE” e “HALLOWEEN”:

- Tratavam-se de jogos de vídeo-rolos (slotmachine).

- O seu objectivo consistia em obter combinações de símbolos premiadas (encontrando-se estas descritas num menu específico – tabela de prémios).

- Após a introdução de créditos em jogo, visualizavam-se cinco colunas e três linhas, perfazendo quinze símbolos com imagens alusivas ao respectivo tema.

- Escolhido o número de linhas em que se queria apostar e o número de créditos que se pretendia apostar por cada linha, e através do accionamento do respectivo botão, era iniciado o jogo.

- Os rolos (símbolos) giravam e detinham-se rapidamente, um a um, sequencialmente da esquerda para a direita.

- Quando os rolos estavam todos imobilizados, podiam ocorrer duas situações:

a) Não se obtinha nenhuma combinação premiada sob qualquer uma das linhas de aposta e, neste caso, a jogada terminava;

b) Obtinha-se uma combinação premiada, sob pelo menos uma das linhas de aposta e, neste caso, o jogador ganhava os créditos correspondentes.

- Para poder identificar as teclas respectivas a cada função durante o desenvolvimento do jogo escolhido, o jogador possuía uma imagem a que acedia no menu de ajuda.

7.3Jogos “POKER MANIA” e “POKER CLASSIC”:

- Tratavam-se de jogos de vídeo-póquer cujo objectivo era o de conseguir combinações premiadas tais como: Sequência Real, Sequência Numérica, Sequência de Cor, Fullen, Trios e Pares.

- Para começar o jogo era necessária a introdução de créditos.

- De seguida, era escolhida a quantidade de créditos que se queria apostar por jogada.

- Através do accionamento do botão de início (“DAR CARTAS” ou “DEAL”) era iniciado o jogo.

- Surgia então, em simultâneo, de forma aleatória e dispostas em linha no centro do ecrã, cinco cartas de face voltada.

- Cada uma destas cartas pertencia a um baralho convencional, podendo portanto aparecer qualquer uma das 52 cartas ou o Jóquer que para efeito de combinações substituía qualquer carta. O jogador podia, nesta fase do jogo e se assim o pretendesse, fixar alguma das cartas de modo a tentar aumentar a probabilidade de obter uma sequência premiada.

- De seguida dava-se prosseguimento à jogada, aparecendo novas cartas em detrimento daquelas que não foram fixadas. Após, podia ocorrer uma de duas situações:

a) Não se obtinha nenhuma combinação premiada e, neste caso, a jogada terminava;

b) Obtinha-se uma combinação premiada, de acordo com a tabela de prémios e, neste caso, o jogador ganhava os créditos correspondentes, sendo-lhe dada a oportunidade de tentar duplicar os ganhos, ou seja, efectuar a dobra.

- Para poder identificar as teclas respectivas a cada função durante o desenvolvimento do jogo escolhido, o jogador possuía uma imagem a que acedia no menu de ajuda.

- Desenvolvia, assim, a máquina em referência, cinco temas opcionais de jogo em que o resultado dependia em tudo da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.

8.O estabelecimento de restauração e de bebidas "K... BAR" era, desde o mês de Junho de 2009, explorado por H....

9.A máquina em causa nos autos era propriedade do arguido A..., que, na data da fiscalização acima referida, era utilizador do telemóvel com o número 969114473.

10.Em data não concretamente apurada, mas certamente anterior a Novembro de 2009, I... e A... acordaram a instalação da máquina naquele estabelecimento, assim como a repartição dos lucros que resultassem da prática dos jogos que a mesma desenvolvia.

11.Não foi celebrado qualquer contrato escrito relativamente à exploração da referida máquina.

12.No lapso de tempo compreendido desde a sua colocação até à sua apreensão, em que a máquina esteve em funcionamento no "K... BAR", foi proporcionado aos seus clientes a prática dos temas de jogo pela mesma desenvolvido.

13.Era permitido o acesso à máquina pelos clientes do referido estabelecimento, sendo, ainda, entregues aos mesmos os prémios correspondentes.

14.O estabelecimento "K... BAR" não possuía licença de exploração de máquinas de jogos de diversão.

15.O arguido estava ciente da forma como os jogos acima enunciados se processavam, bem sabendo que lhe estava vedada a sua exploração sem a mencionada autorização e licença, e que tais tipos de jogos só podiam ser explorados em zonas de jogo legalmente autorizadas e por entidades concessionadas.

16. Agiu o arguido, ao praticar os factos acima descritos, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida como crime.

