Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
388/06.0TBPCV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
SIMULAÇÃO
REDUÇÃO DO NEGÓCIO
PREÇO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 342.º, N.º 1; 251.º E 247.º; 2982.º, 911.º OU 888.º, N.º 2 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Tendo os autores invocado a simulação do preço em contrato de compra e venda, titulado por escritura pública, de duas parcelas de terreno para construção ou revenda, porque facto constitutivo do seu direito, cabe-lhes fazer a prova do preço real alegadamente pago (artigo 342.º, n.º 1, do CC);

2. Não o fazendo, ter-se-á de considerar assente o valor declarado na escritura pública e ser o seu valor a servir de base ao cálculo de redução do preço, com fundamento em redução do negócio, por erro sobre o objecto (erro-vício);

3. Tendo os autores. adquirido aquelas parcelas como tendo ambas a área de 2 700 m2, quando na realidade dispõem de 1 850 m2 e estando abrangidas pelo PDM como passíveis de construção, a cujo fim as destinavam (ou a revenda) quando as adquiriram, os réus não podiam ignorar (cognoscibilidade) a essencialidade para os compradores do elemento sobre que incidiu o erro, ou seja, a área dos terrenos, que apresentam uma diferença de 850 m2 entre o erradamente suposto e o real (artigos 251.º e 247.º, do CC);

4. Tendo o erro recaído sobre os termos do negócio e os autores sempre o concluiriam, embora por diferente preço (erro incidental), opera-se a redução do contrato de compra e venda, devendo os réus indemnizar os autores, por aquele diferencial de área, na proporção do preço do m2 (art.º 2982.º, 911.º ou 888.º, n.º 2, do CC).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

A... e B... , intentaram no Tribunal Judicial da comarca de Penacova contra C... e mulher D... acção com forma de processo ordinário, pedindo seja declarada a redução de um contrato de compra e venda de duas parcelas de terreno destinadas a construção urbana e consequente redução do respectivo preço para a quantia de € 29.277,59 e restituição aos AA. do excesso do preço de € 10.626,24, acrescido de juros de mora e condenação no pagamento, a título de danos patrimoniais, da importância de € 3.000,00, acrescida de juros de mora.

Alegaram, para tanto, em resumo, terem comprado, mediante escritura pública de 24.8.98 duas parcelas de terreno, contíguas, para construção, com a área de 1 350 m2 cada uma, ou seja, a área total de 2 700 m2, pelo preço declarado, então, de 2 200 000$00, mas efectivamente pago de 8 000 000$00 (€ 30.903,83), com vista à construção civil, sendo que no levantamento topográfico que posteriormente efectuaram constataram ser aquela área total de apenas 1 891 m2, pelo que, com base em erro sobre o objecto do negócio, pretendem a redução deste e do preço, na proporção do valor do m2 de € 15,00, nos termos dos art.ºs 292.º e 2457.º e 251.º, do CC, acrescentando que no levantamento topográfico dos prédios, deslocações e despesas com o processo gastaram importância não inferior a € 3.000,00.

Citados os RR., contestou apenas a Ré, com o benefício do apoio judiciário, por impugnação, alegando que procederam à venda dos terrenos tal como antes os haviam comprado, por um preço global, que os AA. conheciam bem e destinavam à edificação de uma armazém para comércio de azeite, sendo que ignoravam a área, bem como a essencialidade desta para os AA., não se verificando os pressupostos do art.º 247.º do CC.

Proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória (b. i), houve lugar a reclamação quer dos AA., quer da Ré, o que foi indeferido.

Efectuada a audiência de julgamento, foi lida a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, de que não houve reclamação.

Proferida sentença, foi a acção julgada improcedente e os RR. absolvidos do pedido.

