Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
11/13.6PBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 01/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 412.º DO CPP
Sumário: I - O julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal de 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova.

II - O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1.ª instância pura e simplesmente não tivesse existido.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

            No 3º Juízo do [já extinto] Tribunal Judicial da comarca da Covilhã, mediante despacho de pronúncia, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido A... , com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do C. Penal.

            O Centro Hospitalar da Cova da Beira, EPE, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento das quantias de € 56,16 e € 56,16, devidas pela assistência prestada a C... e B....

            C... deduziu pedido de indemnização contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 1.350, por danos patrimoniais [€ 150] e não patrimoniais sofridos [€ 1.200].

            B... deduziu pedido de indemnização contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 1.350, por danos patrimoniais [€ 150] e não patrimoniais sofridos [€ 1.200].

            Por sentença de 5 de Março de 2014, foi o arguido condenado, pela prática dos imputados crimes, nas penas de 220 dias de multa e de 190 dias de multa, e em cúmulo, na pena única de 320 dias de multa à taxa diária de € 6, perfazendo a multa global de € 1.920.

Mais foi condenado o arguido no pagamento ao Centro Hospitalar da Cova da Beira, EPE da quantia de € 112,32, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento, no pagamento ao demandante C... da quantia de € 200 por danos não patrimoniais, e no pagamento à demandante B... da quantia de € 400 por danos não patrimoniais.


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            Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            I. Resulta que, em audiência de discussão e julgamento, todos os elementos de prova testemunhal (dos ofendidos, do arguido e de pelo menos uma testemunha, contradizem, quer as conclusões e decisão proferida em sede da apreciação da prova, nomeadamente, no que respeita os pontos essenciais dados como provados que levaram à condenação do arguido, como todas as outras premissas e conclusões em que assentou a Meritíssima Juíza a quo para sustentar a condenação do Arguido.

                II. Da prova produzida em sede de audiência e julgamento impunha-se reconhecer, pelo depoimento da própria ofendida, pela extensão, características e local da lesão que esta apresentava e identificada do relatório médico junto aos autos e, essencialmente, pelas necessárias e elementares regras da experiência comum, que a lesão em causa não poderia ter origem no acto que foi dado como provado nos autos, antes, sendo totalmente consentânea com o embater da porta da entrada de sua casa, no membro superior direito da ofendida que a segurava – como aliás consta da própria motivação constante da decisão – que pudesse levar às conclusões que supra sublinhadas.

                III. Na verdade, não vislumbramos que a, sempre respeitável, livre convicção do tribunal se possa alicerçar em fundamentos e provas inexistentes e contraditórias, à revelia dos mais elementares princípios de Direito Penal!

                IV. Na verdade, todos os depoimentos e provas admissíveis recolhidos em sede de julgamento apontam nesse sentido, sendo que, nesse caso importará sempre reconhecer que a falta de intencionalidade no empurrão da porta que manifestamente reduz a culpa do arguido.

                V. Por outro lado é manifesto que o depoimento quer da ofendida quer do ofendido quer de todas as testemunhas, referem que o ofendido é que se dirigiu ao local acompanhado por 3 pessoas, para tirar satisfações, e foi ele que exigiu que o arguido fosse chamado ao local para se travar de razões com ele.

                VI. Nesta aspecto foram, totalmente, não foram, em nosso entender, correctamente valorados interpretados o depoimento do próprio ofendido C... e de pelo menos uma testemunha – I... – e, que, em nosso entender, contradizem totalmente os factos dados como provados em 7 e 8 dos factos provados na douta sentença.

                VII. De tais depoimentos, em momento algum, resulta que o ofendido fosse atrás do arguido – tendo-se apenas dirigido ao apartamento onde habitava a testemunha I... e aí procedeu da forma que a testemunha referiu, agredindo-a, e exigindo que aquele chamasse o arguido, o que aconteceu e ali esperou pelo arguido, até que o arguido apareceu no elevador passado algum tempo e mal saiu (até pelo reduzido espaço onde ocorreram estes factos, descrito pelos intervenientes e pela testemunha) de imediato se pegaram mutuamente.

                VIII. Não correspondendo à verdade que tenha sido o Arguido a avançar para o ofendido.

                IX. Tal incorrecta valoração e apreciação da prova, implicarão necessariamente, alterações na matéria de facto provada e implicarão um reapreciação da prova e da decisão por ela fundamentada, nomeadamente, no que se refere à culpa à medida da pena que foi aplicada ao arguido.

                X. Pelo que se forçosamente se terá de reapreciar a matéria de facto objecto dos depoimentos identificados.

                Tudo como é da mais elementar Justiça!