Mais se provou que:

17. O arguido não tem antecedentes criminais.

18.Encontra-se a residir e a laborar em Luxemburgo.

19.No âmbito do processo n.º 113/09.3GCSAT, que correu termos neste Tribunal, a 7 de Maio de 2012, foi deduzida acusação contra o aqui arguido pela prática de factos susceptíveis de integrarem o crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 1.º, 3.º n.º 1 a contrario sensu, 4.º, n.º 1 alínea g), 108.º, n.º 1, todos do Decreto-lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro.

20.A 16.12.2012 foi proferida decisão instrutória, na qual se determinou, por se considerar existirem indícios da prática pelo arguido do crime pelo qual vinha acusado, a suspensão provisória do processo, mediante o pagamento da quantia de € 600,00 a uma instituição de solidariedade na área da comarca, quantia essa a entregar no prazo de um mês, a contar da notificação do referido despacho.

21.Em Portugal, o último mês de remuneração do arguido data de Julho de 2010.

22.A última declaração de IRS do arguido reporta-se ao ano de 2009, altura em que obteve rendimentos de trabalho dependente no montante de € 5.400,00.»

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1.2. Quanto a factos não provados consta da sentença recorrida(transcrição):

«a)A referida máquina podia ser desligada através de um comando à distância.

b)O arguido é pessoa humilde, honesta e com elevados padrões morais.

c)Sempre pautou a sua conduta, quer pessoal, quer social, com rigor e estrito respeito pela lei, por a considerar como um pilar essencial de um bom Estado de Direito, nunca arriscando nem sequer prevaricando.»

                                                        *

1.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

«O Tribunal formou a sua convicção conjugando os vários meios de prova, designadamente os documentos juntos aos autos e o teor dos depoimentos prestados, em sede de audiência de discussão e julgamento, pelas testemunhas B..., D..., E..., F..., G..., H..., I... e J....

Todos estes elementos de prova foram apreciados à luz do preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal, isto é, segundo a livre convicção do julgador, de acordo com as regras da vida e da experiência comum. Senão vejamos.

Foi crucial a conjugação do teor dos depoimentos das testemunhas B..., D..., E..., todos militares da Guarda Nacional Republicana que procederam à acção de fiscalização, percepcionando, por conseguinte, de forma presencial, os factos elencados em 1. e 2., e cujas afirmações foram, igualmente, corroborados pelo teor do auto de notícia de fls. 4 a 8, o auto de apreensão junto a fls. 20, e as fotografias juntas a fls. 9 a 19 dos autos.

Relativamente à prova do facto inserto em 3. relevou o teor do depoimento das testemunhas E... e F..., que confirmaram a utilização da máquina por parte do C... aquando da realização da acção inspectiva.

Fundamos, ainda, a nossa convicção no relatório pericial junto a fls. 406 a 413 verso, cuja análise se revelou preponderante para a prova dos factos relativos ao funcionamento da referida máquina e jogos por ela disponibilizados. Mais concretamente, no referido relatório conclui-se que a máquina permitia acesso a jogos de fortuna ou azar assim que fosse introduzida uma pen. Tal conclusão foi alcançada através da análise pormenorizada ao disco rígido da máquina. Assim, foi possível identificar diversos ficheiros localizados em pastas escondidas no sistema que evidenciavam o facto de a máquina desenvolver jogos de fortuna ou azar. Foi, ainda, detectada uma aplicação denominada online.exe, a qual, quando executada, fazia despoletar uma ligação automática à internet, ao endereço de IP correspondente a um servidor do domínio dgtgames.com.

Por outro lado, foram constatados cinco ficheiros executáveis, os quais, atentas as informações extraídas das mesmas - som, imagens e algumas configurações do sistema - correspondiam a cinco jogos de fortuna ou azar. Acresce que as referidas aplicações estão configuradas para funcionarem apenas com uma ligação autenticada e validada ao servidor de jogos.

É mister, ainda, referir que com a aplicação online.exe era efectuada uma ligação automática à internet e ao servidor de jogos sendo apenas necessário, para esse efeito, que o proprietário do estabelecimento comercial ou qualquer funcionário afecto ao mesmo introduzisse a pen no seu computador, permitindo, assim, a execução da referida aplicação. Ou seja, a pen era o mecanismo que permitia fazer a ligação do computador colocado na área reservada com jogos de fortuna e azar do servidor online.

