Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
214/07.2TBSBG.C1.
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: DESERDAÇÃO
ALIMENTOS
TESTADOR
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESERDAÇÃO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SABUGAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 2166º, Nº 1, AL. C), E 2167º DO C. CIV.
Sumário: I – É unanimemente entendido, quer na doutrina quer na jurisprudência, que o fundamento de deserdação previsto na al. c) do nº 1 do artº 2166º do CC, apenas se verifica ou pode verificar-se se o sucessível em questão estiver contratual ou judicialmente obrigado a prestar alimentos à testadora (ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge), isto é, que não só seja uma pessoa obrigada a prestar alimentos, nos termos do artº 2009º CC, mas que tal obrigação também resulte de acordo negocial ou de imposição judicial, temos de reconhecer que, no caso em apreciação, não existe a referida fundamentação para a deserdação constante do referido testamento.

II - Porém, a própria lei civil estatui que a acção de impugnação da deserdação, com fundamento na inexistência da concreta causa invocada pelo testador para o efeito – nos termos do artº 2166º, nº 1, do CC -, caduca ao fim de dois anos a contar da abertura do testamento (artº 2167ºCC).

III - Apesar de a lei referir o início da contagem do prazo somente à abertura do testamento, parece que implicitamente exigirá também o conhecimento dele e da deserdação por parte do deserdado, por analogia designadamente com o artº 2059º, nº 1, do CC.

IV – Sendo manifesto que entre o momento em que o A. foi citado para o processo de inventário e teve conhecimento do testamento com a sua deserdação (em 2003) e o momento de instauração da acção de impugnação dessa deserdação – em Outubro de 2007 – decorreram mais de dois anos, torna-se também manifesto que se encontra caducado o direito do A. a propor uma acção desta natureza.

V - Em nenhuma disposição legal se comina com a nulidade a inexistência de fundamentação invocada para a deserdação.

VI - Como causa de pedir na acção também pode ser invocada uma concreta causa de nulidade do testamento, designadamente por força do disposto nos artºs 2180º, 2184º, 2185º, 2186º, 2190º, 2192º, 2194º, 2196º, 2197º e 2198º do CC, casos em que a acção de nulidade do testamento ou de disposição testamentária caduca ao fim de dez anos, a contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da causa da nulidade (artº 2308º, nº 1, CC).

Decisão Texto Integral:                 Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            No Tribunal Judicial da Comarca do Sabugal, M…, casado, reformado, residente na Rua …, instaurou contra a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de J…, representada pela cabeça de casal B…, residente em …, e contra a dita B…, pedindo que seja declarada nula e de nenhum efeito a declaração da falecida J… plasmada no testamento por ela outorgado no Cartório Notarial do Sabugal em 15.02.1996, segundo a qual deserdava o aqui Autor, uma vez que este não lhe havia prestado os alimentos que ela necessitava e ele podia prestar; que seja declarado nulo e de nenhum efeito o sobredito testamento e, em consequência, que seja o Autor declarado herdeiro legitimário na sucessão de sua mãe, a falecida J...

            Para tanto e muito em resumo, alegou que o Autor e a segunda Ré são, actualmente, os únicos e universais herdeiros de J…, falecida no estado civil de viúva em 08.08.2002.

            Que a 2ª Ré foi investida na qualidade de cabeça de casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da dita J…, no âmbito do Inventário n.º …, a correr termos no Tribunal Judicial do Sabugal.

            Que a falecida J…, em testamento outorgado no Cartório Notarial do Sabugal, datado de 15.02.1996, deserdou os filhos M… (o Autor) e D…, com fundamento na recusa de prestação de alimentos destes à testadora, e instituiu única e universal herdeira de seus bens a filha B…, de quem afirmou estar a receber alimentos.

            Que a testadora mais declarou ser esse o primeiro testamento que fazia.

            Que tais afirmações não são verdadeiras, pois que a testadora (a falecida J…) havia já outorgado, pelo menos, um anterior testamento, previamente àquele que supra se encontra referenciado, o que se traduz em nulidade.

            Que o A. nunca acordou com a sua mãe, J…, o pagamento de qualquer quantia a título de prestação de alimentos para esta, nem a tal foi judicialmente condenado, pelo que carecia a testadora, sua mãe, de fundamento para o deserdar.

            Que a testadora, na data da outorga do testamento, recebia uma pensão da Segurança Social Portuguesa, através do número de pensionista …, de aproximadamente € 1.500,00/ano, e recebia uma pensão da Segurança Social Portuguesa, através do número de pensionista …, de aproximadamente € 2.050,00/ano.