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            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, alegando, em síntese, que a ofendida disse ter sido empurrada e agarrada pelo arguido, que este foi condenado por crime doloso, não vindo acusado da prática de crime negligente, que saber quem avançou primeiro e para quem são factos instrumentais da apurada conduta do arguido, que a existência de versões contraditórias entre testemunhas dos ofendidos e testemunhas do arguido é vulgar e que tudo releva da credibilidade atribuída a cada uma, que não foi cumprido o ónus de especificação quanto aos segmentos das declarações tidas por contraditórias e que não se descortinam razões para a pretendida diminuição da culpa, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a contramotivação do Ministério Público, realçando a inobservância do ónus de especificação imposto pelo recurso da matéria de facto, e concluiu pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.


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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto;

- As consequências da modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto na medida da pena.


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            Para a resolução desta questão importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

            [Da decisão instrutória (que remete para a acusação pública):]

1. No dia 16 de Janeiro de 2013, pelas 23h15m, o arguido dirigiu-se à residência sita no r/c esquerdo do n.º 0... da Rua Saudade na cidade da Covilhã e aí tocou à campainha.

2. Ao que, B..., aí residente, abriu a porta e o arguido confrontou-a com a existência de ruído de vizinhança neste local.

3. B... tentou encetar conversação com o arguido dizendo-lhe que não o conhecia de lado nenhum.

4.Mas o arguido empurrou bruscamente a porta de entrada de habitação de modo a entalá-la e desferiu sobre a mesma um murro no braço direito.

5.Tendo chegado a entrar na sua habitação, mas tendo sido impedido por D... e E..., que lhe ordenaram que se pusesse dali para fora, o que o mesmo fez.

6.De seguida, B... telefonou ao seu marido, C..., a relatar-lhe o ocorrido e a chamá-lo para vir ter a casa por ter sido agredida.

7. C..., de imediato, dirigiu-se a casa e foi atrás do arguido pedir explicações relativamente ao ocorrido, tendo descido à 1.ª cave do prédio identificado em 1., onde o arguido tem um andar arrendado.

8. Chegado o arguido ao local mencionado em 7., este, ao ver C... avançou sobre ele, tendo-se ambos envolvido fisicamente e tendo o arguido, nesse contexto, desferido sobre o C... uma joelhada, murros na face e pontapés no corpo.

9. Em consequência do descrito em 4. e 8., B... e C..., sentiram dores ao longo do seu corpo que lhe determinaram a necessidade de serem assistidos no serviço de urgência do Centro Hospitalar da Cova da Beira na Covilhã.

10. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu uma equimose com 15x8cm na face postero externa do braço e cotovelo direitos.

11. Tais lesões determinaram a B... 8 (oito) dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional.

12. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido sofreu escoriações no queixo e polegar da mão esquerda.

                13. Ao actuar nos termos descritos em 4. e 8., o arguido agiu com o propósito de lesar o corpo e a saúde de B... e C..., o que efectivamente conseguiu.

14. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que os seus comportamentos eram proibidos e punidos pela lei penal como crime.

[Dos pedidos de indemnização civil deduzidos pelo CHCB]

15. Por causa do descrito em 8., C... foi, no dia 17 de Janeiro de 2013, assistido no Cento Hospitalar da Cova da Beira.

16. Tal assistência hospitalar importou o curso de 56,16 €.

17. Por causa do descrito em 4., B... foi, no dia 17 de Janeiro de 2013, assistida no Cento Hospitalar da Cova da Beira.

18. Tal assistência hospitalar importou o curso de 56,16 €.

[Do pedido de indemnização civil deduzido por C... (não contidas já na descrição factual julgada provada, tendo por referência a acusação pública e o PIC do CHCB)]

19. O demandante cível, por causa do comportamento do arguido, teve que se deslocar à PSP para prestar declarações, ao escritório do Advogado para se aconselhar quanto às providências a tomar.

20. O demandante sentiu-se humilhado e vexado com a conduta do arguido.

21. Tem receio de que volte a acontecer outra situação idêntica, até porque o arguido frequenta o prédio onde habita.

[Do pedido de indemnização civil deduzido por B... (não contidas já na descrição factual julgada provada, tendo por referência a acusação pública e o PIC do CHCB)]

22. A demandante cível, por causa do comportamento do arguido, teve que se deslocar à PSP para prestar declarações, ao escritório do Advogado para se aconselhar quanto às providências a tomar.

