Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
637/10.0TBSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
PROVA PERICIAL
ÍNDICE DE CONSTRUÇÃO
CUSTO DE CONSTRUÇÃO
Data do Acordão: 01/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 23, 26 CEXP., 388, 389, 1310 CC, 62 CRP
Sumário: 1. Quer no artigo 62.º da CRP quer no artigo 1310.º do CC o legislador utiliza conceitos indeterminados que nos remetem para a justeza e adequação da indemnização devida pela retirada forçada ao proprietário da coisa que lhe pertence por via da expropriação, os quais são concretizados no artigo 23.º do CExp.

2. A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o critério mais adequado para garantir os princípios da igualdade e da proporcionalidade visando alcançar a compensação integral do sacrifício patrimonial imposto ao expropriado é o do valor de mercado.

3. A decisão proferida pelos árbitros em processo de expropriação, tem natureza jurisdicional, razão pela qual deve ser fundamentada como uma sentença judicial, e tem, consequentemente, a mesma força vinculativa que a lei confere às sentenças judiciais.

4. Muito embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo julgador, atendendo à especial conformação legal da avaliação em processo de expropriação, e aos especiais conhecimentos técnicos exigidos aos peritos nomeados para a efectuarem, caso o relatório pericial seja unânime ou maioritário, o tribunal só deve afastar-se dos valores por aqueles propostos com base em especiais conhecimentos que o mesmo não possui, se verificar a existência de erro ou incumprimento pelos peritos dos critérios legalmente estabelecidos e aos quais estes também se encontram vinculados.

5. Apesar de se tratar de um critério de referência, aquele que o n.º 5 do artigo 26.º do CExp prevê, se os montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados, forem semelhantes ao valor de mercado do imóvel, devem prevalecer para este efeito sobre outros critérios, mormente os decorrentes do CIMI.

6. Prevendo a lei que o valor do solo apto para construção, num aproveitamento economicamente normal, corresponda a um máximo de 15% do custo de construção, variando em função da localização, da qualidade ambiental, e dos equipamentos existentes na zona, para que tal percentual corresponda a uma justa indemnização, há-de reportar-se à zona em que se insere o imóvel.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1. Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é Expropriante EP – Estradas de Portugal, S.A. e são Expropriados V (…) e S (…), o Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, pelo despacho n.º 9418/2007 de 30 de Abril de 2007, publicado no Diário da República, II Série, n.º 100, de 24 de Maio de 2007, emitiu declaração de expropriação por utilidade pública, com carácter de urgência, de um conjunto de parcelas de terreno necessárias à execução da variante à EN231 - Circular de Seia (rectificada pelo Despacho n.º 14118/2009, de 16 de Junho de 2009, publicado no D.R., II Série, n.º 119, de 23 de Junho de 2009), de entre as quais consta a parcela n.º 28, correspondente a um terreno com a área de 302 m2 (trezentos e dois metros quadrados), que confronta a Norte com Maria Celeste Chaves e Filho, Sul com Natália de Jesus, Nascente com caminho e Poente com caminho, que se destaca do prédio situado na freguesia de Seia, concelho de Seia, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 2691 e omisso na Conservatória do Registo Predial de Seia.

Em 26 de Julho de 2007 foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam, conforme auto de fls. 55 a 62, tendo a tomada de posse administrativa da parcela pela entidade expropriante ocorrido em 16 de Novembro de 2010.

Efectuada a arbitragem, pelo acórdão arbitral de 29 de Abril de 2009 que faz fls. 7 a 14 dos autos, os árbitros nomeados atribuíram, por unanimidade, à referida parcela o valor de €12.969,78 (doze mil novecentos e sessenta e nove euros e setenta e oito cêntimos), mostrando-se tal quantia depositada à ordem do Tribunal, desde 29 de Maio de 2009 (fls. 6).

Em 25 de Janeiro de 2011, foi proferido despacho a adjudicar a propriedade da parcela supra identificada à Entidade Expropriante, livre de quaisquer ónus ou encargos, ao abrigo do artigo 51.º, n.º 5, 2.ª parte, da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.

Inconformada com a decisão arbitral, a Expropriante interpôs recurso da mesma, aceitando a classificação do solo como apto para construção e o critério de avaliação adoptado, mas não os parâmetros e metodologia considerados pelo colectivo arbitral que suportam o valor atribuído, considerando que o valor da indemnização é exagerado, devendo ser fixada, de acordo com os critérios que referenciou, em 1.810,00€, indicando perito e apresentando quesitos para realização de prova pericial.

Admitido o recurso interposto e notificados os expropriados para responderem, os mesmos fizeram-no pugnando pela improcedência do recurso interposto, para o que também indicaram perito.

Por despacho proferido em 27-06-2011 (fls. 123-A e B), foi fixado em 1.810,00€ o valor a atribuir aos expropriados, por acordo, e foi determinada a realização da peritagem para proceder à avaliação da parcela, sendo o respectivo objecto constituído pelas questões colocadas pela entidade recorrente.

Realizada a diligência pericial de avaliação, os senhores peritos nomeados para proceder à avaliação da parcela a expropriar, após terem prestado compromisso, vieram por requerimento junto de fls. 130 a 146 (peritos indicados pelos expropriados e pelo tribunal), e de fls. 157 a 177 (perito indicado pela entidade expropriante), apresentar o resultado de tal avaliação, tendo aqueles considerado ser de atribuir à parcela o valor de 9.682,12€ se adoptado o método fiscal que entenderam rejeitar, e de 13.448,00€ se considerado o método analítico que adoptaram; e este considerado que pelo método comparativo (dados das finanças), a indemnização da parcela corresponde a 10.174,38€; e pelo método analítico o valor de indemnização é de 7.577,78€.

Pela entidade expropriante foram solicitados esclarecimentos aos Srs. Peritos que subscreveram o laudo maioritário, tendo estes satisfeito tal solicitação, nos termos descritos de fls. 189 a 197.

Após, a Entidade Expropriante veio alegar, nos termos constantes de fls. 201 a 206 dos autos, ao abrigo do disposto no artigo 64º do Código das Expropriações, pugnando pela revogação do laudo arbitral pelos fundamentos que ali aduz, e pela atribuição aos Expropriados do valor de indemnização proposto em sede de recurso da decisão arbitral.

Seguidamente, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar improcedente o recurso interposto pela entidade Expropriante, e, consequentemente, fixar o montante da indemnização a pagar pela expropriante, EP -Estradas de Portugal, S.A., aos expropriados V (…) e cônjuge, S (…), pela expropriação do prédio, constituído pela identificada parcela n.º 28, em €12.969,78€ (doze mil novecentos e sessenta e nove euros e setenta e oito cêntimos), actualizada desde a data de publicação da Declaração de Utilidade Pública ocorrida em 24 de Maio de 2007 até à notificação do despacho que autorizou o levantamento de parte do depósito sobre o qual se verificava o acordo das partes, incidindo daí por diante a actualização sobre o valor necessário a perfazer o valor total fixado nos autos até à decisão final do processo, de acordo com os índices de preço do consumidor, com exclusão da habitação, obtidos pelo Instituto Nacional de Estatística.

De novo inconformada com a sentença proferida, a Expropriante impugnou-a por via do presente recurso ordinário de apelação, terminando as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:

«1 - A Sentença recorrida fixou a indemnização, a atribuir pela expropriação da parcela objecto dos presentes autos, no valor de €12.969,78, quantia que corresponde ao somatório do valor do solo, classificado e avaliado como solo apto para construção, e do valor de três pinheiros.

2 - O Tribunal a quo, afastou a aplicação do método comparativo ou fiscal para o cálculo do valor do solo, e subscreveu, na íntegra, a avaliação maioritária que havia calculado a indemnização de €13.448,06, com base no critério vertido no n.º 4 e seguintes do artigo 26.º do C.E..

3 - Uma vez que apenas a expropriante havia recorrido da decisão arbitral, por força dos efeitos do caso julgado, a Sentença manteve o Acórdão arbitral recorrido e fixou a indemnização no valor de €12.969,78.

4 - A Sentença recorrida admitiu para o cálculo do valor do solo, os parâmetros urbanísticos e metodologia, constantes do laudo Arbitral - que se mostram contrários às normas e critérios legais fixados no C.E. e aos quais deve obedecer o cálculo da indemnização devida pela expropriação,

5 - De semelhante oposição às normas e critérios legais fixados no C.E., enferma o laudo de avaliação maioritário, o qual foi subscrito, na íntegra, pelo Tribunal recorrido.

6 - O valor fixado na Sentença recorrida não corresponde "ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica norma!” (n.º 1 do artigo 23 do C.E.), isto é, uma indemnização justa, de acordo com o imperativo constitucional (n.º 2 do artigo 62.º da Constituição)

7 - A Sentença recorrida, adoptou, para o cálculo do valor do solo, um índice de construção de 0,6m2/m2 para habitação, acrescido de um índice de 0,3m2/m2, referente a garagens e arrumos.

8 - O PDM de Seia, aplicável, prevê para o "Espaço urbano, ZVU 4-A", onde se insere a parcela um COS (coeficiente de ocupação do solo) máximo de 0,6m2/m2.

9 - O Tribunal a quo, não cuidou que o PDM não prevê quaisquer índices para garagens em cave, para anexos ou outro aproveitamento do solo.

10 - A Sentença, ao considerar mais 0,3m2/m2 para garagens e arrumos aplicou um índice de construção superior ao índice máximo previsto no PDM, de O,6m2/m2.

11 - A Sentença aplicou um índice de constrição de 0,9m2/m2 (0,6m2/m2 + 0,3m2/m2).

12 - Não existe qualquer fundamento para considerar, na avaliação, a construção de garagem e arrumos em cave - e não é, obviamente, fundamento, o facto de os Árbitros e Peritos maioritários terem considerado essa construção.

