Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1140/11.6TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
DECISÃO FINAL
CESSÃO
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – 1ª SEC. DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 239º, 241º, 243º E 245º DO CIRE.
Sumário: I – O procedimento do pedido da exoneração do passivo restante tem dois momentos fundamentais: o despa­cho inicial e o despacho de exoneração. A libertação definitiva do devedor quanto ao passivo restante não é concedida – nem podia ser – logo no início do procedimento, quando é proferido o despacho inicial a que alude o nº 1 do art.º 239º do CIRE.

II - Neste contexto, o CIRE veio estabelecer fundamentos que justificam a não concessão liminar da possibilidade de exoneração do passivo restante, os quais se traduzem em compor­tamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuí­ram ou a agravaram.

III - No final do período da cessão será proferida decisão sobre a concessão ou não da exoneração e, sendo esta concedida, ocorrerá a extinção de todos os créditos que ainda subsistam à data em que for concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados – art.º 241º, n.º 1 e 245º, ambos do C.I.R.E.

IV - Em consequência do despacho inicial da exoneração o insolvente fica adstrito ao cumprimento das obrigações enumeradas no art.º 239º do CIRE, podendo a violação dolosa das mesmas, entre outras, determinar a cessação antecipada do procedimento de exoneração.

V - A cessação antecipada da exoneração ocorre:

- logo que se verifique a satisfação integral dos créditos da insolvência – art.º 243º, n.º 4, do CIRE – sempre que o procedimento venha a ser extinto antes de ser concedida ao devedor a exoneração do passivo restante, e

- sempre que se verifique supervenientemente que o devedor não se mostra digno de obter a exoneração.

VI - Esta última situação ocorrerá, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência se ainda se encontrar em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, nos casos tipificados no n.º 1 do art.º 243º do CIRE:

a) se o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência incumprido algumas das obrigações que lhe incumbem em relação à cessão do rendimento disponível – art.º 243º, n.º 1, a) e 239º;

b) se vier a ser apurado supervenientemente algum dos fundamentos de indeferimento liminar previstos nas alíneas b), e) e f), do art.º 238º - art.º 243º, n.º 1, b);

c) quando a decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência – art.º 243º, n.º 1, c).

VII - Nos termos do disposto no n.º 2 do preceito citado, o requerimento apenas pode ser apresentado dentro do ano seguinte à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respectiva prova.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Por decisão datada de 14 de Março de 2011 transitada em julgado, foi declarada a insolvência de M..., sendo posteriormente liminarmente deferido o seu pedido de exoneração do passivo restante e o processo encerrado por insuficiência de bens.

Nesse despacho, transitado em julgado de 4.3.2013, determinou-se, além do mais:

- que nos 5 anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência o rendimento disponível que a Insolvente viesse a auferir em montante superior ao ordenado mínimo nacional fosse cedido ao fiduciário – cargo para o qual se nomeou o Sr. Administrador da Insolvência.

- que durante o período da cessão ficaria a Insolvente obrigada a cumprir as obrigações constantes do nº 4 do art. 239.º e 240.º do CIRE, sob pena de ser revogada a concessão da exoneração do passivo.

 O encerramento do processo data de 19.5.2011.

A C..., credora da Insolvente, mediante requerimento de 30.4.2014 veio peticionar a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante, requerendo que a Insolvente informe as suas condições de empregabilidade e consequentes rendimentos e em alternativa a revogação do procedimento de exoneração do passivo restante caso não se mostre procurar activamente um emprego.

Informa também que o processo declarativo que correu termos no Tribunal Judicial de Peniche sob o nº ... em que era Autora e a Insolvente co-Ré foi por sentença de 15.12.2011, transitada em julgado a 06.02.2012, julgada totalmente procedente a acção de impugnação pauliana de partilha de um prédio misto, tendo em consequência sido ordenada a restituição à esfera jurídica da Insolvente, ali 2.ªRé, o direito à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, da qual faz parte um imóvel, de modo à Autora poder praticar os actos de conservação e garantia patrimonial autorizados por lei.

Alega que os factos dados como provados na mencionada sentença são no seu entender impeditivos do merecimento do procedimento de exoneração do passivo restante, nos termos da als. b) e d) do n.º 4 do art.º 239.º e al. e) do art.º 238.º do CIRE.

Por requerimento do 26.05.2014 o fiduciário informa que não emitiu parecer quanto ao período de cessão em virtude de ter «existido uma troca de moradas», alegando que não tem informações que possam fundamentar a asserção da credora de que a Insolvente não se tem esforçado na procura activa de emprego.

