Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | CHANDRA GRACIAS | ||
| Descritores: | DIREITO À PROVA DOCUMENTOS EM PODER DA CONTRAPARTE SIGILO COMERCIAL PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 18.º, N.º 2, 20.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 2.º, N.º 2, 7.º, 8.º, 417.º, 429.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 42.º E 43.º DO CÓDIGO COMERCIAL | ||
| Sumário: | I – A garantia efectiva de acesso aos Tribunais implica que quem se arroga um direito substantivo – no caso, tanto a Recorrente (quanto ao pedido reconvencional), como a Recorrida (para a matéria da acção) – tenha que dispor dos meios adjectivos para o seu expedito reconhecimento, protecção ou eficácia, actuando-os em condições de igualdade com a contraparte.
II – O direito à prova, indispensável à defesa da pretensão que se traz ou se contrapõe em juízo, para a boa administração da justiça e a justa composição do litígio, é corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º da Constituição da República Portuguesa), ainda que não seja um direito absoluto. III – Tendo a Recorrida solicitado a junção de documentos em poder da contraparte e esta recusado alegando o sigilo fiscal e mercantil, a ponderação sobre a prevalência do direito à prova ou a invocação do sigilo (nenhum destes sigilos é absoluto, devendo curvar-se perante outros direitos directamente em confronto), rege-se necessariamente pelo princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da Constituição), o qual se desdobra nos subprincípios da adequação ou da idoneidade, da exigibilidade ou da necessidade e da justa medida ou da proporcionalidade em sentido estrito. IV – Caso a parte pudesse sempre escudar-se no sigilo comercial para evitar exibir documentos na sua exclusiva posse e aferidos como determinantes para o bom desfecho da acção, estava encontrada a fórmula que inviabilizaria a produção de prova da contraparte, deixando-a num vazio probatório, afrontando claramente os princípios da igualdade, da tutela judiciária efectiva e o processo equitativo, a par dos arts. 2.º, n.º 2, 7.º, 8.º, 417.º e 429.º, todos do Código de Processo Civil. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra/Juízo Central Cível de Coimbra (J1) Recorrente: A..., Lda.
Sumário (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…).
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I. Em 24 de Janeiro de 2024, B..., Lda. intentou acção declarativa de condenação fundada em contrato de empreitada, contra A..., Lda., ambas ali melhor identificadas, e peticionou, a final, na procedência da acção, para «… ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de 27.502,24 €, acrescida de juros de mora, às respetivas taxas de juro comercial em vigor, desde a data de vencimento de cada uma das faturas, em dívida, e até integral e definitivo pagamento.»[2]. A R. contestou e reconveio, pugnando para que «B ) Seja procedente, por provado, o pedido reconvencional formulado pela Reconvinte, reconhecendo-se o crédito da mesma sobre a Reconvinda no valor de € 24.539,44 (vinte e quatro mil quinhentos e trinta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos), efetuando-se a compensação de créditos peticionada nos termos do 847.º do CC, devendo ainda a Reconvinda ser condenada a pagar à Reconvinte o montante de € 6.528,90 (seis mil quinhentos e vinte e oito euros e noventa cêntimos) relativamente ao excesso de compensação.».
Após a prolação do Despacho Saneador, na apreciação dos requerimentos probatórios rectificados, exarou-se despacho em 12 de Junho p.p., que culmina: i)Indeferir o aí requerido pela, ora, ré, e em consequência disso, determino a notificação da ré para, no prazo de 10 dias, proceder conforme aí requerido pela autora, sob pena de condenação em multa, ao abrigo do disposto no art. 417º, nº2, do CPC.».
II. Opondo-se, a R. interpôs Recurso de Apelação, contemplando estas «CONCLUSÕES (…)».
III. Questões decidendas Ressalvada a apreciação de questões que sejam de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o âmbito da apelação (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil): - Da (não) junção das contas IVA e declarações de IVA, por abrangidas pelo sigilo fiscal e pelo segredo de escrituração mercantil. - Da nulidade do despacho (art. 615.º, n.º 1, als. b) e d), do Código de Processo Civil). - Da violação de princípios constitucionalmente tutelados.