13 - Tal opção dos Peritos maioritários e Árbitros, deveria ter sido afastada pelo Tribunal a quo, desde logo por ser contrária ao aproveitamento económico normal do solo a que mandam atender o n.º 1 do artigo 23.º do C.E. e o n.º 1 do artigo 26.º do C.E ..

14 - A construção abaixo da superfície não está prevista no PDM, e portanto não diz respeito a quaisquer índices previstos no PDM.

15 - As garagens e arrumos se forem construídas em cave - como entendeu a Sentença - comportam custos de construção que superam o seu benefício, aspecto que o Tribunal a quo não ponderou.

16 - Os terrenos nunca são transaccionados por uma hipotética possibilidade da construção abaixo da superfície.

17 - Não existem garantias que seja possível essa construção - aliás, nos autos nenhuma prova foi feita, que na parcela fosse possível construir em cave.

18 - Um investidor imobiliário, num mercado livre de factores especulativos ou criados artificialmente, apenas valora a área de construção possível acima do solo (cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no proc. 0632987, de 13/07/2006).

19 - A aplicação de um índice adicional de 0,3m2/m2, para além de carecer de justificação legal, contraria de forma deliberada o disposto no n.º 1 do artigo 26.º do C.E. e traduz-se num benefício ilegítimo dos expropriados.

20 - Se ao invés a garagem e arrumos fossem construídos acima da cota do solo, fariam parte da construção bruta autorizada pelo índice de construção previsto no PDM - não podendo igualmente ser considerado como novo índice, que o PDM não prevê.

21 - Errou igualmente o Tribunal a quo quando adoptou, de forma automática, no caso dos autos, o índice máximo de 0,6m2/m2 previsto no PDM.

22 - O índice máximo previsto no PDM, de 0,6m2/m2, só poderá ser aplicado a um solo líquido, ou seja, depois das cedências obrigatórias para o domínio público

23 - Resulta dos n.ºs 1 e 5 do artigo 44.º do Dec. - Lei n.º 555/99, que são obrigados a cedências ao domínio público quer os proprietários de terrenos objecto de loteamento quer os proprietários que simplesmente sujeitam a propriedade a uma operação urbanística.

24 - O Perito nomeado pela expropriante de forma fundamentada, concluiu pela necessidade de afectar o índice máximo de 0,6m2/m2 em 20%, precisamente para cedências e custos urbanísticos.

25- Como o mesmo Perito sublinha, ao caso dos autos deve ser aplicado um índice de 0,48m2/m2 (0,6m2/m2 x 0.8), que é um índice normal e usual em habitações isoladas.

26 - Nos autos está demonstrado, pelo Perito nomeado pela expropriante, que a adopção de um índice de construção máximo de 0.6m2/m2 ao prédio objecto de expropriação implicaria uma área bruta de urbanização de 1.908m2 (3.180m2 x 0,6m2/m2).

27 - Uma área bruta de urbanização de 1.980m2 é bastante superior ao que seria um aproveitamento normal do solo, para além de não ter qualquer adequação urbanística às características da zona envolvente designadamente à tipologia e cércea predominante.

28 - A parcela nem sequer era, à data da publicação da DUP, uma parcela constituída ou resultante de destaque, mas antes um terreno em bruto.

29 - O Tribunal recorrido não teve em conta que a lei não determina que se observe apenas e de forma automática o coeficiente de ocupação do solo previsto no PDM à data da expropriação, desde logo porque tal factor pode não corresponder – como manifestamente não correspondem no caso vertente os 0,6m2/m2 e bem evidenciou o Perito minoritário - a um aproveitamento económico normal. (cfr, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/06/2008, proferido no proc. 318/2000.C1. disponível in www.dgsi.pt, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25/03/2010, proferido no âmbito do processo 794/05.7TBLSD.P1, disponível em www.dgsi.pt)

30 - No caso dos autos, os Peritos maioritários e os Árbitros nenhuma justificação deram para aplicarem o índice máximo previsto no PDM, nem resultam dos autos elementos probatórios que justifiquem a aplicação do índice de construção máximo de 0,6m2/m2, ao qual ainda foi somado um índice inexistente de 0,3m2/m2.

31 - A Sentença, adoptou para a determinação do custo de construção o valor constante da Portaria 1152/2006, de 30 de Outubro, que fixa os valores do preço da habitação para efeitos do cálculo da renda condicionada.

32 - O C.E., no n.º 4 do artigo 26.º do C.E. refere-se ao custo de construção, não se refere ao preço, nem ao valor da construção. (veja-se também os n.ºs 5, 6 e 8 do artigo 26.º do C.E.)

33 - Da Portaria 1152/2006, de 30 de Outubro, consta o valor final da construção já existente, e não o custo da construção.

34 - O valor final da construção existente, tem intrínseco, como é óbvio, o valor do solo e de todas as valorizações ambientais e infra-estruturais conforme decorre do Dec. Lei 329-A/2000, pelo que, a sua aplicação e adição dos factores dos n.ºs 6 e 7 do artigo 26.º do C.E., nada mais fazem do que duplicar a valorização ambiental e infra-estrutural.

35 -Como decorre do Dec.-Lei 329-A/2000, a Portaria para efeitos de cálculo da renda condicionada, apresenta um valor mais alto em 21,24%, precisamente porque inclui o valor do solo, alcançado pela valorização ambiental e infra-estruturaI na região.

36 - Para que se pudesse aplicar a Portaria 1152/2006, de 30 de Outubro e simultaneamente os factores previstos nos n.ºs 6 e 7 do artigo 26.° do C.E., haveria que, previamente, expurgar do valor daquela Portaria, que determina para a zona III o preço de €557,29/m2 de área útil, o valor do solo valorizado pelos factores ambientais e infra-estruturais, para serem adicionados unicamente os que existem no local da parcela.

37 - Depois de se converter a área útil em bruta pela percentagem aplicada pelos Peritos maioritários, de 85%, de forma a ser coerente com os índices urbanísticos que se apresentam para áreas brutas, fica o valor da Portaria em €473,70/m2 (€557,29/m2 x 0,85).

38 - Para retirar o valor do solo ao valor calculado de €437,70/m2 de área bruta, seria necessário subtrair 21,24%, correspondente aos factores ambientais e infra-estruturais que deram origem ao diferencial entre as duas Portarias,

39 - Ficando o valor correspondente ao custo de construção a que se refere o C.E. nos n.ºs 4 e seguintes do artigo 26.º do C.E., em €373,08/m2 (€473,70/m2 - 21,24%).

40 - Não tendo sido feita tal operação e tendo sido adicionados, simplesmente, os factores valorizadores previstos nos n.ºs 6 e 7 do artigo 26.º do C.E. ao valor fixado na Portaria para efeitos do cálculo da renda condicionada, a Sentença duplicou o valor desses factores.

41 - Apenas ao valor de €373,08/m2, expurgado de factores valorizadores intrínsecos, poderiam ser adicionados os factores valorizadores ambientais e infra-estruturais que existem junto da parcela.

42 - Se se aplicasse a Portaria 430/2006, de 3 de Maio, em vigor à data da publicação da DUP, que fixa os valores a custos controlados, e que apresentava o valor para a zona III de €438,90/m2 de área útil, concluir-se-ia, após transformar a área útil em área bruta, por um custo de construção de €373,07/m2 (€438,90m2 x 0,85 factor de conversão utilizado pelos Peritos maioritários).

43 - A Portaria para efeitos do cálculo da renda condicionada, apenas poderá ser adoptada para o cálculo do valor de um solo limpo, se previamente for retirada a percentagem correspondente ao valor do solo que tem intrínseco.

44 - Para justificar a aplicação da Portaria 1152/2006, de 30 de Outubro, para o cálculo do valor do solo, os Peritos maioritários unicamente aludiram, nos autos, aos valores praticados na região, sem contudo demonstrarem qual seja esse alegado valor de mercado.

45 - Dos autos não consta nenhuma amostragem de valores de transacções de bem análogos ao prédio expropriado a partir da qual fosse possível extrair essa "realidade do mercado".

46 - Não deve concluir-se que o regime da renda condicionada é aquele que mais se aproxima do custo de construção tal como ele se forma no mercado - dos autos nada consta que permita afirmá-lo.

47 - Os Árbitros nenhuma justificação apresentaram para adopção dos valores fixados na Portaria n.º 1152/2006, de 30 de Outubro.

48 - Trabalho mais coerente foi o efectuado pelo Perito nomeado pela expropriante, pois, não estando obrigado a aplicar as portarias do C.E., que são meros referenciais, - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 9/9/2008, proferido no proc. 0823481 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 17/11/009, proferido no proc. 4494/06.2TBVCT - aplicou a que se destina ao CIMI.

49 - O Tribunal a quo, à semelhança do que fizeram os Peritos maioritários e Árbitros, aplicou, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 26.º do C.E. e num máximo de 15% uma percentagem de 10% - destituída de fundamentação e ademais excessiva.

50 - No concerne a este parâmetro, do índice fundiário base, é inequívoco que unicamente o Perito nomeado pela expropriante, com recurso a abundante fundamentação, justificou o índice que adoptou, de 8% - que se mostra adequado.

51 - O Perito nomeado pela expropriante, apresentou a metodologia, que seguiu para a atribuição daquela percentagem, conforme o Acórdão do STJ n.º 1/99, publicado no DR, I série, de 13/02/1999.

52 - O Perito nomeado pela expropriante foi o único a ter em conta, aquela que tem sido a orientação jurisprudencial, ou seja, que a percentagem correspondente à localização, qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, têm que se reportar à escala do país.

53 - Para se atribuir a percentagem de 10% a uma parcela, como a dos autos, cujo espaço envolvente "… é constituído por terrenos de característico agro/florestais com predominância do pinhal, encontrando-se os espaços agrícolas, de modo geral, votados ao abandono ... ", qual seria a percentagem a atribuir dentro da cidade de Seia? O máximo? Se fosse o máximo qual seria a percentagem a atribuir no centro cívico de Lisboa?