23. A demandante sentiu-se humilhada e vexada com a conduta do arguido, a qual ocorreu na sua própria casa, na presença da sua filha e onde estava também o namorado desta.

24. Tem receio de que volte a acontecer outra situação idêntica, até porque o arguido frequenta o prédio onde habita.

[Mais se provou:]

25. O arguido era canalizador, estando reformado há 2 anos.

26. Aufere cerca de 400,00 € de reforma.

27. Vive com uma companheira.

28. Possui a 4.ª classe.

29. O arguido já foi condenado:

a. pela prática, em 29.09.2008, de um crime de ofensa à integridade física simples, por sentença transitada em julgado em 22.11.2010, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 7,00 €, a qual já se mostra extinta pelo cumprimento.

(…)”.

B) Nela foram considerados não provados os seguintes factos:

“ (…).

Com relevância para boa decisão da causa, não se provou qualquer outra factualidade que não se contenha, seja integralmente, seja parcialmente, seja após concretização, na factualidade julgada provada e que esteja em oposição com esta e, designadamente, a seguinte:

1. Em consequência da conduta do arguido, o demandante C... teve que perder, no mínimo, três dias de trabalho.

2. O que lhe importou um prejuízo de 150,00 €.

3. Em consequência da conduta do arguido, a demandante B... teve que perder, no mínimo, três dias de trabalho.

4. O que lhe importou um prejuízo de 150,00 €.

5. O descrito em 4. dos factos provados e sem prejuízo do consignado no ponto 5. e na parte final do ponto 24. dos factos provados, ocorreu na presença do namorado da filha da demandante cível.


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                Consigna-se que não se atendeu ainda a expressões conclusivas e de direito.

Mais se consigna que a factualidade adicionada em concretização da descrita na acusação, não foi alvo de qualquer comunicação, uma vez que resultou da análise da própria defesa do arguido e da versão dos factos por este assumida, na sua conjugação com a demais prova produzida, a qual o arguido teve oportunidade de contraditar integralmente.

            “ (…).

            C) E dela consta a seguinte motivação de facto:

            “ (…).

Exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal:

                Quanto aos factos provados e não provados:

Na formação da sua convicção, o tribunal atendeu ao apurado em sede de audiência de julgamento, analisando global e criticamente a prova junta aos autos, segundo as regras da experiência comum e da sua livre convicção, nos termos do artigo 127.º, do Código de Processo Penal, nomeadamente à prova pericial, a todos os documentos juntos aos autos e, bem assim, às declarações do arguido, dos demandantes cíveis/queixosos e das testemunhas.

                O arguido negou a prática dos factos, ainda que não tenha colocado em causa a factualidade que lhe era imputada, no que diz respeito às circunstâncias de tempo e lugar (quer por referência à demandante B..., quer ao demandante C...); que é dono de um apartamento por baixo do apartamento dos queixosos que, à data dos factos, se encontrava cedido a terceiros; que estava desavindo com o queixoso por questões anteriores.

                Assim sendo, negou:

a. que tenha entrado em casa de B...;

b. que tenha empurrado a porta, que a tenha entalado e que lhe tenha dado um murro no braço.

c. que, relativamente a C..., tenha feito algo mais do que se defender com empurrões, dizendo que foi este, pelo contrário, quem lhe bateu, e não só a si, como aos habitantes do seu apartamento – I... e J... (uma vez que L... sua actual companheira, com quem referiu viver actualmente no prédio ora em causa, não estava).

                As declarações do arguido apenas foram valoradas na medida da sua coincidência com a factualidade julgada provada por, no demais, não se nos terem afigurado credíveis, não só pela sua falta de coerência interna, mas por não terem sido corroboradas por qualquer outro meio de prova adequado a suportar tal versão dos factos.

                Para além das declarações do arguido, na parte em que foram valoradas, atendeu o Tribunal ao teor do depoimento prestado pelos demandantes cíveis B... e C....

                O depoimento prestado pela primeira foi relevante na formação da convicção do Tribunal quanto aos factos julgados provados em 1. a 6., tendo sido valorado na medida da sua coincidência com tal factualidade.

                Tratou-se de um depoimento espontâneo e pormenorizado, que o Tribunal tomou como credível e que foi corroborado, não só pelo depoimento prestado pela testemunha D..., como ainda pelo depoimento prestado pela testemunha E... e pelo teor do documento de fls. 102.

                As testemunhas D... e E..., na medida daquilo que revelaram ter conhecimento directo, relataram também o ocorrido na residência, por forma a que, conjugados tais depoimentos com o depoimento de B... e com o documento acima mencionado, o Tribunal tivesse que afastar a versão dos factos apresentada pelo arguido e credibilizar a versão dos factos da acusação.

