Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5590/15.0T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 06/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 729 CPC, 847,848 CC
Sumário: Fundando-se a execução em sentença, a oposição à execução pode assentar no reconhecimento do contracrédito sobre o exequente, feito naquela mesma sentença, com vista a concretizar a compensação.
Decisão Texto Integral:






Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

M (…) embargou a execução instaurada por T (…), SA, para pagamento de € 6.137,23, acrescida de juros, alegando que é credora desta num valor que excede o valor do crédito da mesma. Pede que seja operada a compensação de créditos na parte correspondente e absolvida do pedido.

Em síntese, a embargante invoca os próprios termos da sentença dada à execução.

Os embargos foram indeferidos liminarmente.


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            Inconformada, a embargante recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

A sentença recorrida viola:

A) O disposto na al. g) do 729.º do Código do Processo Civil: na medida em que, tal preceito legal, permite, como fundamento de oposição à execução, a invocação da compensação, sendo que, a compensação invocada pela ora recorrente é contemporânea ao crédito invocado pela ora recorrida, na medida em que, ambos os direitos, respetivamente crédito e contracrédito foram discutidos em ação declarativa de

condenação prévia à execução, cujo indeferimento liminar se discute através do presente

recurso.

Não há superveniência do contracrédito alegado pela ora recorrente; a superveniência discutida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-04-2015, contêm pressupostos e condicionantes que não se verificam no caso em apreço: o critério da superveniência está intimamente relacionado com a possibilidade de a parte ter feito valer o seu direito e não o ter exercido, o que manifestamente não é o caso dos autos.

B) O disposto no artigo 619.º e 620.º do Código do Processo Civil: tendo, a sentença que fundamenta a execução transitado em julgado, declarando o direito de cada um dos intervenientes, respectivamente ora recorrente e ora recorrido, ao considerar tais fatos como supervenientes, a sentença recorrida viola de forma grosseira os efeitos do caso julgado formal e material; com efeito a lei distingue nos art.º 671º, nº 1, e 672º, do C. P.Civil (anteriores à reforma de 2013), entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua eficácia se estenda ou não a processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos em causa; A propósito do caso julgado material, expressa a lei que, transitados em julgado os despachos, as sentenças ou os acórdãos, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos art.º 497º e 498º do C. P. Civil – (art.º 671º, n.º 1, do C. P. Civil); Os limites a que se reporta o mencionado artigo têm a ver com a propositura de uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, em termos da decisão da segunda implicar o risco de o tribunal contradizer ou reproduzir a decisão da primeira – art.º 497º, n.º 1 e 2, e 498º, n.º 1, do C. P. Civil; No que respeita ao alcance do caso julgado, a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga, conforme dispõe o art.º 673º do C. P. Civil; O caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objecto do litígio; A autoridade do caso julgado implica uma aceitação duma decisão proferida numa acção anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda acção, enquanto questão prejudicial; O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, dado que o que releva é a identidade de causa de pedir, ou seja os facto concretos com relevância jurídica, e não a identidade das qualificações jurídicas que esse fundamento comporte – art.ºs 497º, nº 1 e 498º nº 4, do C. P. Civil.

C) O disposto no artigo 847.º do Código Civil: com a compensação opera-se a extinção dos créditos recíprocos, por encontro de contas, a fim de evitar, por razões de economia e celeridade processual, um duplo ato de cumprimento, como pretende a sentença recorrida; a lei considera de equidade não obrigar a cumprir quem também é credor do seu credor; caso assim não fosse, o compensante, poderia correr o risco de não ver o seu crédito inteiramente satisfeito, caso se desse, entretanto a insolvência da contraparte. Por outro lado, estão cumpridos todos os requisitos de que a lei faz

depender a aplicação da compensação: reciprocidade de créditos; validade, exigibilidade e exequibilidade do contracrédito (do compensante); fungibilidade do objeto das obrigações; existência e validade do crédito principal.

D) O disposto no artigo 848.º do Código Civil: “ A compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra.”, não constando da lei, ao contrário do decidido pela sentença proferida, que tal declaração assuma a forma de documento. A declaração de compensação pode ser efetuada por via judicial ou por via extrajudicial: No primeiro caso, pode ser efetuado por meio de notificação judicial avulsa (art. 261° do C. P. Civil), exclusivamente destinada a levar ao conhecimento da outra parte a intenção do compensante, ou por via de acção judicial, seja através da petição inicial, seja através da contestação. Quando a compensação é invocada na acção judicial pelo réu, ela pode ser aposta por via de excepção ou como reconvenção. O pedido surge pela via da reconvenção se o crédito do demandado for superior ao do demandante mas sê-lo-á por excepção peremptória se o contra-crédito for de montante inferior ao pedido. (…) . “. A ora recorrente utilizou, através da oposição à execução deduzida a via judicial para ver compensado o seu crédito, via a que se dará cumprimento, após revogação da sentença proferida. É consabido que a execução, ou melhor a oposição à execução, não admite pedido reconvencional, mas o legislador teve a cautela de prever a situação em análise, na alínea h) do artigo 729.º do CPC. . O que o legislador pretendeu foi apenas e tão somente “(…) afasta-se o ressurgimento de “velhas” dúvidas (sobre a admissibilidade da compensação como fundamento da oposição a uma execução), na media em que, estabelecendo o art. 266/2/c) do NCPC que a compensação passa a ser sempre deduzida por reconvenção, poder-se-ia ser tentado a entender em face da inadmissibilidade da dedução de reconvenção em oposição à execução, que a compensação deixava de poder aqui ser invocada; não querendo/pretendendo dizer que, caso a exceção seja baseada em sentença, podem ser compensados todos e quaisquer créditos (mesmo os constituídos em data anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração) e que os mesmos podem ser provados por qualquer meio. “


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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A questão a decidir é a de apurar, na execução de sentença, se a oposição pode assentar no reconhecimento do contracrédito sobre o exequente, feito naquela mesma sentença, com vista a concretizar a compensação.