Quanto à classificação dos jogos como sendo de fortuna e azar facilmente se conclui pela análise do relatório pericial, nomeadamente, através da verificação do conteúdo de cada uma das aplicações, a identificação dos jogos Poker Mania, El Duende e La Surte, Halloween, Show Max e Poker Classic, que se encontravam exemplificados no relatório, resultando dos mesmos que o objectivo é conseguir combinações premiadas de acordo com o plano de prémios apresentado pelo jogo, tudo dependendo exclusivamente da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.

Da prova produzida pode concluir-se que o sistema montado no K... Bar tinha por objectivo a obtenção de lucros derivados da disponibilização aos clientes da utilização de jogos de fortuna e azar sem que as autoridades o conseguissem detectar facilmente. Como já referimos supra, existia um computador, numa área reservada do estabelecimento como de acesso à internet mas onde foi possível identificar as aplicações, não obstante estarem encriptadas, com referência a jogos de apostas resultantes de acesso via internet a um servidor a que só era possível aceder através de uma chave constante de uma pen.

No que concerne à propriedade da referida máquina urge tecer considerações mais aprofundadas.

O arguido remeteu-se ao silêncio em sede de audiência de discussão e julgamento. Se é inegável que tal facto não o pode desfavorecer, tal como legalmente prescrito, e sem descurarmos o princípio constitucionalmente consagrado da presunção de inocência de que o mesmo beneficia, a verdade é que essa estratégia de defesa também não o poderá favorecer, quando da conjugação dos restantes meios probatórios se concluir pela verificação dos factos constantes do libelo acusatório.

Ora, curiosamente, e com excepção da testemunha F... ninguém conhece o arguido. Não sendo aparentemente possível que o mesmo tivesse qualquer conexão com a propriedade ou exploração de máquinas de jogo de fortuna ou azar. No entanto, realce-se, e apenas como princípio de prova, que o aqui arguido, no âmbito do processo n.º 113/09.3GCSAT, que correu termos neste Tribunal, e após ter sido proferido despacho de pronúncia, onde se considerou existirem indícios suficientes da prática, pelo mesmo, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, aceitou a suspensão provisória do processo mediante o pagamento de € 600,00 a uma instituição de solidariedade na área desta comarca.

A testemunha H..., que à data da prática dos factos aqui imputados ao arguido, explorava o estabelecimento comercial K... Bar, referiu que, quando tomou posse do mesmo, a máquina já se encontrava no local. Este facto foi confirmado pela testemunha I..., anterior proprietário do referido estabelecimento, o qual referiu, igualmente, a inexistência de qualquer contrato escrito atinente à exploração da referida máquina, assim como, a repartição de lucros entre o próprio e o proprietário da referida máquina.

No demais, não mereceu credibilidade o teor do depoimento da testemunha I.... Senão vejamos.

A referida testemunha não identifica o arguido como sendo o proprietário da máquina. Não obstante, refere que celebrou o “contrato” com “o X...”, admitindo que forneceu o seu contacto telefónico à testemunha H..., quando este assumiu a exploração do estabelecimento comercial.

Pese embora, durante o decurso do seu testemunho tenha tentado fazer crer a este Tribunal que o proprietário da máquina era um “ L...” e não o “ A...”, quando confrontado o teor do seu depoimento com aquele que foi prestado pela testemunha H..., concluímos que aquele para além de ter cedido a este o contacto do proprietário da máquina, o qual coincide com aquele que foi entregue às autoridades aquando da acção inspectiva, informou-o, igualmente, do nome: “ A...”, como foi peremptoriamente afirmado, inúmeras vezes, pela testemunha H....

Mais referiu a testemunha H... que ligou, pelo menos duas vezes, ao “ A...”, uma delas, logo que tomou posse do K..., a fim de o informar que “agora era o proprietário do estabelecimento… se precisa-se de alguma coisa era comigo que tinha que contactar”, nunca tendo aquele negado a propriedade da máquina.

Conforme se pode verificar do ofício junto a fls. 128 a 130 o referido número de telemóvel encontrava-se registado em nome do aqui arguido, cuja morada coincide com aquela que era conhecida nos presentes autos, antes da sua declaração de contumácia.

No próprio decurso da investigação, pelo Militar E... foi tentado o contacto telefónico para o número fornecido pela testemunha H..., tendo a pessoa que atendeu o telemóvel se identificado como “ A...”, confirmando que se encontrava ausente do país.

Realce-se que a testemunha H... não conhece o arguido, não tem qualquer relação de amizade ou inimizade para com aquele, pelo que dificilmente se compreenderia que tivesse o seu contacto telefónico por outra forma e por outro fim diversos daquele que relatou neste Tribunal.