A Insolvente respondeu ao incidente nos termos seguintes, em síntese:

- nunca deixou de colaborar com o fiduciário prestando todas as informações;

- não cedeu no período de cessão qualquer pagamento aos seus credores em virtude de permanecer em situação de desempregada, apesar de à procura de emprego, mas sem sucesso a que é alheia;

- o seu comportamento sancionado pela sentença proferida na acção pauliana foi levado a cabo em 6.12.2007 e não foi um acto causador da sua declaração de insolvência;

- no art.º 186º do CIRE para efeitos da qualificação da insolvência como culposa apenas relevam os actos praticados nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência;

-  a insolvência da requerida foi declarada fortuita;

- o direito da requerente formular o seu pedido caducou à luz do disposto no art.º 243.º n.º 2 do CIRE.

A credora respondeu nos mesmos termos do seu requerimento inicial não se pronunciando sobre a excepção de caducidade, invocada pela Insolvente.

Veio a ser proferida decisão que julgou procedente a excepção da caducidade do pedido da Recorrente com fundamento da acção de impugnação pauliana, julgando improcedente o incidente deduzido.

A credora C... interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

...

A Insolvente apresentou resposta, pugnando pela confirmação da decisão proferida.

1. Do objecto do recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente.

Nestas, a Recorrente, além de sustentar que a decisão proferida na acção de impugnação pauliana e o facto da Insolvente não ter informado o tribunal das diligências que efectuou para obter emprego são razões suficientes para que seja determinada a cessação antecipada do procedimento de exoneração, também alega que essa cessação deve ocorrer porque a Insolvente não informou o fiduciário da mudança de residência, nem dos rendimentos auferidos, não juntando prova documental dos mesmos.

Estes últimos fundamentos do recurso consubstanciam questrões novas uma vez que não foram suscitados no decurso do incidente na 1.ª instância.

Os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido quando a proferiu, o que quer dizer que lhe está vedado pronunciar-se quer sobre matéria que não foi alegada pelas partes na 1ª instância, quer sobre pedidos que não tenham sido deduzidos, sendo, desse modo, meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de questões novas, exceptuadas aquelas que sejam de conhe­cimento oficioso.

Não sendo permitido solicitar ao tribunal de recurso o conhecimento de questões que não haviam sido colocadas ao tribunal recorrido, não é permitida a alegação de factos novos no recurso, pois a finalidade do recurso é, essencialmente, a de reapreciação da decisão proferida e não um novo julgamento da causa.

Não tendo sido invocado no tribunal recorrido estes últimos fundamentos para o pedido de cessação antecipada do procedimento de exoneração, não podem os mesmos integrar o objecto do recurso a conhecer, pelo que este se restringirá às seguintes questões:

a) O trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito da acção declarativa condenatória em que era autora a ora Recorrente e a Insolvente co-Ré, que julgou totalmente procedente a acção de impugnação pauliana de partilha de um prédio deve determinar a cessação antecipada do procedimento de exoneração?

b) O não cumprimento pela Insolvente do dever de informar das diligências realizadas para a obtenção de emprego deve determinar a cessação antecipada do procedimento de exoneração?

2. Os factos

Os factos provados são os seguintes:

1. M... apresentou-se à insolvência a 24.02.2011.

2. Tendo sido proferida sentença de declaração da sua insolvência, transitada em julgado, no dia 14.03.2011.

 3. A Assembleia de credores teve lugar no dia 19 de Maio de 2011, tendo nela a aqui credora reclamante formulado o seguinte requerimento:

“1 - Quanto ao pedido de exoneração do passivo restante manifesta-se a ora credora reclamante pelo indeferimento, atentos os factos demonstrados nos autos, a saber:

 a) A devedora é uma pessoa singular e não é titular de qualquer empresa, mas querendo beneficiar do instituto da exoneração do passivo restante teria de se ter apresentado à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de incumprimento, o que não sucedeu;

 b) Decorre do relatório do Sr. Administrador da Insolvência que o passivo total da insolvente é de cerca de € 158.000,00 (cento e cinquenta e oito mil euros);

c) E decorre do art.º 50º da petição inicial da insolvência que encontram-se pendentes contra a devedora insolvente oito acções executivas que nas palavras da própria devedora/insolvente “demandam judicialmente a própria reclamando o pagamento de avultadas quantias as quais entraram em Juízo desde o ano de 2003, ou seja uma em 2003, uma em 2004, três em 2005, uma em 2006, uma em 2008 e acção declarativa nº ... que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de ..., entrada e 2009, na qual a ora reclamante C... reclama o valor de € 60.757,50 (sessenta mil setecentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos);