Que ainda recebia uma pensão da Segurança Social Francesa, de aproximadamente € 101,00/mês.

Que, por isso, deve ser considerado como inválido tal testamento, o que se pede.


II

            Contestaram os RR alegando, muito em resumo, que a dita testadora faleceu a 8 de Agosto de 2002, correndo o competente processo de Inventário neste Tribunal (Proc. n° …), para o qual o Autor foi citado para os seus efeitos.

            Que desde a data da sua citação, em 2003, que o A. tem conhecimento quer da existência do referido testamento quer do seu teor, o qual vem agora impugnar.

            Que a presente acção deu entrada em 22/10/2007, pelo que, conclui, nessa data estava já caducado o direito de propor acção de impugnação do testamento – artº 2167º CC -, com base na falta de fundamento para a deserdação e, ainda, caducado estava o direito a propor a acção de anulabilidade, pois os fundamentos invocados pelo Autor não se ligam a vícios de forma ou de vontade, mas antes a meras imprecisões que apenas levariam à sua anulabilidade.

            Em sede de impugnação alegou que, por ter sido deserdado, o Autor não é herdeiro legitimário na sucessão por morte de sua mãe, J…, mais impugnando os restantes factos vertidos na petição inicial.

            Que o A., nos últimos 18 anos de vida da mãe, não só nunca lhe prestou quaisquer alimentos, sabendo-a deles necessitada, como até deixou de lhe falar, apesar de viver numa casa em frente da dela, o que causou profundo desgosto à mãe. 

            Terminaram pedindo que seja julgada improcedente a presente acção, com a absolvição das Rés do pedido.


III


            Respondeu o Autor alegando que os vícios por si apontados ao testamento são cominados com a nulidade pelo que, nos termos do art.º 1308º/1 do C. Civil, a acção deve ser considerada como tempestiva.

Concluiu como na petição inicial.


IV

            Terminados os articulados foi elaborado despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade processual da acção e nele foram fixados os factos tidos como assentes e elaborada a base instrutória.

            Seguiu-se a instrução do processo e veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova testemunhal nele prestada, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto em discussão, com indicação da respectiva fundamentação.


V

            Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos RR dos pedidos (dado ter sido entendido que o direito de propor a presente acção de impugnação da deserdação há muito que tinha caducado quando foi instaurada a presente acção).


VI

            Dessa sentença interpôs recurso o Autor, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.

            Nas alegações que apresentou o Apelante concluiu da seguinte forma:


VI

            Contra-alegaram os RR, onde defendem que não foi dado como provado qualquer facto que pudesse levar à nulidade do testamento, tendo o A. atacado a deserdação em causa por inexistência de causa invocada, mas fora do prazo de dois anos do artº 2167º CC.

            Que, por isso, deve ser mantida a sentença recorrida, julgando-se improcedente o presente recurso.


VII

            Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta a que se conheça do seu objecto.

            Esse objecto passa pela reapreciação da decisão de mérito, no sentido de se apurar se se encontra ou não decorrido algum prazo de caducidade do direito que o A. prende exercer na acção, ou se deve ser considerado como nulo o testamento em causa na acção.

            Considerando que não foram impugnados os factos dados como assentes e como provados em 1ª instância, nem se vêem razões para proceder à sua alteração oficiosamente, importa que aqui se registem tais factos, os quais são os seguintes, conforme constam da sentença recorrida: 

1 - A segunda Ré foi investida na qualidade de cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J…, no âmbito do inventário nº … a correr termos no Tribunal da Comarca do Sabugal.

2 – J... faleceu em 08/08/2002, no estado de viúva de … (certidão de fls. 19).

3 - Por testamento lavrado em 15/02/1996, no Cartório Notarial do Sabugal, J… nele declarou o seguinte:

"(...) que já tem oitenta e seis anos de idade e tem como único rendimento uma pensão de cerca de dezassete mil escudos mensais. Tem três filhos, M…, residente em França; D…; e B…, também residente na mesma freguesia.

Os dois primeiros, M… e D…, embora possuindo rendimentos bastantes, tem-se recusado a prestar quaisquer alimentos à testadora, que deles carece dada a sua idade e os seus reduzidos rendimentos, sem qualquer razão já que a testadora em nada contribuiu para tal recusa e eles, atentos os seus rendimentos, os podiam prestar.

