Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3898/13.9TJCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: EXECUÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
REEMBOLSO
INSTITUTO GESTÃO FINANCEIRA E DAS INFRA-ESTRUTURAS DA JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.533, 721 CPC, 26 Nº6 RCP
Sumário:
1 – A interpretação do teor nº6 do artº 26º do RCP, até porque norma especial perante o 533°, n° 2, al. c) do NCPC, não é condicionada por este preceito.
2 – Aquele segmento normativo deve ser interpretado como vinculando o IGFIEJ, quando o vencido goze do benefício do apoio judiciário, apenas ao pagamento ao vencedor da taxa de justiça por este suportada, com exclusão dos demais encargos previstos no nº3 de tal preceito.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…) e A (…), exequentes nos autos não se conformando com o seguinte despacho:

«Segundo o disposto no artigo 26.º n.º6 do Código de Processo Civil, quando a parte vencida goza do benefício de apoio judiciário, o reembolso à parte vencedora, a título de custas de parte, a ser suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, apenas abrange as taxas de justiça pagas por aquela.

Com efeito, a referida disposição legal exclui daquele direito ao reembolso, ainda que tacitamente, os demais encargos integrados nas custas, nomeadamente os honorários devidos ao agente de execução, solução que foi já apreciada à luz das leis constitucionais, concluindo-se pela sua conformidade com a Lei Fundamental, concretamente com o principio da igualdade, conforme decorre do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 2/2015 (publicado no Diário da República n.º 130/2015, Série II de 2015-07-07).

Assim sendo, apenas as quantias pagas a título de taxa de justiça poderão ser objecto de reembolso ao exequente, por parte do IGFEJ»

dele interpuseram recurso.

2.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª O despacho que se recorre decidiu que: "apenas as quantias pagas a título de taxa de justiça poderão ser objecto de reembolso ao exequente, por parte do IGFEJ", excluindo "daquele direito ao reembolso, .. , os demais encargos integrados nas custas, nomeadamente os honorários devidos ao agente de execução", quando anteriormente a Mm Juiz "a quo", por despacho datado de 12/02/2018, refere que "o valor relativo à sua quota-parte de responsabilidade (dos executados) ser suportado pelo exequente, sem prejuízo do seu eventual reembolso pelo IGFEJ (cfr. artigo 721° do Código de Processo Civil, 45° da Portaria 28212013 e 19°, n° 1 do Regulamento das Custas Processuais)" .

2ª Acontece que nos autos de embargos de executado, proe. n° 3898/13.9TJCBR-B, a correr por apenso ao presente processo de Execução Ordinária, por acordo devidamente homologado e transitado em julgado ficou estipulado no ponto 6) o seguinte:

" Custas e despesas e honorários do Agente de Execução a suportar pelos Executados/embargantes nos presentes Embargos e no processo Executivo, prescindindo ambas as partes das custas de parte".

3ª Posteriormente, em 06/0212017, pela Mm Juiz "a quo" foi proferido o seguinte despacho:

"Considerando que os exequentes/embargados reduziram o pedido, fixa-se o decaimento em 17% para os exequentes e em 83% para os executados (artigo 607°, n° 6 do c.P.c.)."

4ª Despacho este que transitou em julgado.

5ª Os executados notificados que foram para efectuar o pagamento da conta de despesas e honorários de agente de execução, efectuaram reclamação, uma vez que gozavam de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tendo requerido que o valor correspondente à sua quota-parte de responsabilidade fosse suportado pelos exequentes e reembolsado aos mesmos pelo IGFEJ.

6ª E, por despacho datado de 12/02/2018, pela Mm Juiz "a quo", a referida reclamação foi julgada procedente, tendo sido exarado no mesmo despacho o eventual reembolso pelo IGFEJ, nos termos do artigo 721° do CPC, 45° da Portaria 282/2013 e 19°, n° 1 do RCP.

7ª Deste modo, os exequentes procederam ao pagamento de 3.116,78€ (três mil cento e dezasseis euros e setenta e oito cêntimos),

8ª E, por requerimento de 1 de Março de 2018 solicitaram, em conformidade com o douto despacho referido no número 4, o reembolso da quantia de 2.586,93€ (dois mil quinhentos e oitenta e três euros e noventa e três cêntimos), correspondente à quota-parte da responsabilidade dos executados.

9ª De forma surpreendente, a Mm Juiz "a quo" proferiu despacho datado de 12/0312018, em que indefere o referido pedido de reembolso.

10ª Ora, de acordo com Joel Timóteo Ramos Pereira in "A conta no processo executivo", a fls 10, refere o seguinte:

"d) As remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas.

Nesta matéria, a norma do art. 26°, n° 3, al. d) do RCP deve ser actualizada pela norma do artigo 533°, n° 2, al. c) do NCPC, na medida em que aquela norma data da redacção da Lei n° 7/2012, de 13-02, enquanto a norma do NCPC é mais recente e nela estão incluídas igualmente as despesas efectuadas pelo agente de execução (isto apesar de os n's. 1,2 e 4 terem sido alterados pelo Dec.-Lei n° 126/2013, de 30 de Agosto)."

11ª E, nos termos do disposto no artigo Anabela

533°, n° 2, al. c) do CPC, refere-se que se compreende nas custas de parte as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas.

