Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
55/21.4T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELENA MELO
Descritores: USUCAPIÃO
DOAÇÃO VERBAL
INÍCIO DA POSSE
CASAMENTO
COMPROPRIEDADE
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 947.º, N.º 1, 220.º, 1288.º, 1722.º, N.ºS 1, AL.ª A), E 2, AL.ª B), 1791.º, N.º 1, E 1403.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Uma doação nula por vício de falta de forma escrita, não impossibilita a aquisição por usucapião. A doação verbal, mesmo inválida, potencia o sentido de transferir para o adquirente uma posse em nome próprio.

II – Decorrido o prazo para a usucapião, verificado o animus e o corpus, a propriedade adquire-se, retroagindo ao momento do início da posse.

III – Considera-se que a posse se iniciou com a construção das infra-estruturas da habitação, atos materiais de posse que revelam também a vontade de agir como titular do direito.

IV – A circunstância do prazo usucapível se ter concluído na constância do casamento entre as partes, não transforma um bem em bem comum, continuando a revestir a natureza de bem próprio das mesmas, desde que a posse se tenha iniciado em data anterior à da celebração do casamento.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Relatora: Helena Melo
1.º Adjunto: José Avelino Gonçalves
2.º Adjunto: Arlindo Oliveira


Processo 55/21.4T8FIG.C1

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA veio instaurar contra BB, ação declarativa sobre a forma de processo comum, pedindo que se declare que “o imóvel supra descrito nos artºs 8º e 11º tem o cariz de bem comum do casal que foi formado por Autora e Réu e ser o Réu condenado a reconhecer tal direito de propriedade e a abster-se de qualquer ato ofensivo do mesmo.

Subsidiariamente, quando assim se não entenda, sempre deverá ser declarado que o imóvel em causa pertence a Autora e Réu, em compropriedade, na proporção de ½ indiviso para cada um e ser o Réu condenado a reconhecer tal compropriedade e a abster-se de qualquer ato ofensivo do mesmo.

Ser o Réu condenado a pagar à Autora indemnização, no valor de 750,00€, pelos danos não patrimoniais por esta sofridos, quantia a que devem acrescer juros moratórios à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento”.

Alega, em síntese, que autora e réu casaram em 1976, no regime de comunhão de adquiridos, tendo sido decretado o divórcio por sentença transitada em julgado em 03.11.2011. Construíram uma casa de habitação num terreno doado pela avó paterna da autora. Foi nesse imóvel que autora e réu viveram como casal desse 1978 até à separação, tendo estado na sua posse, desde há mais de 20 anos, pelo que o adquiriram por usucapião. Contudo, o réu arroga-se proprietário exclusivo do referido imóvel, o que tem causado danos não patrimoniais à autora.

O R. contestou, alegando que a casa de habitação foi construída com rendimento e dinheiro próprios seus, ainda no estado de solteiro, em terreno abandonado. Desde então que a tem fruído, como coisa exclusivamente sua, passando a ali acolher o seu agregado familiar após o casamento com a autora em 11 de Dezembro de 1976.

O R. deduziu reconvenção pedindo a condenação da A./reconvinda a reconhecer a invocada posse e o direito de propriedade exclusivamente a seu favor, sobre o prédio em questão.

A autora apresentou réplica onde impugnou a factualidade aduzida como fundamento da reconvenção.

Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi admitida a reconvenção, proferido despacho saneador e o despacho a que alude o art. 596º do CPC.

Foi determinada e realizada prova pericial.

Procedeu-se à realização da audiência final e após foi proferida sentença que:

 A) Julgou a ação parcialmente procedente, e, consequentemente:

i) declarou que o imóvel descrito no art. 8º e 11º da petição tem natureza comum, condenando o réu reconhecê-la e a abster-se de ofender o respetivo direito;

ii) absolveu o réu do pedido de condenação no pagamento de indemnização.

B) Julgou a reconvenção improcedente.

O R. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1-Os factos dado como provados e constantes das als. L), M), N), O), P), Q), R), assim como, os Factos dados como não provados decorrentes das als. 14) e 15), salvo melhor opinião em contrário, só por si, deixavam já o tribunal a quo em condições para julgar improcedente o pedido apresentado pela Apelada, demonstrando que a casa objeto da ação é um bem próprio do Apelante;

2- da al. L) dá-se como provado que a casa ao nunca foi inscrita na matriz, só vindo recentemente a sê-lo pela Apelada(requerimento a fls… apresentado aos autos em ), por

determinação do Tribunal, ficando bem demonstrado que durante cerca de 50 anos, a Apelada nunca providenciou por tal formalidade porque sempre reconheceu que não era um bem seu e não o tinha que promover;

3- da al.M) dá-se como provado que as infra-estruturas para a construção da casa iniciadas no ano de 1976, ainda Apelante e Apelada eram solteiros, e tratando-se duma casa de pequenas dimensões (cfr. caderneta predial, m2), a sua construção demorou menos de meio ano(conforme é adiantado pelas testemunhas, vizinhos e quem trabalhou na sua construção), ou seja, foi concluída a casa com os dois ainda no estado civil de solteiros;

4- da al.N) resulta provado pedidos à Camara Municipal ... com data de 01/10/1976 para alinhamento da construção de tal habitação a edificar no lugar... o que vêm de encontro com os depoimentos das testemunhas que indicam o inicio da construção da casa a meio do ano de 1976, altura em que Apelante e Apelada se encontrava no estado civil de solteiros;

5- da al.G) é dado como provado que para a construção do supra identificado imóvel, foi instruído junto da Câmara Municipal ... um processo de licenciamento ao qual foi atribuída a licença de construção nº 66 de 11/01/1977 – al. G) factos provados – em resultado duma informação técnica dessa mesma Câmara Municipal de 11/01/1977 que refere “a casa já está quase concluída”, sendo que, já existiam requerimentos dirigidos

a essa Edilidade acerca da obra desde o ano de 1976, conforme Doc.nº1 junto à Contestação (conjunto de prova documental valorada pelo tribunal a quo), ou seja, numa altura em que as partes se encontravam no estado civil de solteiros;

6- da al.H) provado que o réu foi quem estabeleceu os contactos e contratou as pessoas envolvidas na construção da casa, designadamente, o pessoal ligado às várias artes de construção duma habitação, facto que reforça que foi o Apelante quem verdadeiramente e em exclusivo assumiu e dirigiu a construção daquela casa;

7- da al.Q) é dado como provado que foi o Réu quem subscreveu os pedidos das diversas licenças ligadas aquela construção, o que demonstra, sem margem para dúvidas, que quem se ocupou e tratou da construção da casa foi o Apelante;

8- da al.R) que foi o Réu quem subscreveu a apresentação do projeto para a construção, reforçando a postura do Apelante que assumiu sozinho a responsabilidade da obra;

9- dos nºs 14 e 15 dos factos dados como não provados, onde fica demonstrado que a Apelada não contribuiu com rendimentos do seu trabalho, quer para pagar a aquisição de material, quer para o pagamento do pessoal que ali andou a trabalhar na construção e o mesmo se diga quanto ao pagamento das licenças respeitantes ao imóvel e a sua construção, onde fica bem demonstrado e patenteado todo o alheamento da Apelada em relação ao processo de construção da casa;

10- A supra descrita factualidade apurada pelo tribunal a quo, assentou, em grande parte, nos depoimentos prestados pelas testemunhas CC, DD, EE e FF, as quais, foram merecedoras de toda a credibilidade por parte do tribunal a quo, tendo para isso relevado a sua ligação muito próxima com toda aquela realidade,

já que se tratam de pessoas que são vizinhos ou que estiveram ligados de forma direta à construção daquela casa.

11- Por essa mesma razão, com base nos depoimentos dessas mesmas testemunhas, fica bem evidenciado que o tribunal a quo não podia ter dado como não provado o facto da al. 3) mas antes provado que “o reu, no início de 1976, por sua conta própria contratou

um serviço de trabalhos de terraplanagem no referido terreno de forma a prepará-lo para a implantação da casa”; mas antes, o seu contrário, dando como provado tal facto.

(Testemunha CC, encarregado e mestre da obra da construção da casa:1.00/1.10 minuto; 2.20/2.30 minuto; 9.26/9.47 minuto - testemunha DD que trabalhou na obra e é vizinho da casa: 2.52/2.54 minuto; 6.00 minuto);

12-E o mesmo se diga em relação às als. 4), 6), 7), 8), dos factos dados como não provados, onde, ao contrário do que decorre da sentença em crise, tais factos deverão ser dados como provados, referindo aquelas testemunhas que foi o Apelante quem contratou o pessoal e deu início à obra, por sua conta própria e exclusiva, através dos seus rendimentos e dinheiros próprios, todas as despesas de construção do referido imóvel, foram suportadas única e exclusivamente pelo Réu, pagas com o seu dinheiro arrecadado pelos rendimentos que auferia da sua atividade profissional, enquanto marítimo, em resultado de poupanças próprias e de outros oferecidos pelos seus pais.