Que, assim, a testadora tem estado a receber alimentos apenas de sua filha B…, a qual institui única e universal herdeira de seus bens, deserdando os seus filhos M… e D...

E que assim termina esta sua disposição de última vontade, sendo este o primeiro testamento que faz “- testamento de fls. 20 e 21.

4 – J… também lavrou testamento no dia 12/09/1990, no Cartório Notarial do Sabugal (certidão de fls. 22 e 23), aí tendo declarado que instituía herdeira da quota disponível de todos os seus bens a sua filha B…, mais declarando revogar expressamente o seu testamento lavrado em 02/02/1971 nesse mesmo Cartório Notarial, "na parte que respeita a seus filhos D… e M…, mantendo-o no que se refere à sua filha B…”.

5 - O Autor nunca acordou com J… o pagamento de qualquer quantia a título de prestação de alimentos, nem nunca foi judicialmente fixada qualquer prestação desse tipo.

6 – J… recebia, à data da outorga do testamento referido em 3 supra, uma pensão da Segurança Social Portuguesa no valor de aproximadamente € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) anuais, através do número de pensionista ...

7 - Recebeu, também, da Segurança Social Portuguesa, uma pensão de sobrevivência, entre 1/08/74 e até á data do óbito em 08/08/2002, pensão que era na data do óbito de    € 193,08 mensais, através do número de pensionista ...

8 - Recebia, ainda, uma pensão da Segurança Social Francesa no valor de aproximadamente  € 94,71 euros/mês.

9 - O Autor foi citado para o processo de inventário referido em 1 supra no ano de 2003, tendo tido, nesse momento, conhecimento da existência do testamento referido em 3 supra.

10 - O Autor e a sua mãe deixaram de se falar desde 1984 e até à data da morte desta.

11 – J… tinha dificuldades de locomoção e o Autor tinha uma casa perto da sua.

12- A partir de 1984 J… não conseguiu contactar com os seus netos (filhos do Autor), nem conheceu os seus bisnetos, o que lhe causava profundo desgosto.


***

            Procedendo, agora, ao conhecimento das questões suscitadas pelo A./Recorrente, afigura-se-nos que na presente acção apenas está em causa a deserdação de que o Recorrente foi alvo por parte de sua mãe, nos termos supra registados sob o nº 3, como, aliás, assim o alegou o A. na petição, sendo precisamente essa deserdação, pelo modo como está expressa/fundamentada no testamento, que o A. põe em causa, alegando que jamais havia acordado com a testadora, sua mãe, o pagamento a esta de qualquer quantia a título de prestação de alimentos, obrigação que também não lhe fora imposta judicialmente, além de que a sua mãe estava a receber várias pensões que eram suficientes para o respectivo sustento.

            É esta, pois, a causa de pedir na presente acção, que o próprio Autor sintetiza no ponto 14 da petição do seguinte modo: “…factos estes demonstrativos da inverdade da declaração plasmada pela J… no dito testamento, assim invalidando a respectiva declaração no mesmo corporizada e, em consequência, ferindo de nulidade o mesmo testamento…” .

            E o pedido consequente reflecte essa causa de pedir: “que seja declarada nula e de nenhum efeito a declaração da falecida J… plasmada no testamento por ela outorgado no Cartório Notarial do Sabugal em 15.02.1996, segundo a qual deserdava o aqui Autor, uma vez que este não lhe havia prestado os alimentos que ela necessitava e ele podia prestar”.

            Portanto, o que ressalta quer da causa de pedir, quer do pedido, quer do teor do testamento em causa – ponto 3 supra -, é que a testadora – J… -, pelo testamento lavrado em 15/02/1996, visou e declarou deserdar o A. e outro, ambos seus filhos e seus herdeiros legítimos, privando-os das respectivas legítimas, com fundamento na falta de pagamento de alimentos à referida, que deles se disse carecer, por partes desses dois filhos.

            Ou seja, a testadora socorreu-se de um fundamento, para o referido efeito, previsto na al. c) do nº 1 do artº 2166º do CC, equiparando ou apelidando esses dois filhos de indignos, para todos os efeitos legais, conforme resulta do nº 2 da citada disposição.

Entende e defende o aqui Autor/Recorrente que tal não sucede, pelo que não se pode reconhecer como válida a dita fundamentação.