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            Os factos a considerar são os seguintes, provados por documento:

A execução tem por título a sentença proferida no processo que correu termos na Vara Mista e Juízos Criminais de Coimbra – Vara de Competência Mista – 1ª Secção, sob o nº 842/09.1TBCBR. A sentença transitou em jugado a 27.10.2014.

Na referida sentença, julgando a reconvenção parcialmente procedente, foi a executada, ora embargante e recorrente, condenada a pagar à exequente a quantia de € 6.137,23, acrescida de juros a partir da citação.

Na mesma sentença, julgando a ação parcialmente procedente, foi a exequente, ora recorrida, condenada para com a executada, além do mais, no seguinte:

…”e sem prejuízo, complementarmente, do acerto dos valores das prestações contratuais – que as partes relegaram para final, por forma a estabelecer a sua equivalência, em sede de liquidação em execução de sentença, no respeitante:

(…) “- quanto à autora M (…), para apuramento do diferencial resultante do crédito da autora relativo a um apartamento tipologia T 3 – não entregue e ainda em falta, a que deve ser deduzido o valor da valorização decorrente da maior área das frações entregues, reportada à data da sua entrega e ainda do valor das 3 garagens transmitidas- (não referidas no contrato promessa mas efetivamente entregues) – como contracrédito da ré sobre esta autora – apuramento que depende de elementos de que o tribunal não dispôe:

. acrescendo ao valor diferencial a apurar os juros de mora devidos sobre o mesmo desde a propositura da causa, às taxas de juros comerciais;

. no mais improcedendo a pretensão deduzida. “


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            Da leitura da sentença dada à execução resulta que a exequente foi condenada a pagar à executada o valor de um certo apartamento T3, deduzido dos seguintes valores:

Do valor decorrente da maior área das frações entregues;

E do valor de três garagens transmitidas.

Por seu lado, a executada foi condenada a pagar à exequente o valor de € 6.137,23 acrescido de juros à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação.

Pela falta de liquidação de certos valores, a sentença não procedeu logo ao acerto de contas.

A propósito dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, a lei dispõe, na alínea g) do art. 729.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), que os factos extintivos ou modificativos da obrigação têm que ser posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e que têm de ser provados por documento.

Na sua alínea h), é fundamento de oposição o contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.

Como esta compensação é uma causa de extinção da obrigação, vale para ela o disposto naquela alínea g).

 A exigência daquela superveniência decorre e é imposta pelo respeito ao caso julgado, sendo certo que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação” (art. 573.º do CPC). Daí que a sentença atinja todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir.

Então, se os factos extintivos da obrigação reconhecida na sentença só podem ser os posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, os factos anteriores estão incluídos pelo caso julgado material formado pela sentença.

            Ora, no caso, é a mesma sentença que reconhece o crédito da então Autora (ora executada) sobre a Ré (ora exequente) e o contracrédito da Ré sobre a Autora, condenando ambas as partes nos termos referidos.

            Assim, o crédito da embargante não é superveniente mas, também de uma forma segura e documentada, está incluído pelo caso julgado formado pela sentença. (Daí que os factos deste caso são diferentes dos que serviram de fundamento ao acórdão invocado, desta Relação, de 21.4.2015, no proc.556/08, em www.dgsi.pt.)

            O reconhecimento do crédito da embargante só não permitiu logo a respetiva dedução no crédito da embargada porque não foi possível então a sua liquidação.

            Esta liquidação é apresentada agora na oposição, em termos que permitem, pelo menos, antever e concretizar a compensação.

(Para além da compensação, com vista à futura obtenção do valor que a supere, em execução adequada, não é questão deste recurso discutir se este processo pode servir já para a liquidação do crédito da executada embargante – cfr. art.547º do CPC; fará sentido, de acordo com os princípios da economia e celeridade processuais, aproveitar o

processado para o efeito, não exigindo que a embargante instaure depois novo incidente de liquidação.)

Em conclusão, fundando-se a execução em sentença, a oposição pode assentar no reconhecimento do contracrédito sobre o exequente, feito naquela mesma sentença, com vista a concretizar a compensação.

Ao decidir da forma como decidiu, o tribunal recorrido permite que a exequente obtenha desde já os cerca de sete mil euros, apesar desta ser devedora, como reconhecido na sentença, de igual ou superior valor, à executada.

A decisão recorrida viola o caso julgado (no seu todo).

A referida falta de liquidação, assumida na mesma sentença, não é impedimento à consideração do reconhecido contracrédito.


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Decisão.

Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se o prosseguimento da oposição.

            Custas conforme for decidido a final.

Coimbra, 2016-06-07

Fernando Monteiro ( Relator )

Carvalho Martins

Carlos Moreira