                As pequenas contradições existentes entre os já referidos 3 depoimentos não se afiguraram ao Tribunal como relevantes para efeitos de retirada de credibilidade a tais depoimentos, outrossim, como percepções diferentemente retiradas da mesma observação factual, o que é perfeitamente natural, quer em função das circunstâncias, quer da pessoa que as observa.

                Por outro lado, não nos pareceu que se tratassem de depoimentos condicionados pelas relações familiares existentes.

                No que respeita aos pontos 7. e 8. da factualidade julgada provada, para além de as declarações do arguido nem sequer terem sido corroboradas na íntegra pelas testemunhas cuja inquirição, ao abrigo do artigo 340.º, do CPP, o mesmo requereu – e não se tratou de pequenas contradições do tipo das anteriormente referenciadas, mas de testemunhas que prestaram depoimentos interessados (veja-se que nem sequer assumiram que eram arrendatárias do arguido, mas que viviam quase gratuitamente em tal apartamento, pagando-lhe uma mera compensação) – as mesmas foram contrariadas pelos depoimentos prestados por C..., por E..., G..., H... e B....

                Da conjugação de todos os depoimentos acima referenciados, resultou a percepção do Tribunal quanto à factualidade que julgou provada em 7. e 8., assim tendo valorado conjugadamente tais depoimentos e conferido credibilidade a cada um deles, na medida da sua exacta coincidência com a factualidade julgada provada.

                Na formação da sua convicção quanto ao ponto 9. dos factos julgados provados, teve o Tribunal em consideração as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, ponderadas em conjunto com as declarações das testemunhas arroladas na acusação e, bem assim, com os documentos de fls. 102 e 103.

                Na formação da sua convicção quanto ao ponto 10. e 11. dos factos provados, teve o Tribunal por referência o relatório pericial, elaborado pelo IML e constante de fls. 7 a 9.

                No que diz respeito ao facto julgado provado em 12., teve em tribunal em consideração, para além dos depoimentos das testemunhas da acusação – que se referiram a um golpe na face – ao teor do documento (relatório clínico) de fls. 103.

                Na formação da sua convicção quanto aos factos julgados provados em 13. e 14. dos factos provados, atendeu o Tribunal a toda a prova produzida, nos termos já referenciados e à demais factualidade antecedentemente julgada provada, da qual a factualidade ora em apreciação foi inferida.

                Para além de toda a prova já referida, na formação da sua convicção quanto aos factos julgados provados em 15. a 18., atendeu o Tribunal aos documentos de fls. 127 e 131.

                No que diz respeito aos factos julgados provados em 19. a 24., atendeu o Tribunal, na formação da sua convicção, ao teor dos depoimentos prestados pelos demandantes cíveis, das demais testemunhas ouvidas, que foram arroladas no pedido de indemnização civil e às regras da experiência comum.

                As declarações do arguido foram valoradas pelo Tribunal, na formação da sua convicção quanto aos factos julgados provados em 25. a 28..

                Atendeu o Tribunal ao certificado de registo criminal do arguido, junto a fls. 223 a 225, no qual fez fundar a sua convicção quanto ao facto julgado provado em 29..


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                Quanto aos factos não provados:

                Sobre a matéria de facto constante dos pontos 1. a 5. dos factos não provados, não foi produzida qualquer prova, seja testemunhal, seja documental, tendo sido por essa razão que tal matéria foi julgada não provada.

            (…)”.


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Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto

1. Alega o arguido – conclusões I a VIII e X –, por um lado, que pelo depoimento da ofendida, pela localização e características da lesão sofrida e pelas regras da experiência comum, a dita lesão não podia ter tido a origem que lhe é assacada na matéria de facto provada, sendo antes compatível com o bater da porta de entrada da casa no braço direito da ofendida que a segurava, como consta da motivação de facto da sentença, devendo reconhecer-se a falta de intenção no empurrão da porta, e por outro, que dos depoimentos dos dois ofendidos e de todas as testemunhas, em especial, de I..., resulta que foi o ofendido quem, com mais três pessoas, se dirigiu ao local e exigiu a sua [do arguido] presença para se travar de razões, o que contraria totalmente os pontos 7 e 8 dos factos provados, pois que, mal se encontraram, pegaram-se mutuamente.

Cumpre desde já dizer que, percorrendo a matéria de facto provada da sentença, apenas o ponto 4 dos factos provados parece relacionar-se com a argumentação do arguido, mas nele não é feita qualquer referência quanto a estar a ofendida a segurar a porta da entrada com o braço direito e ter a porta embatido contra este membro, e também não encontramos tal referência, quer na motivação de facto, quer na fundamentação de direito da mesma sentença.