54 - A Sentença recorrida ao manter o Acórdão arbitral, não teve em conta que o valor do solo apto para construção deve corresponder à construção que nele poderia ser efectuada, num aproveitamento económico normal.

55 - Por imperativo legal é a uma utilização económica normal que tem de se atender para o cálculo da justa indemnização. (cfr. n.º 1 do artigo 23.º do C.E.)

56 - A avaliação efectuada pelo Perito nomeado pela expropriante prova, de forma clara, que o índice de construção adoptado na Sentença traduz, na prática, a admissão de uma construção com 1.908m2 (3.180m2 x O,6m2/m2) - o que não é sequer sensato, para além de, obviamente, não ter qualquer paralelo, com as construções existentes na envolvente, designadamente tipologias e cércea predominantes.

57 - O Tribunal a quo não apreciou correctamente a prova produzida nos autos.

58 - A Sentença aderiu a conclusões técnicas dos Peritos maioritários e dos Árbitros destituídas de fundamento e que se materializam numa indemnização injusta por excessiva.

59 - As conclusões técnicas têm que estar suportadas por elementos de facto, o que não acontece com o laudo pericial maioritário nem com o Acórdão Arbitral,

60 - A avaliação subscrita pelo Perito nomeado pela expropriante demonstra que nos autos existiam abundantes razões para que o Tribunal de forma fundamentada pudesse divergir daquelas avaliações, às quais aliás não estava vinculado.

61 - A Sentença recorrida viola o disposto no n.º 1 do artigo 26.º do C.E., n.º 4 e seguintes do artigo 26.º do C.E. e n.º 1 do artigo 23.º do C.E..

62 - A Sentença recorrida deve ser revogada e fixada a indemnização no montante total de €7.577,78, calculado pelo Perito minoritário com base no critério de avaliação constante do n.º 4 e seguintes do artigo 26.º do C.E.».

Termina concluindo pela procedência do recurso e consequente revogação da sentença recorrida, fixando-se a indemnização no montante de €7.577,78.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.


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II. O objecto do recurso.

Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[1], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha.

Assim, no caso em apreço as questões colocadas pela entidade Expropriante, ora recorrente reconduzem-se a apreciar se no caso vertente, o índice de ocupação do solo e o cálculo do custo de construção não podem ser os adoptados na sentença recorrida, que conduzem a um valor excessivo da indemnização aos Expropriados.


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III – Fundamentos

III.1. – De facto

Foram os seguintes os factos considerados como provados na sentença:

1. Por Resolução do Conselho de Administração da E.P. - Estradas de Portugal, E.P.E., de 23 de Março de 2006 foram aprovadas as plantas parcelares e os mapas de expropriações das parcelas de terreno necessárias à execução da obra da variante à EN 231 - Circular de Seia.

2. Por despacho n.º 9418/2007, de 30 de Abril de 2007, publicado no Diário da Republica, II Série, de 24 de Maio de 2007, o Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações declarou a utilidade pública e atribuiu carácter urgente à expropriação dos bens imóveis e direitos a eles necessários à execução da obra da variante à EN 231 - Circular de Seia (rectificada pelo Despacho n.º 14118, de 16 de Junho de 2009, publicado em Diário da República, n.º 119, de 23 de Junho de 2009).

3. Na planta parcelar referida em 1. encontra-se identificada uma parcela a expropriar designada com a referência Parcela n.º 28.

4. A parcela n.º 28 referida em 3. tem uma área de 302 m2 (trezentos e dois metros quadrados) e destaca-se do prédio rústico (terreno de maiores dimensões, com uma área total de 3.180 m2), sito na freguesia de Seia, concelho de Seia, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 2961 e omisso na Conservatória do Registo Predial de Seia, confrontando tal prédio a Norte com Maria Celeste Chaves e filhos, a Sul com Natália de Jesus, a Nascente com caminho e a Poente com caminho.

5. A expropriação atinge parcialmente o prédio, resultando a parte sobrante, a nascente da parcela, com uma área de 2.878 m2.

6. O titular da propriedade do referido prédio é V (…), casado com S (…).

7. À data da declaração de utilidade pública, o prédio aludido em 4. estava inserido no Plano Director Municipal (P.D.M.) de Seia, aprovado em Assembleia Municipal de 11-10-1995 e em 23-2-1996, e ratificado por Resolução de Conselho de Ministros n.º 121/97, tendo sido publicado em Diário da República, I Série B, n.º 169 de 24-7-1997, encontrando-se tal parcela inscrita em "Espaço Urbano" da cidade de Seia, na Zona - ZVU4A.

8. Em 13 de Setembro de 2007, EP - Estradas de Portugal, S.A., representada por (…), tomou posse administrativa da dita parcela n.º 28.

9. Em 26 de Julho de 2007, pelo perito, (…), nomeado pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Évora, foi realizado auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam, de fls. 55 a 59, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

10. O prédio referido em 4. situa-se numa zona de relevo suave, na periferia de Seia, mas dentro do perímetro urbano e nas suas imediações localizam-se algumas moradias dispersas e outras distribuídas ao longo da Estrada Nacional.

11. A referida parcela n.º 48 é uma faixa de terreno de configuração rectangular e topografia plana, tratando-se de terreno de vinha, que se encontrava no estado de inculto.

12. À data referida em 8., o solo encontrava-se coberto de uma ligeira camada de vegetação espontânea composta por matos, giestas e vegetação herbácea e nascença espontânea de pinheiros. O solo, resultante da meteorização das rochas graníticas, possuía textura grosseira, boa profundidade, sem afloramentos rochosos e sem problemas de drenagem.

13. O prédio referido em 4. é servido a poente por um caminho de terra batida, em boas condições, que entronca na Estrada Municipal a 15 metros e o espaço envolvente da propriedade é constituído por terrenos de características agro-florestais com predominância do pinhal, encontrando-se os espaços agrícolas, de modo geral, votados ao abandono e nas imediações da parcela, a norte da propriedade encontram-se propriedades dispersas.              

14. A parcela e o caminho situavam-se ao mesmo nível.

15. Existiam na dita parcela três pinheiros com 10 cm de diâmetro à altura do peito (d.a.p.).

16. Num raio de 1000 metros, contados do limite da parcela, situam-se diversos equipamentos e serviços públicos.

17. A parcela aludida é servida por rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, rede de distribuição de água a domicílio e rede telefónica.

18. Em toda a área envolvente da parcela não são conhecidos focos de poluição do meio ambiente.

19. Em 29 de Abril de 2009, foi elaborado Acórdão Arbitral de fls. 7 a 14, que atribuiu à referida parcela na 28 a indemnização de €12.969,78 (doze mil novecentos e sessenta e nove euros e setenta e oito cêntimos).

20. No Laudo de Avaliação elaborado pelos Peritos (…) e que integra o Acórdão Arbitral referido em 19., efectuada a avaliação da parcela na 28, classificada como "solo apto para construção", da seguinte forma:

"5.1 Do terreno

•   Índice de construção bruto considerado Icb = 0,6 m2 / m2 de terreno

•   O que significa que, por m2 de terreno, se pode construir - Habitação -----0,6 m2 - Garagens -----0,3 m2

•   Valores unitários de construção de acordo com a Portaria n." 1152/2006, de 30 de Outubro, publicada no D.R. I Série B n.º 209

Seia - Zona III

Zona III - 557,29€/ m2 área útil

Relação entre área útil e área bruta - 85% Calculo da construção por m2 de terreno

Habitação - 0,6 m2 x 473,70 €/m2 = 284,22€/ m2 de terreno

Garagem e arrumos - 0,6 m2 x 300,00€/m2 = 90,00 €/m2 de terreno 374,22 €/m2 de terreno

•   Índice de localização, qualidade ambiental, equipamentos e infra-estruturas

Artigo 26.º do C.E. - N.º 6 ----------------10,00%

N.º 7 al. a) ----------0,5%

al. c )-----------1,0%

al. e )----------1,0%

al. i)-----------l,O%

Total = 13,5%

•   Valor unitário do terreno

374,22€ x 0,135 = 50,52 €/m2

•   Correcção face à inexistência de esforço e risco

(artigo 26.0, n." 10 do C.E.)

Desvalorização - 15,0%

50,52€/m2 x 0,85 = 42,94 €/m2

•   Valor total do terreno Área- 302 m2

Valor unitário - 42,94 €/m2

302 m2 x 42,94€ /m2 = 12.967,88€

5.2 - Das benfeitorias

     •          Valor do material lenhoso das árvores

- 3 pinheiros com DAP de 10 cm: 0,15 m3 x 12,50 €/m3 =1,90€ Valor da parcela

Conforme 5.1------------------------------------------------------€ 12.967,88€

Conforme 5.2---------------------------------------------------------------1,90€

€12.969,78

21. No relatório de avaliação constante de fls. 129 a 146, subscrito pelos peritos (…) (indicados pelo Tribunal) e (…) (indicado pelos expropriados), foi atribuído à parcela a expropriar a indemnização de €13.448,06 (treze mil quatrocentos e quarenta e oito euros e seis cêntimos), de acordo com o método analítico.

22. No Relatório de Avaliação referido em 21., o solo correspondente à parcela 28 foi classificado como solo apto para construção, com os seguintes fundamentos "mercê do PDM em vigor à data da DUP, espaço urbano em que está inserida e infra-estruturas que dispunha".

23. No relatório de avaliação referido em 21., os pinheiros não foram valorizados "visto não serem susceptíveis de aproveitamento no âmbito do projecto de loteamento".

