Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
435/12.6TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: VÍCIOS DA SENTENÇA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
TIPICIDADE
ELEMENTO SUBJECTIVO
DIREITO DE AUDIÇÃO
AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO
Data do Acordão: 01/15/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REJEITADO
Legislação Nacional: ARTº 410º, NºS 2 E 3 DO CPP; 50º DO DEC.LEI Nº 433/82, DE 27/10; 12º/2 DO CT/2009; 2º/1/2K DE DECRETO REGULAMENTAR 47/2012, DE 31/07.
Sumário: I – Os vícios enumerados no artº 410º/2 do CPP representam anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, devendo ser apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, designadamente depoimentos exarados no processo ou documentos juntos ao mesmo, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.

II – Há que averiguar se o tribunal, cingido ao objecto do processo delimitado pela decisão da autoridade administrativa, mas vinculado ao dever da descoberta da verdade material (artº 340º do CPP), desenvolveu todas as diligências e indagou todos os factos que deveria ter desenvolvido e indagado, concluindo-se pela verificação do vício em apreço quando houver factos relevantes para a decisão, alegados pela acusação e pela defesa ou resultantes da discussão, mas que indevidamente foram descurados na investigação do tribunal, que, assim, se não apetrechou com a base de facto indispensável, seja para condenar, seja para absolver.

III – O erro notório na apreciação da prova (artº 410º/2/c) verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.

IV – O artº 50º do DL 433/82, de 27/10, exige que sejam comunicados ao arguido, designadamente, os factos que lhe são imputados, a sua qualificação jurídica e sanções eventualmente aplicáveis, por forma a que o arguido tome efectivo conhecimento da totalidade dos aspectos relevantes para a decisão a proferir posteriormente, assim se lhe facultando a possibilidade real de apresentar os seus pontos de vista quanto às imputações que lhe são feitas, contraditar as provas contra si apresentadas, apresentar novas provas, pedir a realização de outras diligências e debater a questão de direito em causa.

V – A contra-ordenação p.p. no artº 12º/2 do CT/09 satisfaz-se, do ponto de vista da tipicidade objectiva, com a mera possibilidade de ser causado prejuízo ao trabalhador ou ao Estado, não exigindo a verificação efectiva desse prejuízo, nem a emergência de qualquer benefício económico para o infractor.

VI – A afirmação de um juízo censório de culpa, nas modalidades de dolo ou de mera negligência de que pode revetir-se e necessário à integração do tipo subjectivo de um determinado ilícito, não pode ser levado a efeito em termos factuais directos, pois que o que aí está em causa é verdadeiramente uma questão de direito, não uma questão de facto.

VII – A afirmação daquele juízo de censura há-de extrair-se da globalidade dos factos descritos como sendo integradores da prática do ilícito, designadamente na sua dimensão objectiva.

VIII – A ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) tem como missão a promoção da melhoria das condições de trabalho, através, designadamente, da fiscalização do cumprimento das normas em matéria laboral, competindo-lhe, entre outras, a atribuição de assegurar o procedimento das contra-ordenações laborais (artº 2º/1/2k de Decreto Regulamentar 47/2012, de 31/07).

IX – Compete à ACT o procedimento das contra-ordenações por violação de norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima (artº 2º/1/a da Lei 107/2009, de 14/09).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

A autoridade recorrida condenou a recorrente, em cúmulo jurídico, na coima única de € 6.000, pela prática das seguintes infracções:
a) contra-ordenação muito grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 79º/1 e 171º/1 da Lei 98/2009, de 4/9 (LAT/09), 554º/4/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 3.500 euros – processo 131100390;
b) contra-ordenação grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 215º/1/5 e 554º/3/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 800 euros – processo 131100392;
c) contra-ordenação grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 202º/1/5 e 554º/3/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 800 euros – processo 131100394;
d) contra-ordenação muito grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 12º/1/2 e 554º/4/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 3.500 euros – processo 131100396.
Inconformada, deduziu a arguida impugnação judicial, na sequência da qual foi proferida sentença que manteve integralmente a decisão da autoridade administrativa e a condenação da recorrente pela autoria daquelas contra-ordenações (fls. 370 a 381).
Mais uma vez inconformada, a arguida interpôs recurso para esta Relação, pugnando pela sua absolvição da autoria das contra-ordenações por cuja condenação se decidiu a primeira instância.
Apresentou para tanto as conclusões seguidamente transcritas:
[…]
Neste tribunal da Relação, o Ministério Público entende que o recurso não deve ser conhecido ou deve improceder.
*
II) Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir no âmbito deste recurso:
1ª) se o recurso é admissível em toda a sua dimensão;
2ª) se a sentença padece do vício de erro notório de apreciação da prova;
3ª) se a decisão administrativa é nula por violação do direito de audiência e defesa da recorrente decorrente do facto se ter desconsiderado prova documental e testemunhal produzida pela recorrente com vista à demonstração da existência de um seguro de acidentes de trabalho que abrangia F...;
4ª) se a decisão administrativa é nula por dela não constarem factos que permitam concluir no sentido de que com o seu comportamento a arguida retirou para si benefício económico ou causou qualquer tipo de prejuízo ao trabalhador;
5ª) se a decisão administrativa é nula por dela não constarem factos que permitam concluir no sentido de que está verificado o elemento subjectivo das contra-ordenações pelas quais a recorrente foi condenada e que ainda estão em consideração;
6ª) se a sentença recorrida é nula por ausência de fundamentação do nela decidido no sentido de que não deveria ser acolhido o entendimento da recorrente de que a ACT não tinha competência para qualificar como sendo de trabalho subordinado a relação intercedente entre a recorrente e F...;
7ª) se a ACT não tinha competência para qualificar como sendo de trabalho subordinado a relação intercedente entre a recorrente e F... ou se, tendo-a, violado é o princípio da separação de poderes e a competência reservada dos tribunais para qualificarem uma determinada relação como sendo de trabalho subordinado;
8ª) se a decisão administrativa é nula por violação do princípio da consumpção de infracções e do direito de oblação voluntária;
9ª) saber se a relação contratual entre F... e a recorrente era de trabalho subordinado;
10ª) saber se recorrente cometeu a contra-ordenação correspondente à falta de transferência para entidade legalmente habilitada da responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que vitimassem F....
*
III) Fundamentação

A) De facto.

Transcrevem-se de seguida os factos dados como provados no tribunal recorrido:
[…]
*
B) De direito

Primeira questão: se o recurso é admissível em toda a sua dimensão.

Nos termos do disposto no artigo 49º/1/a da Lei 107/09, de 14/09, o recurso para a Relação só pode ser interposto se for aplicada ao arguido uma coima superior a 25 Ucs; nos termos do artigo 49º/3 do mesmo diploma, se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a alguns dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.
Norma idêntica consta do artigo 73º/3 do RGCO (DL 433/82, de 27/10, na sua actual redacção).
Embora em cúmulo jurídico tenha sido aplicada à recorrente uma coima única de € 6.000, o facto é que o valor de cada uma das várias coimas concretamente aplicadas por referência às contra-ordenações graves (processos 131100392 e 131100394) não ultrapassou as 25 Ucs.
Considerando que os pressupostos necessários para a impugnação da decisão de 1ª instância para a Relação se devem verificar em relação a cada uma das infracções, tem de se concluir, no caso em apreço, pela inadmissibilidade do recurso em relação a todas as contra-ordenações relativamente às quais se fizeram corresponder coimas parcelares de valor inferior a 25 Ucs, que são aquelas pelas quais a recorrente foi condenada pelo tribunal recorrido relativamente à matéria que estava em discussão nos processos 131100392 (contra-ordenação grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 215º/1/5 e 554º/3/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 800 euros) e 131100394 (contra-ordenação grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 202º/1/5 e 554º/3/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 800 euros).
Por outro lado, a recorrente não invoca em relação a essas concretas contra-ordenações qualquer circunstância que permitisse sustentar que a admissibilidade do presente recurso fosse manifestamente necessária para a melhoria da aplicação do direito ou para a uniformização da jurisprudência (49º/2 da Lei 107/09, de 14/09).
Como assim, em relação a essas contra-ordenações não deve tomar-se conhecimento do recurso.
+
Subsiste, como objecto do recurso, a matéria correspondente à contra-ordenação muito grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 79º/1 e 171º/1 da LAT/09, 554º/4/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 3.500 euros (processo 131100390), bem como à contra-ordenação muito grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 12º/1/2 e 554º/4/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 3.500 euros (processo 131100396).

*
Segunda questão: se a sentença padece do vício de erro notório de apreciação da prova.