Inconformados, recorreram os AA. em cujas alegações apresentaram as seguintes conclusões:

a) - A resposta de não provado ao quesito 2.º deve ser provado face aos depoimentos das testemunhas G... , E.... e F... e depoimento de parte do Réu;

b) – O negócio em causa incide sobre um objecto muito específico, como sejam, terrenos destinados a construção urbana abrangidos pelo Plano Director Municipal;

c) – A limitação resultante da diminuição da área real do terreno onera, sobremaneira, os prédios urbanos adquiridos, atendendo à destinação anunciada pelos vendedores de que os AA. compradores pretendiam prosseguir (terrenos destinados a construção urbana), com diminuição manifesta do seu valor, porquanto apresentava uma área real inferior à afirmada em 850 m2;

d) – Não se sabe se os RR. estavam cientes que era essencial para a vontade de contratar dos AA. que o terreno tivesse 2 700 m2, mas pode afirmar-se com segurança que não podiam ignorar essa essencialidade, extraindo-se essa asserção do facto de estarmos perante um objecto negocial muito específico – parcelas de terreno situadas no perímetro urbano de uma vila e destinadas à construção – no qual a área é fundamental;

e) – Quando o R. marido anunciou e propos a sua venda com a indicação de que, de acordo com os respectivos documentos, tais prédios tinham a área de 1 350 m2 cada, uma diferença, para menos, de 10 ou 20 m, atenta a dimensão apontada a cada prédio, poderia não ser relevante, mas já se passa o contrário, quando a diferença é de 850 m2, ou 425 m2 em termos médios – pode inviabilizar os projectos de construção que o comprador tenha em mente quando decide comprar para construir ou para revender e os vendedores não podiam deixar de considerar esta realidade;

f) – Os RR. vendedores não podiam, nem deviam, ignorar a essencialidade para os AA. compradores, do elemento sobre que incidiu o erro, porquanto tal implicava uma muito considerável diminuição do valor dos prédios;

g) – Era essencial para os AA. que o terreno tivesse a área que os RR. declaravam que tinha, de acordo com os documentos e estes RR. não podiam deixar de ter em mente (cognoscibilidade) que aquilo que declaravam era essencial para os compradores se terem decidido por aquela compra;

h) – Este erro não afecta o negócio na sua globalidade, porquanto os recorrentes pretendem mantê-lo, refazendo as suas características e vendo reduzido proporcionalmente o valor pago por esse conjunto predial ( art.º 292.º do CC);

i) – Mas, mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria que aplicar o disposto no art.º 888.º, n.ºs 1 e 2 do CC;

j) – A sentença recorrida violou os art.ºs 8.º, n.º 2, 247.º, 251.º,349.º, 888.º, n.ºs 1 e 2 do CC.

Não houve lugar a resposta.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar, sendo que são 2 as questões que nos vêm colocadas:

- a) – Se, na procedência da impugnação da matéria de facto do quesito 2.º pode dar-se como provado que o preço real pago pelos AA. aos RR. pela compra das 2 parcelas de terreno foi, então, de 8 000 000$00;

b) – Se a factualidade provada contém o requisito do erro-vício do “conhecimento pelos RR. da essencialidade para os declaratários AA. do elemento sobre que incidiu o erro”, ou seja, a área dos terrenos, para menos, em 850 m2, num total de 1 850 m2 de ambas;


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            2. Fundamentos

2.1 De facto

Antes de elencarmos os factos provados, porque foi impugnada a resposta negativa dada ao quesito 2.º, vejamos se assiste razão aos AA.

Perguntava-se nesse quesito: “Pela aquisição referida em A) os AA. pagaram aos RR. o preço de 8 000 000$00?”

O tribunal recorrido respondeu-lhe não provado e fundamentou a resposta na análise da escritura pública onde as partes declararam que a compra e venda dos 2 prédios foi realizada pelo preço global de 2 200 000$00 e não ter sido produzida qualquer outra prova que contrarie tal declaração, sendo que em sentido contrário depos a testemunha José  Barros, que afirmou que o Réu C... lhe propos a venda dos prédios por 3 000$00 o m2, ou seja, cerca de 8 000 000$00, mas não assistiu às negociações entre o R. e o A. A..., sabendo apenas o que este lhe relatou em momento posterior, a testemunha E... apenas reproduziu o que o A. A....lhe terá dito, igualmente em momento posterior e a testemunha F.... F...., casada com o A. B..., que referiu que no conjunto terão pago entre 8 000 000$00  e 9 000 000$00, sendo, assim, a prova testemunhal vaga e insuficiente para convencer o tribunal de modo diverso das declarações prestadas pelas partes na mencionada escritura.

Que dizer?

