Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8056/16.8T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: INSOLVÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
LISTA DE CREDORES
ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JUÍZO DE COMÉRCIO – J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 129º, Nº 1, E 130º DO CIRE.
Sumário: I- O Insolvente não tem que ser notificado ou avisado da apresentação pelo administrador da insolvência da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artº. 129º, nº. 1, do CIRE.

II- O mesmo sucedendo, aliás, em relação ao demais interessados, com exceção apenas em relação àqueles credores não reconhecidos e àqueles cujos créditos foram reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação.

Decisão Texto Integral:



Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. Nos presentes autos de reclamação de créditos - que correram por apenso ao processo de insolvência no qual M... foi declarado insolvente por sentença transitada em julgado –, após a sra. administradora da insolvência ter apresentado a relação de créditos a que alude o artº. 129º nº. 1 do CIRE (que não foi objeto de impugnação), foi proferida, em 01/02/2017, sentença, no final da qual – depois de concluir que, por inexistirem bens apreendidos para a massa, não haveria lugar a graduação de créditos - homologou aquela lista de créditos reconhecidos apresentada pela sra. administradora, julgando reconhecidos os créditos relacionados pelos valores dela constantes, a serem pagos rateadamente.

2. Notificado dessa sentença, o insolvente dela interpôs recurso de apelação, tendo concluído as alegações desse seu recurso nos seguintes termos:

«1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença de verificação e graduação de créditos de fls. …. dos autos, que homologou a lista de créditos reconhecidos apresentada pela Sra. Administradora de Insolvência e, consequentemente julgou reconhecidos os créditos relacionados pelos valores dela constantes.

2) Sentença com a qual o Recorrente não concorda, nem se conforma, porquanto, não teve acesso à lista de credores reconhecidos pela Administradora de Insolvência por tal lista não lhe ter sido notificada quer pela Administradora quer pelo Tribunal, ou sequer lhe ter sido disponibilizada por via electrónica.

3) O Apenso de Reclamação de Créditos no qual se encontra a lista de credores reconhecidos ficou acessível via CITIUS, só depois de efetuada a notificação da douta sentença recorrida.

4) Razão pela qual não teve o ora Recorrente qualquer possibilidade ou meio ao seu dispor que lhe permitisse tomar conhecimento de que a lista definitiva de credores já havia sido apresentada nos autos.

5) Não podendo, consequentemente, exercer o direito de impugnar tal lista no prazo para o efeito fixado no nº 1 do artº 130º do CIRE.

6) O Tribunal a quo, não obstante a ausência de impugnações, deveria averiguar da existência de algum erro ou omissão antes de proferir a sentença de graduação e verificação de créditos, pois, só fazendo tal sindicância poderá o Tribunal proferir sentença na certeza de que a todos os interessados foi dada a possibilidade do exercício do princípio do contraditório.

7) Não podendo o Recorrente pronunciar-se sobre a lista definitiva de credores, por dela não ter conhecimento, ficou privado do exercício do direito ao contraditório, nos termos do disposto no artº 3º, nº 3 do CPC.

8) A falta de notificação da lista de credores reconhecidos ao ora Recorrente traduz-se na omissão de um acto processual que influi no exame e na decisão da causa e configura uma nulidade processual, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artº 195º do CPC, aplicável ex vi, artº 17º do CIRE, e determina a nulidade de todo o processado subsequente àquele acto (artº 195º, nº 2 do CPC).

9) Ao decidir como decidiu, a sentença proferida pelo Tribunal a quo violou as normas legais contidas nos artigos 129º e 130º do CIRE, e os artigos 3º, nº 3 e 195º do CPC.

Nestes termos (…) requer se dignem dar provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença recorrida e ordenando a notificação da lista definitiva de credores ao Recorrente para cumprimento do disposto no nº 1 do artº 130º do CIRE. »

3. Respondeu a sra. administradora, defendendo a improcedência do recurso.

4. O sr. juiz a quo no despacho que admitiu o recurso defendeu não ter sido cometida a nulidade que o insolvente/apelante argui (dado que o mesmo não tinha que ser notificado da lista de credores apresentada pela sra. administradora da insolvência).

5. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

A) De facto.

Os factos a considerar - e com relevo para a decisão do recurso – são aqueles que se deixaram exarados no relatório que antecede.

B) Direito.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do presente recurso verifica-se que a única verdadeira questão que importa aqui apreciar traduz-se em saber se o insolvente tinha ou não que ser notificado (já que deflui dos autos que o não foi) de lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artº. 129º nº. 1 do CIRE e, em caso afirmativo, quais consequência jurídicas daí a extrair.

Apreciemos.

Naquilo que para aqui releva, preceitua o artº. 129º do CIRE (diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionemos somente o normativo sem a indicação da sua fonte) que:

1- Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos (…).

2- (…)

3- (…)

4- Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, devem ser avisados pelo administrado da insolvência por carta registada (…).

5- (…).”

Por sua vez, estatui o artº. 130º que:

1- Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no nº. 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.”

2- Relativamente aos credores avisados por carta registada o prazo de 10 dias conta-se a partir do 3º. dia útil posterior à data da respectiva expedição.

3- Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista”.

Da conjugação de tais normativos, e sobretudo da leitura conjugada dos nºs. 1 e 4 do citado artº. 129º resulta, com evidência, que no atual regime falimentar a lista de credores que ali se alude é apresentada (decorrido o prazo legal para a apresentação das reclamações de créditos) na secretaria do tribunal pelo administrador da insolvência, a qual fica ali a aguardar o decurso do prazo de 10 dias (contados a partir da data daquela apresentação) fixado no artº. 130º para os interessados (entre os quais se encontra o insolvente) a poderem impugnar, sem que ela tenha que ser notificada aos mesmos, com exceção daqueles credores não reconhecidos e daqueles cujos créditos foram reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação, em relação aos quais a lei impõe que sejam avisados pelo administrado da insolvência por carta registada.

Como, a esse propósito, se discorre no Acordão do STJ de 18/09/2007proc. 07A/2235, disponível in www.dgsi.pt/jstj - (depois de afirmar que “o prazo de impugnação dos créditos é de 10 dias, não havendo notificação das listas apresentadas pelo administrador que ficam patentes na secretaria”), “pode questionar-se a opção do legislador ao adoptar este regime mas entre a economia do tempo que advém de assim se ter estatuído e a tradicional notificação de todos os trâmites processuais, o legislador, dado o carácter urgente do processo, fixou em 10 dias o prazo de impugnação e dispensou a notificação pessoal.” (sublinhado nosso)

No mesmo sentido se pronunciou o Ac. do TRL de 15/02/2011 (in “proc. 3083/10.T2SNT-C. L1-7”, disponível em www.dgsi.pt/jtrl), ao afirmar ser “inequívoco que as listas apresentadas pelo administrador não são notificadas aos credores, reclamantes e inteiramente reconhecidos.”, e “que este regime, que a natureza urgente do processo de insolvência justifica, impõe assim aos interessados um particular ónus de acompanhamento da marcha do processo; certo que só a sua especial diligência e atenção lhes dará a garantia de conhecer, com rigor, os tempos próprios do actos e, por consequente, situar nos momentos ajustados e tempestivos o exercício das faculdades processuais que lhe são concedidas. (sublinhado nosso). Perfilhando do mesmo entendimento vidé ainda, entre outros, o Ac. da RP de 08/09/2009 - in “proc. 347/08.6TBVCD-A.P1”, disponível em www.dgsi.pt (em que aborda especificamente a não notificação ou aviso ao insolvente da apresentação pelo administrador da insolvência da lista a que nos vimos referindo) -, Mariana França Gouveia (in “Verificação do passivo, Rev. Themis, Novo Direito da Insolvência, ed. especial, 2005, pág. 51”); Luís Martins (in “Processo de Insolvência, 2ª. ed., 2010, pág. 154”) e Maria do Rosário Epifânio (in “Manual de Direito da Insolvência, 2010, pág. 197.”).

Pode-se ainda concluir que daí resulta, consequentemente, que o prazo de 10 dias fixado no artº. 130º para os interessados impugnarem a lista dos credores reconhecidos se inicia, como regra, e de forma automática, logo após o decurso do prazo de 15 dias (fixado no artº. 129º, nº. 1) subsequente aquele em que o administrador da insolvência apresentou na secretaria do tribunal a lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos (só assim não será em relação aos credores não reconhecidos e àqueles cujos créditos foram reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação, em que esse prazo de 10 dias se conta – nos termos do nº. 2 daquele artº. 130º - a partir do 3º dia útil posterior à data da respetiva expedição da carta a avisá-los da apresentação da lista). Neste sentido vide ainda, entre outros, o Ac. do TRL de 15/02/2011, atrás citado, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2009, pág. 451”) e Salvador da Costa (in “O Concurso de Credores, 4ª. ed., pág. 339”).

Decorrido tal prazo, e não havendo impugnações (como sucedeu no caso sub júdice) é, nos termos do estatuído no nº. 3 do citado 130º, de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo erro manifesto  (sobre este conceito vide, por todos, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2005, págs. 459/459) se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista (que foi o que sucedeu no caso).

Assim, perante tudo exposto, a nossa resposta para a questão acima colocada é negativa, ou seja, de que insolvente não tinha que ser notificado ou avisado de lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artº. 129º nº. 1 do CIRE apresentada pela sra. administradora da insolvência, e daí que não tenha ocorrido a nulidade que aquele argui/invoca no presente recurso.

Termos, pois, em que, e sem necessidade de outras considerações, o recurso terá que naufragar.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão da 1ª. instância.

Custas a cargo da massa insolvente (artºs. 303º, 304º e 51º, nº. 1 al. a), do CIRE).

Sumário:

I- O Insolvente não tem que ser notificado ou avisado da apresentação pelo administrador da insolvência da lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artº. 129º, nº. 1, do CIRE.

II- O mesmo sucedendo, aliás, em relação ao demais interessados, com exceção apenas em relação àqueles credores não reconhecidos e àqueles cujos créditos foram reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respetiva reclamação.


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Coimbra, 2017/04/27

Isaías Pádua

Manuel Capelo

Falcão de Magalhães