Comece por referir-se que o Tribunal da Relação, em regra e no âmbito dos recursos de contra-ordenação laboral, apenas conhece de direito, por força do disposto no art. 51º/1 da Lei 107/09, de 14/9.
Ressalva-se dessa regra a apreciação oficiosa que o Tribunal da Relação deve levar a efeito dos vícios enunciados no art. 410º/2/3 do CPP, aplicável ex-vi dos arts. 41º/1 e 74º/4 do DL 433/82, de 27/10, na redacção do DL 244/95, de 14/9 – cfr. acórdão do STJ de 19/10/95 (DR, 1ª série, A, de 28/12/95) que fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410º/2 do CPP, mesmo que o objecto do recurso se encontre limitado à matéria de direito.
Nos termos desse art. 410º/2/3:
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 – O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”.
Não sendo caso de aplicação do nº 3 acabado de transcrever, por não ter sido arguida pela recorrente, nem se vislumbrar, qualquer inobservância do tipo da nela enunciada, importa determinar se a sentença recorrida padece de algum dos vícios enunciados no transcrito nº 2.
Diga-se, antes de mais, que os vícios em questão não podem ser confundidos com uma divergência entre a convicção alcançada pela recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela convicção que, nos termos do art. 127º do CPP e com respeito, designadamente, pelo disposto no art. 125º do CPP, o Tribunal a quo alcançou sobre os factos.
Por outro lado, tem sido jurisprudência constante dos nossos tribunais superiores a de que os vícios enumerados no art. 410º/2 do CPP representam anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, devendo ser apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, designadamente depoimentos exarados no processo ou documentos juntos ao mesmo, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito – v.g. acórdãos do STJ de 21/3/2013, proferido no âmbito da revista 321/11.7PBSCR.L1.S1, de 15/11/2012, proferido no âmbito da revista 5/04.2TASJP.P1.S1., de 8/11/2006, proferido no âmbito da revista 3102/06, de 5/3/97, BMJ 465º, p. 407, de 8/1/97, BMJ 463º, p. 189, de 11/6/92, BMJ 418º, p. 478, de 31/1/90, BMJ 393º, p. 333.
Trata-se de jurisprudência pacífica e consolidada, não se vislumbrando fundamento suficiente para dela divergir.
Cumpre, assim, exclusivamente com base na sentença recorrida, conjugada com as regras de experiência comum, indagar se aquela decisão padece dos apontados vícios.
Comece por referir-se que este Tribunal não divisa qualquer regra de experiência comum que, conjugada com a sentença, permita concluir no sentido da verificação dos vícios em questão.
Lida a sentença recorrida, também não se descortina em que parte enferma ela de tais vícios.
Na verdade, começando pelo da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 410º/2/a CPP), é sabido que o mesmo só tem lugar quando da factualidade vertida na decisão se retira faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – acórdão do STJ de 6/4/00, BMJ 496, p.169.
Por outras palavras, este vício só tem lugar quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação, pronúncia ou, no caso das contra-ordenações, da decisão da autoridade administrativa – cfr. acórdãos do STJ 4/10/2006, proferido no âmbito do processo 06P2678, de 05/9/2007, proferido no âmbito do processo 2078/07, e de 14/11/2007, proferido no âmbito do processo 3249/07.
Na verdade, como escreve o Prof. Germano Marques da Silva “É necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.” - Curso de Processo Penal, Verbo, 2000, III Vol., pp. 339 e 340.
Assim, há que averiguar se o tribunal, cingido ao objecto do processo delimitado pela decisão da autoridade administrativa, mas vinculado ao dever da descoberta da verdade material (art. 340º do CPP), desenvolveu todas as diligências e indagou todos os factos que deveria ter desenvolvido e indagado, concluindo-se pela verificação do vício em apreço quando houver factos relevantes para a decisão, alegados pela acusação e pela defesa ou resultantes da discussão, mas que indevidamente foram descurados na investigação do tribunal, que, assim, se não apetrechou com a base de facto indispensável, seja para condenar, seja para absolver – acórdão da Relação do Porto de 6/11/1996, proferido no âmbito do processo 9640709.
Ora, analisando a sentença recorrida não se detecta na mesma qualquer lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito tomada.
Por outro lado, não se descortina qualquer outra diligência que devesse ter sido realizada ou qualquer outra matéria de facto relevante para a decisão que devesse ter sido indagada e que, indevidamente, o tribunal recorrido não realizou ou não indagou.
Como assim, não se verifica na sentença recorrida o vício em apreciação.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410º/2/b), distintas da falta de fundamentação, respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto, podendo existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, assim como entre a fundamentação probatória da matéria de facto - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pp. 341/342.
Este vício ocorre, pois, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Nenhuma situação desse tipo se regista na situação em apreço.
Aliás, como já dito, a divergência da recorrente relativamente ao sentido com que foi valorada a prova produzida e aos factos que com base nela foram dados como provados não evidencia qualquer contradição do tipo da que apreciamos neste momento.
Refira-se, a propósito, que o facto de uma testemunha oferecida pela recorrente ter revelado na audiência, segundo se lê na fundamentação da sentença recorrida, entender que “…não havia um horário de trabalho rígido e estabelecido para o exercício de funções” relativamente a F..., não é absolutamente contraditório com o facto de se ter dado como provado um tal horário – é este, do nosso ponto de vista, o único ponto em que poderiam suscitar-se fundadas dúvidas sobre a real existência de uma contradição do tipo da que está em análise.
Com efeito, o referido depoimento testemunhal foi, apenas, um dos meios de prova produzido em audiência, além de que dos autos contavam múltiplos elementos de prova documental.
Por isso, apesar daquele entendimento da testemunha no sentido de que o horário não existia, o referido horário podia realmente existir e ter sido imposto pela recorrente, o que, aliás, se releva compatível com a presença de F... no local de prestação da sua actividade, de manhã e de tarde, conforme igualmente terá sido afirmado pela testemunha, segundo igualmente se lê na dita fundamentação.
De resto, para lá dessa testemunha uma outra foi inquirida no decurso da audiência, justamente o autor dos autos de notícia de que emergiram estes autos – Pedro Alexandre Julião  – e que também se mostram invocados na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto do tribunal recorrido, desconhecendo este tribunal o que a respeito de tal horário terá sido declarado por essa outra testemunha, designadamente a propósito da existência desse horário que fez consignar no ponto 8 do auto por si elaborado e que consta de fls. 285 a 287.
Não se divisa, e a recorrente não se encarrega de o demonstrar, que exista na sentença recorrida qualquer outra contradição do tipo da que está em análise.
Finalmente, o erro notório na apreciação da prova (art. 410º/2/c) verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, p. 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão e que consiste, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., p. 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão da recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cfr. acórdão do STJ de 9/7/1998, proferido no âmbito do processo 1509/97).
Diga-se, ainda, que não traduz qualquer erro notório o facto de o tribunal ter dado credibilidade a determinadas declarações e/ou meios de prova produzidos, em detrimento de outras.
Ora, lida a sentença recorrida, não vislumbramos nela qualquer erro do tipo acabado de apontar.
O facto de a recorrente valorar a prova produzida em audiência em termos diversos daqueles em que a mesma foi valorada pelo tribunal recorrido no que toca aos pontos 6[1], 15[2], 17[3]  e 18[4] dos factos provados, não é suficiente para se concluir no sentido de que se regista o erro notório que se vem apreciando.
Aquela omissão de transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho não é absolutamente desmentida por qualquer meio de prova invocado na decisão recorrida, em termos de poder concluir-se no sentido de que o tribunal recorrido errou manifestamente na apreciação da prova produzida.
Por outro lado, não existe prova absoluta nos autos, ao contrário do sustentado pela recorrente, que tenha chegado a qualquer seguradora de acidentes de trabalho que tivesse contratado com a recorrente um seguro desse tipo, qualquer folha de férias que incluísse F...; a recorrente nem sequer identifica o documento que, no seu entender, faria aquela prova absoluta e se a mesma pretendia reportar-se ao que consta de fls. 49, é manifesto que o mesmo não é minimamente apto a fazer a prova da transferência que foi dada como provada, por se tratar de mero documento interno da recorrente em relação ao qual não existe o mínimo indício de que o mesmo tenha chegado à esfera de conhecimento da seguradora nele mencionada.
Como já dito, a existência daquele horário de trabalho não é absolutamente incompatível com o entendimento revelado em audiência, segundo se lê na fundamentação da sentença recorrida, por uma testemunha oferecida pela recorrente no sentido de que “…não havia um horário de trabalho rígido e estabelecido para o exercício de funções” relativamente a F..., sendo aliás compatível com a presença de F... no local de prestação da sua actividade, de manhã e de tarde, conforme igualmente terá sido afirmado pela testemunha, segundo igualmente se lê na dita fundamentação.
De resto, como também já dito, para lá dessa testemunha uma outra foi inquirida no decurso da audiência, justamente o autor dos autos de notícia de que emergiram estes autos – Pedro Alexandre Julião – e que também se mostram invocados na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto do tribunal recorrido, desconhecendo este tribunal o que a respeito de tal horário terá sido declarado por essa outra testemunha, designadamente a propósito da existência desse horário que fez consignar no ponto 8 do auto por si elaborado e que consta de fls. 285 a 287.
Em matéria de férias, não se divisa qualquer contradição entre o que consta da fundamentação da decisão recorrida, onde se invocam documentos comprovativos de pedidos de férias por parte de F... (cfr. documentos de fls. 294, 295 e 296) e um depoimento testemunhal no sentido da inclusão do mesmo em mapas de férias (cfr. também documento de fls. 293), e o que nela foi dado como provado no ponto 17º dos factos provados.
No que toca a ordens e instruções a que F... estava sujeito, importa referir que uma das testemunhas inquiridas em audiência revelou, segundo se lê na própria fundamentação da decisão recorrida, que existiam instruções ao nível da coordenação.
A par disso, invocam-se no ponto III da fundamentação da decisão recorrida (fls. 375), um conjunto de documentos que foram valorados pelo tribunal recorrido no âmbito do julgamento da matéria de facto, bem podendo suceder que da valoração deles tenha resultado a convicção do tribunal recorrido sobre a existência daquelas ordens e instruções, estando este tribunal impedido, como supra evidenciado, de se socorrer de qualquer elemento externo à sentença recorrida para efeitos de poder afirmar a existência do erro notório em apreço.
De resto, o teor documental de fls. 297 a 300 indicia, a nosso ver e coincidentemente com o que a respeito foi decidido pelo tribunal recorrido, a sujeição de F... a ordens e instruções
Nada se sabe, finalmente, do que foi declarado em audiência pelo autor dos autos de notícia de que emergiram estes autos – Pedro Alexandre Julião  – e que também se mostram invocados na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto do tribunal recorrido, designadamente a propósito do que fez consignar no ponto 11 do auto por si elaborado e que consta de fls. 285 a 287.
Finalmente, a decisão de dar como provado o que consta dos pontos 6, 15, 17 e 18 dos factos provados não se revela ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, do mesmo modo que dela não emerge ter sido dado como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou que é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo.
Concluindo, dir-se-á que no caso em apreço não estamos perante qualquer dos vícios previstos no art. 410º/2 do CPP, bem como não ocorre qualquer nulidade do tipo das previstas no nº 3 do mesmo artigo
Como assim, subsiste intocada a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância.
*
Terceira questão: se a decisão administrativa é nula por violação do direito de audiência e defesa da recorrente decorrente do facto se ter desconsiderado prova documental e testemunhal produzida pela recorrente com vista à demonstração da existência de um seguro de acidentes de trabalho que abrangia F....