IV. Dos Factos Para além das circunstâncias acima elencadas, da consulta à plataforma informática decorre que: 1. Consta da Acta de Audiência Prévia, datada de 28 de Março p.p., na parcela que aqui interessa, que: «OBJECTO DO LITÍGIO i)Extensão do direito de crédito a favor da autora sobre ré, por força da constituição desta, em responsabilidade civil contratual, por incumprimento, em mora, da obrigação de pagar à autora, na qualidade de empreiteira, a quantia pecuniária, em falta, por conta do remanescente do preço dos trabalhos iniciais e trabalhos a mais realizados, no âmbito da obra de empreitada, nos termos e condições contratualizados entre as partes. ii) Direito de indemnização a favor da ré/reconvinte sobre a autora/reconvinda, a título de cláusula penal indemnizatória, pelo atraso, por parte da autora, na conclusão e entrega da obra de empreitada, para lá do fim do prazo de conclusão da obra de empreitada nos termos contratualizados entre as partes. iii)Direito de a ré/reconvinte a obter a conclusão/execução da parte inacabada, por parte da autora, da obra de empreitada, através dum terceiro, derivado do incumprimento definitivo da autora/reconvinda, por perda objectiva de interesse da ré/reconvinte, nessa parte, da manutenção da empreitada convencionada entre as partes, consistente na conversão da mora em cumprimento em incumprimento definitivo, e na positiva, a extensão do direito de crédito indemnizatório, a favor da ré/reconvinte sobre a autora/reconvinda, a título de custo suportado com a conclusão/execução da parte inacabada da obra, através dum terceiro. iv)Compensação entre o contra - crédito da ré/reconvinte sobre a autora/reconvinda, a titulo de cláusula penal indemnizatória, e do valor suportado com a finalização/execução da parte inacabada, por parte da autora/reconvinda, da obra de empreitada, através dum terceiro, e o crédito detido pela autora/reconvinda sobre a ré/reconvinte, a titulo de remanescente do preço total devido pela ré à autora com a realização da obra de empreitada convencionada entre as partes. Enunciam-se os seguintes: TEMAS DA PROVA i)Dos trabalhos realizados pela autora, e respectivo valor, reflectidos na factura nº 2022/22, da quantia de €9.491,70, emitida e vencida no dia 28/03/2022. ii)Dos motivos alheios à autora/reconvinda no(s) atraso(s) na conclusão da obra de empreitada para lá do términus do prazo convencionado entre as partes. iii)Da parte inacabada da obra de empreitada convencionada entre as partes não executada pela autora/reconvinda. iv) Do valor suportado pela ré/reconvinte com a conclusão/execução da parte inacabada da obra, através dum terceiro. … concedida a palavra aos Ilustres mandatários … no uso desta, vieram declarar que nada têm a reclamar dos sobreditos despachos, e por outro lado, face aos temas de prova enunciados atrás, … requerem o prazo não inferior de 10 dias, para o efeito de procederem à alteração dos meios probatórios já oferecidos.», o que veio a ser deferido. 2. Nesta sequência, no seu requerimento probatório alterado, a Recorrida: «B) - Requer a V. Exa., ao abrigo do disposto no Artº 417º nº 1 do C. P. Civil, para prova da matéria alegada nos artigos 5, 7, 10 e 11 da p.i., e 54 da réplica, se digne ordenar a notificação da ré, a fim de vir juntar os seguintes documentos: - Contas IVA nºs 24323 e 2433, de março a dezembro de 2022; - Declarações de IVA dos 1º, 2º, 3º e 4º trimestres de 2022.». 3. Posteriormente explicitou que «Requereu …contas IVA nºs 24323 e 2433, de março a dezembro de 2022 e, bem assim, as declarações de IVA dos 1º, 2º, 3º e 4º trimestres de 2022, em virtude de desconhecer qual o trimestre em que, concretamente, a ré poderá ter contabilizado a Fatura nº 2022/22, da quantia de 9.491,70 €, emitida e vencida no dia 28/03/2022. Os elementos documentais cuja junção foi requerida pela autora afiguram-se de extrema relevância para a apreciação do mérito da causa e o apuramento da verdade subjacente à relação material controvertida, documentos estes que estão exclusivamente em poder da parte contrária. Neste sentido, impõe-se à ré, ex vi do disposto nos Artºs 417º e 429º do Código de Processo Civil, a junção dos requeridos documentos ou, se assim entender, de quaisquer outros, aptos a provar se, efetivamente, esta aceitou e, consequentemente, contabilizou ou não na sua escrita contabilística e fiscal a sobredita Fatura nº 2022/22.». 