- Ouvida a gravação dos depoimentos de tais testemunhas e analisado o depoimento de parte do R., constatamos o seguinte:

- A testemunha G.... declarou, de útil, ter sido abordada pelo R.  propondo-lhe a venda dos terrenos pelo preço, em “contas redondas” de 8 000 contos, que não aceitou, mas diligenciou por algum interessado, lembrando-se do A. Arsénio, que mostrou interesse na compra, mas a cujas negociações nunca assistiu, se bem que, mais tarde, o mesmo lhe referiu ter comprado por 8 000 contos.

A testemunha H... , quanto ao preço e em conversa ocasional, quando se deslocavam ambos para a caça, ouviu do A. A....ter pago a importância de 8 000 contos, “agora por quanto compraram, não sei” (sic), nada mais de útil acrescentando a propósito das negociações, de que nada, directamente, soube.

A testemunha F...., à data casada com o A. B.... (e daí o seu natural interesse na causa), limitou-se a dizer que o seu ex-marido lhe disse que iam pagar 8 000 contos pelo terreno.

O R. C...., em depoimento oral cuja gravação deixa algumas dúvidas sobre a sua capacidade intelectiva, limitou-se a dizer – tal como foi consignado em acta (fls. 104) – que é, aliás, o que releva (art.º 563.º do CPC), ter recebido 500 contos de sinal e depois outros pagamentos em dinheiro e cheques, não se recordando do total pago pelos AA., acrescentando ter recebido propostas de compra dos terrenos entre 3 500 e 4 000 contos.

Embora não indicado em sede de impugnação o depoimento de parte da Ré D..., procedeu-se oficiosamente à sua audição, mas nada de concreto adiantou, “pensando” que a aquisição dos terrenos terá sido pelo valor constante da escritura.

Em suma, decorrendo as negociações no círculo, apenas, dos AA., fundamentalmente do A. A....e do Réu Jorge, os depoimentos em causa não permitem juízo diverso do alcançado pelo tribunal a quo.

Estranha-se como os AA., no pagamento de tão elevada quantia (em especial há cerca de 12 anos), não se tivessem prevenido de qualquer prova documental, fossem recibos de pagamento, cheques, contradeclarações…

Aliás, em rigor, porque é de simulação de preço declarado em escritura pública que estamos a falar, o art.º 394.º, n.º 2, do CC só a esse meio de prova (para lá da confissão) permite se lance mão na prova do acordo simulatório…

O ónus da prova da simulação do preço, porque facto constitutivo de quem a invoca, aos AA. competia (art.º 342.º, n.º 1, do CC).[1]

E, uma vez não provado o preço simulado, terá de atender-se ao valor declarado pelas partes na escritura pública de compra e venda, ou seja, ao valor global de 2 200 000$00, ora correspondente a € 10.973,55.

Em suma, não merece censura a resposta negativa dada ao quesito 2.º da b. i. que, indeferindo-se a impugnação, assim, se mantém.


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            b) – Nessa sequência, intocados que são os factos provados em 1.ª instância, são eles:

            1. Por escritura outorgada em 24 de Agosto de 1998, no Cartório Notarial de ...., os RR. declararam vender, em comum e partes iguais, aos AA. e estes declararam comprar-lhes, os seguintes prédios que são contíguos, situando-se um a norte e outro a sul, sitos na freguesia de .... ( ....), concelho de ....:

            a) - Pelo preço de 1 100 000$00, uma parcela de terreno destinada a construção urbana abrangida pelo Plano Director Municipal, no lugar de Costa dos Babados, com a área de 1 350 m2, inscrita na matriz predial urbana sob o art.º ...., com o valor tributável de 425 000$00, descrita na Conservatória do Registo Predial de ...., das freguesia de .... ( ....) e nela inscrito a favor dos RR. pela inscrição G3;

            b) - Pelo valor de 1 100 000$00, uma parcela de terreno destinada a construção urbana abrangida pelo Plano Director Municipal, no lugar de Costa dos Babados, com a área de 1 350 m2, inscrita na matriz predial urbana sob o art.º ...., com o valor tributável de 425 000$00, descrito na Conservatória de Registo Predial de .... sob o n.º ...., da freguesia de .... ( ....) e nela inscrito a favor dos RR. pela inscrição G3;

            2. Desde data anterior à referida em 1. (24.8.98) que os prédios aí mencionados estão inscritos na matriz predial urbana e descritos na Conservatória do Registo Predial com a área de 1 350 m2 cada um;