A resposta a esta questão tem de ser negativa.
Com efeito, em termos de direito de audiência e defesa por parte do arguido em sede de processo contra-ordenacional, prescreve o art. 50º do DL 433/82, de 27 de Outubro, na sua actual redacção, que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.”.
Assim, esse artigo 50º exige que sejam comunicados ao arguido, designadamente, os factos que lhe são imputados, a sua qualificação jurídica e sanções eventualmente aplicáveis, por forma a que o arguido tome efectivo conhecimento da totalidade dos aspectos relevantes para a decisão a proferir posteriormente, assim se lhe facultando a possibilidade real de apresentar os seus pontos de vista quanto às imputações que lhe são feitas, contraditar as provas contra si apresentadas, apresentar novas provas, pedir a realização de outras diligências e debater a questão de direito em causa (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional 537/2011, 352/98, 133/1992 e 172/1992).
Trata-se, assim, de uma imposição legal que tem de ser respeitada mesmo antes do exercício pelo arguido do contraditório que legalmente lhe assiste e, logo, antes da valoração dos meios de prova apresentados pelo arguido no exercício desse direito.
Logo por aqui se verifica que o eventual desacerto cometido no momento da valoração dos meios de prova produzidos pelo arguido ou a seu requerimento terá necessariamente de registar-se num momento posterior àquele em que ao arguido se faculta do exercício do seu direito de audição e de defesa; no momento dessa valoração o arguido já terá necessariamente exercido o seu direito de defesa.
Por isso mesmo, como parece evidente, esse eventual desacerto não implica qualquer violação desse direito do arguido, sem o exercício do qual, aliás, dificilmente se concebe que aquele desacerto possa ocorrer no que toca a meios de prova produzidos pelo arguido ou a seu requerimento.
Por outro lado, o citado art. 50º não impõe, seja às autoridades administrativas, seja aos tribunais, a obrigação de valorarem no sentido pretendido pelo arguido os meios de prova por este apresentados no exercício do seu direito de audição e defesa, mesmo que esses meios de prova não tenham sido contraditados por outros produzidos por outros sujeitos processuais ou a seu requerimento.
Saber se essa valoração dos meios de prova foi correcta ou incorrectamente efectuada, primeiro pelas autoridades administrativas, depois pelos tribunais, é questão que contende com o próprio mérito das decisões proferidas por aquelas e por estes na parte em que nelas se fixa a matéria de facto provada e não provada.
Assim, se se considerar que a valoração feita foi indevida, a consequência será a da alteração da matéria de facto no sentido imposto pela valoração que se tenha por acertada; não estará em causa, em nenhuma circunstância, qualquer nulidade decorrente da violação do direito de audição e defesa do arguido.
Improcede, assim, esta nulidade arguida pela recorrente.
*
Quarta questão: se a decisão administrativa é nula por dela não constarem factos que permitam concluir no sentido de que com o seu comportamento a arguida retirou para si benefício económico ou causou qualquer tipo de prejuízo ao trabalhador.

A resposta a esta questão deve ser negativa.
Começando pela questão referente ao benefício económico, importa dizer que ao contrário do sustentado pela recorrente, a decisão administrativa e a sentença recorrida descrevem suficientemente factos de onde se extraem benefícios económicos retirados pela recorrente das práticas contra-ordenacionais que ainda estão em consideração.
Esses benefícios económicos consistiram: a) nos montantes das contribuições para a segurança social que a recorrente deveria ter efectuado e não realizou (7.353 euros) – cfr. ponto 1.5.10 de fls. 75; b) nos valores, indeterminados, dos prémios de seguro de acidentes de trabalho que a recorrente teria de ter pago, mas não pagou, tendo em conta que não celebrou contrato de seguro que abrangesse F... (cfr. último parágrafo de fls. 77).
No que concerne ao “prejuízo do trabalhador”, comece por dizer-se que de entre as duas que estão ainda em consideração a única contra-ordenação que integra nos seus elementos típicos objectivos uma referência a um prejuízo para o trabalhador é a prevista no art. 12º/2 do CT/09.
Como assim só em relação a essa concreta contra-ordenação poderia eventualmente registar-se o vício em apreciação na parte em que está em causa a alegada inexistência de factos que suportem a conclusão de prejuízos causados ao trabalhador.
A contra-ordenação p. e p. no citado art. 12º/2 satisfaz-se, do ponto de vista da tipicidade objectiva, com a mera possibilidade de ser causado prejuízo ao trabalhador ou ao Estado, não exigindo a verificação efectiva desse prejuízo, nem a emergência de qualquer benefício económico para o infractor.
Ora, basta ler o ponto 1.5.10 da decisão administrativa para se verificar que a autoridade administrativa deu como provado que a indevida sujeição de F... ao regime do contrato de prestação de serviço causou ao Estado um prejuízo de 7.353 euros, correspondente às contribuições para a segurança social que não foram efectuadas por parte da recorrente que, assim, teve o benefício económico correspondente a essas contribuições que não pagou.
Por outro lado, nessa mesma decisão pode igualmente ler-se que por causa dessa indevida sujeição o trabalhador também sofreu um prejuízo correspondente à falta de protecção numa eventual situação de desemprego (fls. 77 vº).
Como assim, a decisão administrativa não padecia do vício que lhe é assacado pela recorrente e que está em apreciação, dele não padecendo, igualmente, a sentença recorrida que não reconheceu tal vício e, também por isso, confirmou a decisão administrativa impugnada.
+
Resta dizer, a propósito e contrariamente ao alegado pela recorrente no âmbito da questão em apreço, que a decisão administrativa condenatória: a) expõe os fundamentos de facto que sustentam a condenação por ela imposta, com enumeração dos factos provados e, por exclusão, dos não provados (alínea D de fls. 72 vº a 75); b) expõe os fundamentos jurídicos que sustentam a condenação por ela imposta  e a medidas das coimas parcelares e única aplicadas (alíneas E e F de fls. 72 vº a 78); c) procede a uma análise dos elementos de prova produzidos (alínea C de fls. 67 a 72) e enuncia os meios de prova que foram considerados na fixação da matéria de facto provada (primeiro parágrafo da alínea D de fls. 72 vº a 75).
Não se registam, pois, os vícios associados a tais omissões arguidas pela recorrente mas que, em rigor, não se registam.
*
Quinta questão: se a decisão administrativa é nula por dela não constarem factos que permitam concluir no sentido de que está verificado o elemento subjectivo das contra-ordenações pelas quais a recorrente foi condenada e que ainda estão em consideração.