Quanto ao mais.

O julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal de 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. O recurso de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1ª instância pura e simplesmente não tivesse existido.

Por isso o legislador, quando configura o recurso da matéria de facto isto é, a impugnação ampla da matéria de facto, regulado essencialmente no art. 412º do C. Processo Penal, impõe ao recorrente a observância do ónus de uma tripla especificação, a saber: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; a especificação das provas que devem ser renovadas [esta, nos termos do art. 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio]. Acresce, relativamente às concretas provas, que quando estas tenham sido gravadas, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na acta, com a concreta indicação das passagens em que se funda a impugnação.

Compete assim ao recorrente fixar o objecto do recurso de facto, através da indicação precisa do erro que entende ter sido cometido, e da indicação dos meios que inequivocamente o demonstram, já que a modificação da decisão de facto só pode dar-se se e quando as provas por si especificadas impuserem decisão diversa da recorrida, não bastando para o efeito, que apenas permitam decisão diversa.

Aqui chegados, vejamos agora, se em que medida, deu o recorrente cumprimento a tal ónus, sendo para o efeito conveniente distinguir, para melhor compreensão da exposição que segue, a matéria relativa a cada um dos dois crimes imputados ao recorrente.

2. Quanto ao crime de ofensa à integridade física que tem por ofendida B..., o arguido limita-se a afirmar que da audição dos depoimentos resulta não poder terem sido considerado provados alguns dos factos essenciais, sendo o depoimento da ofendida contraditório com as regras da experiência relativamente à agressão a murro no braço direito, uma vez que, abrindo a porta de sua casa para o lado direito, e tendo estado sempre, como disse, atrás da porta, seria improvável, para não dizer, impossível, ter sido, neste circunstancialismo, atingida a murro naquele braço, sendo as lesões apresentadas mais consentâneas com o embate da porta ao ser empurrada.

Em suma, o arguido não especificou isto é, não identificou, particularizando-os, os concretos pontos de facto – in casu, da matéria de facto provada – que considerou incorrectamente julgados, e também não especificou as concretas provas que imporiam decisão diversa. Parece, no entanto, poder concluir-se, com alguma certeza, que pretendia sindicar o ponto 4 dos factos provados, com fundamento nas declarações da ofendida, sendo certo que, quanto a esta, tendo em conta o que consta do corpo da motivação, se pode considerar observado o nº 4 do art. 412º do C. Processo Penal. Assim, com alguma benevolência, embora, têm-se por observado o ónus de especificação imposto ao recorrente dentro dos limites que se deixaram assinalados.

O ponto 4 dos factos provados tem a seguinte redacção:

- Mas o arguido empurrou bruscamente a porta de entrada de habitação de modo a entalá-la e desferiu sobre a mesma um murro no braço direito.

O Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal de fls. 7 a 9, cujo exame foi realizado a 22 de Janeiro de 2013 e teve como examinanda a ofendida, observou como lesão, no membro superior direito, equimose de tons amarelados, com 15 x 8 cm na face postero externa do braço e cotovelo e concluiu, além do mais, que tal lesão determinou oito dias para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e da capacidade de trabalho profissional.

Ouvidas as declarações da ofendida, delas resulta ter a mesma afirmado, em síntese e na parte relevante [a instâncias da Mma. Juíza Presidente] que tocaram à campainha da sua porta, abriu-a, o arguido disse-lhe que estavam a fazer barulho e começou a tratá-la mal, tentou fechar a porta mas não conseguiu porque ele a empurrou e agrediu-a no braço [circa 00:04:35 das declarações], que o arguido empurrou a porta e agrediu-a no braço com um murro, depois tentou fechar a porta [circa 00:05:10 das declarações], [a solicitação do Ilustre Defensor do arguido] que a porta abre para dentro e para o lado direito, estava de pé, encostada à porta com o braço direito [circa 00:27:45 das declarações], que estava de pé, encostada à porta com o braço direito, o arguido empurrou a porta e atingiu-a com um murro no braço, que houve um empurrão antes e um empurrão depois, do murro [circa 00:28:40 das declarações], que quando lhe deu o murro estava a tentar entrar, mas ainda estava fora [circa 00:29:44 das declarações].    