12ª Assim, salvo o devido respeito, a Mm Juiz "a quo" violou o disposto no artigo 533°, n° 2, al. c) do CPC, já que a norma do artigo 26°, n° 3, al. d) do RCP deve ser actualizada pelo citado artigo 533°, n° 2, al. c) do CPC, não tendo aplicação no caso a invocada norma do artigo 26, n° 6 do RCP.

13ª Desta forma, deverá ser revogado o despacho que se recorre, substituindo-se por outro que defira o requerido reembolso pelo IGFEJ nos termos contantes no requerimento apresentado pelos exequentes em 01/03/2018.

3.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

Amplitude do reembolso à parte vencedora, pelo IGFIEJ, quando a parte vencida litiga com apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

4.

Apreciando.

4.1.

Os nucleares preceitos a considerar são os seguintes:

Do CPC:

533º nº2 al c)

Compreendem-se nas custas de parte, nomeadamente, as seguintes despesas: as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas.

721.º

Pagamento de quantias devidas ao agente de execução

1 - Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541.º.

Do RCP:

26º

2 - As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.

3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:

a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;

c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;

d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.

6 - Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P.

4.2.

Em primeiro lugar há que dizer que a argumentação aduzida pelos recorrentes não procede.

O regulamento das custas processuais alcança-se, por reporte ao compêndio legislativo geral adjectivo que é o CPC, como lei especial.

Ademais, o segmento normativo visado no recurso, porque reportado a uma situação de concessão de apoio judiciário ao devedor de custas, assume-se, no confronto com os preceitos atinentes à matéria de custas insertos na legislação comum do CPC, rectius o artº 533º, como norma especialíssima.

Logo, porque a norma geral não se sobrepõe à norma especial, antes esta prevalecendo sobre aquela, queda proibido efectivar qualquer interpretação actualista, no sentido defendido pelos recorrentes.

Pois que a mesma implicaria uma inadmissível derrogação tácita do segmento normativo especial do nº6 do artº 26º do RCP, por uma norma geral do CPC – artº 533º.

4.3.

A questão tem de ser colocada noutra vertente dilucidativa, qual seja, qual o alcance e a abrangência da estatuição deste segmento normativo: limita-se à taxa de justiça, ou abrange as custas de parte tal como definidas no nº 3 do mesmo preceito?

Desde logo há que atentar que o Ac. do TC citado na decisão se pronunciou pela não inconstitucionalidade desta norma «quando interpretada no sentido de que apenas é devido à parte vencedora, quando a parte vencida litiga com apoio judicial, o reembolso da taxa de justiça paga e não de outras importâncias devidas a título de custas de parte».

Para tanto nele foi invocado que:

«…litigar é sempre uma "atividade arriscada" e …que essa escala de risco comporta diversas nivelações, havendo de reconhecer-se que ser-se parte vencedora num processo em que a parte vencida litiga com apoio judiciário acaba por revelar algumas especificidades diferenciadoras - algumas delas negativas…

não seja possível sustentar que a opção do legislador é intolerável ou inadmissível, procurando-se com a diferenciação de tratamento introduzida, atenta a diferença entre as situações, conciliar considerações associadas ao princípio da causalidade, por um lado, com imperativos de praticabilidade económica na administração da justiça e do sistema de apoio judiciário, por outro.»

Depois urge ter presente que a regra é o vencido ser o responsável pelo pagamento das custas de parte.

A exceção consubstancia-se na intervenção substitutiva, excepcional e de última ratio, do Instituto, quando o vencido goze do benefício do apoio judiciário.

Ora no âmbito da regulamentação de uma situação excepcional, ou até especial, a letra da lei ganha especial relevo, pois que, naquela, a analogia é proibida e, inclusive, a interpretação extensiva tem de ser adotada cautelosamente – artº 11º do CC.

Pelo que aqui ganha maior relevo o disposto no artº 9º nº2 do CC: «não pode… ser considerado pelo interprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».

No caso vertente assim é: nada na letra da lei permite a conclusão de que o legislador quis vincular o Instituto para além do pagamento da taxa de justiça.

Acresce que o próprio elemento sistemático assim o inculca.

Efetivamente, no nº3 o legislador definiu o âmbito/amplitude da parte vencida a título de custas de parte no qual se incluem, para além do mais, Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.

Mas no nº6, e sendo-lhe muito fácil remeter para o nº3, e, assim, abarcando tudo o que nele se prevê, apenas se cingiu à taxa de justiça.

Destarte se conclui que este preceito deve ser interpretado nos seus precisos termos.

Acresce que, in casu, as partes acordaram que seriam os executados a suportar as custas e despesas e honorários do Agente de Execução, sabendo os exequentes, ou sendo-lhes exigível que soubessem, que estes gozavam do benefício do apoio judiciário.

Improcede o recurso.

5.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.

I – A interpretação do teor nº6 do artº 26º do RCP, até porque norma especial perante o 533°, n° 2, al. c) do NCPC, não é condicionada por este preceito.

II – Aquele segmento normativo deve ser interpretado como vinculando o IGFIEJ, quando o vencido goze do benefício do apoio judiciário, apenas ao pagamento ao vencedor da taxa de justiça por este suportada, com exclusão dos demais encargos previstos no nº3 de tal preceito.

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2018.10.23

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos