Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31896/19.1YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROVA TESTEMUNHAL
CONVENÇÃO ADICIONAL A DOCUMENTO ESCRITO
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMITENTE
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 03/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA VISEU – J. L. CÍVEL DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 394º, Nº 1, E 799º, Nº 1 DO C. CIVIL.
Sumário: 1. - Não é admissível a prova testemunhal quanto a factos referentes a convenções adicionais ao conteúdo de documento particular aceite por ambas as partes (art.º 394.º, n.º 1, do CCiv.), como no caso de um contrato escrito de mediação imobiliária que ambas as partes assinaram e invocam.

2. - O mediador imobiliário em regime de exclusividade que, na vigência do contrato de mediação, angariou terceiro interessado, o qual apresentou proposta pelo preço fixado naquele contrato, só não sendo celebrado o contrato de transmissão do imóvel por recusa posterior do comitente, cumpriu com a sua prestação de mediador no vínculo contratual de mediação.

3. - Gorando-se o contrato pretendido com aquele terceiro interessado em consequência de tal recusa, ao comitente é imputável o injustificado naufrágio do negócio angariado, que somente por culpa sua – que sempre seria de presumir (cfr. art.º 799.º, n.º 1, do CCiv.) – não se realizou.

4. - Em tal caso assiste ao mediador o direito à remuneração, embora o negócio angariado não se tenha realizado, posto a frustração desse negócio ser exclusivamente imputável ao comitente.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

C..., Ld.ª”, com os sinais dos autos,

intentou procedimento de injunção, que seguiu como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra

P... e mulher, A..., também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia de €6.681,89 [correspondente a €6.500,00 de capital, €39,89 de juros de mora vencidos, €40,00 de «Outras quantias» e €102,00 de taxa de justiça paga], bem como juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, até integral e efetivo pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese ([1]), que:

- outorgou com os RR., em 26/06/2018, um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, com a validade de seis meses, ficando tais RR. obrigados a pagar à A. a quantia de €5.000,00, acrescida de IVA, a título de remuneração pela venda, que se conseguisse alcançar, de prédio identificado, venda essa pelo preço fixado de €95.000,00;

- a A. promoveu o imóvel e angariou interessada, com proposta de compra nos precisos termos acordados, formalizada em 04/12/2018, mas que os RR. injustificadamente recusaram;

- na sequência, a A. emitiu a fatura correspondente à remuneração dos serviços prestados, no valor de €6.500,00 e juros, que os RR. se recusam a pagar, tendo-se constituído em mora.

Opuseram-se os RR., concluindo pela total improcedência do pedido formulado e sua consequente absolvição.

Procedeu-se a julgamento, após o que, produzidas as provas, foi proferida sentença ([2]), julgando a ação improcedente, com total absolvição dos RR..

Porém, após arguição, pela A., de «nulidade decorrente da ininteligibilidade dos depoimentos» objeto de gravação em audiência final (fls. 116 do processo físico), foi proferido despacho, datado de 23/01/2020, a declarar «a anulação do julgamento efectuado nos autos e de todos os actos praticados posteriormente», com designação de nova data para (repetição da) audiência final (cfr. fls. 122 do processo físico).

Assim, realizada nova audiência final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«- julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenando-se os requeridos a pagar à A. a quantia de €6.189,89 (seis mil cento e oitenta e nove euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos, desde 28/03/2019, às sucessivas taxas comerciais em vigor, até efetivo e integral pagamento;

- absolvem-se os requeridos do demais peticionado.» (cfr. fls. 144 do processo físico, com destaques retirados).

Duplamente inconformados – com esta sentença e com aquele despacho de 23/01/2020 –, os RR. vêm interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões([3]):

...

Foi apresentada contra-alegação recursiva, pugnando a A./Recorrida pela inadmissibilidade do recurso tendo por objeto o impugnado despacho datado de 23/01/2020 e pela improcedência do recurso da sentença, com a consequente confirmação desta.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo, após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, importa saber ([5]):

a) Se é admissível e deve proceder o recurso tendo por objeto o despacho datado de 23/01/2020;

b) Se, em matéria de sentença, ocorre erro de julgamento de facto da 1.ª instância, devendo alterar-se a decisão da matéria de facto (quanto aos factos dados como não provados, a deverem ser julgados como provados);

c) Se não tem a A./Recorrida direito à remuneração no âmbito do celebrado contrato de mediação imobiliária.

III – Da (in)admissibilidade do recurso do despacho de 23/01/2020

Como visto, a A./Recorrida defende que o interposto recurso do despacho datado de 23/01/2020 – que decidiu questão de nulidade processual, julgando, à luz do disposto nos art.ºs 195.º, 196.º e 155.º, n.º 1, todos do NCPCiv., no sentido da «anulação do julgamento efectuado nos autos e de todos os actos praticados posteriormente» (incluindo a sentença absolutória, datada de 21/10/2019), por via de impercetibilidade da gravação da prova oralmente produzida em sede de audiência final («não se compreendendo com clareza os depoimentos prestados») – não é legalmente admissível, por se tratar de impugnação de decisão proferida sobre nulidade prevista no art.º 195.º, n.º 1, do NCPCiv., cuja recorribilidade é vedada pela norma do art.º 630.º, n.º 2, do mesmo Cód. [cfr. al.ª a) das conclusões da respetiva contra-alegação de recurso].

Dispõe o n.º 2 daquele art.º 630.º:

«Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.» (itálico aditado).

A regra do caráter definitivo da apreciação judicial quanto às nulidades previstas no n.º 1 do art.º 195.º do NCPCiv. decorre do «facto de se tratar de questões de natureza instrumental relativamente ao objectivo final da lide», permitindo «que se confie no prudente critério do juiz no que concerne à ponderação do relevo negativo de qualquer eventual nulidade ou irregularidade procedimental». Todavia, «o legislador previu uma cláusula de salvaguarda, na pressuposição, que o quotidiano judiciário demonstra, de que determinadas opções do juiz, conquanto não excedam os limites da instrumentalidade, podem contender com outros princípios que o sistema deve assegurar», como no caso de «violação do princípio da igualdade substancial das partes consagrado no art. 4.º e que veda a possibilidade de existir um tratamento privilegiado ou discriminatório de alguma das partes» ([6]).

E conclui Abrantes Geraldes, neste plano, que «a insindicabilidade é limitada pela alegação – que se pressupõe séria e sujeita a posterior confirmação – da concreta violação de algum dos princípios ou regras previstos na parte final do preceito.» ([7]).

Quer dizer, aos Apelantes não bastava, para demonstrar a recorribilidade, interpor recurso do despacho decisório da questão de nulidade processual; cabia-lhes ainda alegar, de forma séria, a concreta violação de algum dos princípios ou regras aludidos (princípios da igualdade ou do contraditório, aquisição processual de factos ou admissibilidade de meios probatórios).

Ora, se, no seu requerimento de interposição de recurso, os Apelantes apenas aludem, neste aspeto, ao disposto no art.º 644.º, n.º 3, do NCPCiv., norma que nada adianta para o âmbito em referência, também é certo que nada acrescentam na sua decorrente alegação recursiva quanto aos princípios ou regras aludidos, a nenhum deles convocando (cfr. fls. 157 a 161 do processo físico).

E o mesmo ocorre no quadro conclusivo (cfr. conclusões 1 a 5 aperfeiçoadas), onde apenas se alude ao imputado erro na avaliação da qualidade e audibilidade da gravação e decorrente errada decisão de anulação proferida ([8]), parecendo ter-se como adquirida e pacífica, sem mais, a recorribilidade do despacho impugnado e a decorrente admissibilidade do respetivo recurso.

Porém, assim não é. Como visto, ante a regra da irrecorribilidade prevista na primeira parte do n.º 2 do art.º 630.º do NCPCiv. (quanto a decisão proferida sobre a mencionada nulidade processual), cabia aos Apelantes demonstrar (ou, no mínimo, alegar) a matéria integrante da exceção, isto é, que a decisão em crise comportava dimensão violadora dos princípios da igualdade ou do contraditório, da aquisição processual de factos ou da admissibilidade de meios probatórios.

Não o tendo feito, impõe-se a regra aludida da irrecorribilidade prevista na primeira parte do n.º 2 daquele art.º 630.º, o que obrigava, como suscitado pela Recorrida, à rejeição do recurso, nesta sua vertente, ou, admitido o mesmo na 1.ª instância, impõe o não conhecimento do seu objeto [cfr. art.ºs 652.º, n.º 1, al.ªs b) e h), e 655.º, ambos do NCPCiv.], sendo que não se torna necessário agora o exercício do contraditório (quanto aos Apelantes), posto a questão ter sido suscitada em sede de contra-alegação de recurso e os Recorrentes terem vindo ainda, a posteriori, juntar a sua peça recursiva com conclusões aperfeiçoadas, para além de se tratar de questão da máxima simplicidade, tornando manifestamente desnecessária a reativação agora do princípio do contraditório (cfr. art.º 3.º, n.º 3, do NCPCiv.).

Pelo exposto, esta Relação não conhece, nesta parte, do objeto do recurso, restando apreciar a impugnação da sentença.

IV – Fundamentação

A) Matéria de facto

É a seguinte a factualidade julgada provada na sentença:

...

B) Impugnação da decisão da matéria de facto

Como referem os Apelantes, o Tribunal a quo julgou não provado que, previamente à redução a escrito do contrato de mediação imobiliária, os Recorrentes comunicaram à Recorrida diversas condições, não formalizadas no escrito contratual, para a realização do negócio visado, a saber:

a) Pagamento de sinal e princípio de pagamento no valor de €47.500,00, correspondente a metade do preço, com a celebração do contrato-promessa de compra e venda;

b) Saída dos réus do imóvel depois de concluídas as obras noutro imóvel para o qual iriam residir (com eventual pagamento de uma renda ao promitente-comprador durante o período de permanência dos réus);

c) Pagamento do remanescente do preço (€47.500,00) com a celebração do contrato de compra e venda.

Aludem os impugnantes, neste âmbito, tratar-se de «estipulações verbais acessórias anteriores ou contemporâneas do documento exigido para a declaração negocial», as quais, termos do art.º 221.º do CCiv., assumem validade (substantiva), por não serem contrárias ao conteúdo do documento, nem abrangidas pela razão de ser da exigência do documento e, ademais, o ponto em questão não ter sido clausulado no documento (conclusão 24), pretendendo vê-las integradas no quadro dos factos provados (com inversão, pois, do juízo de «não provado»), mormente com recurso a diversa prova testemunhal, que identificam.

Ora, é certo, quanto ao contrato de mediação imobiliária celebrado, em regime de exclusividade – cujo conteúdo está inserido no documento de fls. 25 a 28 do processo físico –, constar, como provado, que o preço fixado para a pretendida compra e venda era de €95.000,00 e que os RR. se comprometiam a pagar à A., a título de remuneração, a quantia de €5.000,00 [cfr. factos 1) a 3) provados e não objeto de impugnação].

No facto provado 2) dá-se como reproduzido o conteúdo daquele contrato, tal como consta do dito documento de fls. 25 a 28 do processo físico, razão pela qual deverá ler-se o seu teor, por provado.

E, lido este, constata-se que, quanto às condições do negócio visado, apenas se mencionou, no ora relevante, aquele preço de €95.000,00 (Cláusula 2.ª), o valor da remuneração da mediadora (€5.000,00, acrescidos de IVA), bem como ser esta prestação devida em caso de concretização do negócio pretendido ou de não concretização por causa imputável ao cliente e moldes do respetivo pagamento (Cláusula 5.ª), nada, pois, tendo ficado exarado/contemplado quanto a pagamento de sinal e princípio de pagamento, no valor de €47.500,00, ou outro, correspondente a metade do preço, com a celebração de contrato-promessa, nem quanto à previsão de «Saída dos réus do imóvel depois de concluídas as obras noutro imóvel para o qual iriam residir», nem sequer quanto ao «pagamento do remanescente do preço (€47.500,00) com a celebração do contrato de compra e venda».

Ora, abstraindo da validade das estipulações invocadas, no quadro do art.º 221.º do CCiv. – matéria que, obviamente, não releva para a sindicância recursiva da decisão do quadro factual –, importa antes ter em conta, no campo probatório, quanto à admissibilidade da prova testemunhal, o disposto no art.º 394.º, n.º 1, do mesmo Cód., relativamente a convenções adicionais ([9]) ao conteúdo de documento particular mencionado nos art.ºs 373.º a 379.º, também do mesmo Cód., quer se trate de convenções anteriores, contemporâneas ou posteriores à formação do documento.

Com efeito, dispõe aquele art.º 394.º, n.º 1, que «É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.» (itálico aditado).

Ora, o contrato de mediação imobiliária em causa ([10]), assinado pelas partes, é um documento particular (cfr. art.ºs 363.º, n.º 1, e 373.º, n.º 1, do CCiv.), cuja letra e assinatura se consideram verdadeiras, por não impugnadas pela parte contra quem o documento foi apresentado (art.º 374.º, n.º 1, do mesmo Cód.).

Estamos, assim, salvo o devido respeito, perante documento particular mencionado nos artigos 373.º a 379.º do CCív., tal como estamos – o que é admitido pelos próprios Recorrentes – perante factos objeto de prova referentes a convenções adicionais ao conteúdo de tal documento, donde que, salvo o devido respeito, não seja aqui admissível a prova testemunhal, invocada por uma parte no contrato contra a outra ([11]).

O que afasta, no plano recursivo, a admissibilidade de convocação das testemunhas (...) a que aludem os Recorrentes (cfr. conclusões 8 a 22) para valoração dos seus depoimentos quanto às ditas convenções adicionais ao conteúdo do documento contratual.

Resta, então, a convocada prova documental e por depoimento de parte da A./Apelante (através da sua legal representante, M..., melhor identificada em ata de fls. 126 e seg. do processo físico).

Ora, é sabido que a prova por depoimento de parte, destinada à obtenção de confissão – isto é, o reconhecimento da realidade de factos que desfavorecem o depoente e favorecem a contraparte (cfr. art.º 352.º do CCiv.) –, deve ser objeto de redução a escrito, na parte em que haja confissão ou em que sejam narrados factos que impliquem indivisibilidade da declaração confessória (art.º 463.º, n.ºs 1 a 3, do NCPCiv.), sendo ainda certo que o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, está sujeito à livre apreciação do tribunal (art.º 361.º do CCiv.), mais se sabendo que, no caso, diverso, da prova por declarações de parte, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se constituírem confissão (art.º 466.º, n.ºs 1 e 3, do NCPCiv.).

Na situação dos autos é líquido que foi prestado depoimento de parte da A., através da sua legal representante, M... [assim foi requerido pelos RR. (cfr. fls. 24 do processo físico) e admitido pelo Tribunal, como consta da ata de audiência final de fls. 126 e seg.].

Visto o que ficou consignado em ata (aludidas fls. 126 e seg. do processo físico), quanto ao que foi declarado em tal depoimento de parte, constata-se que a A. não confessou – nem algo admitiu nesse sentido – quaisquer factos relativos às alegadas convenções adicionais ao conteúdo do contrato.

Resta, pois, a prova documental, âmbito em que os Apelantes invocam o documento n.º 4 (preparado pela testemunha A...) junto com a sua oposição, do qual resultaria ter havido uma proposta não formalizada pelos Recorrentes com as condições que estabeleceram como essenciais para o negócio.

Ora, de tal o documento n.º 4 – mensagem de «email» enviada por A... – só pode retirar-se (cfr. «anexo») o relato de que houve um processo negocial, tendente à venda do imóvel, com alusão a propostas «dos compradores», dos «vendedores», sugestão da «Consultora», «contraproposta dos Vendedores», «contraproposta dos Compradores», seguindo-se «Resumo da situação atual», horizonte este de que se depreende que continuavam negociações e esforços no sentido de as partes na negociação chegarem a um entendimento tendente à compra e venda do imóvel.

Assim, desse documento nada de seguro pode retirar-se, salvo o devido respeito, em termos de prova dos factos invocados com referência às pretendidas convenções adicionais ao conteúdo do contrato de mediação imobiliária (contemporâneas da celebração deste).

Passando ao convocado documento n.º 5 da oposição, constata-se que se trata de mensagens de «email» trocadas entre V... e A..., enviando aquele proposta dos seus pais («Vendedores»), datada de 27/12/2018, onde é aludido que, «Tal como falámos quando colocámos o imóvel à venda é para nós condição essencial do negócio só sair do apartamento quando mudarmos para a nova habitação, bem como, o valor de sinal ser pelo menos metade para podermos adjudicar a obra de remodelação da nova casa. (…) necessitamos dessa garantia em CPCV para o caso de existir alguma eventualidade.».

Ora, deste documento, contendo a dita «Proposta dos Vendedores», com data de 27/12/2018, não pode, sem mais, fazer-se luz sobre o que foi convencionado em 26/06/2018 (data do contrato de mediação imobiliária), designadamente que ficou acordado entre as partes, apesar de não transposto para o clausulado do contrato, o alegado factualismo referente a convenção adicional ao conteúdo formalmente contratualizado.

Com efeito, trata-se de invocada «condição essencial do negócio» que só a parte interessada vem afirmar, fazendo-o a posteriori, não havendo qualquer prova – dentre as sindicáveis pela Relação – coeva da celebração do contrato de mediação imobiliária nesse sentido, em termos corroborantes.

Ora, sem tal corroboração do dito conteúdo do documento n.º 5, este não pode bastar para fazer a prova pretendida, só podendo afirmar-se ser grande a incerteza sobre a matéria.

E cabia aos Apelantes – era seu o inequívoco ónus probatório, de matéria por si alegada e que os favoreceria, desfavorecendo a contraparte – superar tal quadro de incerteza, mostrando claramente que, apesar do conteúdo do contrato escrito de mediação imobiliária, foram acordadas, ao tempo, as invocadas condições essenciais para o negócio de compra e venda, e explicando, pela via probatória, as razões pelas quais não tiveram aquelas – apesar do seu pendor decisivo – cabimento/acolhimento no clausulado contratual.

Porém não o lograram conseguir, termos em que terão de manter-se como não provados os factos impugnados, na improcedência desta vertente da impugnação recursiva, persistindo, assim, inalterado o quadro fáctico da causa, deste modo tornado definitivo. 

C) Substância jurídica do recurso

Do direito à remuneração no âmbito do contrato de mediação imobiliária

É à luz da factualidade provada – e da que persiste julgada como não provada, sem qualquer alteração pela Relação –, a única agora a considerar, que cabe apurar se existe o reconhecido (pelo Tribunal a quo) direito à remuneração no âmbito do celebrado contrato de mediação imobiliária, por via do qual os RR./Recorrentes foram condenados ao pagamento, com o que estes visivelmente não se conformam.

Invocam os Apelantes, em matéria de direito, que, embora se trate de contrato em regime de exclusividade, «Por não ter encontrado interessado para a compra do imóvel que cumprisse todas as condições estabelecidas pelos Recorrentes, a Recorrida não tem direito a receber daqueles qualquer remuneração» (conclusão 29.ª).

Ora, é patente que esta perspetiva dos Recorrentes se funda na pretendida procedência da sua impugnação da decisão da matéria de facto, no que, como já vimos, não logram vencimento.

Pretendiam, assim, que passasse de «não provado» a «provado» que era condição essencial, acordada ab initio (em sede de contrato de mediação imobiliária, embora sem nele ficar escrita), para a celebração do contrato de compra e venda pretendido:

- como sinal e princípio de pagamento, a entrega de €47.500,00, correspondente a metade do preço, aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda;

- a saída dos RR. do imóvel depois de concluídas as obras noutro imóvel para o qual iriam residir (com eventual pagamento de uma renda ao promitente-comprador durante o período de permanência);

- o pagamento do remanescente do preço (€ 47.500,00) com a celebração do contrato de compra e venda.

Sustentavam a sua argumentação de direito na circunstância de não ter a A./Recorrida logrado encontrar/angariar qualquer interessado que cumprisse esta(s) condição(ões) essencial(ais), pelo que não lhe assistiria o direito a qualquer remuneração contratual, sendo que nunca, por isso, a frustração do negócio de transmissão com o cliente angariado (apesar de o mesmo se dispor a pagar o preço fixado) seria devida a conduta culposa/imputável aos Recorrentes.

Ora, não provado o factualismo em questão, não se logrou, por consequência, demonstrar o acordo entre as partes na relação de mediação quanto a esse condicionalismo essencial, no qual a defesa dos RR. não pode encontrar, pois, suporte válido, subsistindo, ao invés – até por não objeto de impugnação – os pontos 1, 4, 5 e 6 dos factos provados (tais RR. recusaram uma proposta, obtida pela atividade angariadora da A., de compra pelo preço de €95.000,00, precisamente aquele que consta do contrato de mediação imobiliária).

Donde que, salvo o devido respeito, não resulte abalada a fundamentação jurídica da sentença em crise, ao assim vincar:

«(…) dúvidas inexistem de que se encontram preenchidos os pressupostos para a procedência do pedido formulado pela A. quanto ao valor aludido no facto provado 7), sendo que, como se está no âmbito de responsabilidade contratual, incumbia aos requeridos ilidir a presunção de culpa que sobre si impende, provando que a falta de cumprimento do seu dever ou obrigação não procedeu de culpa sua, como o impõe o n.º 1, do artigo 799.º do Código Civil, o que não lograram fazer, face à ausência de prova do facto A).

A lei presume aqui a culpa do devedor, e para a afastar, necessita obviamente este de alegar e provar a existência no caso concreto de circunstâncias, especiais ou excecionais, que eliminem a censurabilidade da sua conduta. E a prova dos factos 9) a 11) também não ilide tal presunção, uma vez que a A. apenas se limitou, de modo a tentar satisfazer o cliente, a ajustar a proposta recebida às suas ulteriores exigências, pese embora as mesmas não tivessem cobertura legal, o que não leva à desresponsabilização dos clientes pelo pagamento devido.».

Com efeito, a A., de acordo com o fim contratual, propiciou a venda pretendida, por valor que os RR., a final, não aceitaram – mas que era o estabelecido no âmbito da mediação –, só não se celebrando o contrato de transmissão imobiliária por razões exclusivamente imputáveis aos mesmos RR., termos em que cumpriu tal A. com a sua prestação até onde lhe foi possível.

Os RR./Recorrentes inviabilizaram a celebração daquele contrato, termos em que o seu inadimplemento não pode ficar incólume, tendo a A./Recorrida, enquanto parte cumpridora, direito à sua prestação, devida pela contraparte, que agiu objetivamente por forma a impedir o cumprimento do contrato entre ambas celebrado.

A situação dos autos não é, pois, a de o comitente desistir da venda e revogar o contrato de mediação, antes de lhe ter sido dado conhecimento de um terceiro interessado que reunisse as condições estabelecidas, caso esse em que «o mediador poderá ter direito a eventual indemnização pelos danos sofridos pela revogação ou denúncia antecipada do contrato, mas não o direito à remuneração» ([12]).