A resposta a esta questão deve ser negativa.
Comece por referir-se que a afirmação de um juízo censório de culpa, nas modalidades de dolo ou de mera negligência de que pode revestir-se e necessário à integração do tipo subjectivo de um determinado ilícito, não pode ser levado a efeito em termos factuais directos, pois que o que aí está em causa é verdadeiramente uma questão de direito, não uma questão de facto.
A afirmação daquele juízo de censura há-de extrair-se da globalidade dos factos descritos como sendo integradores da prática daquele ilícito, designadamente na sua dimensão objectiva.
Por outras palavras, a culpa não pode ser objecto de prova judicial, a qual deve incidir exclusivamente sobre os factos com base nos quais se deve sustentar o juízo de censura em que aquela assenta – Isabel Ribeiro Parreira, Concretização do conceito de justa causa do despedimento no sector bancário: análise da jurisprudência publicada, in RDES, ano XLVII, nº´s 1 e 2, p. 90.
Na verdade, como vem sendo entendido,  os elementos subjectivos dos tipos de ilícito pertencem ao foro interno do agente, sendo insusceptíveis de apreensão directa, e por isso, na ausência de confissão, têm de ser inferidos dos factos materiais que, provados, apreciados segundo a livre convicção do julgador e em conjugação com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência.
Os actos interiores ou factos internos, que respeitam à vida psíquica, raramente se provam directamente. Na ausência de confissão, a prova dos elementos subjectivos dos tipos de ilícito terá de fazer-se indirectamente[5] por ilações, a partir de outros factos provados, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente – sobre esta temática, no sentido acabado de apontar, podem consultar-se o acórdão da Relação do Porto de 23/02/83, BMJ 324°, p. 620, acórdão da Relação do Porto de 3/4/2013, proferido no âmbito do processo 140/08.8TAOAZ.P1, acórdão da Relação do Porto de 24/9/2014, proferido no âmbito do processo 510/12.7JAPRT.P3, acórdão da Relação de Coimbra de 30/1/2013, proferido no âmbito do processo 196/10.3PTLRA.C1, acórdão da Relação de Coimbra de 16/11/2005, proferido no âmbito do processo n° 3380/05, acórdão da Relação de Guimarães de 30/5/2005, proferido no âmbito do processo 538/05-2, acórdão da Relação de Évora de 19/12/2013, proferido no âmbito do processo 119/12.5GBRMZ.E1, acórdão do STJ de 25/09/97, proferido no âmbito do processo 479/97, acórdão do STJ de 1/4/93, BMJ 426, p. 154 .
Ora, da leitura isolada de toda a proposta de decisão integrada na decisão administrativa condenatória em causa nestes autos extrai-se com clareza que do ponto de vista da autoridade administrativa, estava provado o seguinte: a) a recorrente tinha ao seu serviço F..., com sujeição do mesmo ao regime jurídico do contrato de prestação de serviço, sendo que, no entender da autoridade administrativa e pelas razões de facto e de direito por si enunciadas, o referido indivíduo deveria ser qualificado como trabalhador subordinado da recorrente; b) a recorrente não tinha transferido para entidade legalmente habilitada para o efeito, a responsabilidade civil por acidente de trabalho que vitimasse F... ao seu serviço; c) na resposta que apresentou ao auto de notícia levantado no processo 131100396 que corresponde ao descrito na alínea a), a recorrente sustentou que o referido indivíduo não era seu trabalhador subordinado, antes deveria ser considerado mero prestador de serviço, pelo que não teria sido cometida a contra-ordenação referida nesse auto de notícia, tendo a recorrente arrolado e produzido prova tendente a demonstrar que F... não era trabalhador subordinado, antes era mero prestador de serviço[6]; d) na resposta que apresentou ao auto de notícia levantado no processo 131100390, a recorrente sustentou que não estava obrigada a possuir em relação ao mesmo indivíduo qualquer seguro de acidentes de trabalho, posto que o mesmo não era seu trabalhador subordinado, razão pela qual não teria sido cometida a contra-ordenação referida nesse auto de notícia[7].
Também se extrai da referida proposta de decisão que a recorrente transferiu para uma seguradora a sua responsabilidade civil por acidentes de trabalho que vitimassem os seus trabalhadores, através de um contrato de seguro na modalidade de “folhas de férias”, contrato esse que, no entanto e segundo o que foi dado como provado na decisão administrativa[8], não abrangia F....
Tudo conjugado, é forçoso concluir no sentido de que a recorrente actuou, pelo menos, sem o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, ao sujeitar aquele indivíduo ao regime de prestação de serviço e ao não ter transferido para uma seguradora a responsabilidade emergente de eventual acidente de trabalho que o afectasse.
Em face do exposto, a decisão administrativa impugnada continha elementos factuais com base nos quais poderia seguramente concluir-se que a recorrente actuou, pelo menos[9], com negligência, ao sujeitar aquele indivíduo ao regime de prestação de serviço e sem transferência para entidade habilitada da responsabilidade por acidentes de trabalho que o vitimassem, com o consequente preenchimento do elemento subjectivo do tipo das contra-ordenações pelas quais foi condenada e que ainda estão em apreciação.
Não se regista, assim, a nulidade da decisão administrativa arguida pela recorrente e que agora está em análise.
Ao acolher e confirmar integralmente a decisão da autoridade administrativa, sem reservas de qualquer espécie, a sentença recorrida fez seu, ao menos de modo implícito, o entendimento sustentado naquela decisão no sentido de que a recorrente preencheu, na forma de negligência, os elementos típicos subjectivos dos tipos de contra-ordenação pelas quais a recorrente foi condenada e entre as quais se contam as que ainda estão em consideração.
Como assim, nem a decisão da autoridade administrativa, nem a sentença que a confirmou incorreram em qualquer vício decorrente do facto de não estarem preenchidos, em face do teor daquelas decisões, os elementos típicos subjectivos dos tipos de contra-ordenação por cuja autoria a recorrente foi condenada e que ainda estão em apreço.
*
Sexta questão: se a sentença recorrida é nula por ausência de fundamentação do nela decidido no sentido de que não deveria ser acolhido o entendimento da recorrente de que a ACT não tinha competência para qualificar como sendo de trabalho subordinado a relação intercedente entre a recorrente e F....

A resposta a esta questão deve ser negativa.
Lê-se a respeito na sentença recorrida: “Em terceiro lugar, abordo os “vícios que deverão determinar a nulidade ou, minime, a anulação da decisão, por incompetência material da ACT para a qualificação de contratos existentes entre as partes”. A Autoridade para as Condições do Trabalho, sustenta agora a recorrente, “não pode aprioristicamente qualificar determinada situação contratual como sendo de natureza laboral ”, e isto porque “só após essa qualificação efectuada por um tribunal (no caso de trabalho) poderá a ACT” autuar por essa infracção. Trata-se de uma incompetência, porque está em causa uma relação jurídica privada posta em crise por terceiros sem autoridade para tal, pelo que o auto é “inexistente”. 110, 111, 202, 204, 205, 266 da Constituição da República Portuguesa e vários preceitos da Lei de  Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, para dizer que só os tribunais do trabalho poderiam efectuar tal caracterização. Admito seriamente a possibilidade de não ter logrado compreender o sentido e alcance desta arguição, pois que, como a apreendi, trata-se da invocação do princípio da separação de poderes para obter, por mero raciocínio falacioso, uma autêntica perversão do sistema. Se o inspector da Autoridade para as Condições do Trabalho não pode, sem prévio pronunciamento de um tribunal do trabalho, e na sequência e visita inspectiva, autuar um empregador pela prática da infracção muito grave prevista pelo art.º 12º do código do trabalho, então não há nenhum organismo nem ninguém que possa levar ao tribunal, em primeira mão, a notícia do cometimento de tal infracção, pelo que jamais alguém – excepto a própria vítima – poderia denunciar a prática de uma contra-ordenação laboral. Semelhante raciocínio levaria, assim, a que o agente policial que quisesse proceder à detenção do “suspeito” que havia acabado de cometer um assassínio, o não pudesse, em prol da separação de poderes, fazer, excepto após a condenação daquele perpetrador por decisão de tribunal criminal, e passada em julgado; aliás, e continuando, o policia em causa estaria, ele mesmo, a cometer um ilícito, não facultando ao cidadão em causa o direito à presunção de inocência, valendo ao agente da lei, em última instância, que ninguém o poderá, igualmente, arguir, enquanto ele próprio não tivesse sido condenado. Efectivamente, com estes critérios, é desnecessário insistir em reformas judiciárias, pois que o país viveria em permanente disputa judicial, sem jamais ser possível tomar qualquer decisão. Na proposta de decisão, no capítulo dedicado à ponderação dos argumentos apresentados pela defesa da arguida, explica a instrutora do processo da Autoridade para as Condições do Trabalho quais os normativos que lhe dão competência para autuar – aos quais eu próprio acrescentaria que não só lhe conferem competência como antes lhe impõem o dever de agir, uma vez constatada directamente a infracção, como foi o caso – sem que estejam violados quaisquer princípios constitucionais. Através do meio próprio, como o é o presente recurso, a empresa arguida poderá submeter, à apreciação do Tribunal do Trabalho, o auto em causa.”.
Em face de quanto acaba de descrever-se, seja por si mesma, seja por via da remissão que nela se faz para o que a respeito desta questão se discorreu na proposta de decisão acolhida na decisão administrativa (fls. 71 a 72 vº), evidente se nos afigura que a sentença recorrida fundamentou o seu entendimento de que não assistia razão à recorrente na parte em que esta sustentou que a ACT não tinha competência para qualificar como sendo de trabalho subordinado a relação intercedente entre a recorrente e F....
Pode discordar-se dessa fundamentação; pode mesmo considerar-se que a fundamentação é resumida.
O que não pode seguramente dizer-se é que a decisão não contém qualquer espécie de fundamentação, sendo a esse propósito totalmente omissa, como seria pressuposto para poder acolher-se a pretensão da recorrente no sentido de à sentença recorrida ser assacado o vício de falta de fundamentação.
*
Sétima questão: se a ACT não tinha competência para qualificar como sendo de trabalho subordinado a relação intercedente entre a recorrente e F... ou se, tendo-a, violado é o princípio da separação de poderes e a competência reservada dos tribunais para qualificarem uma determinada relação como sendo de trabalho subordinado.