d) Sucede que a devedora/insolvente omite que, para além dessa acção a qual é declarativa e na qual o credito da ora reclamante C... é subjacente ao pedido aí formulado,

e) Encontra-se pendente contra si outra acção executiva que corre termos pelo 2º Juízo do Tribunal de Peniche sob o nº ... conforme o atesta a certidão judicial anexa a petição inicial de reclamação de créditos efectuado pela ora reclamante nos termos do art.º 128º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas;

 f) Na qual encontra-se informação quanto à inexistência de bens susceptíveis de penhora desde pelo menos o ano de 2005;

g) Acresce que a devedora/insolvente no anexo 3 da petição inicial da insolvência e nas declarações produzidas em cumprimento da alínea a) do art.º 24º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas declara que a data de vencimento das dívidas aos credores ..., ocorreu em 31 de Janeiro de 2011, o que é falso, atente-se os factos supra indicados e que constam dos autos;

 h) Desconhece-se se a mesma aufere qualquer rendimento laboral pelo que inexiste rendimento disponível.

2 - Encontra-se assim demonstrado que a devedora/insolvente deixou de cumprir a generalidade das suas obrigações desde o ano de 2003, não ignorando que não existia perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

3 – Encerrando-se o processo de insolvência nos termos do disposto no art.º 233º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, a acção declarativa intentada pela ora reclamante C... contra a devedora/insolvente conforme identificada – nº ..., na qual a ora reclamante tem como subjacente ao pedido aí formulado o crédito no valor de € 60.757,50 (sessenta mil, setecentos e cinquenta e sete euros e cinquenta cêntimos), continuará a sua tramitação.

4 - Ignorando-se qual o período temporal em que permanecerá pendente.

5 - Pelo que o deferimento da exoneração do passivo restante - tendo como finalidade libertar o devedor do pagamento do passivo restante, que não seja pago no âmbito do processo de insolvência, ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste – provocaria a extinção da instância da referida acção declarativa por inutilidade superveniente, dado que constituindo este instituto um perdão da dívida o crédito subjacente ao período aí formulado deixaria de existir.

Nestes termos, tendo a devedora/insolvente incumprido o seu dever de se apresentar à insolvência nos seis meses posteriores ao conhecimento da sua situação de insolvência, tendo com isso prejudicado os credores, dado que não se coibiu de contrair mais crédito junto das instituições financeiras, desde pelo menos o ano de 2003, data do vencimento do crédito reclamado pela ora reclamante, início da entrada das várias acções executivas a devedora/insolvente estava bem ciente da sua evidente escassez de meios de pagamento bem como da falta de perspectiva séria de melhoria da sua situação. Tendo ainda fornecido informação falsa ao Tribunal, conforme supra exposto, omitiu a existência da acção executiva pendente contra si, pendente desde 2005, intentada pela ora reclamante.

Assim sendo, tendo violado o dever de apresentação, informação e colaboração legalmente exigido pela alínea d) do n.º 1 do art.º 238º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, manifesta-se pelo indeferimento liminar quanto ao pedido de exoneração do passivo restante efectuado pela devedora/insolvente”.

 4. O processo foi nessa mesma data encerrado por insuficiência de bens, nos termos do art. 230.º al. d) e 232.º do CIRE.

5. Correu termos no Tribunal Judicial de Peniche sob o nº ... uma ação declarativa condenatória em que era autora a requerente C..., e a insolvente co-Ré, onde por sentença datada de 15.12.2011 e transitada em julgado a 06.02.2012 foi julgada totalmente procedente o pedido nela formulado de impugnação pauliana de partilha de um prédio misto, com a consequente restituição à esfera jurídica da insolvente, ali 2.ªRé, o direito à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, da qual faz parte um imóvel, afim da autora poder praticar os atos de conservação e garantia patrimonial autorizados por lei.

6. Por despacho transitado em julgado e proferido a 04.03.2013 foi determinado, para além do mais, que nos 5 anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência o rendimento disponível que a insolvente viesse a auferir em montante superior ao ordenado mínimo nacional fosse cedido ao fiduciário – cargo para o qual se nomeou o Sr. Administrador da Insolvência – retroagindo o inicio o período da cessão ao encerramento do processo por insuficiência de bens.