Na situação dos autos, diversamente, com o contrato em vigor, só após o mediador ter dado conhecimento de um terceiro interessado, disposto a pagar o preço fixado, é que foi recusada a proposta, que cumpria as exigências de antemão estabelecidas, desistindo os RR./Apelantes da venda, termos em que lhes é totalmente imputável o injustificado naufrágio do negócio angariado, que somente por culpa sua – que sempre seria de presumir (cfr. art.º 799.º, n.º 1, do CCiv.) – não se realizou ([13]).

Em suma, improcede a apelação.

V – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Não é admissível a prova testemunhal quanto a factos referentes a convenções adicionais ao conteúdo de documento particular aceite por ambas as partes (art.º 394.º, n.º 1, do CCiv.), como no caso de um contrato escrito de mediação imobiliária que ambas as partes assinaram e invocam.

2. - O mediador imobiliário em regime de exclusividade que, na vigência do contrato de mediação, angariou terceiro interessado, o qual apresentou proposta pelo preço fixado naquele contrato, só não sendo celebrado o contrato de transmissão do imóvel por recusa posterior do comitente, cumpriu com a sua prestação de mediador no vínculo contratual de mediação.

3. - Gorando-se o contrato pretendido com aquele terceiro interessado em consequência de tal recusa, ao comitente é imputável o injustificado naufrágio do negócio angariado, que somente por culpa sua – que sempre seria de presumir (cfr. art.º 799.º, n.º 1, do CCiv.) – não se realizou.

4. - Em tal caso, assiste ao mediador o direito à remuneração, embora o negócio angariado não se tenha realizado, posto a frustração desse negócio ser exclusivamente imputável ao comitente.

VI – Decisão

Pelo exposto, negando-se provimento à apelação, mantém-se a decisão recorrida.

Custas da apelação pelos RR./Apelantes.

Coimbra, 16/03/2021

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.
Vítor Amaral (Relator)

                    Luís Cravo
Fernando Monteiro


***



([1]) Segue-se, nesta parte, por economia de meios, a síntese do relatório da decisão recorrida.
([2]) Conhecendo de facto e de direito, datada de 21/10/2019.
([3]) Aperfeiçoadas, na sequência de despacho de convite (do Relator) à sintetização, e cujo teor se deixa transcrito, com destaques retirados.
([4]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([5]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([6]) V., nesta perspetiva, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 59.
([7]) Sic, op cit., p. 60.
([8]) Em sentido semelhante eram também desenvolvidas as conclusões originárias, que nada mais acrescentavam quanto ao aspeto sob enfoque.
([9]) Cfr. o disposto no aludido art.º 221.º do CCiv. e a anotação do Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, ps. 211 e seg..
([10]) Junto aos autos pelos RR., com a sua peça processual de oposição («Doc. n.º 1»).
([11]) V. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., ps. 343 e seg..
([12]) Cfr. Ac. TRC de 03/11/2015, Proc. 115257/14.5YIPRT.C1 (Rel. Jorge Arcanjo), em www.dgsi.pt.
([13]) V. Ac. TRL de 22/11/2012, Proc. 5208/10.8T2SNT.L1-6             (Rel. Anabela Calafate), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «I- Num contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, o direito à remuneração do mediador existe mesmo que não se concretize o negócio desde que a não concretização se deva a causa imputável ao cliente. // II- Mas o direito à remuneração implica a execução da prestação contratual a que o mediador se obrigou, ou seja, a prática dos actos adequados a conseguir a concretização do negócio visado com a mediação. // III- Portanto, é necessário que os factos provados permitam estabelecer um nexo causal entre a actividade que foi desenvolvida pela mediadora e a concretização do negócio visado pela mediação. // IV- Em suma, tem de ficar demonstrado que a mediadora praticou os actos necessários à concretização do negócio entre o seu cliente e o terceiro interessado e que, só por culpa do cliente, o negócio não se concretizou por intermédio da mediadora.».