4. A Recorrente alegou «…segredo de escrituração mercantil e por sigilo fiscal, tendo estes regimes como finalidade garantir a confidencialidade das informações comerciais e das informações fiscais dos contribuintes…., não se enquadrando a situação in casu num dos casos previstos nos artigos 42º e 43º do Código Comercial …Por conseguinte, e sem prejuízo do dever de colaboração com a justiça estabelecido no artigo 417º do CPC, entende a Ré que a junção dos documentos referidos supra deve ser indeferida.». 5. Os artigos indicados pela Recorrida, aludidos no n.º 2, têm o seguinte teor: - Art. 5.º da petição inicial: «Os trabalhos executados pela autora consistiram, no essencial, no seguinte: I – Trabalhos preparatórios: 1.1 – Montagem, manutenção e desmontagem de estaleiro para a obra; II – Estrutura: 2.1 – Fornecimento e aplicação de estrutura em LSF com perfis C140x41x10 mm em aço galvanizado, de classe S320GD com 275gr/m2 de zincagem, perfilados e maquinados a frio de acordo com os pormenores estruturais necessários para a obra; 2.2 – Fornecimento e aplicação de placas de OSB classe 3 a realizar o revestimento das lajes de piso, escadas e cobertura, incluindo os meios de fixação, mão-de-obra e cortes necessários ao seu perfeito acabamento e reforço estrutural; 2.3 – Execução de paredes divisórias interiores em estrutura de aço galvanizado, do tipo pladur, incluindo revestimento em ambas as faces com placa dupla em gesso cartonado BA13, hidrófugo em zonas húmidas e normal nas restantes, com preenchimento da caixa de ar com lã rocha de 60 mm, tratamento de juntas e todos os acessórios necessários ao perfeito acabamento (exceto piso da loja); 2.4 – Execução de revestimento de paredes exteriores, pelo interior, com placa de gesso cartonado hidrófugo BH15, na face interior, incluindo preenchimento de caixa de ar com lã rocha de 60 mm, estrutura de aço galvanizado, do tipo pladur, tratamento de juntas e todos os acessórios necessários ao perfeito acabamento (exceto piso da loja); III – Cobertura: 3.1 – Fornecimento e aplicação de isolamento térmico na cobertura, em poliestireno extrudido de 50 mm de espessura, incluindo todos os trabalhos e materiais necessários ao perfeito acabamento; 3.2 – Fornecimento e aplicação de revestimento da cobertura e paredes das mansardas, em chapa de zinco à cor natural, do tipo camarinha, incluindo todos os trabalhos e materiais necessários ao perfeito acabamento; IV – Revestimentos de tetos, parede e pavimentos: Paredes interiores 4.1 – Fornecimento e aplicação de azulejos cerâmicos até 12,00€/m2 PVP, nas instalações sanitárias e cozinha (até ao teto), assentes com cimento cola, incluindo argamassas de rejuntamento e todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu perfeito acabamento; 4.2 – Execução de pintura em paredes interiores, com tinta plástica nas cores a definir em obra, incluindo a preparação da base e aplicação de primário adequado à mesma, assim como todos os trabalhos e materiais necessários ao perfeito acabamento; Tetos interiores 4.3 – Fornecimento e aplicação de revestimento de tetos interiores em gesso cartonado, incluindo tratamento de juntas e todos os acessórios necessários ao perfeito acabamento; 4.4 – Execução de pintura em tetos interiores, com tinta plástica nas cores a definir em obra, incluindo a preparação da base e aplicação de primário adequado à mesma, assim como todos os trabalhos e materiais necessários ao perfeito acabamento; Pavimentos interiores 4.5 – Fornecimento e aplicação de mosaicos cerâmicos até 12,00€/m2 PVP, no piso das W.C. e cozinhas, assente com cimento cola, incluindo argamassas de rejuntamento e todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu perfeito acabamento; 4.6 – Fornecimento e aplicação de mosaicos cerâmicos até 12,00€/m2 PVP, no piso da loja, assente com cimento cola, incluindo argamassas de rejuntamento e todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu perfeito acabamento; V – Carpintarias: 5.1 – Fornecimento e aplicação de portaros interiores executados com aros e guarnições em madeira maciça pinho nacional, portas lisas de 35 mm de espessura folheada a pinho nacional, tudo com acabamento envernizado, incluindo dobradiças em inox, fechaduras de chave normal ou yale, puxadores de muleta em inox a escolher, vedantes, batentes de pavimento e todos os trabalhos de carpintaria necessários ao seu perfeito acabamento; 5.2 – Fornecimento e aplicação de pavimento flutuante em folheado de madeira de classe AC4, com 8 mm de espessura, até 12,00€/m2 PVP, nos pavimentos das salas, quartos, vestíbulos e corredores, incluindo todos os trabalhos e acessórios necessários ao seu perfeito acabamento; 5.3 – Fornecimento e aplicação de rodapé em contraplacado, folheado a madeira de pinho nacional, incluindo todos os trabalhos e materiais necessários; 5.4 – Fornecimento e aplicação de revestimento de escada interior do piso 3, de acesso ao mezanino, (passo + espelho) em madeira maciça de pinho de 3 cm, incluindo acabamento envernizado e todos os trabalhos necessários (13 degraus); 5.5 – Fornecimento e assentamento de janelas em madeira de casquinha vermelha trilamelada, com vidro duplo, incluindo perfil do aro cinza e folha branca, puxador de cremona acabamento cor prata, dobradiça com afinação tridimensional com capas acabamento a definir. Inclui ainda veda luz lacados a branco e peitoril interior e exterior em madeira maciça, - (doc.2).». - Art. 7.º da petição inicial: «Os trabalhos a mais executados pela autora consistiram, assim, no seguinte: - Orçamento nº PA_2018_021_trabalhos a mais: I – Trabalhos a mais 1.1 Execução de caixas para passagem de tubos de ar condicionado na cobertura, em zinco, incluindo rufagem de prumos para fixação de painéis solares e/ou ar condicionado e todos os trabalhos necessários em zinco, - Orçamento nº PA_2018_021_Adit1_Escadas: I - Cantarias Interiores: 1.1 Fornecimento e aplicação de cantarias interiores em pedra calcária moleanos, amaciado, assentes com cola de Ph neutro, incluindo os trabalhos de preparação da base e os respetivos acabamentos na execução de: - escada interior do piso 2 para o piso 3, incluindo patamares; - rodapé de contorno com 1,5 cm de espessura. II - Trabalhos extra: 2.1 Execução de regularização do pavimento do piso da loja, incluindo todos os materiais necessários; 2.2 Execução de abertura de laje para assentamento de tampas de caixas, com meios mecânicos, de forma a ficarem embutidos no pavimento, incluindo todos os materiais necessários.». - Art. 10.º da petição inicial: «No entanto, mercê das alterações e dos trabalhos a mais ajustados entre as partes, o preço global da empreitada passou a ser de 89.382,24 € €, acrescido de IVA, à taxa em vigor, tudo como melhor resulta do “Orçamento nº PA_2018_021_Rev8”, do “Orçamento nº PA_2018_021_trabalhos a mais”, e do “Orçamento nº PA_2018_021_Adit1_Escadas”, acima juntos, - (docs.2, 3 e 4).». - Art. 11.º da petição inicial: «No âmbito do referido contrato, a autora emitiu e remeteu à ré, que as aceitou, as seguintes faturas: - Fatura nº 2019/35, de 10/06/2019, da quantia de 18.288,03 € (correspondente à adjudicação da obra); - Fatura nº 2020/6, de 31/01/2020, da quantia de 27.432,06 €, vencida na mesma data; - Fatura nº 2020/26, de 15/05/2020, da quantia de 456,55 €, vencida na mesma data; - Fatura nº 2020/80, de 17/11/2020, da quantia de 13.779,51 €, vencida na mesma data; - Fatura nº 2021/68, de 27/07/2021, da quantia de 14.520,87 €, vencida na mesma data; - Fatura nº 2021/110, de 29/11/2021, quantia de 3.489,67 €, vencida na mesma data; e, - Fatura nº 2022/22, de 28/03/2022, da quantia de 9.491,70 €, vencida na mesma data, cujo extrato de conta de cliente junta e dá aqui por integralmente reproduzida, - doc.5.». - Art. 54.º da réplica: «Com efeito, no dia 28/03/2022, a autora emitiu e enviou àquela, que a aceitou, sem reservas, a Fatura nº 2022/22, da quantia de 9.491,70 €, acompanhada do Auto de Medição nº 3, como comprova a comunicação, que junta, - doc.13.».