Como se vê, a ofendida é muito clara quando afirma que o arguido a atingiu a murro no braço direito, sendo certo que, ressalvado sempre o devido respeito que é muito, não afirmou que se encontrou sempre atrás da porta [nem tal seria razoável, face ao contexto em que os factos aconteceram]. Por outro lado, não descortinamos qualquer regra da experiência que, aplicável ao caso concreto, torne improvável e, mesmo, impossível, a versão apresentada pela ofendida.

Em conclusão, a versão dos acontecimentos que o tribunal a quo considerou provada tem suporte na prova produzida na audiência de julgamento e não se mostra desrazoável ou carecida de lógica e sendo, precisamente, a prova que o arguido indicou como impondo decisão diversa da recorrida, é evidente que a mesma é insusceptível de atingir o fim pretendido devendo, em consequência, manter-se o ponto 4 dos factos provados nos exactos termos em que foi fixado na sentença em crise.      

3. Quanto ao crime de ofensa à integridade física que tem por ofendido C..., o arguido afirma que as declarações dos ofendidos e os depoimentos das testemunhas coincidem quanto a ter-se o ofendido dirigido ao local acompanhado de três pessoas para tirar satisfações e de ter sido ele quem exigiu a sua [do arguido] presença no local para com ele se travar de razões, para depois concretizar que, face às declarações do ofendido e ao depoimento da testemunha I..., os pontos 7 e 8 dos factos provados não poderiam como tal ter sido considerados, pois não corresponde à verdade que tenha avançado para o ofendido, antes tendo acontecido que, mal saiu do elevador, logo arguido e ofendido se pagaram mutuamente.   

Em suma, o arguido especificou os concretos pontos de facto provados que considerou incorrectamente julgados, e especificou as concretas provas que imporiam decisão diversa – as declarações do ofendido e o depoimento da testemunha I... – mas, nem no corpo da motivação nem nas conclusões, indicou concretamente as passagens, das declarações e do depoimento, em que fundou a impugnação, assim incumprindo o nº 4 do art. 412º do C. Processo Penal e comprometendo a análise do recurso de facto.

Em todo o caso, o tribunal da Relação ouviu a gravação das declarações do ofendido e da testemunha I..., como ouviu as declarações do arguido e da ofendida, e os depoimentos das testemunhas G... e H....

Todos estes meios de prova coincidem, salvo quanto às declarações do arguido, quanto a ter o ofendido comparecido no local do confronto físico, acompanhado das testemunhas G... e H..., e de não terem estes dois tido intervenção no referido confronto, sendo certo, por outro lado, que não releva para a decisão, saber se o ofendido exigiu ou não a presença do arguido no local, para saber o que antes tinha sucedido com ele e a ofendida.

Quanto à forma como decorreu o confronto físico, descrito nos impugnados pontos 7 e 8 dos factos provados, o arguido discorda da circunstância de no ponto 7 constar que o ofendido foi atrás do arguido, pois o que aconteceu foi que o ofendido agrediu a testemunha I... e ali esperou a chegada do arguido, e de no ponto 8 constar que o arguido, ao ver o ofendido, avançou sobre ele, pois o que aconteceu foi que, mal saiu do elevador, de imediato se pegaram mutuamente. 

Ouvida a prova supra indicada, temos que:

- O arguido afirmou que se dirigiu a casa da ofendida a quem manifestou o seu protesto pelo ruído que era feito e ela fechou-lhe a porta na cara, nada mais tendo ocorrido, tendo ido para sua casa; algum tempo depois o seu inquilino, I..., telefonou-lhe a chamá-lo ao local e quando aí chegou já lá estavam as pessoas todas, uns à porta, outros, dentro de casa [circa 00:10:40 das declarações], entrou na casa e como ela é sua, convidou-os a saírem e começaram as agressões casa [circa 00:11:50 das declarações], todos eles lhe deram murros e pontapés, ficou sem os óculos, e enquanto tentava encontrá-los, levou pancada de todos e defendeu-se mas não agrediu ninguém [circa 00:12:30 e 00:13:15 das declarações], como eram sete contra si e naquelas condições, não sabe quem empurrou casa [circa 00:14:30 das declarações];

- A testemunha I... afirmou que no dia dos acontecimentos tinha estado a falar com o arguido sobre o ruído proveniente dos outros andares designadamente, do andar ocupado pelos ofendidos, tendo-lhe este dito que já tinha conversado com eles, e foi-se embora; passados cerca de 15 minutos apareceu-lhe à porta do ofendido acompanhado de outro senhor, agrediu-o à bofetada [circa 00:06:37 do depoimento], perguntou-lhe pelo arguido e disse para chamar este, ligou ao arguido e este chegou 5 a 10 minutos depois [circa 00:9:31 e 00:11:22 do depoimento]; mal o arguido chegou no elevador perguntou o que se passava e envolveram-se os dois, com insultos e agressões, houve empurrões e bofetadas e pode ter havido pontapés [circa 00:11:44 do depoimento], tentou separá-los e o mesmo fez a pessoa que acompanhava o arguido [circa00:13:25 do depoimento], a ofendida disse que antes tinha sido agredida pelo arguido [circa00:17:30 do depoimento], não sabe quem bateu primeiro [circa00:39:29 do depoimento]

- A ofendida afirmou que o arguido, mal chegou no elevador do prédio, se atirou ao ofendido, ao murro e ao pontapé, e que este também lhe bateu, para se defender [circa 00:09:20 das declarações];

- O ofendido afirmou que a mulher lhe telefonou para o café a dizer que tinha sido agredida e pediu-lhe que fosse a casa [circa 00:02:48 das declarações], solicitou ao G... e a outro rapaz para o acompanharem porque não sabia o que se passava, pois só lhe tinha sido dito que era o vizinho de baixo [circa 00:03:31 das declarações], desceu ao andar de baixo com os rapazes e abriu-lhe a porta um estudante a quem perguntou o que se passava, ele disse que não sabia de nada e que ia ligar ao senhorio, o que fez [circa 00:06:51 das declarações], o arguido apareceu poucos minutos depois [circa 00:07:37 das declarações], não entraram na casa, ficaram junto ao elevador, só teve a certeza de que o senhorio era o arguido quando o viu sair do elevador [circa 00:09:35 das declarações], o arguido saiu do elevador e atirou-se a si, ao pontapé e ao murro, não se lembra de lhe ter também dado murros e pontapés [circa 00:10:21 das declarações], defendeu-se mas sem ter agredido, pois o G... e o H... separaram e não queria problemas porque já tinha uma anterior condenação com a mesma pessoa [circa 00:12:02 das declarações], o confronto ocorreu em frente ao elevador, fora do apartamento, e nele não se envolveu mais ninguém [circa 00:13:40 das declarações];

- A testemunha G... afirmou que o ofendido lhe pediu para o acompanhar a casa, no seguimento de um telefonema que havia recebido, o que fez, juntamente com o H... [circa 00:04:45 do depoimento], aí chegados, a ofendida estava assustada e transtornada, foram os três ao andar de baixo, apareceu um rapaz à porta e o ofendido perguntou pelo senhorio e disse-lhe para o chamar e o rapaz telefonou ao senhorio [circa 00:05:30 do depoimento], não entraram, em circunstância alguma, no apartamento, ficaram à espera do senhorio [circa 00:07:10 do depoimento], o arguido saiu do elevador, vinha agressivo, dizia asneiras e atirou-se ao ofendido, deu-lhe um murro na cara, o ofendido defendeu-se pondo as mãos à frente da cara, depois, o depoente e o H... meteram-se ao meio e separaram [circa 00:07:51 do depoimento], não pode precisar o número de murros e pontapés mas o confronto demorou apenas segundos, num espaço exíguo, separaram-nos e trouxeram o ofendido para o andar de cima e depois chegou a polícia [circa 00:09:39 do depoimento];

- A testemunha H... afirmou que estavam no café, o ofendido recebeu uma chamada da ofendida e depois disse-lhes para o acompanharem a casa porque podia haver alguma coisa [circa 00:03:20 do depoimento], aí chegados, a ofendida estava nervosa, queixava-se do braço e disse que tinha sido o vizinho de baixo [circa 00:04:02 do depoimento], vieram ao andar de baixo, um rapaz veio à porta, o ofendido disse para ele chamar o senhorio, ele ligou pelo telefone e esperaram à entrada do apartamento [circa 00:05:16 do depoimento], chegou o arguido no elevador e começou a agredir, ele saiu do elevador, foi direito ao ofendido, bateu-lhe na cara com as mãos e deu-lhe um pontapé na virilha [circa 00:06:10 do depoimento], o depoente e o G... meteram-se ao meio, empurraram e separaram-nos, depois vieram com o ofendido para cima e este chamou a polícia [circa 00:09:15 do depoimento].          

Assim, quanto ao ponto 7, resulta da conjugação das declarações do arguido, dos ofendidos e das testemunhas I..., G... e H... que houve um desentendimento entre o arguido e a ofendida, que esta chamou pelo telefone o ofendido, que este se dirigiu a casa acompanhado das testemunhas G... e H..., que aí a ofendida informou o ofendido que o desentendimento tinha sido com o senhorio do andar de baixo, que foram os três ao andar de baixo e quem abriu a porta foi um jovem a quem o ofendido – independentemente de o ter esbofeteado ou não – solicitou que chamasse o senhorio pelo telemóvel.