            3. Antes de se decidirem pela aquisição referida em 1. os AA. inteiraram-se das respectivas áreas através do R. C...., que anunciou e propos a sua venda com a indicação de que, de acordo com os respectivos documentos, tais prédios tinham a área de 1 350 m2 cada;

4. Os AA. adquiriram os prédios referidos em 1. com a finalidade de aí edificarem e/ou procederem à sua revenda;

5. E outorgaram a escritura referida em 1. na convicção de que estavam a comprar duas parcelas com a área total de 2 700 m2;

6. Os dois prédios referidos em 1., no seu conjunto, correspondem a um quadrilátero irregular, não definido fisicamente (marcos) a nascente, devido à abertura do caminho, variando o comprimento, que se prolonga para poente, junto à linha de água com a qual defronta, onde mede 15,65 m;

7. Os terrenos estruturam-se em dois planos, altimetricamente diferentes, um mais elevado, a nascente, mais pequeno, junto à estrada pública e outro, mais fundo, maior, nas zonas central e poente;

8. Aquando do referido em 1. os prédios aí descritos encontravam-se repletos de mato e silvas, confinando a norte e sul com zonas de pinhal, eucalipto e mato, não sendo bem visíveis e assinaladas as respectivas estremas;

9. Era, por isso, verosímil que os dois prédios, no seu conjunto, tivessem a área que consta das respectivas matrizes;

10. Após o referido em 1. os prédios aí descritos mantiveram-se inaproveitados;

11. Em meados do ano de 2005 os prédios referidos em 1. foram limpos, tornando-se, assim, mais visíveis os respectivos limites;

12. Os prédios referidos em 1. têm, no seu conjunto, a área de 1 850 m2.


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            2.2. De direito

Como é sabido, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o seu objecto, não podendo ser apreciada matéria diversa da aí não contida, salvo se de conhecimento oficioso (art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do CPC na redacção aplicável, anterior à reforma do DL n.º 303/07 de 24.8).

Conhecida já a questão acima enunciada, da impugnação da matéria de facto, cumpre, agora, apreciar a outra questão suscitada pelos recorrentes, ou seja, do requisito do erro-vício traduzido no conhecimento ou cognoscibilidade dos RR. da essencialidade para os AA. do elemento sobre que incidiu o erro, quer dizer, a área dos terrenos.

Está provado que os AA. adquiriram 2 parcelas de terreno aptas à construção, matricial e registralmente autonomizadas e abrangidas pelo Plano Director Municipal de ...., no convencimento de disporem, cada uma, a área de 1 350 m2, ou seja, a área total de 2 700 m2, como todos os documentos e registos assinalavam e de que os AA. previamente se haviam inteirado junto do R., quando, afinal, têm, no conjunto a área de 1 850 m2, ou seja, têm menos a área de 850 m2.

Os AA. adquiriram os prédios com vista a edificarem e/ou revenderem.

Estamos face a uma situação de erro-vício sobre o objecto do negócio de compra e venda, mais concretamente sobre as suas qualidades quanto à área e que genericamente se traduz “numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito quer foi determinante na decisão de efectuar o negócio”.[2]

O erro torna o negócio anulável, nos termos do art.º 247.º do CC (art.º 251.º do CC), ou seja, a declaração negocial é anulável desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.

O erro pode ser essencial e conduz à anulabilidade, ou incidental, e conduz à redução.

O 1.º, é o que leva o errante a concluir o negócio em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído. Sem ele não se celebraria qualquer negócio ou celebrar-se-ia negócio com outro objecto.

O 2.º, influi apenas nos termos do negócio, pois o errante sempre celebraria o mesmo negócio, embora noutros termos.[3]

No caso, o erro é incidental, na medida em que (face à declaração dos AA., que têm pugnado pela manutenção do negócio) influi apenas nos termos do negócio, isto é, mesmo a saber a verdade sobre a área real dos prédios, os AA. tê-los-iam comprado, na mesma, embora por menor preço.

E, nestes casos, como dissemos, opera-se uma redução do negócio, seja com referência ao art.º 292.º do CC[4], seja à analogia com o disposto no art.º 911.º do CC[5], seja, ainda, no caso concreto, com referência ao art.º 888.º, n.º 2, do CC.

Fundamento da improcedência da acção foi a alegada falta de indicação, pelos AA., do requisito do “conhecimento ou cognoscibilidade da essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro”, sendo que a factualidade provada a não suportava.