E, de facto, ficou provado que (5 -) “o Autor nunca acordou com J… o pagamento de qualquer quantia a título de prestação de alimentos, nem nunca lhe foi judicialmente imposta qualquer prestação desse tipo a favor da mãe”.

            Ora, sendo unanimemente entendido, quer na doutrina quer na jurisprudência, que o referido fundamento de deserdação apenas se verifica ou pode verificar-se se o sucessível em questão estiver contratual ou judicialmente obrigado a prestar alimentos à testadora (ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge), isto é, que não só seja uma pessoa obrigada a prestar alimentos, nos termos do artº 2009º CC, mas que tal obrigação também resulte de acordo negocial ou de imposição judicial, temos de reconhecer que, no caso em apreciação, não existe a referida fundamentação para a deserdação constante do referido testamento.

            No apontado sentido, entre outros, podem ver-se: Ac. Rel. Co. de 29/10/1991, BMJ 410, 889/CJ 1991, tomo 4º, pg. 124; Ac. Rel. Co de 01/06/1993, BMJ 428, 690.

            Donde termos como pertinentes a presente acção e o pedido do A. de ser dada sem efeito a dita deserdação, podendo/devendo, em consequência, ser o A. declarado legítimo sucessor de sua mãe/a testadora, salvo se ocorrer motivo que a tal obste.

            Porém, a própria lei civil estatui que a acção de impugnação da deserdação, com fundamento na inexistência da concreta causa invocada pelo testador para o efeito – nos termos do artº 2166º, nº 1, do CC -, caduca ao fim de dois anos a contar da abertura do testamento (artº 2167ºCC).

            O Prof. Oliveira Ascensão defende, no entanto, que apesar de a lei referir o início da contagem do prazo somente à abertura do testamento, parece que implicitamente exigirá também o conhecimento dele e da deserdação por parte do deserdado, por analogia designadamente com o artº 2059º, nº 1, do CC – in “Sucessões”, 1980, pg. 154.

            Portanto, dispomos de lei expressa ou de preceito legal especial atinente ao prazo de propositura de uma acção de impugnação de deserdação – que fixa o prazo de 2 anos a contar da abertura do testamento, sob pena de caducidade desse direito.

            Ora, o que também resulta dos factos apurados é que (2 –) J… faleceu em 08/08/2002, no estado de viúva de …, tendo (1 -) a segunda Ré sido investida na qualidade de cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de J…, no âmbito do inventário nº … a correr termos no Tribunal da Comarca do Sabugal, processo no qual (9 -) o Autor foi citado no ano de 2003, tendo tido, nesse momento, conhecimento da existência do testamento referido em 3 supra.

            Isto é, é manifesto que entre o momento em que o A. foi citado para o processo de inventário e teve conhecimento do testamento em causa (em 2003) e o momento de instauração da presente acção – em Outubro de 2007 – decorreram mais de dois anos, pelo que se torna também manifesto que se encontra caducado o direito do A. a propor uma acção desta natureza.

            Donde ter-se como procedente a referida excepção peremptória, que foi expressamente invocada pelos RR, pelo que se impõe a confirmação da sentença recorrida, na qual foi decidido reconhecer a referida caducidade, com a consequente absolvição das RR do pedido.

            O A./Recorrente escuda-se em invocadas nulidades do testamento, para se opor ao reconhecimento/afirmação dessa excepção.

            Mas sem razão, afigura-se-nos, já que em nenhuma disposição legal se comina com a nulidade a referida inexistência de fundamentação invocada, o que, aliás, também resulta do disposto nos artºs 280º, 281º e 294º do C. Civil.

            Conforme escreve Guilherme Freire Falcão de Oliveira, in “O Testamento – Apontamentos”, pgs 121/122, “segundo a regra geral, os vícios dos testamentos ou de cláusulas testamentárias dão origem a nulidade do negócio ou da disposição (artº 294ºCC). Em vários casos a lei determina uma solução diferente: a anulabilidade. As diferenças entre a nulidade e a anulabilidade, nesta matéria, são muito menos claras do que nos negócios jurídicos em geral. Não pode dizer-se que a nulidade do testamento opera imediatamente, por força da lei; não tem sentido dizer isto quando a lei prevê uma acção de nulidade que caduca ao fim de dez anos. Na verdade, se os efeitos da nulidade se produzissem automaticamente a acção de nulidade seria meramente declarativa e imprescritível.

A nulidade do testamento ou de uma disposição testamentária tem um regime aproximado da anulabilidade; as diferenças estão no círculo de pessoas legitimadas para agir e no prazo em que o podem fazer”.