24. De acordo com o método analítico, atenderam os Senhores Peritos ao seguinte:

a) Incidência do valor do solo no custo da construção

Face à localização da parcela, à qualidade ambiental, às condições de acesso, aos equipamentos e infra-estruturas urbanísticas, que a servem a parcela, as percentagens adoptadas, nos termos dos n.ºs 6 e 7, do artigo 26.º, do C.E., com vista a determinar a incidência do valor do solo no custo da construção, são as seguintes:

     Localização, qualidade ambiental e equipamentos - 10,0%

     Acesso rodoviário com pavimentação em betuminoso - 1,0%

     Rede de abastecimento domiciliário de água - 1,0%

    Rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão 1,0% Rede telefónica 1,0% 14,0%

b) Coeficiente de ocupação do solo

O PDM de Seia define, para o local da parcela, um CAS de 0,3 e um COS de 0,6. Deste modo é possível construir por cada metro quadrado de terreno:

Habitação - 0,6 m2

Garagem e arrumos -   0,3 m2

A garagem, obrigatória por lei e os arrumos, por se situarem em cave, não estão incluídos na percentagem do COs. Mas como fazem parte da construção da habitação e têm um custo não se pode abdicar, desse mesmo custo, no cálculo do valor unitário do terreno.

c) Preço do metro quadrado de construção

A Portaria n.º 1152/2006, de 30 de Outubro, a vigorar à data da DUP, estabelece o preço de 557,29€, por metro quadrado de área útil, para as habitações nos concelhos da Zona III. A área útil representa, em regra, de 85% da área bruta, pelo que o preço que se adopta para a habitação é de 473,70 €/m2 e para a garagem e arrumos de 300,00 €/m2.

O n.º 5, do artigo 26.º, do CE; refere que na determinação do custo da construção se tome como referencial os montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação do regime de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.

Como os custos acima referidos estão de acordo com os praticados, na região, para a construção de habitações unifamiliares, de qualidade média, são esses preços que se consideram no processo de avaliação.

d) Valor da construção por metro quadrado de terreno

A partir dos dados indicados nas alíneas b) e c) obtém-se o valor da construção por metro quadrado de terreno:

- Habitação: 0,6 m2 x 473,70 €/m2

- Garagem e arrumos: 0,3 m2 x 300,00 €/m2 284,22 € 90,00 €: 374,22 €

e) Valor do metro quadrado de terreno

O resultado da multiplicação dos dados referidos nas alíneas d) e a) traduz o: Valor do metro quadrado de terreno: 374,22 €/m2 x 14,0% = 52,39 €

A parcela situava-se numa zona de relevo suave, era plana, com boa profundidade, sem afloramentos rochosos, bem drenada e com acesso favorável. Deste modo, o custo da construção não é, pois, substancialmente agravado, nem significativamente diminuído por especiais condições do local. Assim, não há lugar à aplicação do preceituado no n.º 8, do artigo 26.º, do C.E.

No processo judicial não existe nenhum documento comprovativo de que o aproveitamento urbanístico da parcela constitui uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas urbanísticas existentes à data da DUP, pelo que o disposto no n.º 9, do artigo 26.º, do CE., não é aplicável no presente caso.

O n.º 10, do artigo 26.º, do C.E., prevê a aplicação, sobre o valor calculado, de um factor correctivo, dedutivo, inerente ao risco e ao esforço ligado à actividade construtiva que, após devida ponderação, fixou-se em 15%.

Deste modo, vem para:

Valor final do metro quadrado de terreno: 52.39 €/m2 x 85% = 44,53 € f)

Valor da parcela: 302 m2 x 44,53 €/m2= 13.448,06 €"

25. No relatório de avaliação constante de fls. 158 a 169, subscrito pelo perito (…) (indicado pela expropriante), foi atribuído à parcela a expropriar a indemnização de €10.174,38 (dez mil cento e setenta e quatro euros e trinta e oito cêntimos), de acordo com o método comparativo (dados das finanças), e de €7.577,78 (sete mil quinhentos e setenta e sete euros e setenta e oito cêntimos), de acordo com o método analítico.

26. Quanto ao método comparativo, é dito pelo Senhor Perito que "Os três anos seleccionados são os anos de 2003, 2004 e 2006, cujos valores são respectivamente 22,66 €/m2, 39,57 €/m2 e 34,02 €/m2. A média final dos anos seleccionados é 32,08 €/m2 [(22,66 + 39,57 + 34,02) 13 J Tendo em conta a envolvente atribui-se 5 % de ponderação ao valor unitário calculado obtendo-se o valor unitário final de 33,69 €/m2 (32,08 + 5%). Tendo a parcela em avaliação a área de 302 m 2, ao preço alcançado, corresponde um valor total de 10.174,38 € (302 m 2 x 33,69 €/m2)".

27. Quanto ao método analítico, o Senhor perito indicado pela expropriante considerou o custo médio de construção por m2 de €492,00 por referência à Portaria n." 90/2006, atendeu à área líquida de 241,60 m2, fixou em 8% (face à localização, qualidade ambiental e equipamentos existente) + 4,50% pelas infra-estruturas existentes e atribuiu a percentagem de 15% ao risco inerente da actividade constitutiva.

28. Constam os seguintes dizeres por parte do Senhor Perito "(, . .) uma vez que o PDM admite o índice de construção de 0,6 m2, para um valor do custo da construção de 492,00 €/m2, temos:

Valor do solo tendo em conta a área liquida de 241,6 m2 (sem a área cedida e custos) e o índice máximo de 0,6 m2/m2 = A x I x Cc x Iv x Rc = 241,1,6 m x 0,6 x 492,00 €/m2 x 0,125 x 0,85 = 7.577,78 €.

Valor do solo para a área total da parcela (302 m2) e com o índice de D,48 m2/m2 (afectado pelas cedências e custos) = A x I x Cc x Iv x Rc = 302 m 2 x 0,48 x 492,00 €/m2 x 0,125 x 0,85 = 7.577,78 €."

Cc - custo da construção

Iv- índice do valor no solo (8 + 4,5)= 12,5%

492.00 €'m2 0,125

Rc - Risco construtivo

-15% ou 0,85".


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III.2. – O mérito do recurso

III.2.1. – Considerações gerais

A Constituição da República Portuguesa[2] consagra no respectivo artigo 62.º, n.º 1, «o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte», afirmando no seu n.º 2, que «[a] requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização».

Esta ideia constitucional de «justa indemnização», «comporta duas dimensões importantes: a) uma ideia tendencial de contemporaneidade, pois, embora não sendo exigível o pagamento prévio, também não existe discricionariedade quanto ao adiamento do pagamento da indemnização; b) justiça de indemnização quanto ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado, o que pressupõe a fixação do valor dos bens ou direitos expropriados que tenha em conta, por exemplo, a natureza dos solos, o rendimento, as culturas, os acessos, a localização, os encargos, etc., isto é, as circunstâncias e as condições de facto»[3].

Porém, o que seja a «justa indemnização» não vem definido no texto fundamental, havendo, consequentemente, e para tal efeito que recorrer aos critérios legais.

Assim, na lei civil, importam a esta questão os artigos 1308.º e 1310.º do Código Civil[4], dos quais decorre que «[n] ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos previstos na lei» e «[h]avendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros reais afectados».

Portanto, quer no texto constitucional quer na codificação civil estamos perante conceitos indeterminados que nos remetem para a justeza e adequação da indemnização devida pela retirada forçada ao proprietário da coisa que lhe pertence e, consequentemente, do conteúdo do seu direito de propriedade, nos termos em que é definido no artigo 1305.º do CC.

Ora, densificando e concretizando o referido conceito constitucional, importa atentar no n.º 1 do artigo 23.º do Código das Expropriações[5], que sob a epígrafe Justa indemnização estabelece que: «[a] justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.».

A jurisprudência constitucional tem considerado que a referida indemnização só é justa se respeitar nos critérios para a sua atribuição os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, ressarcindo o expropriado do prejuízo por ele efectivamente sofrido, razão pela qual, a mesma não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória, meramente simbólica ou desproporcionada à perda do bem expropriado. Acentua-se ainda que o expropriado não pode ser beneficiado com a expropriação nem o expropriante pode ser prejudicado, motivo por que, não se deve atender a factores especulativos que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela[6].

«O conceito de indemnização aqui em causa tem, pois, a estrutura a um tempo jurídica e económica, cuja justeza se deve traduzir no equilíbrio económico entre o objecto expropriado e a respectiva indemnização, em correspondência tendencial ao valor real dos bens expropriados. (…)

Com efeito, o prejuízo do expropriado e de outros interessados corresponde ao valor real e corrente dos bens expropriados, de acordo com o seu destino efectivo ou possível, numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes nessa data.

Assim, relevam as circunstâncias e condições de facto existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública, não só quanto ao destino efectivo dos bens em causa, como também quanto ao destino possível numa utilização económica normal.(…)

A referência legal ao destino possível dos bens, isto é, à possibilidade do seu aproveitamento no momento da publicação da declaração de utilidade pública da expropriação, depende não só da sua natureza, localização e estado, como também do regime jurídico definidor do respectivo aproveitamento.

O critério para que a lei aponta é o do valor de mercado ou venal, comum ou de compra e venda, tendo em conta todas as características dos bens em causa com influência na respectiva valoração patrimonial, por exemplo a histórica ou panorâmica, o que se conforma com o princípio da igualdade em relação aos proprietários de prédios não expropriados»[7].

Neste sentido tem avançado a jurisprudência do tribunal constitucional, entendendo como critério mais adequado ou mais apto para alcançar uma compensação integral do sacrifício patrimonial infligido ao expropriado e para garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto, é o do valor de mercado, também denominado valor venal, valor comum ou valor de compra e venda do bem expropriado, entendido não em sentido estrito ou rigoroso, mas sim em sentido normativo, na medida em que estamos perante um “valor de mercado normal ou habitual”, não especulativo, isto é, um valor que se afasta, às vezes substancialmente, do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, já que está sujeito, frequentes vezes, a correcções (que se manifestam em reduções e em majorações legalmente previstas), as quais são ditadas por exigências da justiça[8].