(testemunha CC: 6.30/6.52 minuto – testemunha DD: 1.10/1.13 minuto; 2.48/2.50 minuto; 6.43/7.01 minuto; 9.05/9.16 minuto - Testemunha GG: 0.56/1.36 minuto; 13.08/13.33 minuto; 14.36/15.00 minuto - Testemunha FF: 0.43/0.50 minuto; 1.22/1.32 minuto; 3.52/4.54 minuto; 7.18 minuto);

13-Da mesma forma tem que se dar como provado o facto da casa já se encontrar pronta a habitar no final do ano de 1976, onde ficaram a faltar apenas trabalhos de pormenor, como algumas pinturas exteriores e outras pequenas intervenções e detalhes, o que contraria, assim o facto dado como não provado al. 9) e igualmente, os factos dados como não provados nas als. 10), 11) e 12), os quais terão que ser dados como provados; (testemunha CC: 2.20/2.30 minuto; 5.23/5.46 minuto; 11.00/11.54 minuto - DD: 2.52/2.54 minuto; 10.28/10.34 minuto; 13.15 minuto; 17.32/17.33 minuto - Testemunha GG: 4.05/4.12 minuto - Testemunha FF:1.54/2.46 minuto; 3.32/3.34 minuto; 4.57/4.59 minuto; 6.10/6.34 minuto);

14-Os referidos depoimentos prestados pelas testemunhas referem a conclusão da obra no final do ano de 1976, o que sai reforçado pela prova documental junta na Contestação, como Doc.nº1 e que foi atendida pelo tribunal a quo, onde se verifica a existência de um conjunto de pedidos formulados pelo Apelante dirigidos à Câmara Municipal ... em relação à dita construção, sendo que, no inicio do mês de Janeiro de 1977, é um funcionário camarário(zelador) que através de informação escrita refere que “a casa já está quase concluída”, tendo as testemunhas esclarecido que no final do ano de 1976, que a casa se encontrava concluída faltando apenas questões de pormenor, como pinturas e pouco mais.

15- Não se compreende como pode o tribunal a quo vir indicar o ano de 1978, como data em que o casal passa a habitar a casa, sendo que esse ano, não é referido por nenhuma das testemunhas, cujos depoimentos prestados, a par da documentação junta aos autos, deixa bem demonstrado que no final do ano de 1976, coincidente com o casamento do Apelante e Apelada, é a data da conclusão da obra.

16- E tão pouco se compreende como o tribunal a quo dê como provado o facto constante da al.H) em que refere que “O imóvel supra descrito foi construído em terreno verbalmente doado pela sua avó paterna, HH.”,

17- Sabendo que a avó materna da Apelada possuía mais que um filho, tendo a própria Apelada declarado, em sede de depoimento de parte, que os tios até deixaram fazer a casa no terreno e não embargaram a obra – “e os meus tios deixaram-me fazer a casa, não embargaram a obra” – SIC -. (AA, depoimento de parte: 10.33/10.28 minuto)

18- O Apelante logrou fazer prova que no estado civil de solteiro, utilizou e preparou o terreno para a edificação da casa, assim como, foi o Apelante quem dirigiu e pagou a sua

construção e que a casa se encontrava pronta a habitar no final do ano de 1976, e que a Apelada, enquanto solteira, esteve sempre completamente alheada e fora de todo aquele processo relacionado com a construção da casa e pagamento da obra, pelo que,

19- Ao dar-se como não provado o facto provado da al. H),

20- E alterando os factos não provados constantes das als. 3), 4), 6), 7) e 8), 9), 10) 11) e 12) como factos provados,

21- Deve a sentença recorrida ser substituída por decisão judicial que reconheça o referido imóvel como bem próprio do Apelante,

22- Julgando improcedente a presente ação, designadamente, não reconhecer como bem comum do casal o referido imóvel, mas antes como um bem próprio do Apelante.

23- Ao decidir da forma como decidiu o tribunal a quo, violou o disposto nos artigos 1722º e 1723º do C.Civil.

Termos em que com o muito douto suprimento de Vossas Excelências requer seja julgado

procedente o presente recurso e revista a sentença que condena o Apelante, devendo a mesma ser substituída por decisão judicial que o absolva do pedido.

A A. contra-alegou, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

(…).

            Foi dado cumprimento ao disposto no artº  655º nº 3 do CPC, tendo ambas as partes se pronunciado.

A A. pugnou pela procedência do pedido principal e, se assim não se entender, pela procedência do pedido subsidiário.

O R. pugnou pela revogação da decisão e caso assim não se entenda pela anulação do julgamento.

II – Objeto do recurso

De acordo com as conclusões da apelação, as quais delimitam o objeto do recurso, as questões suscitadas pelo apelante são as seguintes:

. se a matéria de facto constante da alínea H) dos factos provados deve ser dada como não provada;

. se a matéria de facto dada como não provada nos pontos 3, 4, 6 a 12 deve ser considerada provada;

. se, independentemente da alteração da matéria de facto, face à factualidade dada como provada nas alíneas L), M), N), O), P), Q), R) e à factualidade dada como provada  nos pontos 14) e 15), deve a ação improceder;

. no caso de assim não se entender, se, em face da alteração da matéria de facto, deve a ação improceder e a reconvenção proceder.