A resposta a esta questão deve ser negativa.
Comece por dizer-se que a questão da competência em apreço deve ser aferida pelos normativos em vigor Junho de 2011, data da instauração dos procedimentos contra-ordenacionais que deram origem à condenação da recorrente pelas contra-ordenações que ainda estão em apreço.
É sabido que a ACT tem como missão a promoção da melhoria das condições de trabalho, através, designadamente, da fiscalização do cumprimento das normas em matéria laboral, competindo-lhe, entre outras, a atribuição de assegurar o procedimento das contra-ordenações laborais (art. 2º/1/2/k do Decreto Regulamentar 47/2012, de 31 de Julho).
Compete à ACT o procedimento das contra-ordenações por violação de norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima (art. 2º/1/a da Lei 107/2009, de 14 de Setembro).
Finalmente, compete aos inspectores do trabalho levantar autos de notícia e participações, relativamente a infracções constatadas no exercício das respectivas competências (art. 10º/1/d da Lei 107/2009, de 14 de Setembro).
Evidentemente que a competência deferida aos inspectores do trabalho no sentido de procederem ao levantamento de autos de notícia e de tramitarem os correspondentes processos contra-ordenacionais sempre que se deparem com situações de facto subsumíveis ao estatuído no art. 12º/2 do CT/09, tem subjacente a competência que implicitamente lhes é reconhecida de indagarem, examinarem e qualificarem todos os factos necessários para a integração dos elementos típicos de tal infracção, entre os quais se conta o de estar em causa uma relação de trabalho subordinado.
Por isso, tinha a ACT, como ainda tem, a competência para indagar e apurar se uma dada relação é ou não de trabalho subordinado, tendo em vista decidir no sentido do levantamento ou não de um auto de notícia correspondente a uma contra-ordenação do tipo da que está em análise.
Aliás, o mesmo se passa em relação a todas as outras contra-ordenações cuja comissão pressuponha a existência de uma relação de trabalho subordinado.
Por outro lado, não acompanhamos a recorrente no seu entendimento de que o reconhecimento à ACT de uma tal competência viola o princípio da separação de poderes, bem assim como as normas legais e constitucionais enunciadas no art. 93º das alegações de recurso.
Com efeito, nem aquele princípio, nem estas normas reservam para os tribunais, concretamente para os de trabalho, a competência exclusiva para qualificarem como sendo de trabalho subordinado uma dada relação jurídica, especialmente quando tal qualificação é pressuposto básico para poder sustentar-se o preenchimento dos elementos típicos de uma determinada infracção contra-ordenacional.
A ser de outro modo e a acolher-se a tese da recorrente, a ACT nunca teria competência para levantar qualquer auto de notícia correspondente a qualquer tipo de contra-ordenação cuja comissão tenha por pressuposto básico o da existência de uma relação daquela natureza (v.g., por violação do direito a férias, por violação dos limites à prestação de trabalho suplementar, por violação da obrigação de comunicação do horário de trabalho …).
No limite e ad absurdum, a tese da recorrente levaria a sustentar que nenhum agente policial poderia levantar um auto de notícia referente a uma determinada infracção criminal pública que considerasse ter sido praticada por determinados factos por si presenciados pois que, como é sabido, compete reservadamente aos tribunais decidir no sentido de que uma infracção desse tipo foi cometida e punir o seu autor; identicamente e por causa dessa competência reservada dos tribunais, nenhum Magistrado do Ministério Público poderia deduzir acusação pela prática de uma determinada infracção criminal pública.
Por outro lado, a competência que é deferida à ACT e que ora está em causa não é definitiva, no sentido de que lhe compete em última instância a qualificação de uma dada relação como sendo de trabalho subordinado.
Na verdade, essa competência definitiva cabe, em última instância, aos tribunais do trabalho, para os quais é sempre admissível recurso das decisões da ACT que partindo daquela qualificação condenem aquele que se mostre incurso na previsão típica do art. 12º/2 do CT/09 (art. 32º da Lei 107/09).
A significar que em caso de divergência entre os sujeitos processuais envolvidos (ACT e arguidos), a competência final para decidir tal divergência e para a qualificação de uma dada relação como de trabalho subordinado ou de prestação de serviço compete reservadamente aos tribunais, com pleno respeito, assim, pelo princípio da separação de poderes e da prevalência das decisões judiciais sobre as das demais entidades públicas e privadas.
Neste enquadramento, fica respeitado o princípio da separação de poderes, bem assim como a competência reservada dos tribunais para qualificar definitivamente uma dada relação jurídica como sendo de trabalho subordinado.
+
De resto, ao contrário do sustentado pela recorrente, a Lei 63/2013, de 27/8, não introduziu qualquer alteração relevante neste campo das competências da ACT para qualificar como de trabalho subordinado uma dada relação jurídica.
Na verdade, foi cometida à ACT a competência para desencadear o procedimento previsto no art. 15º-A da Lei 107/09, de 15/9, sendo que a iniciativa legalmente imposta da  instauração desse procedimento depende da prévia qualificação que a ACT faça da relação em apreciação como sendo de trabalho subordinado (art. 2º/3 da Lei 107/09), com o consequente reconhecimento implícito à ACT de competência para o efeito.
Por outro lado, essa Lei 63/2013 não introduziu qualquer alteração nas competências da ACT para desencadearem os procedimentos contra-ordenacionais correspondentes ao disposto no art. 12º/2, tendo-se limitado a determinar que a acção para o reconhecimento de contrato de trabalho suspende, até ao trânsito da decisão a proferir na mesma, o procedimento contra-ordenacional ou a execução com ele relacionada.
Como assim: a) continua a competir à ACT a competência para iniciar e fazer prosseguir o procedimento contra-ordenacional correspondente à contra-ordenação prevista no citado art. 12º/2, com reconhecimento implícito da competência da ACT para qualificar uma dada relação como sendo de trabalho subordinado; b) se e enquanto não for proposta pelo MP a acção de reconhecimento do contrato de trabalho, não se verifica qualquer causa de suspensão do procedimento contra-ordenacional, que deve prosseguir integralmente os seus termos sob impulso da ACT.
+
Cumpre referir, ainda, que no caso em apreço não resulta dos factos provados, nem da análise do autos, que tenha sido instaurada qualquer acção de reconhecimento do contrato de trabalho.
Por isso mesmo, ainda que pudesse admitir-se a aplicação imediata do regime da Lei 63/2013 à situação em apreço, designadamente no que toca ao regime suspensivo decorrente do art. 15º-A/4 da Lei 107/09, o certo é que tal suspensão só poderia ser decretada mediante comprovação nos autos da referida acção.
Essa comprovação não se mostra feita, seja pela recorrente, seja pelo MP junto do tribunal recorrido, a quem competia a proposição dessa acção.
Logo, não poderia ter lugar a dita suspensão pela qual a recorrente pugna nas suas alegações de recurso por falta de verificação do pressuposto de que a mesma depende absolutamente – estar pendente a acção de reconhecimento do contrato de trabalho.
+
Uma nota para sublinhar que a questão da aplicação da Lei 63/2013 à situação dos autos não foi colocada ao tribunal recorrido na impugnação da decisão administrativa apresentada pela recorrente, de resto em momento anterior ao da publicação dessa Lei, nem em qualquer requerimento apresentado por qualquer sujeito processual depois da publicação dessa lei e que dos autos conste.
Por outro lado, não se mostra comprovada nos autos a proposição de qualquer acção de reconhecimento de contrato de trabalho.
Como assim, ao não abordar explicitamente a questão da imediata aplicabilidade da referida Lei 63/2013 à situação dos autos e ao não decretar a sua suspensão, não incorreu o tribunal recorrido em qualquer vício de nulidade do tipo dos enunciados no art. 379º/a/c do CPP.
+
De tudo flui, pois, que não se verificam os vícios arguidos pela recorrente a propósito da questão em apreço, nem quaisquer fundamentos para que devesse ter sido decretada qualquer espécie de suspensão do presente procedimento contra-ordenacional.
*
Oitava questão: se a decisão administrativa é nula por violação do princípio da consumpção de infracções e do direito de oblação voluntária.