7. Na fundamentação daquele despacho liminar foram apreciadas todas as questões suscitadas pela credora reclamante, nomeadamente a pendência da referida acção pauliana e seu alcance, cuja ausência de melhor informação e a qualificação da insolvência como fortuita não permitiram a verificação da hipótese contida na alínea e) do n.º 1 do art.238.º do CIRE.

8. De que a reclamante foi pessoalmente notificada por carta datada de 06.03.2013.

 9. Por requerimento dirigido aos autos a 30.04.2014 a credora reclamante suscita o presente incidente.

10. O Sr. Fiduciário avalisou a colaboração da insolvente no período da cessão.

11. A insolvência foi qualificada como fortuita por sentença transitada em julgado

3. O direito aplicável

O CIRE veio introduzir uma nova medida de protecção do devedor que seja uma pessoa singular, ao permitir que, caso este não satisfaça integralmente os créditos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerra­mento, venha a ser exonerado do pagamento desses mesmos créditos, desde que satisfaça as condi­ções fixadas no incidente de exoneração do passivo restante destinadas a assegurar a efectiva obtenção de rendimentos para cessão aos credores.

Este incidente é uma solução que não tem correspondência na legislação falimentar anterior e que se inspirou no chamado modelo de fresh start, nos termos do qual o devedor pessoa singular tem a possibilidade de se libertar do peso do passivo e recomeçar a sua vida económica de novo, não obstante ter sido declarado insolvente. [1]

É indiscutível que se não ocorresse a declaração de insolvência o devedor teria de pagar a totalidade das suas dívidas sem prejuízo da eventual prescrição, a qual pode atingir o prazo de 20 anos segundo a lei civil portuguesa. [2]

O procedimento em questão tem dois momentos fundamentais: o despa­cho inicial e o despacho de exoneração. A libertação definitiva do devedor quanto ao passivo restante não é concedida – nem podia ser – logo no início do procedimento, quando é proferido o despacho inicial a que alude o n.º 1 do art.º 239º do CIRE.

Neste contexto, o CIRE veio estabelecer fundamentos que justificam a não concessão liminar da possibilidade de exoneração do passivo restante, os quais se traduzem em compor­tamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuí­ram ou a agravaram [3].

Não havendo razões para o indeferimento liminar do pedido de exonera­ção do passivo restante, o juiz proferirá despacho inicial, determinando que durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, o fiduciá­rio, para pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida, reem­bolso ao Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvên­cia e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas, ao pagamento da remuneração vencida do fiduciário e despesas efectuadas e, por fim, distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência, conforme dispõe o art.º 241º do CIRE.

No final do período da cessão será proferida decisão sobre a concessão ou não da exoneração e, sendo esta concedida, ocorrerá a extinção de todos os créditos que ainda subsistam à data em que for concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados – art.º 241º, n.º 1 e 245º, ambos do C.I.R.E.

Em consequência do despacho inicial da exoneração o insolvente fica adstrito ao cumprimento das obrigações enumeradas no art.º 239º do CIRE, podendo a violação dolosa das mesmas, entre outras, determinar a cessação antecipada do procedimento de exoneração.

A cessação antecipada da exoneração ocorre:

-  logo que se verifique a satisfação integral dos créditos da insolvência – art.º 243º, n.º 4, do CIRE – sempre que o procedimento venha a ser extinto antes de ser concedida ao devedor a exoneração do passivo restante, e

- sempre que se verifique supervenientemente que o devedor não se mostra digno de obter a exoneração.

Esta última situação ocorrerá, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência se ainda se encontrar em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, nos casos tipificados no n.º 1 do art.º 243º, do CIRE:

a) se o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência incumprido algumas das obrigações que lhe incumbem em relação à cessão do rendimento disponível – art.º 243º, n.º 1,  a) e 239º;

b) se vier a ser apurado supervenientemente algum dos fundamentos de indeferimento liminar previstos nas alíneas b), e) e f), do art.º 238º - art.º 243º, n.º 1, b);

c) quando a decisão do incidente de qualificação da insolvência tiver concluído pela culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência – art.º 243º, n.º 1. c).

Nos termos do disposto no n.º 2 do preceito citado, o requerimento apenas pode ser apresentado dentro do ano seguinte à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respectiva prova.