III – Fundamentação

Na primeira instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

(…)

Antes de se entrar na análise da impugnação da matéria de facto, há que apreciar se face aos factos dados como provados pela 1ª instância nas alíneas L), M), N), O), P), Q), e R), assim como face à factualidade dada como não provada nos pontos 14 e 15, deveria a ação ter sido julgada improcedente, como reclama o apelante, por estar demonstrado que o prédio é um bem próprio do apelante.

Nas referidas alíneas foi dada como provada a seguinte factualidade:

L) O prédio supra descrito, apesar de ter licença de utilização, nunca foi inscrito na matriz predial nem descrito na Conservatória do Registo Predial.

M) As infra-estruturas para a construção da casa, no ano de 1976, iniciaram-se ainda Autora e Réu eram solteiros.

N) Tendo sido requerido à Camara Municipal ... em 01/10/1976 o pedido de alinhamento para a construção de tal habitação a edificar no lugar....

O) Para a construção do supra identificado imóvel, foi instruído junto da Câmara Municipal ... um processo de licenciamento ao qual foi atribuída a licença de construção nº 66 de 11/01/1977 e o alvará de utilização nº 292 de 31/07/1978.

P) Foi o réu quem estabeleceu os contactos e contratou as pessoas envolvidas na construção da casa, designadamente, o pessoal ligado às várias artes de construção duma habitação.

Q) Foi o Réu quem subscreveu os pedidos das diversas licenças ligadas aquela construção.

R) Foi o Réu quem subscreveu a apresentação do projeto para a construção,

E nos pontos 14 e 15 foi dado como não provado que:

.14.A A. reconvinda contribuiu com os rendimentos do seu trabalho quer para a aquisição do material, quer para o pagamento do pessoal que ali andou a trabalhar na construção.

.15. O mesmo se diga quanto às licenças respeitantes ao imóvel e à sua construção.

O apelante extrai do facto L) a  conclusão de que  o bem não se achava inscrito porque a A. não se considerava proprietária do mesmo. Ora, a mesma ilação poderia ser extraída relativamente ao apelante. O que é certo é que nem o A. nem a R. providenciaram pela inscrição do prédio na matriz nem pela sua descrição no Registo Predial, não podendo se extrair deste facto qualquer ilação relativamente à propriedade do bem.

Os factos dados como provados nas demais alíneas, também não conduzem à improcedência dos pedidos formulado pela A., relativamente à propriedade do bem.  A circunstância de ter sido o R. a contratar os trabalhadores e a requerer as necessárias licenças só por si, não permite concluir que se trata de um bem próprio do R..

 E da circunstância de não se ter sido dado como não provado que a apelada contribuiu para a aquisição do material, para pagar o material e para pagar as licenças necessárias, não resulta a prova o contrário, como afirma o apelante, ou seja, que a apelante não contribuiu. Da não prova de um facto apenas resulta o desconhecimento do que efetivamente aconteceu e não a prova do facto contrário.

            Assim, não assiste razão ao apelante.

Da impugnação da matéria de facto

(…).

A matéria de facto a considerar, após as alterações introduzidas pela Relação, é pois a seguinte:

A) A Autora e Réu casaram entre si, sem convenção antenupcial em 11/12/1976.

B) O casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença, já transitada em julgado em 03/11/2011, proferida pelo extinto Tribunal Judicial ..., ... Juízo.

C) Processo no qual foi a casa de morada de família atribuída ao Réu até à partilha da mesma.

D) Para partilha dos bens comuns do extinto casal, correu termos no Cartório Notarial e posteriormente no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Família e Menores ..., Juiz ..., o processo de Inventário com o nº ...0....

E) Processo no qual o R. veio a alegar que a propriedade do imóvel lhe pertence unicamente a si, por, ao que alega, entender ter sido construída apenas a expensas do seu trabalho. Assim,

F) Por sentença, já transitada em julgado, proferida nos supra identificados autos com o nº 752/20...., foi determinada a remessa para os meios comuns para decisão sobre a titularidade da propriedade da casa de morada de família, conforme doc nº 3 que se junta.

G) A referida casa de morada de família situa-se na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., imóvel este que tem a respetiva licença de utilização nº ...92 emitida em 31/07/1978 pela Câmara Municipal ....

H) O imóvel supra descrito foi construído em terreno verbalmente doado pela sua avó paterna (da A.), HH.

I) Terreno esse contíguo à casa onde habitavam os pais da Autora II e JJ.

J) O imóvel destina-se a habitação e é composto de R/C, com hall de entrada, dois quartos, uma sala de estar, uma cozinha e uma casa de banho.

K) O prédio, além da área coberta, tem logradouro e encontra-se claramente demarcado de todos os seus confrontantes quer pelas respetivas paredes quer por muro, sendo que a Nascente confronta com KK, a Poente, na altura com II, a Norte com a referida Rua ... e tem o nº de policia ...5.

L) O prédio supra descrito, apesar de ter licença de utilização, nunca foi inscrito na matriz predial nem descrito na Conservatória do Registo Predial.

M) As infra-estruturas para a construção da casa, no ano de 1976, iniciaram-se ainda Autora e Réu eram solteiros.

N) Tendo sido requerido à Camara Municipal ..., em 01/10/1976, o pedido de alinhamento para a construção de tal habitação a edificar no lugar....

O) Para a construção do supra identificado imóvel, foi instruído junto da Câmara Municipal ... um processo de licenciamento ao qual foi atribuída a licença de construção nº 66 de 11/01/1977 e o alvará de utilização nº 292 de 31/07/1978.

P) Foi o réu quem estabeleceu os contactos e contratou as pessoas envolvidas na construção da casa, designadamente, o pessoal ligado às várias artes de construção duma habitação.

Q) Foi o Réu quem subscreveu os pedidos das diversas licenças ligadas aquela construção.

R) Foi o Réu quem subscreveu a apresentação do projeto para a construção.

R1) Desde a data do casamento das partes que a casa já se encontrava edificada, faltando apenas alguns trabalhos, designadamente pinturas exteriores, passando as partes a habitá-la (aditados pela Relação).

S) Autora e Réu ali residiram juntos e fizeram daquele espaço o seu lar conjugal de forma permanente e ininterrupta até à sua separação ocorrida no ano de 2016 (alterado pela Relação).

T) Tendo A. e R. procedido a obras de reparação e efetuando ou mandando efetuar as devidas reparações, manutenção e limpeza, interior e exteriormente quer da parte coberta quer do logradouro.

U) Mobilando a habitação e ali recebendo familiares e amigos,

V) Retirando daquele prédio todos os benefícios que o mesmo é suscetível de propiciar.

W) Tudo, atuando – Autora e Ré - em conjunto (alterado pela Relação);

X) À vista e com conhecimento de toda a gente;

Y) Sem oposição de ninguém.

Z) Ininterruptamente, em seu exclusivo interesse, convencida a Autora – e o mesmo se diga do Réu -, de que estão a usufruir coisa exclusivamente sua (alterado pela Relação).

AA) O valor da casa, incluindo o terreno onde se encontra implantada é de 47.339,88 €.

BB) O valor da casa separada do terreno onde está implantada é de 40.712,30 €.

CC) O valor do terreno sem a edificação é de 14.403,31 €.

DD) O réu, contratou o pessoal e deu início à obra, através dos seus rendimentos (aditado pela Relação).

EE.) Todas as despesas de construção do referido imóvel, até à data do casamento, foram suportadas única e exclusivamente pelo Réu, pagas com os rendimentos que auferia da sua atividade profissional, enquanto marítimo (aditado pela Relação).

FF) Foi o Réu quem pagou com dinheiros seus as diversas licenças e o projeto ligados à construção (aditados pela Relação).

            E mantém-se como não provados os seguintes factos:

1) Com o seu comportamento o Réu causou e continua a causar à Autora grande preocupação e consternação.

2) O réu tinha sido informado pelos moradores daquele local que o referido terreno se encontrava há muito abandonado, desconhecendo-se o seu proprietário.

3) O Réu, no início de 1976, por sua conta própria contratou um serviço de trabalhos de terraplanagem no referido terreno de forma a prepará-lo para a implantação da casa.

5) As obras tiveram um custo de 350.000$00 (trezentos e cinquenta mil escudos).

7) Assim como de outros montantes em dinheiro em resultado de poupanças próprias do Réu e de outros oferecidos pelos seus pais.

10) Tendo o Réu passado habitar, ininterruptamente, aquela casa, precisamente a partir do mês de Novembro de 1976.

11) No dia 11 de Dezembro de 1976, dia do casamento celebrado entre A. e R., o casal já ali passou a sua noite de núpcias.

12) O Réu/reconvinte, ainda no estado civil de solteiro, há mais de 44 anos, fruiu aquela casa como sendo coisa exclusivamente sua e nessa convicção;

13) À vista de toda a gente e sem oposição de ninguém.

14) A Autora reconvinda contribui com os rendimentos do seu trabalho, quer para a aquisição de material, quer para o pagamento do pessoal que ali andou a trabalhar na construção.

15) O mesmo se diga quanto às licenças respeitantes ao imóvel e a sua construção.

Do Direito

As partes contraíram casamento sem convenção antenupcial, tendo adotado o regime supletivo legal: a comunhão de adquiridos (artº 1721º do CC).

De acordo com o disposto no artº 1722º, nº 1, alínea a) do CC, são bens próprios dos cônjuges aqueles que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento.

A A. estruturou a presente ação nos seguintes termos:

             A. e R. construíram uma casa de habitação na Rua ..., ..., ..., freguesia ..., concelho ..., tendo o imóvel sido construído em terreno doado pela avó paterna da A., HH, viúva (artºs 8º e 9º da p.i.).

A. e R. iniciaram as infra-estruturas para a construção da casa, no ano de 1976, ainda em solteiros. No entanto, só decorridos mais de dois anos após o casamento é que A. e R. concluíram a construção do supra identificado imóvel e para lá foram residir (artºs 14º e 15º da p.i.).

Foi requerido à Camara Municipal ... em 01/10/1976 o pedido de alinhamento para a construção de tal habitação a edificar no lugar..., conforme doc nº 6 que se junta (artº 16 da p.i.)

Para a construção do supra identificado imóvel, foi instruído junto da Câmara Municipal ... um processo de licenciamento ao qual foi atribuída a licença de construção nº 66 de 11/01/1977 e o alvará de utilização nº 292 de 31/07/1978 (artº17º da p.i.).

Autora e Réu, em relação àquele prédio, com a configuração tal como supra se indicou, têm andado na posse do imóvel, vigiando-o e defendendo-o,  e A. e R. como casal que eram procederam construção e manutenção do imóvel (artos 18º e 19º).

“20º A. e R. ali residiram juntos desde 1978, ininterruptamente, até a separação o casal.

21º Tendo procedido a obras de reparação e efetuando ou mandando efetuar as devidas reparações, manutenção e limpeza, interior e exteriormente quer da parte coberta quer do logradouro,

22º Tendo adquirido em conjunto a respetiva mobília e ali recebendo familiares e amigos,

23º Enfim, retirando daquele prédio todos os benefícios que o mesmo é suscetível de propiciar.

24º Tudo, atuando – Autora e Ré - em conjunto em conjunto e como casal que eram,

25º Tudo à vista e com conhecimento de toda a gente,

26º Sem oposição de ninguém, incluindo do próprio R.

27º Ininterruptamente e de boa-fé, há mais de 20 anos.

28º Em seu exclusivo interesse, convencida a Autora – e o mesmo se diga do Réu, de que estão a usufruir coisa exclusivamente sua e própria do casal por eles formado e comportando-se como proprietários que são.

29º Detêm, assim, A. e R., em nome próprio, e em conjunto, a posse pública, pacífica, continua, de boa-fé, há mais de 20 anos, do prédio em causa.

30º Ou, ainda que assim se não entenda, detêm aquele imóvel, em compropriedade, na proporção de ½ indiviso para cada um.

31º Pelo que, ainda que apesar de não terem título, sempre A. e R. adquiriram por usucapião, que expressamente se invoca, o direito de propriedade sobre o mencionado prédio.

32º Dúvidas não existem de que o imóvel supra descrito é bem comum, propriedade do património do extinto casal por eles formado.

33º Subsidiariamente, ainda que por mera hipótese de raciocínio se considerasse que o imóvel não é bem comum do casal sempre o mesmo pertenceria em compropriedade, na proporção de 1/2 para a Autora e de 1/2 para o Réu.

Mais acrescentando que “38º A conduta do R. ofende o direito de propriedade do extinto casal por eles formado e bem assim da A. - artº 1305º do C.C. - pelo que lhe assiste o direito de exigir judicialmente o reconhecimento, por parte do R., do invocado direito de propriedade sobre o seu prédio, com o consequente dever de o R. se abster da prática de quaisquer atos violadores daquele direito.

Artº 39º O R., ao defender que o imóvel em causa é sua propriedade exclusiva, está a pretender apropriar-se de imóvel que não é exclusivamente seu, bem sabendo que tal não corresponde à realidade.

40º Deste modo ofendendo a posse e a propriedade da A. sobre o imóvel.”

Concluindo, pedindo que:

“Nestes termos e nos mais de direito deve a presente ação ser julgada procedente e provada e, consequentemente declarar-se que o imóvel supra descrito nos artºs 8º e 11º tem o cariz de bem comum do casal que foi formado por Autora e Réu e ser o Réu condenado a reconhecer tal direito de propriedade e a abster-se de qualquer ato ofensivo do mesmo.

Subsidiariamente, quando assim se não entenda, sempre deverá ser declarado que o imóvel em causa pertence a Autora e Réu, em compropriedade, na proporção de ½ indiviso para cada um e ser o Réu condenado a reconhecer tal compropriedade e a abster-se de qualquer ato ofensivo do mesmo (…)”.

            Assim, a A. estrutura a presente ação, com fundamento na usucapião,  fazendo  também alusão ao regime da comunhão de adquiridos, concretamente aos artigos 1724º e 1725º do CC, sendo que o 1725º não tem qualquer aplicação ao caso, porque dispõe para o caso de bens móveis, natureza que o bem em causa não detém.

            A A. parte do pressuposto que tanto o terreno, como a construção que nele foi erigida são bens comuns ou, se assim não se entender, são bens próprios adquiridos em compropriedade, nunca reivindicando a propriedade exclusiva do terreno que lhe foi doado verbalmente, nem da habitação que nele foi edificada, dando origem a uma nova realidade.

Por sua vez, o R. veio alegar que a casa foi construída num terreno abandonado, desconhecendo-se o dono, tendo sido construído por si e a suas expensas, dando-se por concluído no mês de Novembro de 1976,  altura em que o passou a habitar. Foi o R./reconvinte quem estabeleceu os contactos e contratou as pessoas envolvidas na construção da casa, designadamente, o pessoal ligado às várias artes da construção duma habitação.

Todas as despesas de construção do referido imóvel, composto de casa de habitação, foram suportadas única e exclusivamente pelo R./reconvinte, pagas com o seu dinheiro arrecadado pelos rendimentos que auferia da sua atividade profissional, enquanto marítimo, assim como, de outros montantes em dinheiro em resultado de poupanças próprias do R./reconvinte e de outros doados pelos seus pais.

Desde essa data, o referido edifício depois de concluída a sua construção, tem sido sempre fruído e usado pelo R./reconvinte e a partir do dia 11 de Dezembro de 1976  pelo seu agregado familiar, composto pela sua ex-mulher, a A./reconvinda.

O R./reconvinte ainda no estado civil de solteiro, há mais de 44 anos, sempre fruiu aquela casa como sendo coisa sua e nessa convicção, de forma pacífica, à vista de toda a gente e dos interessados, sem oposição de ninguém, contínua e ininterruptamente desde o início da construção (artº 64º a 68º da contestação).

Tendo a A./reconvinda a usufruído ininterruptamente até ao momento em que abandonou o lar conjugal no ano de 2016. Com o abandono do lar conjugal e mais tarde, concretizado o divórcio entre o casal, a A./reconvinda perdeu todos os benefícios recebidos – 1791º, nº 1 do CC -, designadamente os recebidos por parte do seu cônjuge, o R./reconvinte, enquanto com ele se manteve casada e com ele a viver na referida casa.

Deduziu reconvenção, pedindo que a ação seja julgada improcedente e a reconvenção procedente, reconhecendo-se a invocada  posse e o direito de propriedade exclusivamente a favor do R. em relação ao prédio supra identificado.

            O R. não  se referiu ao regime de bens do casamento e aos bens que são considerados como bens próprios e bens comuns, limitando-se a arguir a posse sobre o prédio (artºs 64º e 65º da contestação).

Vejamos:

No caso, a apelada embora tenha alegado que a casa foi construída num terreno que lhe foi doado, não retira dessa alegação qualquer consequência jurídica.

Tendo se provado que a doação foi meramente verbal, não foi observada a forma legal para a doação de um imóvel, pelo que a doação é nula (artº  947º, nº 1 e 220º do CC).

Como se referiu, a A. não defende que é ela a exclusiva dona do terreno que lhe foi doado por doação inválida e que veio a adquirir por usucapião. A A. invoca a usucapião como meio de aquisição da propriedade em comunhão ou, subsidiariamente, em compropriedade  sobre o conjunto do terreno e da casa que nela se construiu, não distinguindo entre propriedade do terreno e da casa.

Por sua vez, o R. nega que o terreno tenha sido verbalmente doado à A., defendendo na contestação que estava abandonado, pugnando para que seja considerado titular exclusivo do prédio, não remetendo para qualquer disposição legal e não distinguindo também entre a propriedade da casa e do terreno.

O facto de se ter considerado nula a doação, não impossibilita a aquisição por usucapião (cfr. se defende no Ac. do STJ de 17.06.2021, proc.5569/16.5T8VIS.C1.S1). A doação verbal, mesmo inválida, potencia o sentido de transferir para o adquirente uma posse em nome próprio.

No entanto, o terreno deixou de ter existência jurídica autónoma, em resultado da obra efetuada – construção da casa – , tendo ficado integrado no prédio urbano que surgiu e passando a formar uma unidade jurídica indivisível, ou seja, coisa nova e diversa.

Pelo que a questão da usucapião ter-se-á de aferir em face desta nova realidade jurídica e não apenas relativamente ao terreno, questão que nem sequer foi equacionada pelas partes, entendendo-se a referência que fazem ao prédio, como se referindo à nova unidade jurídica que surgiu na sequência da construção.

Ora, tendo em atenção os factos apurados em V) a Z) e DD) estão reunidos os pressupostos para aquisição do prédio por usucapião.

Operada a usucapião,  os seus efeitos retroagem à data do início da posse (artº 1288º do CC), considerando-se a propriedade adquirida, no momento do início da posse, início este que tem de se fixar em data anterior à realização do casamento, com a construção das infra-estruturas, atos materiais de posse  que revelam  também a vontade de agir como titular do direito de propriedade.

O exercício dos poderes efetivos sobre a coisa caraterísticos do direito de propriedade e a  convicção de ser titular do direito real correspondente existe em ambas as partes.