Se bem percebemos o seu raciocínio, considera a recorrente que se verifica entre as diversas contra-ordenações que lhe são imputadas uma relação de concurso aparente, razão pela qual deveria ter sido punida com uma coima única.
Como assim, ao exigir-se-lhe, na fase inicial do procedimento contra-ordenacional, o pagamento de quatro coimas, correspondentes a outras tantas contra-ordenações que se consideravam ter sido cometidas, violou-se o direito da recorrente proceder à oblação voluntária por referência à coima única correspondente à contra-ordenação única que deveria considerar-se cometida por força do referido concurso aparente.
Por outro lado, ao ser condenada pela autoridade administrativa pela autoria daquelas quatro contra-ordenações em outras tantas e correspondentes coimas, violado foi, de novo, o princípio do que às contra-ordenações em relação de concurso aparente deve ser aplicada uma coima única.
Não acompanhamos a recorrente
Comece por recordar-se que apenas estão em causa, neste momento, as contra-ordenações correspondentes à falta de seguro de acidentes de trabalho e à qualificação como prestação de serviço de uma relação que materialmente deveria ser qualificada como de trabalho subordinado.
Por isso, só em relação a elas subsiste a possibilidade de ser apreciada a questão suscitada pela recorrente e que está agora em apreciação.
Trata-se aqui do tema da unidade e pluralidade de infracções, ou seja, do problema de saber quando é que o agente cometeu uma só ou mais do que uma infracção pelas quais deva ser punido.
Essa temática não é objecto de tratamento específico na Lei 107/09, de 14/9, e no DL 433/82, de 27/10, na sua actual redacção, que não definem os critérios determinativos da unidade ou pluralidade referidas, limitando-se o art. 19º deste último diploma a estabelecer o regime punitivo a aplicar nas situações de concurso de contra-ordenações, sem estabelecer quando se registam situações desse tipo.
Importa atender, por isso, ao art. 30º do CP e aos ensinamentos que a respeito dele têm sido expendidos – arts. 60º da Lei 107/09, de 14/9, e 32º do DL 433/82, de 27/10.
Decorre da primeira parte do art. 30º/1, que o número de ilícitos se determina pelo número de tipos de ilícito efectivamente cometidos (... pela conduta do agente) – estamos aqui perante o que se denomina de «concurso efectivo heterogéneo», decorrente de  violação de diversas normas incriminadoras, que pode ser ideal, quando está em causa apenas uma acção ou omissão, ou real, quando à pluralidade de infracções corresponde uma pluralidade de acções ou omissões[10].
Da segunda parte desse mesmo normativo resulta que o número de ilícitos se determina, igualmente, pelo número de vezes que o mesmo tipo de ilícito for preenchido pela conduta do agente – está em causa o denominado «concurso efectivo homogéneo» emergente de violações plúrimas da mesma norma incriminadora, que igualmente pode ser ideal ou real.
Assim, estaremos perante uma situação de concurso de ilícitos sempre que pelo mesmo (concurso ideal) ou diversificados (concurso real) comportamentos o agente preencha vários tipos de ilícito (concurso heterogéneo) ou preencha mais do que uma vez o mesmo tipo de ilícito (concurso homogéneo), tanto do ponto de vista objectivo, como do subjectivo.
Do exposto flui, assim, a regra segundo a qual existe uma pluralidade de ilícitos sempre que se preencham os elementos típicos enunciados em vários preceitos incriminadores, ou sempre que se preencham por diversas vezes os elementos típicos enunciados pelo mesmo preceito.
No caso em apreço, a recorrente preencheu os elementos típicos de duas normas que prevêem e punem distintas contra-ordenações, pelo que estaremos aqui perante uma situação de concurso efectivo real heterogéneo de contra-ordenações[11].
Estaremos, assim, no domínio da regra da pluralidade infraccional acima enunciada.
Existem situações, é certo, em que apesar da pluralidade de normas incriminadoras violadas ou da plúrima violação da mesma norma incriminadora, aquela regra da pluralidade infraccional deve ceder, tudo devendo passar-se como se uma só infracção houvesse ocorrido.
Reportamo-nos às situações de concurso aparente ou de unificação de condutas (v.g. infracção única, infracção continuada, infracção de trato sucessivo).
No caso em apreço é manifesto que não estamos perante uma situação de concurso aparente de infracções[12], que exige, ao contrário do que aqui ocorre, a aplicabilidade à mesma situação de facto de diferentes normas representativas de diversos tipos de infracção, encontrando-se a reacção punitiva devida pela violação concreta do bem jurídico tutelado por um deles suficientemente assegurada pela emergente da violação do tutelado por outro, caso em que não se justifica a aplicação da norma que protege o bem jurídico de “menor dimensão”.
Com efeito, são completamente diversos os interesses que se visam tutelar através dos dois tipos de contra-ordenação que ainda estão em causa.
Através do art. 12º/2 do CT/09 procuram tutelar-se interesses relacionados com a necessidade de a todos os trabalhadores subordinados ser assegurado o estatuto garantístico legal e convencionalmente reconhecido a tais trabalhadores, bem assim como os interesses públicos fiscais e parafiscais associados às relações de trabalho subordinado, com a consequente necessidade de combater, inclusivamente por via repressiva pública, práticas cada vez mais generalizadas de precarização dessas relações, sujeitando os trabalhadores, do ponto de vista formal, ao regime jurídico do trabalho independente, com prejuízos para os próprios e para o Estado.
Já através da previsão conjugada dos arts. 79º/1 e 171º/1 da LAT/09 procuram acautelar-se os interesses relacionados com a necessidade de ser garantida eficazmente a reparação infortunística das vítimas de acidentes de trabalho, que podem não ser trabalhadores subordinados (cfr. arts. 3º/3 e 184º da LAT/09), colocando-os a coberto de riscos de insolvência daqueles para quem era prestada a actividade no momento do acidente, com a consequente necessidade de combater, inclusivamente por via repressiva pública, práticas de não transferência para entidades habilitadas da responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho.
Como assim, tipos de contra-ordenação distintos, a tutelar interesses distintos, sem que entre eles interceda qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consumpção que justifique a afirmação de uma relação de concurso aparente.
Evidente é, também, que não estamos perante uma situação de infracções de trato sucessivo integradas por uma prática reiterada[13] de actos lesivos do mesmo ou semelhante bem jurídico, dificilmente contabilizáveis mas essencialmente homogéneos, ao longo de períodos mais ou menos longos durante os quais se mantém uma certa unidade resolutiva[14], devendo a vítima ser a mesma no caso de estarem em causa infracções contra as pessoas (v.g. tráfico de estupefacientes, infracções fiscais ou contra a segurança social, lenocínio, infracção às regas de segurança, maus tratos) – sobre a caracterização deste tipo de crimes de trato sucessivo pode consultar-se Lobo Moutinho, Da unidade à pluralidade dos crimes no direito penal português, p. 620, nota 1854; Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, p.314.
Os factos provados também não suportam o entendimento de que esteja em causa uma situação de continuidade delituosa[15] subsumível ao art. 30º/2 do CP, situação essa cuja verificação exige, de modo resumido, o preenchimento dos seguintes requisitos: pluralidade de resoluções criminosas conexionadas, no sentido de que apesar de aparentemente autónoma, cada resolução depende essencialmente da anterior, de tal modo que apenas a inicial se pode dizer normal; pluralidade homogénea ou heterogénea de infracções que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico; verificação de uma situação exógena ao agente, presente no momento das diferentes resoluções e subsequentes condutas, que diminui consideravelmente a culpa daquele, tudo convergindo num juízo de exigibilidade diminuída; identidade da vítima no caso estarem em causa bens de carácter eminentemente pessoal.
Reportando-nos ao caso em apreço, logo se verifica, desde logo, que não resulta dos factos provados a ocorrência de uma qualquer situação exógena à recorrente que permita sustentar uma diminuição considerável da sua culpa subjacente à prática dos comportamentos delituosos que lhe são imputados.
Finalmente, a possibilidade de afirmação de que a recorrente teria incorrido numa única contra-ordenação pressupõe que possa afirmar-se, em face dos factos provados, que subjacente à pluralidade de infracções por si perpetradas esteve uma só resolução criminosa inicial, pois só nesse caso fica inviabilizada a possibilidade de às diferentes condutas ilícitas da recorrente poderem ser dirigidos plurais juízos de censura associados a plurais resoluções autónomas que, por regra, determinam situações de concurso efectivo.
Na verdade, conforme vem sendo reiteradamente decidido pelo STJ, a realização plúrima do mesmo tipo de crime só pode reconduzir-se à figura do crime único se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; ou seja, para que se verifique um crime único, mesmo que traduzido em diversas condutas semelhantes, é necessário que estas últimas resultem de uma só e única resolução criminosa – acórdãos de 12/9/2012, proferido no âmbito do processo 2745/09.0TDLSB-L1.S1, e de 22/6/2011, proferido no âmbito do processo 3776/05.5TALRA.S1; no mesmo sentido, acórdão da Relação de Lisboa de 24/9/2014, proferido no âmbito do processo 163/12.2TACDR.P1; na doutrina pode consultar-se Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, Capítulo III, § 2.º, pp. 189 e ss).
Ora, os factos provados não permitem sustentar que os diferentes ilícitos cometidos pela recorrente resultaram de uma só e única resolução criminosa, não estando excluído que à pluralidade de ilícitos cometidos tenha correspondido uma pluralidade de resoluções.
De tudo se conclui, assim, que no caso dos autos os factos provados não permitem concluir no sentido de que se regista uma situação de concurso aparente ou de unificação de condutas a que supra se aludiu, razão pela qual tem cabimento a aplicação da regra de que existe uma pluralidade de ilícitos quando se preencham os elementos típicos enunciados por diferentes preceitos incriminadores.
Não havia razão, assim, para unificar em termos delituosos e sancionatórios as condutas delituosas que a recorrente assumiu, seja na fase inicial em que à recorrente foi conferida a possibilidade de pagamento voluntário das duas coimas correspondentes às duas contra-ordenações que ainda estão em apreço, seja na fase subsequente da decisão administrativa condenatória.
Consequentemente, não se verificam os vícios sustentados pela recorrente e relacionados com a arguição da violação do princípio da consumpção de infracções e do direito de oblação voluntária, pelo que a sentença recorrida não incorreu igualmente nesses vícios ao acolher e confirmar a decisão administrativa impugnada.
Improcede, pois, tal arguição.
+
Cumpre ainda recordar que relativamente ao vício ora em questão, discorreu assim o tribunal recorrido: “Por último, visiono estar suscitada uma outra nulidade, esta pelo que se entende ser a violação da aplicação da coima única ou a violação do direito de oblação voluntária. Impetra, agora, a arguente, a irregularidade e, no parágrafo imediatamente seguinte, a nulidade do auto de notícia, por alegada “violação do direito de oblação voluntária” porque só há que pagar a coima correspondente à infracção que consome as demais, e pelo mínimo. A este respeito, entendo que não é possível estarmos a sustentar, simultaneamente, os dois pontos opostos da opção administrativa. A Autoridade para as Condições do Trabalho só poderia escapar à crítica da violação da aplicação de uma coima única, se realizasse, como realizou, o “cúmulo jurídico” das coimas em concurso, assim alcançando uma coima única de € 6.000,00, valor substancialmente inferior aos € 8.600,00 que resultariam da manutenção das coimas individuais, e da emissão das guias para o pagamento de cada uma delas – como parece pretender a recorrente – sem o benefício do cúmulo. Mas, mesmo admitindo que a recorrente teria interesse em ver substancialmente acrescida a sua conta final, importa atender ao regime das nulidades e irregularidades em processo penal. Primeiro, pelo disposto nos nºs 1 e 2 do art.º 118º do código de processo penal, “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”, sendo que, doutro modo, “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular”. Assim, e à face do exaustivo elenco constante dos art.ºs 119º e 120º do mesmo diploma, uma eventual viciação consistente no aqui arguido não passaria de mera irregularidade. Dificilmente a mesma poderia, no presente, ser valorada, à face do regime disposto no art.º 123º do mesmo código processual. Portanto, e porque a recorrente não solicitou, em boa-fé, a emissão de guias para o pagamento de apenas uma das infracções, logo avançando que pretenderia submeter as demais a recurso – antes optando por se reservar o direito de esgrimir a aguçada lança de mais uma invalidade da decisão administrativa – entendo que não estamos perante qualquer vício, mormente, nulidade.”.
Pode discordar-se do assim exarado ou considerar-se resumida ou parca a fundamentação invocada pelo tribunal recorrido.
O que não pode é sustentar-se que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação da decisão na parte em que não reconheceu existir na decisão administrativa, como nós não reconhecemos, o vício de nulidade por violação do princípio da consumpção de infracções e do direito de oblação voluntária.
Como assim, improcede essa arguição de nulidade da decisão recorrida.
*
Nona questão: saber se a relação contratual entre F... e a recorrente era de trabalho subordinado.