Não é assim, salvo o devido respeito.

Em causa estão duas parcelas de terreno, legalmente autonomizadas, com a mesma área, abrangidas no PDM, erradamente adquiridas como tendo a área global de 2 700 m2, quando, na realidade, dispõem somente de 1 1850 m2, ou seja, têm menos 850 m2, sendo que foram adquiridas com a finalidade de os AA. nelas construírem ou procederem à sua revenda.

Quer dizer, atenta a especificidade de tais parcelas, os RR. vendedores se não sabiam que a área era essencial para determinar os AA. à compra, não podiam ao menos, ignorar essa essencialidade, ainda por cima quando em causa está um erro equivalente a cerca de 1/3 da área adquirida…

Note-se, aliás, que os RR., rectius, a Ré, que foi quem contestou, não obstante ter impugnado o destino pretendido dar pelos AA. às parcelas, contrapos (art.º 12.º da contestação) que os AA. pretendiam era construir um armazém para o comércio do azeite, a que ambos se dedicavam.

Ora, é preciso convir que mesmo para um armazém de negócio não era despiciendo que o terreno tivesse mais, ou menos, 850 m2 que o erradamente suposto!..

Julgamos, deste modo, verificado aquele requisito de relevância do erro e, à luz, seja dos referidos art.ºs 292.º, 911.º ou 888.º, n.º 2, do CC, importa proceder à redução proporcional do negócio, partindo do preço de aquisição declarado na escritura pública de compra e venda, conforme acima concluímos e à falta de prova de não ter sido esse o preço real e cujo ónus sobre os AA. se fez incidir, como também vimos, e considerando a área real.

Encontramos, assim, o preço de € 4,06 o m2 (2 200 00$00:200$482:2 700 m2).

E, para o valor do negócio, após redução à área real, o valor de € 7.518,91 (€ 4,06x1 850 m2).

Logo, tendo os AA. pago a mais a quantia de € 3.454,64 (€ 4,06x850 m2), tê-la-ão que devolver os RR, com o acréscimo dos juros, desde a citação, à taxa legal anual de 4%.


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            3. Resumindo e concluindo

            a) – Aos AA., que invocaram a simulação do preço em contrato de compra e venda, titulado por escritura pública, de duas parcelas de terreno para construção ou revenda, porque facto constitutivo do seu direito, cabe fazer a prova do preço real alegadamente pago (art.º 342.º, n.º 1, do CC);

            b) – Não o fazendo, ter-se-á de considerar assente o valor declarado na escritura pública e ser o seu valor a servir de base ao cálculo de redução do preço, com fundamento em redução do negócio, por erro sobre o objecto (erro-vício);

            c) – Tendo os AA. adquirido aquelas parcelas como tendo ambas a área de 2 700 m2, quando na realidade dispõem de 1 850 m2 e estando abrangidas pelo PDM como passíveis de construção, a cujo fim os AA. as destinavam (ou a revenda) quando as adquiriram, os RR. não podiam ignorar (cognoscibilidade) a essencialidade para os compradores do elemento sobre que incidiu o erro, ou seja, a área dos terrenos, que apresentam uma diferença de 850 m2 entre o erradamente suposto e o real (art.ºs 251.º e 247.º, do CC);

d) – Porque o erro recaiu sobre os termos do negócio e os AA. sempre o concluiriam, embora por diferente preço (erro incidental), opera-se a redução do contrato de compra e venda, devendo os RR. indemnizar os AA., por aquele diferencial de área, na proporção do preço do m2 (art.º 2982.º, 911.º ou 888.º, n.º 2, do CC).


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            4. Decisão

Face a todo o exposto, na procedência parcial da apelação, acordam em revogar a sentença recorrida e condenar os RR. apelados a pagar aos AA. apelantes a importância de € 3.454,64, acrescida dos juros de mora legais, à taxa anual de 4%, até integral pagamento.

Custas por apelantes e apelados, na proporção do vencido, em ambas as instâncias.


[1] V. Acs. STJ de 9.5.02, JSTJ00000417 e 14.2.08, Proc. 08B180.
[2] Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª edição, pág. 505.
[3] Autor e ob. cit. pág. 508 e ss.
[4] Assim, Castro Mendes, “Teoria Geral”, III, 1979, pág. 180.
[5] Neste sentido, Mota Pinto, ob. cit., pág. 510.