Por estas razões, e pela forma espontânea e sincera com que depôs, mereceu total credibilidade. E esta posição não fica de forma alguma abalada pelo facto de a testemunha não ter identificado o arguido como proprietário da máquina, uma vez que, e como foi, por diversas vezes afirmado pela referida testemunha, nunca viu o alegado proprietário da máquina ou qualquer outro seu funcionário.

Acresce que, é totalmente inverosímil que as funcionárias do K..., G... e J..., esta última que exerceu funções naquele estabelecimento cerca de oito anos, a tempo inteiro, nunca tivessem visto o proprietário da máquina ou qualquer outro seu funcionário efectuar a manutenção da mesma, nomeadamente, retirando o dinheiro do seu interior.

 É inequívoco que as referidas testemunhas, porque trabalhadoras daquele local, aliado ao facto do local onde a máquina se encontrava, isto é, num compartimento que servia igualmente de armazém, sabiam ou pelo menos admitiam como possível o caracter ilícito da mesma, pois doutra forma não se compreenderia o porquê de a mesma se encontrar quase que escondida do acesso público.

Também não se vislumbra a possibilidade de nunca terem sido esvaziados os cofres daquela e tal facto nunca ter sido presenciado por alguma das referidas testemunhas. Isto porque, e como bem realçou a testemunha H... por, pelo menos uma vez, foi deixada a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) pelo proprietário da máquina - ou um funcionário deste -, como contrapartida da exploração daquela, junto de uma das suas funcionárias, as testemunhas acima referenciadas.

No que concerne à prova dos factos mencionados em 12. conjugamos o teor dos depoimentos das testemunhas H..., G... e J..., estas últimas testemunhas que mereceram, nesta parte, credibilidade, confirmando a permanência da máquina naquele estabelecimento e a sua utilização pelos clientes daquele espaço comercial.

Para a prova do facto referido em 13. foi essencial o depoimento da testemunha F..., o qual referiu inclusivamente, o facto de um dia ter “saído um jackpot” a um dos jogadores.

A prova da inexistência de licença de exploração de máquina de jogo e diversão resulta do facto de estarmos perante uma estabelecimento de restauração e bebidas conjugado com as regras da experiência comum e pelo teor do depoimento da testemunha B....

No que concerne ao dolo do arguido quanto à exploração da máquina e suas características, cabe atentar, para além do já elencado supra, mais uma vez, às regras da experiência comum. Ora, é do conhecimento geral que a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos é proibida. É, assim, plena convicção do Tribunal que o arguido não podia desconhecer a existência da máquina, suas características e funcionamento, e a sua ilegalidade, atenta a forma como geria todo esse negócio.

A ausência de antecedentes criminais resultou do certificado de registo criminal, junto a fls. 440.

Quanto aos factos elencados em 18. os mesmos resultaram provados a partir da identificação do arguido.

Para a prova dos factos elencados em 19. A 21 consideramos o teor da certidão junta a fls. 523 a 534. E, por último, a prova dos factos elencados em 21. e 22. dos documentos juntos a fls. 416, 434 e 445, respectivamente.

                                                        *

         A não prova dos factos elencados nas alíneas a) a c) ficou a dever-se à total ausência de prova que permitisse sustentar o aí vertido.»

                                                        *

2. Apreciando.

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penalque a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação([ii]), sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso([iii]).

Atenta a conformação das conclusões formuladas, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:

- impugnação da matéria de facto;

- responsabilidade penal do arguido.

2.1. Da impugnação da matéria de facto

Nos termos do disposto no artigo 428.º os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.

Uma vez que no caso em apreço houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva gravação, pode este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º 3 e 431.º, b), ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente.

É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, no que se convencionou chamar de “revista alargada”, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, nºs 3, 4 e 6.

No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos àquela para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento([iv]).

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412.º.

Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa([v]).

Justamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deve expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º 3, o seguinte:

«Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

A especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º).

Estabelece ainda o n.º 4 do artigo 412.º que, havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º)([vi]).

Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artigo 127.º, ou seja, fora as excepções relativas a prova legal, assenta na livre convicção do julgador e nas regras da experiência, não podendo também esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite.

Como se tem entendido, a reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova.

São inúmeros os factores relevantes na apreciação da credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto directo com os depoentes na audiência.

Embora a reapreciação da matéria de facto, no que ao Tribunal da Relação se refere, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à excepção da prova vinculada) no processo de formação da sua convicção, deverá ela ter em conta que dos referidos princípios decorrem aspectos de relevância indiscutível (reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões) na valoração dos depoimentos pessoais que melhor são perceptíveis pela 1ª instância.