V. Do Direito A despeito da Recorrente ter cindido a sua objecção em várias questões, o certo é que se impõe indagar se os documentos cuja junção foi ordenada são pertinentes para a justa composição do litígio e, se assim for, se estão a coberto de segredo. Uma eventual resposta negativa à primeira parte desta equação prejudicará o conhecimento das demais.
O Tribunal a quo enfrentou este aspecto como segue: «I - Requerimento probatório constante da parte final da petição inicial; requerimento probatório constante da parte final da réplica e requerimento de alteração dos meios de prova com Refsª Citius nº9646856, de 07/04/2025 apresentados pela autora B..., Lda.; requerimento de resposta a tal requerimento de alteração dos meios de prova apresentado pela ré, com Refª 9690373, de 30/04/2025, por via do qual requer aí que se indefira o aí o meio de prova aí requerido pela autora, nos termos e com os fundamentos aí expressos), e requerimento de resposta à resposta da ré apresentado pela autora, com Refª Citius nº 9727965, de 14/05/2025, por via do qual reitera o requerido, por falta de fundamento legal para a ora ré se recusar a juntar os elementos documentais, ora, requeridos. a) … b)Os documentos em poder da parte contrária, que, em sede do predito requerimento de alteração probatória, a autora requer aí que se ordene a notificação da ré para proceder à sua junção, destinados a provar a factualidade controvertida aí indicada em tal requerimento de alteração probatória, e atento o objecto sobre o qual versa a presente causa, não só se mostram pertinentes ao apuramento da verdade material e à boa decisão da causa, como, também, tendo, ainda, em consideração o teor dos documentos, em causa, e o âmbito restrito dos docs., em causa, face à escrituração comercial da, ora, ré, mostra-se “in casu” inaplicável à eventual junção aos pela, ora, ré de tais documentos em seu poder, o regime legal previsto nos arts. 42º e 43º, do Cód. Com., com base no qual a, ora, ré (e por antecipação ao que viesse a ser decidido pelo tribunal sobre o aí requerido pela autora), veio aí deduzir a sua pretensa legítima recusa de cooperar com a Justiça, e por arrasto, requerer o indeferimento do aí requerido pela autora. Donde se conclui, assim, em face do exposto, portanto (e sem maiores considerandos), que, se impõe à, ora, ré (no prazo que vier a ser fixado), proceder à sua junção, em consonância com o disposto nos arts. 417º, nº2 (princípio da cooperação), e 429º, nº2, do CPC, por a recusa aí deduzida pela ora ré se mostrar infundada/ilegítima. Pelo exposto, decido: i)Indeferir o aí requerido pela, ora, ré, e em consequência disso, determino a notificação da ré para, no prazo de 10 dias, proceder conforme aí requerido pela autora, sob pena de condenação em multa, ao abrigo do disposto no art. 417º, nº2, do CPC. ii)Custas pelo incidente anómalo a suportar pela ré, cuja tributação se fixa no mínimo legalmente previsto – cf. art. 527º, do CPC e art. 7º, nº4, do RCP.».
No que se reporta à nulidade por falta de fundamentação (art. 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil), a mesma compreende quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito[3]. Já não se integram nesta alínea os casos em que existe fundamentação, mas a mesma enferma de erro ou é insuficiente, caso em que, se for admissível, pode originar um recurso. Percorrido o despacho em análise, verifica-se que estão apostos individualizadamente os fundamentos de facto e de direito, com indicação das normas e princípios jurídicos em que se apoiou, em termos que não merecem reparo. Categoria distinta e não confundível com a nulidade é a da discordância da Recorrente com a conclusão a que o Tribunal a quo chegou, e que se prende com o mérito desta instância recursiva. Improcede, pois, este fundamento recursório.