            Também no Acórdão da Rel. Porto de 21/09/2004, Col. Jur. 2004, tomo IV, pg. 171, se defende que “as causas gerais de invalidade do negócio jurídico só podem aplicar-se parcialmente e a título subsidiário ao testamento se forem compatíveis com o espírito das causas especiais testamentárias. A nulidade do testamento ou de uma disposição testamentária tem um regime aproximado da anulabilidade…”.

            Donde a conclusão de que carece o Recorrente de razão quando defende estarmos perante uma nulidade da dita disposição testamentária, e, nessa medida, fora do alcance do artº 2167º CC.

            Claro está que como causa de pedir na acção também podia ter sido invocada uma concreta causa de nulidade do testamento, designadamente por força do disposto nos artºs 2180º, 2184º, 2185º, 2186º, 2190º, 2192º, 2194º, 2196º, 2197º e 2198º do CC, casos em que a acção de nulidade do testamento ou de disposição testamentária caduca ao fim de dez anos, a contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da causa da nulidade (artº 2308º, nº 1, CC) – veja-se, neste sentido, os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil anotado”, vol. VI, pg. 272, nota 3, onde escreve: “não se esqueça, porém, que a impugnação da deserdação pode naturalmente basear-se noutros fundamentos (que não na inexistência da causa invocada para a deserdação), à sombra da impugnação do testamento. E, nesse caso, estará naturalmente sujeita ao prazo geral a que se refere o nº 2 do artº 2308º”.

            Sendo apenas anulável o testamento ou a disposição testamentária visada, a acção caduca ao fim de dois anos a contar da data em que o interessado teve conhecimento do testamento e da causa da anulabilidade – nº 2 do artº 2308º, conjugado com o artº 2167º CC.

            Veja-se no apontado sentido o Prof. F. M. Pereira Coelho, in “Direito das Sucessões – Lições ao curso de 1973-1974”, pgs. 111/112, onde escreve: “…Assim como a indignidade sucessória tem de ser declarada judicialmente (artº 2036º), assim a deserdação não opera automaticamente, pela simples verificação de uma das ocorrências do artº 2166º: tem de ser ordenada pelo autor da sucessão, em testamento e com expressa declaração de causa (artº 2166º, nº 1). Pode, porém, ser impugnada pelos herdeiros legitimários, com fundamento na inexistência da causa invocada e dentro dos dois anos seguintes à abertura do testamento (artº 2167º)”.             

            Concluindo, bem se decidiu na 1ª instância ao se ter concluído no sentido de que o direito de propor a acção de impugnação da deserdação já há muito que tinha caducado quando foi instaurada a presente acção, o que, por isso, importa confirmar.

            Mas O Recorrente ainda se baseia, nesta acção, no facto de na dita declaração da testadora constar que (3-) “termina esta sua disposição de última vontade, sendo este o primeiro testamento que faz “- testamento de fls. 20 e 21 –  o que não corresponde à verdade, na medida em que também ficou provado que (4 -) “J… também lavrou testamento no dia 12/09/1990, no Cartório Notarial do Sabugal (certidão de fls. 22 e 23), aí tendo declarado que instituía herdeira da quota disponível de todos os seus bens a sua filha M..., mais declarando revogar expressamente o seu testamento lavrado em 02/02/1971 nesse mesmo Cartório Notarial, "na parte que respeita a seus filhos D… e M…, mantendo-o no que se refere à sua filha B…”, para, assim, reclamar mais uma nulidade do testamento de 15/02/1996.

            Mas também neste aspecto carece o Recorrente de razão, com a mesma argumentação/fundamentação que foi seguida na sentença recorrida, isto é, a de que “…a afirmação supra aludida não se integra na previsão da norma invocada (art.º 2186 do C. Civil) nem se vê que constitua qualquer outra nulidade (aliás o autor não a invoca) pelo que terá também o pedido que improceder, com este fundamento, o que se decide.

Sem prejuízo do decidido, mesmo a entender-se que tal afirmação, por falsa, poderia conduzir à anulabidade do testamento, também por aqui, atento o disposto n.º 2 do art.º 2308 do C. Civil (prazo de dois anos para a propositura da acção) tal direito estaria caducado, o que se decide”.

            Improcede, pois, o presente recurso.


VIII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

            Custas pelo Recorrente.


Jaime Ferreira (Relator)
Jorge Arcanjo
Isaías Pádua