Este requerimento deve ser fundamentado, devendo ser especificado o facto que justifica a cessação antecipada do procedimento de exoneração. O prazo para a sua apresentação é de um ano a contar da data do conhecimento do facto, equiparando a lei ao conhecimento o desconhecimento imputável ao requerente.[4]

No caso que nos ocupa a Recorrente, pretendendo a cessação antecipada, deduziu o incidente respectivo recorrendo a dois fundamentos:

a) conduta da Insolvente manifestada nos factos que resultaram  provados na acção de impugnação pauliana contra si deduzida;

b) falta de informação da  Insolvente do cumprimento do seu dever de obter emprego.

A decisão recorrida julgou, quanto ao primeiro dos fundamentos invocados, procedente a excepção da caducidade do direito da credora Reclamante, porquanto o conhecimento da Requerente dos factos alegados como fundamento eram do seu conhecimento há mais de um ano.

Quanto a este fundamento, decorre dos factos provados que a sentença em causa, proferida em processo em que a Requerente era autora, foi proferida em 15.12.2011, tendo transitado em julgado a 06.02.2012.

Ora, tendo a Requerente deduzido o incidente em 30.4.2014 é manifesto que a sua dedução com fundamento nos factos provados na acção de impugnação pauliana não só não respeita a um facto cujo conhecimento tenha sido superveniente ao despacho liminar de exoneração do passivo restante, como seria sempre extemporâneo, atento o disposto no art.º 243º, n.º 2, do CIRE, não podendo desse modo fundamentar o incidente de cessação antecipada do procedimento de exoneração.

Não colhem os argumentos deduzidos pela Recorrente pois a extemporaneidade da apresentação do requerimento determina a preclusão da apreciação do mérito dos seus fundamentos.

Assim, nesta parte improcede o recurso.

A par do fundamento já analisado a Requerente invoca ainda a falta de cumprimento pela Insolvente da obrigação de informar sobre as diligências realizadas para obter emprego, decorrente da exoneração do passivo restante.

A este respeito e após diligências levadas a efeito junto do fiduciário foi por este esclarecido que a Insolvente está desempregada, sem subsídio e inscrita no centro de desemprego, auferindo um abono de € 42 e € 168 por cada um dos seus dois filhos menores, valores a que acresce o montante de € 280 proveniente do rendimento social de inserção.

A decisão recorrida quanto a este fundamento julgou o mesmo improcedente nos seguintes termos:

Ora, no caso dos autos não temos demonstrado factualmente que a insolvente se (i) furte a ofertas de trabalho (ou que não as procure proactivamente) segundo nos informa o fiduciário, parte terceira em relação àquela e à credora, (ii) de uma forma dolosa – com vista a preterir os seus credores das entregas a que estaria obrigada, (iii) num momento de crise económica e financeira em que se vive, (iv) ou seja sequer mensurável o grave prejuízo para os credores a presente situação de desemprego por comparação com uma situação de plena empregabilidade a auferir o salário mínimo nacional, excluído da cessão.

O insolvente tem a obrigação, entre outras – art.º 239º, n.º 4, do CIRE – de exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que esteja apto – al. b) –, informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego – al. d).

Efectivamente, está demonstrado que a Insolvente está desempregada, como já estava na data de declaração de insolvência, e inscrita no Centro de Emprego mas não está demonstrado, nem que esta não tenha diligenciado pela obtenção de emprego (sendo que aquela inscrição não deixa de ser uma diligência nesse sentido), como também não está apurado que a Insolvente tenha sido solicitada para informar sobre as diligências efectuadas e não tenha correspondido a essa solicitação.

A alegada omissão de notificação ao credor pelo fiduciário do cumprimento pela Insolvente das obrigações que da exoneração do passivo restante lhe advieram não constitui sequer uma omissão que possa ser imputada ao Insolvente, não podendo justificar a cessação antecipada do procedimento de exoneração.

Acresce que mesmo que se concluísse pela verificação da violação dessa condição, esse facto só por si não conduziria ao preenchimento do requisito constante do n.º 1, a) do art. 243º do CIRE, pois é exigido que o devedor tenha actuado com dolo ou negligência grave e por esse facto tenha prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência, e tal também não resulta da actuação apurada da Insolvente.

Improcede, pois o recurso.

Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

                                 Custas do recurso pela Recorrente.

                                   Coimbra, 30 de Junho de 2015

Silvia Pires (Relatora)

Henrique Antunes

Isabel Silva

[1] Cfr. preâmbulo do DL 53/2004, de 18 de Março.

[2] Assunção Cristas, in Exoneração do devedor pelo passivo restante, Themis – Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Edi­ção especial, pág. 166-167.

[3] Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 188-190, da ed. de 2005, da Quid Júris

[4] Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, ed. 2013, pág. 675, Almedina.