Assim tem entendido também a jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente deste tribunal da Relação, decidindo que:

A fixação da justa indemnização visa colocar o expropriado numa situação em que este teoricamente possa voltar a adquirir (com a indemnização recebida) uma coisa de igual espécie e qualidade, um objecto de valor equivalente[9].

Uma indemnização justa (na perspectiva do expropriado) será aquela que, repondo a observância do princípio da igualdade violado com a expropriação, compense plenamente o sacrifício especial suportado pelo expropriado, de tal modo que a perda patrimonial que lhe foi imposta seja equitativamente repartida entre todos os cidadãos.

A indemnização por expropriação deve aproximar-se tanto quanto possível do valor que o proprietário obteria pelo seu bem se não tivesse sido expropriado, tendendo a coincidir com o valor de mercado, em situação de normalidade[10].

Posto este enquadramento relativamente aos critérios a adoptar para a avaliação dos bens objecto de expropriação, é tempo de apreciarmos qual o valor que neste processo tem a prova pericial produzida, tendente a determinar de forma objectiva e isenta o que seja, no caso concreto, a justa indemnização ao expropriado pela perda imposta dos bens cuja titularidade lhe pertencia.


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III.2.2. – Valor da prova pericial

A prova pericial – diz-nos o artigo 388.º do CC – tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, sendo a sua força probatória fixada livremente pelo Tribunal – artigo 389.º do referido diploma.

Ora, precisamente a fixação do valor da coisa expropriada, já foi legalmente considerada uma excepção a esta regra, porquanto no Código das Expropriações, aprovado pelo DL n.º 845/76, de 11 de Dezembro, o tribunal não era inteiramente livre para se afastar do parecer dos peritos e tinha que justificar a sua decisão, por força do disposto no respectivo artigo 83.º, n.º 1.

Também o artigo 578.º do CPC anterior à revisão introduzida pelo DL n.º 47690 consagrava o princípio da livre apreciação da prova pericial mas obrigava o julgador a fundamentar a sua conclusão sempre que se afastasse do parecer dos peritos, enquanto no CPC na redacção introduzida pelo DL n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, se manteve no artigo 569.º, n.º 2, a referida necessidade de fundamentação pelo tribunal sempre que se afastasse do resultado a que chegaram os louvados.

Porém, a partir do Código das Expropriações aprovado pelo DL n.º 438/91, de 9 de Novembro, tal excepção deixou de estar consagrada, o mesmo acontecendo com a alteração introduzida ao CPC a partir da revisão operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, que eliminou aquele referido preceito, resultando agora claramente do disposto no artigo 591.º do CPC, norma correspondente ao referido artigo 389.º do CC, portanto, mesmo quando são realizadas duas perícias, a segunda não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal.

Como é consabido, a livre apreciação da prova, porém, não se confunde com uma apreciação arbitrária, ou mesmo discricionária da prova, significando ao invés que a mesma não é vinculada àquele meio de prova, devendo apenas subordinar-se a critérios de racionalidade, de bom senso, assentes nas regras de experiência comum que decorram dos elementos objectivos constantes no processo.

Concluindo, o juiz não está limitado na sua decisão pelos relatórios periciais nem pelo acórdão arbitral proferido nos autos de expropriação, devendo consequentemente decidir apenas de acordo com as normas e princípios constitucionais e com as demais normas legais aplicáveis.

Não obstante tal, a perícia constitui um meio de prova de natureza técnica na medida em que ao perito, ao invés do que ocorre quanto às testemunhas, para além da narração dos factos que percepciona, está também cometida a tarefa de apreciar ou valorar esses factos de acordo com os especiais conhecimentos técnicos que possui na matéria, e que não são do conhecimento do julgador, podendo inclusivamente trazer ao tribunal apenas a apreciação e valoração dos factos[11].

Ora, o Código das Expropriações, com vista à determinação do valor do bem objecto da expropriação, prevê a intervenção de peritos em todas as fases do processo, desde o procedimento relativo à declaração de utilidade pública, ao procedimento atinente à efectivação da posse administrativa, e, já no processo de expropriação litigiosa, quer na fase de arbitragem, quer no recurso desta, designadamente para efeitos dos respectivos artigos 61.º e 62.º, ou seja, designadamente, da avaliação.

“Esta diligência pericial, obrigatória, que visa essencialmente a avaliação dos bens em causa, com vista à determinação do montante indemnizatório concernente, é tão relevante para o efeito que a lei atribui a sua presidência ao próprio juiz.

A referida obrigatoriedade, ao invés do que decorre em relação aos outros meios de prova, deriva essencialmente da complexidade técnica da avaliação das várias espécies de bens, e, por isso, da necessidade de colaboração de pessoas com conhecimentos específicos de que a generalidade das pessoas não dispõe”[12].

Assim sendo, e “não dispondo o juiz de conhecimentos especiais na área a que respeita a perícia (…), salvo casos de erro grosseiro, não estará em condições de sindicar o juízo científico emitido pelo perito, afigurando-se, por isso, bem mais ajustada às actuais realidades da vida, a norma do Código de Processo Penal relativa ao valor da prova pericial (artigo 163.º, n.º 1), que estabelece a presunção de que o juízo técnico, científico ou artístico, está subtraído à livre apreciação do julgador”[13].

Acresce que o Código das Expropriações estabelece para o efeito regras especiais, uma vez que esta avaliação é efectuada por cinco peritos - desde logo ressaltando desta imposição uma maior exigência do que a geralmente adoptada, porquanto dos artigos 568.º, n.º 1, e 569.º, n.º 1, do CPC, resulta que a perícia é, em regra, singular, e excepcionalmente colegial, mas composta por três peritos, só sendo efectuada por cinco peritos nos casos de segunda perícia previstos no artigo 590.º, alínea b) -, designando cada parte um perito e sendo os três restantes nomeados pelo tribunal, e escolhidos de entre os que constam da lista oficial – artigo 62.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do citado diploma legal.

Ora, os peritos e árbitros constantes das listas oficiais estão sujeitos às especiais regras de recrutamento e às condições de exercício de funções - quer no âmbito dos procedimentos anteriores à declaração de utilidade pública quer no âmbito do processo de expropriação – que se encontram previstas no DL n.º 125/2002, de 10 de Maio, que aprovou o Estatuto dos Peritos Avaliadores[14] (cfr. artigo 1.º). Assim, os mesmos são recrutados mediante concurso, tendo de possuir curso superior adequado, e sujeitos a provas de selecção – cfr. artigos 3.º, 5.º, 6.º e 7.º do EPA. Seleccionados, efectuam um curso de formação no Centro de Estudos Judiciários, são sujeitos a classificação final, são ajuramentados perante o presidente do tribunal da relação do respectivo distrito judicial – artigos 9.º-A, 9.º-B e 11.º do EPA – e têm que frequentar obrigatoriamente duas acções de formação permanente, sendo excluídos se deixarem de cumprir os seus deveres funcionais – artigos 12.º e 13.º do EPA. Tudo para dizer que os peritos que integram a lista oficial estão sujeitos a especiais exigências com vista a acautelar a sua qualidade técnica.

Acresce que os mesmos não podem intervir como peritos avaliadores indicados pelas partes em processos de expropriação que corram em Tribunal – artigo 15.º do EPA - e estão sujeitos aos impedimentos previstos no artigo 16.º e aos fundamentos de suspeição definidos no artigo 17.º, ambos do Estatuto dos Peritos Avaliadores, tudo com vista a garantir a sua isenção e imparcialidade.

Por fim, devem proceder à elaboração dos laudos periciais de acordo com as normas legais e regulamentares aplicáveis e devem fundamentar claramente o cálculo do valor atribuído – artigo 21.º do EPA - donde decorre, por exigência legal, que têm de se pautar por critérios objectivos.

De facto, «[c]oncorrendo indirectamente a função pericial para um “processo justo e equitativo”, como se extrai do princípio geral contido no art. 2º do CExp., esta exigência de objectividade resulta ainda de uma interpretação da norma em conformidade com a garantia subjacente ao art. 6º da CEDU, tal como tem sido interpretado pela jurisprudência do TEDH, ao pressupor o princípio da imparcialidade objectiva (cf. Ireneu Barreto, Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 2ª ed., pág.153 e segs).

Daí que, os tribunais, de forma uniforme, e apesar de, como se disse, a prova pericial produzida não ser vinculativa, entendam que em processo de expropriação, sendo a peritagem obrigatória e tratando-se de um problema essencialmente técnico – a avaliação do bem expropriado -, o tribunal deve aderir, em princípio, ao parecer dos peritos, dando preferência ao valor resultante desses pareceres, desde que sejam coincidentes, e, por razões de imparcialidade e independência, quando não sejam coincidentes, optar pelo laudo dos peritos nomeados pelo tribunal porquanto este é o meio de prova que melhor habilita o julgador a apurar o valor do bem expropriado, com vista à atribuição da justa indemnização[15].

Na verdade, para além da presumida competência técnica que se lhes reconhece, a posição assumida pelos peritos nomeados pelo tribunal é aquela que, em princípio, oferece maiores garantias de independência e de imparcialidade, face à distanciação que mantém em relação às posições do expropriante e do expropriado, os quais, amiúde, defendem a atribuição de valores, respectivamente inferiores e superiores aos atribuídos por aqueles.

Por todas estas razões, tem-se entendido que este especial valor probatório do relatório pericial apenas será de excluir se outros preponderantes elementos de prova o infirmarem, mormente por padecer de erro grosseiro ou por ser contrário a normas legais vinculativas, caso em que o juiz deve pôr em causa o relatório técnico dos peritos, mas com recurso a argumentação técnica ou científica, eventualmente baseada noutros meios de prova divergentes, de igual ou superior credibilidade, e que podem, por exemplo, decorrer dos relatórios minoritários.

Ora, no caso dos autos, em primeiro lugar cumpre desde logo afirmar que a Expropriante se insurge contra a sentença recorrida, nas questões em que mantém a dissenção, exactamente pelos mesmos motivos que havia invocado no recurso do acórdão arbitral, razão pela qual, os fundamentos em que assenta tal dissentimento eram do conhecimento dos Senhores Peritos que efectuaram o relatório de peritagem maioritário, e responderam aos esclarecimentos a este respeito solicitados pela entidade Expropriante, explicando a opção e mantendo os critérios adoptados no laudo.

Portanto, no caso, não existem quaisquer elementos de facto divergentes aduzidos por qualquer um dos peritos nomeados pelo tribunal fundar decisão diversa das já proferidas, pronunciando-se contra tais critérios adoptados apenas o Senhor Perito indicado pela entidade Expropriante.

Do que vem de aduzir-se resulta claramente que todos os Senhores Peritos cumpriram cabalmente o dever de fundamentação do laudo pericial relativamente aos critérios usados na avaliação, em obediência ao preceituado no artigo 21.º do Estatuto dos Peritos Avaliadores.

Efectivamente, os mesmos explicaram porque classificaram o solo como apto para construção, porque afastaram o método fiscal e entendem ser de adoptar o método supletivo previsto no n.º 4 do artigo 26.º do CExp, e enunciaram claramente nos relatórios as fórmulas de cálculo que adoptaram relativamente a cada um dos items previstos nos números seguintes do referido preceito legal e que usaram na avaliação em causa, explicando cabalmente os critérios utilizados.

Verifica-se também do laudo pericial e das explicações prestadas que os Senhores Peritos indicados pelo Tribunal e pelo Expropriado tiveram em conta na respectiva elaboração as alegações de recurso da Expropriante, tanto assim que explicaram melhor do que constava no acórdão arbitral, os critérios adoptados.

Vejamos, portanto, se relativamente a algum dos critérios de avaliação adoptados pelos Senhores Peritos maioritários e acolhidos na sentença recorrida, se verifica algum fundamento para a sua pretendida alteração, mormente por existir algum erro, contradição no critério ou ilegalidade na valorização, que determine a adopção de critério diverso, mormente o proposto pelo Senhor Perito minoritário, indicado pela entidade Expropriante.


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III.2.3. Valor do acórdão arbitral

A decisão proferida pelos árbitros em processo de expropriação, tem natureza jurisdicional, razão pela qual deve ser fundamentada como uma sentença judicial, e tem, consequentemente, a mesma força vinculativa que a lei confere às sentenças judiciais[16].

 Desta sorte, no âmbito da decisão arbitral há lugar à aplicação analógica do disposto no artigo 684.º, n.º 4, do CPC, significando isso que os efeitos do julgado arbitral, na parte em que não tenha sido interposto recurso, não podem ser prejudicados nem pela decisão do recurso nem pela eventual anulação do processo.

«Nesta perspectiva, o expropriado ou outro interessado que não recorra do acórdão arbitral não pode obter, no recurso só interposto pela entidade beneficiária da expropriação, indemnização superior àquela que lhe foi arbitrada naquele acórdão»[17].

Assim sendo, no caso dos autos, não tendo os Expropriados recorrido do acórdão arbitral que considerou dever a justa indemnização devida pela expropriação da parcela de terreno em questão ser computada em 12.969,78€, não pode agora, mercê do recurso interposto pela expropriante quanto ao valor da indemnização, ser-lhes concedido o valor considerado como sendo o da justa indemnização pelo laudo pericial maioritário que a computou em 13.448,06€, mesmo que se venha a entender que este se mostra correctamente valorizado, porquanto a tal obsta a proibição da reformatio in pejus consagrada no citado artigo 684.º, n.º 4, do CPC[18].


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III.2.4. – Quanto aos critérios de avaliação

Como resulta do relatório supra, a expropriante aceita a classificação do solo como apto para construção efectuada pelos peritos, bem como, a adopção do critério supletivo previsto no artigo 26.º, n.º 4, do CExp relativamente ao cálculo do respectivo valor, a adoptar quando não se revele possível aplicar o chamando «critério ou método fiscal», previsto no n.º 2 do referido preceito legal, e que foi aquele que a sentença recorrida, depois de correcta fundamentação, acabou por seguir.

Vejamos, então, em face dos princípios gerais supra referidos quanto ao cálculo da indemnização, se procedem ou não as questões suscitadas pela recorrente.

O artigo 26.º do CExp que rege sobre o cálculo do valor do solo apto para construção, preceitua no seu n.º 1 que «[o] valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 23º», ou seja, critério primeiro é que seja garantido ao Expropriado o pagamento da justa indemnização.

De acordo com o citado artigo 23.º, n.ºs 1 e 4, para que o montante da justa indemnização seja alcançado será necessário aquilatar qual o valor real e corrente do bem objecto de expropriação de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, apreciado à data da publicação da declaração de utilidade pública, de acordo com uma situação norma de mercado, e tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

«Dir-se-á, em suma, que a justa indemnização pela expropriação deve corresponder ao montante que um comprador não especialmente motivado, face a elementos globais de facto, incluindo o aproveitamento económico normal, em obediência à lei lato sensu, à data da publicação da declaração de utilidade pública, aceitaria pagar pelos bens a título de preço. (…)

Note-se que, por força do nº 1 do artigo 23º, devem ter-se «em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes», efectivas, e não as meramente supostas ou ficcionadas. Isto responde à dúvida sobre se, para avaliação da parcela do prédio, se deve considerar o que já está edificado ou se, diferentemente, se deve atender ao máximo de construção que o PDM permite no seu artigo 29º»[19].  

Postas estas considerações gerais, entremos nas concretas questões suscitadas que àquela luz serão apreciadas.


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III.2.4.1. – Quanto ao índice de construção

Pretende a Recorrente que a sentença recorrida adoptou um coeficiente de construção para além do máximo permitido de 0,6m2/m2, ao considerar a percentagem de 0,3m2/m2 para garagens e arrumos, não previstas no PDM, assim considerando um coeficiente de construção de 0,9m2/m2, em violação da lei.

Salvo o devido respeito, entendemos que não lhe assiste razão na questão colocada.

Efectivamente, do Regulamento do Plano Director Municipal de Seia, que estabelece as principais regras a que deve obedecer a ocupação, uso e transformação do solo na área por ele abrangida, abreviadamente designado doravante por PDM, que foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 121/97, publicada na I série B do DR de 24-07-1997, encontrando-se em vigor à data da declaração de utilidade pública (artigo 5.º), constam as definições da diversa nomenclatura técnica que utiliza.

De entre as referidas no artigo 6.º deste instrumento legal, importam ao caso em apreço as previstas nos seus n.ºs 2, 3, 4, 6 e 7, com o seguinte teor:

«2) Área do terreno utilizável – entende-se por área do terreno utilizável a área constituindo parte ou o todo de uma parcela rústica e definida como urbana em plano. Inclui área de implantação de edifícios, bem como áreas de infra-estruturas, vias, acessos, parqueamento, serviços e equipamentos;

3) Espaço urbano – conjunto de áreas urbanas ou urbanizáveis;

4) Área de construção – área total de pavimento de uma ou mais construções;

6) COS (coeficiente de ocupação do solo) – índice resultante da razão entre a área de construção e a área do terreno utilizável (com exclusão de caves e sótão);

7) CAS (coeficiente da afectação do solo) – índice resultante da razão entre a área de implantação dos edifícios e a área do terreno utilizável».  

Conforme decorre da matéria de facto assente, a parcela expropriada a que foi atribuído o n.º 28, tem uma área de 302 m2 e destaca-se de um prédio rústico com uma área total de 3.180 m2, sito na freguesia e concelho de Seia, sendo que à data da declaração de utilidade pública, tal parcela encontrava-se inscrita no PDM em "Espaço Urbano" da cidade de Seia, na Zona - ZVU4A, destinada para moradias isoladas.

Portanto, de acordo com a definição supra referida, a parcela expropriada está inserida em área urbana ou urbanizável, considerando para a mesma o referido PDM um CAS de 0,3 e um COS de 0,6. Ora, tendo em conta as definições supra transcritas, o coeficiente de ocupação do solo usado e que a recorrente impugna, é o que se refere ao índice resultante da razão entre a área de construção (área total de pavimento de uma ou mais construções), e a área de terreno utilizável (a área constituindo parte ou o todo de uma parcela rústica e definida como urbana em plano. Inclui área de implantação de edifícios, bem como áreas de infra-estruturas, vias, acessos, parqueamento, serviços e equipamentos), expressamente exclui caves e sótão. Significa isto que esta afectação não está legalmente incluída no referido índice, ao contrário do que pretende a recorrente.

Por seu turno, o mesmo instrumento estabelece para o CAS - coeficiente da afectação do solo resultante da razão entre a área de implantação dos edifícios e a área do terreno utilizável -, um coeficiente de 0,3.

Foi este o critério usado desde logo no Laudo de Avaliação elaborado pelos Peritos que integra o Acórdão Arbitral, no qual, efectuada a avaliação da parcela n.º 28, a classificaram como "solo apto para construção", considerando um índice de construção bruto = 0,6 m2 / m2 de terreno, referindo que tal significa que por m2 de terreno, se pode construir 0,6 m2 de habitação; e considerando o coeficiente de 0,3 m2 para garagem, aduzindo como justificação para o efeito que «os árbitros tiveram em atenção, na determinação da capacidade de construção do terreno, que o índice de construção bruto se refere apenas à construção implantada acima do solo, que consideraram destinada a habitação, tendo ainda acrescido a essa capacidade áreas destinadas a garagem e arrumos, em cave e/ou aproveitamento de sótão, cuja existência, além de comum, resulta de imposição legal».

Por seu turno, do relatório maioritário dos peritos resulta quanto a este aspecto que o «PDM de Seia define, para o local da parcela, um CAS de 0,3 e um COS de 0,6. Deste modo é possível construir por cada metro quadrado de terreno: Habitação - 0,6 m2; Garagem e arrumos - 0,3 m2

A garagem, obrigatória por lei e os arrumos, por se situarem em cave, não estão incluídos na percentagem do COs. Mas como fazem parte da construção da habitação e têm um custo não se pode abdicar, desse mesmo custo, no cálculo do valor unitário do terreno».

O Senhor Perito indicado pela Expropriante nada aduziu a este respeito.

Ora, considerando que este coeficiente também já tinha sido considerado no acórdão arbitral, sendo portanto valorizado por 7 dos 8 peritos que se pronunciaram nos autos, e que o mesmo se encontra previsto no PDM para os efeitos supra referidos, não existe a invocada violação dos limites de construção impostos pelo PDM.

Também o facto de ser considerada uma cave para o efeito, os peritos explicam que a mesma não aumenta os custos de construção conforme aduzido pela recorrente, considerando o tipo de terreno em questão, sendo que, em favor da argumentação aduzida, temos a foto que ilustra a vistoria ad perpetuam rei memoria da qual se pode constatar que este é o tipo de moradia – portanto, a utilização económica normal – que se mostra construída nas proximidades do terreno expropriado.

Portanto, entendemos ser de manter o referido coeficiente de 0.3 para garagens e arrumos.

Pretende também a recorrente que sendo o coeficiente máximo de construção de 0.6, e sendo esta a área bruta, então devia ser descontada ao mesmo a área para cedências obrigatórias, que o perito por si indicado considerou como sendo de 20%, correspondendo consequentemente a um índice final de 0,48m2/m2.

A este respeito, nos esclarecimentos prestados, os Senhores Peritos que subscreveram o relatório maioritário aduziram a seguinte justificação “a propriedade está classificado no PDM de Seia como apta para construção, não urbanizada. Isso exclui, nesta fase, a determinação de cedências obrigatórias, pelo que o valor de compra incide sobre toda a propriedade. As cedências obrigatórias só irão verificar-se na fase de loteamento do terreno”.

Ora, em face das considerações genéricas supra tecidas, não podemos deixar de aderir a esta justificação. Efectivamente, o valor da justa indemnização é calculado à data da declaração de utilidade pública e, nesta ocasião, o terreno total não estava loteado e, como tal, não havia qualquer cedência a efectuar, sendo que a parcela em questão, atenta a sua dimensão, não tem como utilidade económica normal o loteamento.

Assim, dependendo uma eventual cedência do tipo de utilização futura que se pretendesse dar ao terreno global em termos urbanísticos, não pode a mesma ser considerada neste momento a que se reporta a atribuição da compensação pela perda desta parcela de terreno com a referida potencialidade edificativa máxima que, como tal, deve ser a adoptada para efeitos de cálculo da indemnização, e que, aliás, já o fora também pelo acórdão arbitral.

Dir-se-á para finalizar que não impressiona o argumento aduzido pela entidade expropriante quanto ao facto de tal índice, se considerado também para a parte sobrante, ou seja, para todo o prédio, implicar uma área bruta de indemnização de 1.908m2, ou seja de uma habitação unifamiliar com uma área bastante superior a um aproveitamento normal e sem qualquer adequação urbanística. De facto, não só não estamos a falar do terreno todo, mas da parcela em questão que tem uma área absolutamente normal para a construção de uma moradia unifamiliar[20], como se estivéssemos a falar de toda a área sobrante, então, em princípio, estaríamos em face de terreno com potencialidade para o tal referido loteamento.    


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III.2.4.2. – Quanto ao custo de construção

Vejamos agora se procedem as conclusões da Recorrente referentes às questões colocadas a respeito do cálculo do custo da construção.

Neste conspecto, quer o acórdão arbitral quer o laudo maioritário, consideraram como factor de cálculo os valores decorrentes da Portaria n.º 1152/2006, de 30 de Outubro, que prevê para Seia, zona III, o valor de 557,29€/m2 de área útil, estribando-se no preceituado no artigo 26.º, n.º 5, do CExp.

Invocaram para a aplicação deste valor que é o previsto como valor referencial no citado artigo, que manda atender na determinação do custo da construção aos montantes administrativamente fixados para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.

Conforme resulta do normativo em apreço, trata-se da indicação de valores de referência e, como tal, não estamos perante um critério de aplicação vinculativa, sendo, porém, um dos elementos a atender para encontrar o critério geral que se reporta ao valor real e corrente dos bens [21].

Pretende a recorrente que melhor fora para esse efeito a opção pelos critérios do CIMI que foi efectuada pelo perito por si indicado, distinguindo o preço de construção do custo de construção, e invocando que a adopção dos valores indicados na referida Portaria duplica o valor do solo.

Também esta questão foi devidamente tratada e fundamentada na sentença recorrida, nos seguintes termos:

«O relatório pericial maioritário elaborado pelos peritos nomeados pelo tribunal fixou o preço por metro quadrado de construção com referência ao valor constante da Portaria n.º 1152/2006 que estabelece o preço de €557,29, por metro quadrado de área útil, para as habitações nos concelhos da Zona III, sendo que, a área útil representa, em regra, 85% da área bruta, pelo que o preço que se adopta para a habitação é de €473,70/m2 e para garagem e arrumos de €300,00/m2. Esclarecendo que, como os custos referidos estão de acordo com os praticados, na região, para a construção de habitações unifamiliares, de qualidade média, são esses os preços que se consideram no processo de avaliação.

De facto, o normativo em análise não estabelece a correspondência absoluta entre o metro quadrado da construção e o fixado nas portarias, porque apenas refere que estes devem ser considerados na avaliação. Ou seja, não se trata de uma normatividade absolutamente vinculativa para o Tribunal, porque este, além do mais, pode actuar de harmonia com o que se prescreve no n.º 5 do artigo 23.º do C.E. (veja-se Salvador da Costa, in ob. cit., pág. 181).

Porém, conforme é dito no citado acórdão da Relação de Coimbra de 30-11-2010, "Para determinação do custo da construção, deve atender-se, liminar, primacial e preferentemente, ex vi do disposto no art.º 26.º n.º 5 do CE, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, apenas tais critérios podendo ser postergados ou mitigados se tal se revelar necessário para a consecução da justiça do caso, posição que imporá cabal e convincente justificação" - processo n." 3029/08. 7TBVIS.C 1, disponível in www.dgsi.pt.

A Expropriante alega que não é de aplicar tal Portaria, porquanto aplicar o regime de renda condicionada à avaliação de um solo onde não existem construções, traduz-se numa duplicação, uma vez que são simultaneamente adicionados ao valor do solo já incluído na portaria, os factores consagrados nos n.os 6 e seguintes do C.E.

Com efeito, invoca a expropriante o argumento de que as portarias da renda condicionada se reportam a um valor que já inclui as construções erigidas no solo que o CE contempla e já valoriza nos nº6 a 11 do artigo 26°, pelo que, aquele valor não dever abranger o "terreno limpo" sob pena de tal duplicar a valorização do solo.

Porém, entendemos que não lhe assiste razão (seguindo de perto o já supra citado acórdão da Relação de Coimbra de 30-11-2010, por se sufragar totalmente tal entendimento), por três ordens de razões:

- primeiro, porque a letra da lei - artigo 26° n05 do CE - não permite, de todo, esta interpretação, nos termos do disposto no artigo 9° nº2 do Código Civil;

- segundo, porque o acolhimento de tal entendimento - já que isolado e, até certo ponto, peregrino e sem consideração e atendimento pelos tribunais nos restantes casos concretos - implicaria a afectação da justiça, na sua vertente relativa ou comparativa, já que expropriados em situações idênticas seriam tratados ou julgados de modo diferente;

- terceiro, porque, mesmo na vertente da justiça deste caso concreto, o valor pela recorrente propugnado não se alcança o mais adequado para a consecução desta.

Ora, são os próprios peritos (os quais serão a pessoas mais indicadas para terem conhecimento da realidade e do custo e valor da construção na zona da parcela) que referem que os valores da Portaria n.º 1152/2006, de 30 de Outubro, estão de acordo com os valores de construção praticados na região. Ademais, inexistem nos autos elementos que a infirmem ou contrariem tal interpretação».

Em face dos elementos dos autos, não pode deixar de concordar-se com a fundamentação expressa na sentença recorrida e à mesma aderir.

Efectivamente, remetendo o elemento literal da lei para a consideração de um dos dois critérios ali referidos como referenciais, e afirmando os Senhores Peritos que subscreveram o laudo maioritário que o valor encontrado por aplicação dos critérios previstos na referida portaria, está de acordo com os valores praticados na região, atentas as suas características de isenção e idoneidade, não temos qualquer razão para crer que tal afirmação não corresponda à realidade, e adoptar um critério que nem resulta da lei nem é habitualmente usado para o fim em vista, ou sequer para subtrair aos valores previstos na indicada Portaria o percentual proposto pela Recorrente, porquanto, aí sim, o tribunal estaria a adoptar um critério que se afastaria da justa indemnização por não ter correspondência no valor de mercado.

Aliás, daquela afirmação resulta inclusivamente que os Senhores Peritos, usaram este valor referencial e o compararam com o valor de mercado, critério primeiro da atribuição da justa indemnização, entendendo que os mesmos se equivaliam, portanto, em claro respeito pelo preceituado no artigo 23.º, n.º 5, do CExp com vista à atribuição da indemnização reparadora da ablação do direito de propriedade, por justa na comparação com os demais proprietários que não sofreram tal perda.

Ademais, não é despiciendo salientar que também neste aspecto, o laudo maioritário coincide com o acórdão arbitral, não se vislumbrando fundamento válido que leve à alteração do critério adoptado.


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III.2.4.3. – Quanto ao índice fundiário base

A este respeito pretende a Recorrente ser excessivo o índice fundiário base de 10% atribuído pelos peritos maioritários, sendo adequado o índice de 8% proposto pelo perito que indicou.