À Relação caberá, sem esquecer tais limitações, analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, não bastando, para eventual alteração, diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.

Assim, se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.

Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção “era possível”, sendo imperiosa a demonstração de que as provas indicadas impõe uma outra convicção.

Torna-se necessário que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a possível incorrecção decisória mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção.

Tudo isto vem para se dizer que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado([vii]).

O Tribunal da Relação só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão([viii]).

Expostas estas breves considerações sobre o sentido e alcance da impugnação ampla da matéria de facto, assim como sobre os ónus impostos ao recorrente, passemos à análise do caso concreto.

No caso em apreço, o recorrente impugna os seguintes pontos da factualidade provada: 6 (6.1, 6.2 e 6.3), 7 (7.1, 7.2 e 7.3), 9, 10, 12, 13, última parte, 15 e 16.

No que respeita aos pontos 6 (6.1, 6.2 e 6.3) e 7 (7.1, 7.2 e 7.3) alega o recorrente que o tribunal recorrido estribou-se, de forma determinante e praticamente em exclusivo, no relatório pericial junto a fls. 406 a 413 mas este relatório resulta de uma perícia levada a cabo de forma enviesada porque a entidade que procedeu à perícia, para poder suprir lacunas que não conseguiu superar através da observação do material apreendido, decidiu vazar naquele relatório dados que obteve de outras perícias que efectuou a máquinas mais ou menos similares.

O Código de Processo Penal estabelece no seu artigo 151.º que «[a] prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos», sendo a mesma realizada por instituições (estabelecimentos, laboratório, serviço público), peritos ou técnicos com conhecimentos especializados em relação à matéria em causa (152.º, 159.º, 160.º, 160.º-A), a quem cabe a elaboração do relatório dessa mesma perícia, o qual será devidamente fundamentado, podendo ainda o mesmo ser sujeito a esclarecimentos (157.º e 158.º).

O valor da prova pericial é acrescido em relação aos outros meios na medida em que «[o] juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador», o qual, se dele divergir, deve fundamentar a sua discordância (artigo 163.º, n.ºs 1 e 2).

Conforme tem sido jurisprudência corrente a presunção de validade do juízo pericial cinge-se às razões técnicas, científicas ou artísticas que a suportam e não propriamente em relação aos demais juízos que possam incidir sobre a respectiva factualidade, como sejam os juízos de comuns de probabilidade ou os juízos de ponderação do direito([ix]).

No caso em apreço, saliente-se, antes de mais, que o relatório pericial que serviu para formar a convicção do tribunal a quo relativamente à matéria ora impugnada consta de fls. 108 a 114 dos presentes autos.

Como resulta do referido relatório elaborado pelo Serviço de Inspecção de Jogos, o mesmo, para além de identificar a máquina em causa, descreve as suas características exteriores, bem como o modo do seu funcionamento, sendo que a conclusão de que este tipo de máquinas está preparado para desenvolver jogos de fortuna ou azar foi alcançada através da análise pormenorizada ao disco rígido da máquina, como, aliás, é sublinhado na decisão recorrida.

Na análise técnica efectuada ao software da máquina (instalado em disco rígido) foi possível identificar diversos ficheiros localizados em pastas escondidas do sistema que evidenciam o facto de a máquina desenvolver jogos de fortuna ou azar.

Foi, ainda, detectada uma aplicação denominada online.exe, a qual, quando executada, faz despoletar uma ligação automática à internet, ao endereço de IP correspondente a um servidor do domínio dgtgames.com.

Foram detectados cinco ficheiros executáveis, denominados 1.exe, 2.exe, 3.exe, 4.exe e 5.exe, os quais, atentas as informações extraídas das respectivas aplicações (ficheiros de som, imagens e algumas configurações do sistema) correspondem a cinco jogos de fortuna ou azar, sendo que as aplicações estão configuradas para funcionarem apenas com uma ligação autenticada e validada ao servidor de jogos.

Assim, foram identificados os jogos “POKER MANIA” (aplicação 1.exe), “EL DUENDE DE LA SUERTE” (aplicação 2.exe), “HALLOWEEN” (aplicação 3.exe), “SHOW MAX” (aplicação 4.exe) e “POKER CLASSIC” (aplicação 5.exe).

Com a aplicação online.exe era efectuada uma ligação automática à internet e ao servidor de jogos sendo apenas necessário, para esse efeito, que o proprietário do estabelecimento comercial, ou qualquer funcionário afecto ao mesmo, introduzisse a pendrive no seu computador, permitindo, assim, a execução da referida aplicação, isto é, a pen drive era o mecanismo que permitia fazer a ligação do computador colocado na área reservada com jogos de fortuna e azar do servidor online.

Ao contrário do que parece entender o recorrente, a circunstância de não ter sido apreendida a pendrive com as credenciais de validação para acesso ao servidor onde se encontram os jogos não significa que ela não existisse e que não fosse possível desenvolver aqueles jogos a partir daquela máquina mas apenas que aquando da acção de fiscalização a mesma foi ocultada pois, como resulta da matéria de facto provada, no momento da abordagem pelas autoridade policiais, a referida máquina encontrava-se a ser utilizada por C... que ali jogava um jogo – ponto 3 dos factos provados.

A descrição que o relatório pericial faz da máquina apreendida e do seu modo de funcionamento resulta, portanto, do conhecimento especializado do perito sobre o tipo de máquinas em causa, sendo certo que nenhum elemento de prova foi apresentado ao tribunal a quo que lhe permita divergir do juízo contido no relatório pericial.

Quanto ao ponto 9 alega o recorrente que não existe nos autos um único elemento de prova, seja testemunha, seja documental, que permita atribuir a propriedade da máquina apreendida nos autos ao aqui arguido.

A este respeito pode ler-se na decisão sobre a matéria de facto:

«No que concerne à propriedade da referida máquina urge tecer considerações mais aprofundadas.

O arguido remeteu-se ao silêncio em sede de audiência de discussão e julgamento. Se é inegável que tal facto não o pode desfavorecer, tal como legalmente prescrito, e sem descurarmos o princípio constitucionalmente consagrado da presunção de inocência de que o mesmo beneficia, a verdade é que essa estratégia de defesa também não o poderá favorecer, quando da conjugação dos restantes meios probatórios se concluir pela verificação dos factos constantes do libelo acusatório.

Ora, curiosamente, e com excepção da testemunha F... ninguém conhece o arguido. Não sendo aparentemente possível que o mesmo tivesse qualquer conexão com a propriedade ou exploração de máquinas de jogo de fortuna ou azar. No entanto, realce-se, e apenas como princípio de prova, que o aqui arguido, no âmbito do processo n.º 113/09.3GCSAT, que correu termos neste Tribunal, e após ter sido proferido despacho de pronúncia, onde se considerou existirem indícios suficientes da prática, pelo mesmo, de um crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, aceitou a suspensão provisória do processo mediante o pagamento de € 600,00 a uma instituição de solidariedade na área desta comarca.

A testemunha H..., que à data da prática dos factos aqui imputados ao arguido, explorava o estabelecimento comercial K... Bar, referiu que, quando tomou posse do mesmo, a máquina já se encontrava no local. Este facto foi confirmado pela testemunha I..., anterior proprietário do referido estabelecimento, o qual referiu, igualmente, a inexistência de qualquer contrato escrito atinente à exploração da referida máquina, assim como, a repartição de lucros entre o próprio e o proprietário da referida máquina.

No demais, não mereceu credibilidade o teor do depoimento da testemunha I.... Senão vejamos.

A referida testemunha não identifica o arguido como sendo o proprietário da máquina. Não obstante, refere que celebrou o “contrato” com “o X...”, admitindo que forneceu o seu contacto telefónico à testemunha H..., quando este assumiu a exploração do estabelecimento comercial.

Pese embora, durante o decurso do seu testemunho tenha tentado fazer crer a este Tribunal que o proprietário da máquina era um “ L...” e não o “ A...”, quando confrontado o teor do seu depoimento com aquele que foi prestado pela testemunha H..., concluímos que aquele para além de ter cedido a este o contacto do proprietário da máquina, o qual coincide com aquele que foi entregue às autoridades aquando da acção inspectiva, informou-o, igualmente, do nome: “ A...”, como foi peremptoriamente afirmado, inúmeras vezes, pela testemunha H....

Mais referiu a testemunha H... que ligou, pelo menos duas vezes, ao “ A...”, uma delas, logo que tomou posse do K..., a fim de o informar que “agora era o proprietário do estabelecimento… se precisa-se de alguma coisa era comigo que tinha que contactar”, nunca tendo aquele negado a propriedade da máquina.

Conforme se pode verificar do ofício junto a fls. 128 a 130 o referido número de telemóvel encontrava-se registado em nome do aqui arguido, cuja morada coincide com aquela que era conhecida nos presentes autos, antes da sua declaração de contumácia.

No próprio decurso da investigação, pelo Militar E... foi tentado o contacto telefónico para o número fornecido pela testemunha H..., tendo a pessoa que atendeu o telemóvel se identificado como “ A...”, confirmando que se encontrava ausente do país.

Realce-se que a testemunha H... não conhece o arguido, não tem qualquer relação de amizade ou inimizade para com aquele, pelo que dificilmente se compreenderia que tivesse o seu contacto telefónico por outra forma e por outro fim diversos daquele que relatou neste Tribunal.

Por estas razões, e pela forma espontânea e sincera com que depôs, mereceu total credibilidade. E esta posição não fica de forma alguma abalada pelo facto de a testemunha não ter identificado o arguido como proprietário da máquina, uma vez que, e como foi, por diversas vezes afirmado pela referida testemunha, nunca viu o alegado proprietário da máquina ou qualquer outro seu funcionário.

Acresce que, é totalmente inverosímil que as funcionárias do K..., G... e J..., esta última que exerceu funções naquele estabelecimento cerca de oito anos, a tempo inteiro, nunca tivessem visto o proprietário da máquina ou qualquer outro seu funcionário efectuar a manutenção da mesma, nomeadamente, retirando o dinheiro do seu interior.

 É inequívoco que as referidas testemunhas, porque trabalhadoras daquele local, aliado ao facto do local onde a máquina se encontrava, isto é, num compartimento que servia igualmente de armazém, sabiam ou pelo menos admitiam como possível o caracter ilícito da mesma, pois doutra forma não se compreenderia o porquê de a mesma se encontrar quase que escondida do acesso público.

Também não se vislumbra a possibilidade de nunca terem sido esvaziados os cofres daquela e tal facto nunca ter sido presenciado por alguma das referidas testemunhas. Isto porque, e como bem realçou a testemunha H... por, pelo menos uma vez, foi deixada a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) pelo proprietário da máquina - ou um funcionário deste -, como contrapartida da exploração daquela, junto de uma das suas funcionárias, as testemunhas acima referenciadas.».

Assim, ao contrário do que afirma o recorrente, resulta claro da análise da motivação de facto transcrita que existem diversos elementos de prova que, apreciados de acordo com as regras da experiência e da lógica, permitem concluir, sem margem para dúvidas, que era ele o proprietário da máquina apreendida nos presentes autos, justificando a decisão de facto conferida pelo tribunal recorrido.

No que respeita ao ponto 10 alega o recorrente que, mesmo admitindo que entre o proprietário e anterior explorador do “K... Bar”, a testemunha I..., e o aqui arguido tenha sido estabelecido um qualquer acordo acerca da forma como a máquina iria ser explorada, não existe nos autos nada que autorize a dar como assente que essa exploração tinha por base o fornecimento ao público de jogos de fortuna e azar pelo que, assim, quando muito, poder-se-ia dar como provado que aquela máquina era explorada como “ponto de internet”.

A este respeito diga-se que o esforço argumentativo do recorrente soçobra em face do que consta do ponto 3 dos factos provados [No momento da abordagem pelas autoridades policiais, a referida máquina encontrava-se a ser utilizada por C..., que ali jogava um jogo], o qual não foi objecto de impugnação por parte do ora recorrente.

Quanto ao ponto 12 diga-se que o recorrente, apesar da sua indicação, nada diz acerca das razões por que entende que esta matéria não deveria ter sido dada como provada, ficando, assim, este tribunal impossibilitado de apreciar a impugnação da matéria de facto neste concreto ponto.

Relativamente à última parte do ponto 13 alega o recorrente que não existe nos autos um único elemento de prova, constituída ou constituenda, que permita concluir que, no estabelecimento onde a máquina foi apreendida, se procede ao pagamento aos seus clientes de prémios de jogo.

A este respeito pode ler-se na decisão sobre a matéria de facto:

«Para a prova do facto referido em 13. foi essencial o depoimento da testemunha F..., o qual referiu inclusivamente, o facto de um dia ter “saído um jackpot” a um dos jogadores.».

Assim, ao contrário do que afirma o recorrente, resulta claro da análise da motivação de facto transcrita que existe prova, designadamente o depoimento prestado pela testemunha F..., que justifica a decisão de facto conferida pelo tribunal recorrido, sendo certo que nenhuma questão foi levantada acerca deste depoimento.

No que respeita os pontos 15 e 16 alega o recorrente que, ouvidos os depoimento das testemunhas, não existe uma única que permita concluir que o arguido tinha conhecimento de que a referida máquina estava a ser usada para a exploração de jogos de fortuna e azar, aos quais se acedia mediante o uso de um dispositivo USB contendo as credenciais de validação de acesso a um servidor que proporcionava os referidos jogos.