Retira-se do art. 3.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que o figurino processual civil nacional assenta num modelo em que a acção é proposta mediante uma petição (dita inicial), peça em que o respectivo autor formula a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter – o pedido (arts. 552.º, n.º 1, al. e), e 581.º, n.º 3) –, expõe as razões fácticas e jurídicas em que a alicerça – a causa de pedir (arts. 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), e 581.º, n.º 4) – e individualiza os meios probatórios que, na sua perspectiva, a demonstram (art. 552.º, n.º 6). Assim sendo, pode sintetizar-se que o pedido é «o direito para que [o Autor] solicita ou requer a tutela jurisdicional e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência judiciária requerida), o efeito jurídico pretendido pelo Autor», enquanto que a causa de pedir é «o acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer»[4]. Idêntico raciocínio serve para a reconvenção, que não é mais do que uma contra-acção enxertada numa açcão em curso. Em face do pedido e da causa de pedir que estribam a acção e a reconvenção e, bem assim, aos Temas da Prova enunciados no Despacho Saneador, resultou para as partes e para o Tribunal haver necessidade da realização de prova, in casu, a documental – cf. arts. 341.º do Código Civil, e 5.º, n.ºs 1 e 2, 410.º, 411.º e 596.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil. A garantia efectiva de acesso aos Tribunais implica que quem se arroga um direito substantivo – no caso, tanto a Recorrente (quanto ao pedido reconvencional), como a Recorrida (para a matéria da acção) – tenha que dispor dos meios adjectivos para o seu expedito reconhecimento, protecção ou eficácia, actuando-os em condições de igualdade com a contraparte, e estando ambas adstritas a cooperar entre si para a obtenção célere da verdade material e da justa composição do pleito – cf. arts. 2.º, 4.º, e 7.º, todos do Código de Processo Civil. Efectivamente, este dever de cooperação relacional que não vincula, nem se esgota só nas partes, é decisivo para a correcta e completa resolução da causa, posto que só assim é possível alcançar a Justiça. Na sistemática do Código de Processo Civil, aquando da instrução do processo (Título V), e do tratamento da matéria probatória, o art. 417.º, n.º 1, retoma e densifica a norma genérica do art. 7.º, e consagra este dever cooperativo geral. «(a) O n.º 1 estabelece a regra geral: as partes e os terceiros têm o dever de colaborar para a descoberta da verdade numa acção pendente. O dever de colaboração que é imposto pelo n.º 1 é um dever processual e, portanto, independente de qualquer dever de informação substantivo (art. 573.º CC). (b) O dever de colaboração respeita à prova de um facto, …»[5]. Conclui-se, desta feita, que o direito à prova, indispensável à defesa da pretensão que se traz ou se contrapõe em juízo, para a boa administração da justiça e a justa composição do litígio, é corolário do direito à tutela jurisdicional efectiva, com respaldo no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa[6], sublinhando-se, no entanto, que não é um direito absoluto[7]. Na realidade, ainda que os elementos probatórios possam ser imprescindíveis ao esclarecimento da verdade, não é menos seguro que podem estar sujeitos ao regime do segredo, qualquer que este seja em concreto. Na óptica da Recorrente, os documentos em causa são inidóneos à pretensão da Recorrida e, para além do mais, não são de livre acesso, o que convoca o tema da colisão dos direitos, com assento no art. 335.º do Código Civil, a dirimir por Tribunal superior. Conforme deflui dos factos articulados pela Recorrida (supra, n.º 5), a facturação de 9491,70 € (nove mil quatrocentos e noventa e um euros e setenta cêntimos) compreende-se no conjunto de factos essenciais que, porque impugnados, foram transpostos para os Temas da Prova (supra, n.º 1), concretamente o mencionado sob i) – conexionado com a matéria já vertida no Objecto do Litígio, igualmente seu ponto i), acrescentando-se que a mesma especificou os factos que pretende provar com os documentos solicitados (facto n.º 3, e art. 429.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código de Processo Civil). Há, pois, matéria carecida de demonstração probatória, com o ónus de prova a impender sobre a Recorrida, por ser um facto constitutivo do direito a que se atribui, de acordo com o art. 342.º, n.º 1, do Código Civil. O Tribunal a quo, comprovando a relevância dessa factualidade nesta acção, reputou, após ponderar os interesses legítimos das partes, que a prova requerida era imprescindível e proporcional, e na esteira de pedido formulado nesse sentido, como os documentos de que aquela quer servir-se estão em poder da contraparte, accionou o regime do art. 429.º do Código de Processo Civil. Por conseguinte, «O mecanismo previsto neste preceito poderá ser utilizado tanto por quem tem o ónus da prova de determinado facto, como por quem pretenda infirmar a prova de factos cujo ónus recai sobre o detentor do documento (RP 21-4-15, 124/14).»[8]. Do que se extrai que «Sempre que a apresentação do documento pela parte contrária ou pelo terceiro seja indispensável para apurar a existência ou o conteúdo de um direito do requerente, o dever processual de colaboração concorre com o dever substantivo de apresentação do documento (art. 575.º e 574.º, n.º 1, CC).»[9]. Com efeito, se assim não fosse, a parte ver-se-ia num vazio probatório ou, pelo menos, numa posição de acentuada fragilidade probatória que a lei adjectiva visou obviar. Consabido que a lei impõe limites a este dever de colaboração, é chegado o momento de dilucidar se a argumentação tecida pela Recorrente para se escusar à sua junção encontra amparo legal, a saber o sigilo fiscal e o segredo de escrituração mercantil. Contrariamente ao sustentado pela mesma, não há qualquer previsão normativa específica que defira o conhecimento desta matéria, com estes concretos contornos, ao Tribunal da Relação, ex vi arts. 417.º, n.ºs 3, al. c), e 4, do Código de Processo Civil, e 135.º do Código de Processo Penal. Pelo que, improcede a invocação da nulidade da decisão por haver conhecido de questão para a qual era incompetente, que a Recorrente conformou no quadro dos arts. 96.º, al. b), e 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, ambos do Código de Processo Civil. Nesta decorrência, «Casuisticamente há que determinar se prevalece o direito à prova ou as razões que justificam a invocação do sigilo, sendo que tal ponderação se rege necessariamente pelo princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2, da CRP), o qual se desdobra nos subprincípios da adequação ou da idoneidade, da exigibilidade ou da necessidade e da justa medida ou da proporcionalidade em sentido estrito. Face à existência e um interesse probatório legítimo, deve fazer-se um reequilíbrio dos valores em conflito, rejeitando uma concepção intangível das normas sobre o sigilo (RC 28-4-15, 46/14).»[10]. A Recorrente fez apelo aos arts. 64.º da Lei Geral Tributária, e 42.º e 43.º, ambos do Código Comercial[11]. O regime normativo que regula o sigilo fiscal permite concluir que se está perante um sigilo com uma natureza não absoluta e mesmo menos consistente do que aquele que refere, v.g., ao médico ou ao advogado, na medida em que os interesses protegidos enquadram-se apenas numa dimensão de respeito da privacidade da vida societária ou de um particular, em termos genéricos quanto a terceiros. Em vista da redacção do art. 64.º não é equacionável à situação vertente. Identicamente no tocante aos arts. 42.º[12] e 43.º[13] do Código Comercial, posto que, apesar de se prever o segredo comercial ou industrial, o mesmo não é absoluto, devendo curvar-se perante outros direitos directamente em confronto. Caso a parte pudesse sempre escudar-se no sigilo comercial para evitar exibir documentos na sua exclusiva posse e aferidos como determinantes para o bom desfecho de uma acção, estava encontrada a fórmula que inviabilizaria a produção de prova da contraparte, afrontando claramente os princípios da igualdade, da tutela judiciária efectiva e o processo equitativo, a par dos arts. 2.º, n.º 2, 7.º, 8.º, 417.º e 429.º, todos do Código de Processo Civil. «(a) Permanece ressalvado o exame judicial (e parcial) nos livros de escrituração e nos respectivos documentos qd a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão que justifica a sua apresentação (art. 43.º, n.º 1, CCom). … (b) O regime que consta do art. 43.º, n.º 1, CCom delimita o âmbito do exame da escrituração e respeita, por isso, o critério da proporcionalidade (RG 3/2/2022 (51/20); RC 12/7/2022 (316/18)). Este mesmo critério pode justificar o exame de dados que estão cobertos pelo sigilo comercial ou industrial (RC 12/3/2013 (882/09); RL 29/1/2015 (313/11); RL 28/9/2016 (1267/15); RG 13/10/2022 (669/21)).»[14]. Volvendo ao caso em exame, «No confronto dos valores ínsitos à protecção do sigilo comercial, do direito à prova/contraprova e do dever de colaboração para a descoberta da verdade, haverá que decidir qual dos interesses deve prevalecer. Na formulação desse juízo, há que ponderar a indispensabilidade ou não dos documentos em causa para a apreciação do pedido, o princípio da proporcionalidade e a possibilidade de realização, pela forma minimamente invasora, dos direitos da parte contrária (RP 16-12-20, 20227/18, RL 28-9-16, 1267/15, RL 17-4-08, 9558/2007).»[15]. Em linha com os factores acima assinalados, atentos os factos em discussão (a envolver apenas Recorrente e Recorrida), a delimitação dos elementos solicitados, o período temporal perfeitamente balizado e o escopo prosseguido, julga-se razoável, adequado e necessário à defesa da pretensão da Recorrida o pedido probatório que oportunamente dirigiu ao Tribunal, merecedor da concordância deste e ora sindicado. Em suma, improcede a tese recursiva no que concerne à invocação do segredo e à preterição dos princípios do dispositivo, da necessidade, adequação e proporcionalidade. Concluindo, é de confirmar a decisão posta em crise.
De harmonia com o critério do decaimento, o pagamento das custas processuais incumbe à Apelante (arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).
VI. Decisão: Conforme exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida. O pagamento das custas processuais é encargo da Apelante. Registe e notifique. (assinatura electrónica – art. 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) [1] Juiz Desembargadora 1.ª Adjunta: Dra. Maria Fernanda Almeida Juiz Desembargador 2.º Adjunto: Dr. José Avelino Gonçalves [2] Os pedidos são idênticos na petição inicial primitiva e na aperfeiçoada. [3] Rui Pinto in, Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), Julgar Online, Maio de 2020, pp. 11/12, disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/05/20200525-JULGAR-Os-meios-reclamat%C3%B3rios-comuns-da-decis%C3%A3o-civil-Rui-Pinto-v2.pdf), acrescentando, «… é bom de ver que uma ausência de análise crítica das provas ou uma fundamentação da decisão da matéria de facto que seja genérica, sem especificação da prova que foi decisiva é, funcionalmente, uma falta de fundamentação da parte dispositiva. É certo que é uma falta de fundamentação indireta, porquanto normalmente é acompanhada do(s) julgamento(s) de provado / não provado, mas está no espírito da nulidade em presença cominar qualquer falta efetiva e funcional de fundamentação.» (p. 15), «Em conclusão: a nulidade por falta de fundamentação diz respeito tanto ao(s) julgamento(s) de provado / não provado (cf. artigo 607.º, n.ºs 3, primeira parte, e 4, primeira parte), como à motivação ou convicção (cf. artigo 607.º, n.º 4, segunda parte) que os sustenta. Ocorre também falta de fundamentação se, em termos funcionais e efetivos, faltar a motivação da prova, apesar de estar presente o julgamento de provado / não provado.» (p. 16), e «A falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, seja quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º. Trata-se, em ambos os casos, de um vício grosseiro, grave e manifesto, como é próprio dos vícios arrolados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 615.º. Um entendimento conforme ao artigo 205.º, n.º 1, da Constituição impõe esta interpretação….» (p. 17). [4] Manuel de Andrade in, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1979, p. 111. [7] Acórdãos dos Tribunais da Relação do Porto, Proc. n.º 5818/17.2T8VNG-A.P1, de 27-01-2020, e da Relação de Coimbra, Proc. n.º 780/11.8TBCVL-A.C1, de 26-02-2019. [12] Epigrafado Exibição judicial da escrituração mercantil, estipula que: «A exibição judicial da escrituração mercantil e dos documentos a ela relativos, só pode ser ordenada a favor dos interessados, em questões de sucessão universal, comunhão ou sociedade e no caso de insolvência.». 2 - O exame da escrituração e dos documentos do comerciante ocorre no domicílio profissional ou sede deste, em sua presença, e é limitado à averiguação e extracção dos elementos que tenham relação com a questão.». |