Para o efeito invoca, no essencial, que a percentagem correspondente à localização, qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, tem que se reportar à escala do país, e que só o perito minoritário tomou em atenção o Ac. STJ n.º 1/99, publicado na I série do DR, em 13/02/1999.

O acórdão referido foi tirado a propósito da norma que lhe correspondia no CExp de 1991 e que era a do artigo 25.º, n.º 3, alínea h), tendo fixado jurisprudência nos seguintes termos: "[a] percentagem de 15% estabelecida na alínea h) do n.º 3 do artigo 25.º (. .. ) - elemento uniformizador do critério de avaliação -, perderá a sua fixidez, passando a maleabilizar-se, no momento da sua aplicação, a cada caso concreto, de acordo com a avaliação que se faça da 'localização e qualidade ambiental' do bem expropriado, visando alcançar a constitucional justa indemnização".

Esta jurisprudência veio a ter consagração legal no artigo 26.º, n.º 6, do CExp de 1999, que veio consagrar que «num aproveitamento económico normal, o valor do solo apto para construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo de construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona», podendo ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens previstas no n.º 7, e com a variação que se mostrar justificada.

Ora, no caso em apreço, a parcela expropriada situando-se numa zona de relevo suave, na periferia de Seia, mas dentro do perímetro urbano e nas suas imediações localizam-se algumas moradias dispersas e outras distribuídas ao longo da Estrada Nacional, tendo uma configuração rectangular e topografia plana, cujo solo, resultante da meteorização das rochas graníticas, possuía textura grosseira, boa profundidade, sem afloramentos rochosos e sem problemas de drenagem, sendo servido a poente por um caminho de terra batida, em boas condições, que entronca na Estrada Municipal a 15 metros, encontrando-se a parcela e o caminho ao mesmo nível.

Acresce que num raio de 1000 metros, contados do limite da parcela, situam-se diversos equipamentos e serviços públicos, sendo a parcela servida por rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, rede de distribuição de água a domicílio e rede telefónica, e em toda a área envolvente da parcela não são conhecidos focos de poluição do meio ambiente.

Portanto, pode concluir-se que a parcela em questão, está bem localizada, no perímetro urbano de Seia, tem boa qualidade ambiental, sendo num raio de 1000m tem diversos equipamentos e serviços públicos, estando servida pelas redes de distribuição de água, energia eléctrica e rede telefónica.

Este preceito reporta-se ao aproveitamento económico normal, também já salientado no n.º 1 do preceito.

Todos estes indicadores e a própria letra do preceito apontam em nosso entender, ao invés do pretendido pela Recorrente – e que já foi decidido -  que esta localização, qualidade ambiental e equipamentos se apreciam em face da zona em que estão inseridos. Na verdade, dificilmente se alcança que fosse possível comparar o solo em causa com todos os demais solos do país; que a valorização dum terreno no interior tivesse por comparação a valorização dum terreno numa zona nobre da capital do país; tanto mais que não se compreende como actuando dessa forma se conseguiria introduzir elementos de avaliação que se destinassem à determinação da justa indemnização.

Afigura-se-nos, portanto, que a correspondência do valor do solo a um máximo de 15% do custo de construção a que se reporta o preceito deve entender-se no mercado em que o imóvel se insere, à zona em que está inserido, tanto mais que é por esse valor de mercado que se determina também o valor do solo, valor base que encerra em si, a acentuada diferença económica de se situar numa qualquer aldeia desertificada do interior, profundamente desvalorizada, ou no centro duma cidade como Lisboa ou o Porto, onde os terrenos alcançam um elevado valor de mercado.    

            Nestes termos, em face do laudo maioritário e do coincidente valor fixado no acórdão arbitral, não se alcançam razões para diminuir a percentagem fixada em 10%.

Desta sorte, estando o laudo pericial maioritário cabalmente fundamentado e não beliscando tal fundamentação qualquer norma ou critério legal, antes tendo tido em consideração todos os elementos a que devia atender para a avaliação do terreno expropriado, bem andou a sentença recorrida ao acolher o relatório maioritário dos peritos, fixando o valor do solo no montante por estes encontrado, mas atribuindo aos expropriados o valor previsto no acórdão arbitral, por força do caso julgado sobre o mesmo formado.

Improcede, portanto, o recurso sendo de confirmar a sentença recorrida.


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III.3. - Síntese conclusiva

I – Quer no artigo 62.º da CRP quer no artigo 1310.º do CC o legislador utiliza conceitos indeterminados que nos remetem para a justeza e adequação da indemnização devida pela retirada forçada ao proprietário da coisa que lhe pertence por via da expropriação, os quais são concretizados no artigo 23.º do CExp.

II – A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o critério mais adequado para garantir os princípios da igualdade e da proporcionalidade visando alcançar a compensação integral do sacrifício patrimonial imposto ao expropriado é o do valor de mercado.

III – Muito embora a força probatória das respostas dos peritos seja fixada livremente pelo julgador, atendendo à especial conformação legal da avaliação em processo de expropriação, e aos especiais conhecimentos técnicos exigidos aos peritos nomeados para a efectuarem, caso o relatório pericial seja unânime ou maioritário, o tribunal só deve afastar-se dos valores por aqueles propostos com base em especiais conhecimentos que o mesmo não possui, se verificar a existência de erro ou incumprimento pelos peritos dos critérios legalmente estabelecidos e aos quais estes também se encontram vinculados.

IV – Apesar de se tratar de um critério de referência, aquele que o n.º 5 do artigo 26.º do CExp prevê, se os montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados, forem semelhantes ao valor de mercado do imóvel, devem prevalecer para este efeito sobre outros critérios, mormente os decorrentes do CIMI.

V – Prevendo a lei que o valor do solo apto para construção, num aproveitamento economicamente normal, corresponda a um máximo de 15% do custo de construção, variando em função da localização, da qualidade ambiental, e dos equipamentos existentes na zona, para que tal percentual corresponda a uma justa indemnização, há-de reportar-se à zona em que se insere o imóvel.


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IV - Decisão

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da Apelante.


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Albertina Pedroso ( Relatora )

Virgílio Mateus

Carvalho Martins


[1] Doravante abreviadamente designado CPC.
[2] Doravante abreviadamente designada CRP.
[3] Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, 3.ª edição, pág. 336.
[4] Doravante abreviadamente designado CC.
[5] Aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, e doravante abreviadamente designado CExp.
[6] Cfr. a título meramente exemplificativo, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 20/2000, de 11 de Janeiro de 2000, publicado no Diário da  República, II Série, de 28 de Abril, e de 08-06-2008, disponível em  http://jurisprudencia.vlex.pt/vid/22861404.
[7] Cfr. Salvador da Costa, in Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, Almedina 2010, págs. 144 e 145.
[8] Cfr. Alves Correia, “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, in RLJ, 132º, págs. 233 e seguintes.
[9] Cfr. Ac. deste TRC, de 02-06-2009, proferido no Proc. n.º 3880/03.4TBAVR.C1, podendo ver-se no mesmo sentido o Ac. TRL, de 06-11-2008, Proc.º n.º 6772/2008, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. deste TRC, de 17-06-2008, proferido no Proc. n.º 156/05.6TBPNL.C1, podendo consultar-se no mesmo sentido, o Ac. TRG de 27-03-2008, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[11] Cfr., neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 576.
[12] Cfr. Salvador da Costa, ob. cit., pág. 368.
[13] Cfr. Ac. TRC, desta 2.ª secção de 31-05-2011, proferido no processo n.º 1197/05.9TBGRD.C2, disponível em www.dgsi.pt. Neste mesmo sentido, pode ver-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 07-07-2009, proferido no processo n.º 61/1996.L1-1, onde se referiu: «[…] Apesar da sua liberdade de apreciação das provas, incluindo a pericial, o julgador não pode, sem fundamentos suficientemente sólidos, afastar-se do resultado das peritagens, sobretudo quando são unânimes ou quando os peritos formaram maioria e oferecem garantias de imparcialidade, ainda mais quando os maioritários são peritos do tribunal. […] Um tal afastamento só se justificará, por exemplo, quando o tribunal concluir que os peritos basearam o seu raciocínio em erro manifesto ou num critério ilegal. De contrário, não apresentando o relatório pericial qualquer desses vícios, e à falta de elementos mais seguros e objectivos, há que aceitar o valor proposto pelos técnicos. […]».
[14] Doravante abreviadamente designado EPA.
[15] Cfr. neste sentido, a título meramente exemplificativo da inúmera jurisprudência a este respeito deste TRC, os Acórdãos relatados pelos ora 1.º e 2.º adjuntos, respectivamente, de 12-12-2006, proc.º n.º 5191/04.9TBLRA.C1 de 14-12-2010, proc.º n.º 4714/07.6TBVIS.C1; e do TRL de 31-05-2012, proc.º n.º 763/1994.L1-2, todos disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt
[16] Cfr. neste sentido, Salvador da Costa, ob. cit., pág, 403, e Ac. do Tribunal Constitucional aí citado.
[17] Cfr. autor e obra citada, pág. 404.
[18] Cfr. neste mesmo sentido, Ac. TRL de 23-02-2010, proferido no processo n.º 6186/07.6TBCSC.L1-7.

[19] Cfr. Ac. TRC de 31-05-2011, proferido no processo n.º 495/06.9TBMGL.C1, relatado pelo ora primeiro adjunto e também subscrito pelo ora segundo adjunto.

[20] Conforme se refere na peritagem maioritária, o tipo de construção adoptado, no processo de calculo, é o da habitação unifamiliar, composta por rés-do-chão e primeiro piso, com garagem e arrumos, que se justifica pela tipologia urbanística dominante na envolvente e, sobretudo, por estar prevista no P.D.M. de Seia, para o local da parcela.
[21] Cfr. neste sentido autor e obra citada, pág. 181, e a título meramente exemplificativo, Ac. TRC de 17-06-2008, proferido no processo n.º 156/05.6TBPNL.C1.