A matéria de facto em causa diz respeito aos elementos subjectivos do tipo legal de crime de exploração ilícita de jogo pelo qual o recorrente foi condenado.

No que respeita aos elementos subjectivos do tipo temos por certo que o dolo – ou o nível de representação ou de reconhecimento que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico – pertence, por natureza, ao mundo interior do agente.

Por isso ou é revelado pelo próprio, sob a forma de confissão, ou tem de ser extraído dos factos objectivos – isto é, inferido através da consideração de determinado circunstancialismo objectivo com idoneidade suficiente para revelá-lo.

Já há muito se escreveu que «o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência»([x]).

O recorrente integra estes pontos 15 e 16 da factualidade provada entre os factos impugnados como decorrência da falta de prova – na sua perspectiva – dos factos que integram os elementos objectivos do tipo de crime pelo qual foi condenado, sem que sejam autonomizáveis razões que pudessem levar a uma decisão diversa da acima exposta para a factualidade objectiva, da qual deriva, em regra, a prova por inferência dos elementos subjectivos do ilícito típico.

Como resulta, desde logo, da apreciação crítica da prova, foi produzida em audiência prova directa sobre a factualidade típica objetiva, concretamente sobre a propriedade da máquina de jogo que se encontrava colocada em exploração no estabelecimento comercial “K... Bar”, a qual estava apta a desenvolver jogos de fortuna ou azar.

Assim, porque o teor daqueles factos está de acordo com as regras da experiência comum, segundo as quais, quem, como o arguido, coloca uma máquina de jogo apta a desenvolver jogos de fortuna ou azar em exploração num estabelecimento comercial com as ditas características, actua de forma intencional, conhecendo o carácter ilícito da sua conduta, sabido, como é, que a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos casinos é proibida, não merece qualquer censura a decisão recorrida também nesta parte.

Em suma, não se evidenciando qualquer afrontamento às regras da experiência comum, ou qualquer apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis, nenhuma censura pode merecer o juízo valorativo acolhido em 1ª instância.

Improcede, portanto, a questão da impugnação da matéria de facto.

2.2. Da responsabilidade penal do arguido

Alega o recorrente que subsumindo-se a matéria de facto provada, depois de expurgada aquela que, no seu entender, não deveria ter sido dada como provada, aos preceitos legais aplicáveis forçoso será concluir não ter ficado demonstrado que procedia à exploração de uma máquina que desenvolvia jogos de fortuna e azar, não podendo, por isso, ser sancionado nos termos em que o foi.

Como liminarmente se poderá concluir, resultando improcedente o recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto que se mantém intangível, o mesmo terá que necessariamente improceder também no que se refere a esta pretensão.

Por conseguinte, uma vez que os factos provados preenchem os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108.º, n.º 1, 3.º e 4.º, n.º 1, g), do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, já analisado na sentença recorrida, impunha-se a condenação do recorrente pela sua prática.

Improcede, portanto, também esta questão.

                                          *

III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

                                          *

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

                                          *

Coimbra, 4 de Março de 2015

(Fernando Chaves - relator)

(Orlando Gonçalves - adjunto)


[i] -Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.
[ii]  - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 2ª edição, 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ªedição, 107; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/1997e de 24/03/1999, in CJ, ACSTJ, Anos V, tomo III, pág. 173 e VII, tomo I, pág. 247 respectivamente.
[iii] - Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995.
[iv] - Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Anotado, 10ª edição, pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recurso em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e segs.
[v] - Cfr. Acórdãos do STJ de 14/3/2007, de 23/5/2007 e de 3/7/2008, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[vi] - Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, o Supremo Tribunal de Justiça veio fixar jurisprudência no sentido de bastar, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas – Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2012, de 8/3, publicado no DR, I Série, de 18/4/2012.
[vii] - Cfr. Acórdãos do STJ de 23/4/2009 e de 29/10/2009, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.

[viii] - Cfr. Acórdãos do STJ de 15/7/2009, de 10/3/2010 e de 25/3/2010, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[ix] - Cfr. Acórdãos do STJ de 20/9/1995, CJ, ACSTJ, Ano III, Tomo III, pág. 191 e de 3/7/1996, CJ, ACSTJ, Ano IV, Tomo II; pág. 214.
[x]- Acórdão da Relação do Porto de 23/2/1983, in BMJ n.º 324, pág. 620, cuja jurisprudência se mantém, sem dúvida, actual.