Importa traçar, assim, ainda que sumariamente, a distinção entre esses dois institutos.
A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definidos, respectivamente, nos artigos 1152.º e 1154.º do CC, assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Porém, através do critério do objecto do contrato, nem sempre surge com nitidez a distinção entre as duas figuras, já que, frequentemente, não se consegue determinar se a obrigação assumida foi a de “prestar uma actividade intelectual ou manual”, própria do contrato de trabalho, ou se obrigação consiste em “proporcionar certo resultado do trabalho intelectual ou manual”, própria do contrato de prestação de serviço – todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele.
Por isso, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou autonomia – que permite atingir aquela distinção.
Volvendo à situação em apreço e aos factos dados como provados, é de concluir no sentido de que esses factos permitem sustentar que a relação em apreço era de trabalho subordinado.
Comece por recordar-se que a qualificação jurídica dessa relação deverá ser estabelecida em função dos elementos materiais de diferenciação que se encontrem patentes na execução do contrato, independentemente da qualificação que as partes ou uma delas lhe tenham atribuído.
Assim, de pouco ou nada releva, para estes efeitos, a qualificação que a recorrente atribuía a F... de “trabalhador independente”.
Na verdade, como vem decidindo o STJ em vários arestos, entre os quais podemos aqui invocar o acórdão de 10/12/2009, disponível in www.dgsi.pt, “Resultando dos factos materiais fixados pelas instâncias que a autora, na execução da sua actividade, estava sujeita à autoridade e direcção do réu, verificando-se uma relação de dependência da conduta da trabalhadora na execução da prestação laboral em relação às ordens ou orientações determinadas pelo empregador, é de concluir que a relação contratual entre eles estabelecida como contrato de avença preenche os requisitos de um contrato de trabalho, sendo certo que, nos contratos de execução continuada, havendo contradição entre o tipo contratual inicialmente acordado e o realmente executado, prevalece a execução assumida, efectivamente, pelas partes.” – cfr., também, acórdão da Relação de Lisboa de 20/2/13, proferido no âmbito da apelação 1215/11.1TTLSB.L1-4.
Por outro lado, não resulta dos factos provados, minimamente, como era suposto acontecer se estivesse uma causa uma típica relação de prestação de serviço, que a recorrente apenas estivesse interessada no resultado da actividade de F... e que este apenas estivesse obrigado à prestação de um dado resultado.
Com efeito, analisados conjunta e globalmente os factos provados, facilmente se conclui que F... foi contratado para prestar à recorrente uma determinada actividade de fiscalização de uma concreta obra, procedendo ao controlo dos trabalhos efectuados pelos empreiteiros, providenciando pela resolução de problemas do projecto e pela intermediação entre o dono da obra, empreiteiros e projectistas – pontos 2º, 3º, 9º, 11º, 21º, 22º e 25º dos factos dados como provados.
Por outro lado, como se verá, essa actividade tinha que ser prestada num determinado contexto condicionante do tempo e do espaço da prestação a que F... estava obrigado, com sujeição a ordens e instruções por parte da cadeia hierárquica da recorrente, designadamente do coordenador do projecto no âmbito do qual F... desempenhava a sua actividade – F... estava assim obrigado a uma actividade cujo contexto e programa de prestação eram organizados, quanto ao tempo, lugar e modo de execução, pelo respectivo credor, como é típico acontecer numa relação de trabalho subordinado.
Como assim, ao contrário do que sucederia no âmbito de uma típica relação de prestação de serviço, à recorrente não interessava apenas o resultado da actividade de F...; para lá dele, interessava-lhe, também, o local, o tempo e o modo como era desempenhada a actividade a que F... se tinha obrigado com vista à consecução daquele resultado que igualmente era desejado.
Outrossim, não se vislumbra como possa razoavelmente sustentar-se, nesse enquadramento e como era suposto acontecer numa relação de mera prestação de serviço, que F... estava apenas obrigado à prossecução, em regime de plena autonomia, de um determinado resultado (acórdão do STJ de 8/5/2012, proferido no âmbito do processo 539/09.2TTALM-L1.S1), adoptando os meios e as técnicas por si livremente escolhidas como sendo aquelas que, segundo os seus conhecimentos e capacidades, melhor se adaptavam à consecução do resultado a prestar, com gestão livre e autónoma do tempo e do espaço do desempenho da actividade.
Como assim, em termos do que efectivamente foi contratado entre F... e a recorrente, colhe-se uma primeira indicação no sentido de que estava em causa uma relação de trabalho subordinado.
Considerando agora a forma efectiva pela qual foi sendo executada a relação entre F... e a recorrente, a conclusão vai, igualmente, no sentido de que os factos demonstrados apontam para que essa relação deve ser qualificada como de trabalho subordinado.
Com efeito, a subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um destino concreto à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar e disciplinar.
A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica.
A subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e/ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade - estão aqui em causa os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização) a que se aludem, por exemplo, no acórdão do STJ de 19/12/2012, proferido no âmbito do processo 247/10.4TTVIS.C1.S1., de  9/2/2012, proferido no âmbito do processo 2178/07.3TTLSB.L1.S1, e de 5/11/2013, proferido no âmbito do processo 195/11.8ttcbr.C1.S1.
Esclareça-se, por fim, que a subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.
Reportando-nos aos factos provados, verificamos o seguinte: […].
Resulta de quanto vem de referir-se que, como é típico nas relações de trabalho subordinado, era o credor da prestação, a ora recorrente, quem determinava o núcleo essencial do local, do tempo e do modo da prestação a que estava obrigado o devedor, no caso F....
Tudo visto e globalmente considerada a forma de execução do contrato em apreço, afigura-se poder concluir-se no sentido da existência de uma relação de subordinação de F... à recorrente, devendo ser qualificada como de trabalho subordinado a relação intercedente entre ambos.
A tanto não obsta o único facto constante da decisão recorrida que poderia ser invocado no sentido da existência de uma relação de prestação de serviço, qual seja a da sujeição do autor ao regime fiscal e parafiscal dos trabalhadores independentes, pois que tal representa, tão-só, a evidenciação formal de uma discrepância substancial entre o regime a que realmente F... Estava sujeito e aquele que a recorrente lhe conferia.
A sujeição de F... ao regime do contrato de prestação de serviço causou prejuízos ao Estado, que assim se viu privado das contribuições para a Segurança Social referidas nos factos provados, no montante de 7.353 euros, além de que era igualmente susceptível de causar a F... prejuízos associados à falta de protecção na doença ou em situação de desemprego involuntário.
Cometeu a recorrente, assim, a contra-ordenação p. e p. no art. 12º/2 do CT/09, tal como bem assinalado na decisão administrativa e na sentença recorrida.
*
Décima questão: saber se recorrente cometeu a contra-ordenação correspondente à falta de transferência para entidade legalmente habilitada da responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que vitimassem F....