É pois evidente que o ofendido, depois de esclarecido pela ofendida quanto ao que havia acontecido, quando se dirigiu ao andar de baixo, ia atrás do respectivo senhorio – que era o arguido – para lhe pedir satisfações do ocorrido com a sua mulher momentos antes.

Em suma, ainda que se reconheça alguma falta de clareza na redacção dada ao ponto de facto sindicado, o mesmo tem pleno respaldo na prova produzida em audiência e valorada pelo tribunal a quo, à luz do princípio ínsito no art. 127º do C. Processo Penal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Quanto ao ponto 8, resulta da conjugação das declarações dos ofendidos e das testemunhas I..., G... e H... [o arguido negou ter agredido e afirmou ter sido agredido] que logo após ter o arguido saído do elevador, logo ele e o ofendido se envolveram em confronto, sendo que as referidas declarações e os depoimentos das testemunhas G... e H... são coincidentes quanto a ter o arguido dado início ao confronto. 

Em suma, o conteúdo do ponto sindicado está plenamente suportado pela prova produzida na audiência de julgamento – sendo aliás perfeitamente razoável que, tendo em conta o anterior conflito entre o arguido e a ofendida e a chamada do arguido ao local, nas circunstâncias em que o foi, se tenha considerado provado ter sido ele a dar início ao confronto com o ofendido – pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

4. Não se evidenciando na sentença recorrida a presença de qualquer dos vícios da decisão previstos no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto, nos exactos termos em que o foi pela 1ª instância.   

            Deste modo, face aos factos provados, dúvidas não subsistem ter o arguido praticado dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do C. Penal.


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 Das consequências da modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto na medida da pena

5. Alega o arguido – conclusão IX – que a modificação da matéria de facto provada implicará, ao nível da culpa, uma alteração à medida da pena.

Não tendo havido lugar a qualquer modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto, teria desde logo que improceder a conclusão formulada.

Por outro lado, as penas, parcelares e única, decretadas não merecem censura. Explicando.

Prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena (art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal), reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.

A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

Frequentemente a determinação da pena, em sentido amplo, passa pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. Nestes casos, o critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  
O crime de ofensa à integridade física simples por cuja prática foi o arguidos condenado é punível com prisão ou com pena de multa, tendo o tribunal a quo optado, e bem, por esta última.

Atentemos agora na medida concreta das penas parcelares, que vêm fixadas em 220 dias de multa e em 190 dias de multa, todos à taxa diária de € 6.

Como se disse, a determinação da medida concreta da pena é feita em função das necessidades de prevenção e da culpa do agente.

Para tanto, o tribunal deve atendera todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

Vistos os factos, temos que:

- Não é de desprezar o grau de ilicitude dos factos e não são também de desconsiderar as suas consequências;

- O dolo foi directo;

- São medianas as necessidades de prevenção geral e fazem-se sentir as necessidades de prevenção especial, atentos os antecedentes criminais do arguido, sendo certo que o mesmo não assumiu um qualquer comportamento revelador de ter interiorizado a sua culpa;  

- O arguido está inserido familiar e socialmente.

Assim, atenta a moldura abstracta prevista no art. 143º, nº 1 do C. Penal – multa de 10 a 360 dias (cfr. art. 47º, nº 1 do mesmo código) – e o que fica dito, consideramos as penas decretadas, porque situadas já um pouco acima do ponto médio, adequadas, proporcionadas e perfeitamente suportadas pela culpa do arguido.

E também o seu quantitativo diário respeita o critério legal fixado no nº 2 do art. 47º do C. Penal.

6. Quanto à pena única, considerando a moldura penal aplicável, resultante da aplicação do critério estabelecido no art. 77º, nºs 1 e 2 do C. Penal – multa de 220 dias a 410 dias – e tendo em conta que, nem os factos, nem a revelada personalidade do arguido desenham um quadro geral que permita concluir sequer, pelo início de uma verdadeira carreira criminosa, a acumulação de crimes não deve funcionar como elemento agravante da pena conjunta, consideramos que a pena única decretada, situada no limiar do ponto médio daquela moldura, é também adequada e perfeitamente suportada pela culpa do arguido.


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            Improcedem pois, todas as conclusões do recurso.

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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.


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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III do R. das Custas Processuais).

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Coimbra, 28 de Janeiro de 2015


(Heitor Vasques Osório - relator)


(Fernando Chaves - adjunto)