Este entendimento de que o bem não é comum,  encontra, aliás,  apoio no âmbito do  regime matrimonial da comunhão de adquiridos, relativamente a bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento que mantém a natureza de bens próprios  (artº 1722.º, nº 2, alínea b) do CC).

          A circunstância do prazo usucapível se ter concluído na constância do  casamento entre as partes,  não transforma esse bem em bem comum, continuando a revestir a natureza de bem próprio das partes (cfr. se defende no Ac. do STJ de 07.03.2019, proc. 1065/16.9T8VRL.G1.S1).

A sentença recorrida labora em erro quando aplica ao caso o disposto no artº 1724º, b) do CC, olvidando que a aquisição retroage  à data do início da posse.

E quando duas ou mais pessoas são titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, existe propriedade em comum ou compropriedade (artº 1403º do CC).

Nos bens objeto de compropriedade cada consorte  é titular de uma quota ideal que recai especificamente sobre o bem indiviso, assistindo-lhe o direito de exigir a divisão da coisa comum, nos termos dos artigos 1403.º, 1412.º e 1413.º do CC. Na compropriedade ou propriedade comum há como um conjunto de direitos coexistindo sobre toda a coisa a que a mesma respeita e não sobre qualquer realidade ideal ou imaterial, como a quota, ou sequer sobre uma parte dessa mesma coisa. No âmbito da propriedade dos bens comuns do casal, também chamada comunhão de mão comum, não assiste aos contitulares o direito a uma quota ideal sobre cada bem integrado na comunhão, mas sim o direito a uma fração ideal sobre o conjunto do património comum, como é o direito à meação do património do casal, a ser efetivado mediante partilha do mesmo, conforme o disposto no artigo 1689.º, n.º 1, do mesmo Código (cfr. se defende no Ac. do STJ de 07.03.2019, já citado).

            Assim, assiste razão ao apelante quando defende que se trata de um bem próprio e não de um bem comum. Contudo, não é um bem próprio do qual é exclusivo proprietário. A circunstância de se ter apurado que pelo menos até ao casamento quem suportou as despesas com a construção da casa foi o R., em nada altera o que ficou dito. A construção de uma casa a expensas de um dos comproprietários em terreno que se considera ter sido adquirido por ambos por usucapião, não transforma o prédio que resulta desta edificação em um bem próprio daquele que procedeu à construção. Nada impede que um dos comproprietários a expensas suas edifique uma habitação num terreno de que é comproprietário, desde que haja acordo entre ambos. E no caso, afigura-se que existia esse acordo, pois que a casa se destinava à habitação de ambos, após o casamento (alínea U) e GG) dos factos provados).

Não se aplica ao caso o  instituto da acessão porque para que possa verificar-se a acessão é preciso que a casa seja construída em terreno alheio,  o que não é o caso (cfr. defendem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 3º volume, pág. 163).

            Deve assim improceder o pedido principal formulado pela A. e proceder o pedido subsidiário,  no qual requer que seja declarado que o imóvel em causa pertence a Autora e Réu, em compropriedade, na proporção de ½ para cada um e ser o Réu condenado a reconhecer tal compropriedade e a abster-se de qualquer ato ofensivo da propriedade da A..

            Não há lugar à anulação do julgamento como requereu o apelante, na resposta à notificação que lhe foi feita para se pronunciar, querendo, ao abrigo do disposto no artº 665º, nº 3 do CPC, uma vez que a Relação dispõe dos elementos necessários para conhecer das questões que ficaram prejudicadas (artº 665º, nº 2 do CPC), o que não depende sequer de iniciativa da parte, mediante ampliação do objeto do recurso (cfr. defendem Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2019-reimpressão, pág. 803). A anulação da decisão apenas é determinada nos casos mencionados no artigo 662º, 2, c) do CPC , situação que não se verifica.

      Assim, não obstante as alterações introduzidas à matéria de facto, improcede a pretensão do apelante de ser reconhecido como exclusivo proprietário do prédio, reconhecendo-se no entanto, que tal bem é próprio do R., embora não apenas da sua exclusiva propriedade. 

      Sumário:

(…).

IV – Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da 1ª seção cível, em julgar parcialmente procedente  a impugnação da matéria de facto e parcialmente procedente a apelação  e, consequentemente, revogam parcialmente a sentença recorrida, julgando improcedente o pedido principal e procedente o pedido subsidiário, declarando que o imóvel em causa  pertence a Autora e Réu, em compropriedade, na proporção de ½ para cada um, condenando-se o R. a reconhecê-lo e a abster-se de qualquer ato ofensivo do direito da A., confirmando o demais decidido (improcedência do pedido reconvencional e do pedido de indemnização).


      Custas da apelação por ambas as partes, na proporção de 50% para cada, sem prejuízo do apoio judiciário que lhes foi concedido.
      Coimbra, 28 de março de 2023