Importa recordar, antes de mais e como já supra enunciado, que esta Relação conhece apenas de matéria de direito, devendo subsistir intocada a matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida.
Por outro lado, como visto a propósito que questão que antecede, deve considerar-se que F... era trabalhador subordinado da recorrente, com a consequente obrigação que sobre esta impendia, em relação a ele, por força do estatuído no art. 79º/1 da LAT/09.
Ora, resulta explicitamente provado na decisão recorrida, que a recorrente “…não transferiu a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho, relativos a este trabalhador, para entidade legalmente autorizada a realizar o seguro.”.
Tanto basta, associado a quanto supra se referiu a respeito da demonstração do elemento subjectivo do tipo das contra-ordenações que ainda estão em questão, para sufragar integralmente o decidido pela sentença recorrida no sentido da condenação da recorrente pela prática da contra-ordenação prevista no art. 171º/1 da LAT/09.


*
*
IV) Decisão

Acordam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de: a) rejeitar o recurso relativamente às contra ordenações em causa nos processos 131100392 (contra-ordenação grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 215º/1/5 e 554º/3/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 800 euros) e 131100394 (contra-ordenação grave negligente, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 202º/1/5 e 554º/3/b do CT/09, a que se fez corresponder a coima parcelar de 800 euros); b) confirmar, no mais, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Coimbra, 15/1/2015
 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)
 (Ramalho Pinto)


[1] Falta de transferência, em relação a F..., da responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que o afectassem.
[2] Horário de trabalho de F....
[3] Inclusão de F... no mapa de férias da recorrente de 2010 e marcação por ele de férias para 2011.
[4] Sujeição de F... a ordens e instruções por parte da recorrente.
[5] Sobre a distinção entre prova directa e indirecta, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II, p. 99: a primeira incide directamente sobre o facto probando, enquanto a segunda incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
[6] Do referido se extrai, com clareza, que a sujeição desse indivíduo ao regime do contrato de prestação de serviço decorria de uma decisão consciente e intencional por parte da recorrente, estando esta perfeitamente ciente da diferença entre esse regime e o de contrato de trabalho subordinado.
[7] Do referido nesta alínea se extrai, com evidência, que a inexistência de um seguro desse tipo que abrangesse tal indivíduo, dada como provada na decisão administrativa, decorria de uma decisão consciente e intencional por parte da recorrente.
[8] De quanto acaba de referir-se resulta evidente que a recorrente conhecia a sua obrigação de transferir para entidade habilitada para o efeito a responsabilidade por acidentes de trabalho que vitimassem os seus trabalhadores subordinados, o que, conjugado com o seu entendimento de que não estava obrigada a transferir tal responsabilidade em relação a F... e com o facto dado como provado pela autoridade administrativa de que essa transferência não se mostrava realmente feita, impõe igualmente a conclusão de que essa ausência de transferência correspondia a uma decisão consciente e intencional por parte da recorrente.
[9] Face à intencionalidade comportamental da recorrente que, como visto, se deduz da leitura global da proposta de decisão, a autoridade administrativa ficou, porventura, aquém do que poderia ter sido sustentado quanto a uma dimensão dolosa da correspondente actuação da recorrente.
Porém, trata-se de matéria que não vem colocada à consideração deste tribunal.
[10] Como é sabido, o art. 30º/1 do CP opera uma total equiparação entre as situações de concurso ideal e as de concurso real – acórdão para fixação de jurisprudência de 19/2/1992, DR, I, de 9/4/1992; Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pp. 989 e ss.; no sentido de que essa equiparação também deve operar no âmbito das contra-ordenações, Maria João Antunes, anotação ao acórdão da Relação de Coimbra de 30/1/1991, RPCC, ano 3, Julho/Setembro, pp. 463 a 474.
[11] Não está aqui em causa, pois, em face da multiplicidade dos comportamentos ilícitos do empregador, uma situação de concurso efectivo ideal heterogéneo do tipo das previstas no art. 558º do CT/09 – Soares Ribeiro, Contra-ordenações no Código do Trabalho, Questões Laborais, ano XI, nº 23, pp. 27 e ss.
[12] Por relação de especialidade, subsidiariedade ou consumpção – Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, I, 1982, pp. 159 e ss; por facto posterior não punível – Figueiredo Dias, Direito Penal, Sumários, 1976, p. 107 e Teresa Beleza, Direito Penal, I, 1985, pp. 543 e ss; ou por facto anterior não punível – Hans Wessels, Direito Penal, Parte Geral, 1976, p. 181.
[13] Revelando a reiteração uma culpa agravada correspondente a uma resolução determinada e persistente do agente.


[14] O dolo do agente abarca desde o início uma pluralidade de actos sucessivos que ele se dispõe desde logo a praticar.
[15] No sentido de que a figura do crime continuado também se aplica no âmbito das contra-ordenações, Maria João Antunes, RPCC, 3, Julho/Setembro, p. 469, em anotação a um acórdão da Relação de Coimbra, acórdão da Relação de Évora de 11/7/2013, proferido no âmbito do processo 82/12.2YQSTR.E1; contra, Faria Costa, Afirmação do princípio do numerus clausus na repartição das infracções penais e diferenciação qualitativa entre as duas figuras dogmáticas, Questões Laborais, ano VIII, nº 17, pp. 9 a 11.