Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4556/18.3T8PBL-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO CORREIA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
RETIFICAÇÃO DE ERRO NO REQUERIMENTO EXECUTIVO
IMPUGNAÇÃO DIFERIDA
EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTIGO 644.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – O despacho proferido no âmbito de processo executivo pelo qual se defere o pedido de retificação de um erro de cálculo ou de escrita contido no requerimento executivo quanto ao valor da quantia exequenda não admite recurso imediato nos termos do art. 644.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, porquanto:

i)       tal retificação não se apresente como “incidente processado autonomamente”, antes uma vicissitude da estrutura da própria ação e inserida no seu iter processual “normal”;

ii)      a sua impugnação diferida (após a prolação da decisão, ainda que proferida pelo Agente de Execução, que julgue extinta a execução) não torna absolutamente inútil o recurso, uma vez que os executados, no pressuposto da sua procedência, serão reintegrados com o montante excessivamente obtido à custa do seu património (correspondente ao diferencial entre a quantia exequenda inicialmente inscrita e aquela que passou a constar após a retificação operada) e eventualmente anulados os atos conducentes à recolha do produto que se venha a considerar superior ao conferido pelo título e liquidação feita no requerimento inicial.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 4556/18.3T8PBL-D.C1

Juízo de Execução ... – Juiz ...

_________________________________

Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I – Relatório

AA, residente na Rua ..., ..., ... ...,

instaurou contra

BB, residente em ..., ... ...

e

CC, residente em ..., ..., ... ...

ação executiva, alegando

Por sentença proferida nos autos de ação declarativa, a que a presente execução corre por apenso, foram os ora executados solidariamente condenados pagar ao exequente:

(…)

- a quantia de 15€ (quinze euros) por dia desde 1/9/2003 até à realização da revisão /reparação;

- a quantia de 2.000,00€ ( dois mil euros) , a titulo de danos morais;

- os juros de mora que se venceram sobre estas quantias à taxa de 4% ao ano desde a data da decisão.

A indemnização importa-se atento o valor diário de 15%, mercê do tempo já decorrido desde 1/9/2003 até à presente data (7/12/2018) na quantia de 28.830,00€ (15€ x 1922dias) e sobre esta quantia venceram-se juros de mora á taxa de 4% desde a data da sentença.

Sobre esta quantia de 2.000,00€, a título de danos morais, os juros vencidos desde 1/9/2003, à taxa de 4% e contabilizados até 7/12/2018 importam-se em 421,26€.

A divida importa-se nesta data em 31.251,26€ sendo ainda devidos os juros vincendos até efetivo e integral pagamento.

A esta indicada quantia acrescem as taxas de justiça dispendidas com a ação declarativa no valor de 617,40€ que são da responsabilidade dos executados.

Importa-se tudo em 31.868,66€”.


*

Entretanto, por requerimento de 28 de junho de 2022 (ref. ...04), o exequente veio requerer a retificação da quantia exequenda porquanto, por erro de cálculo, peticionou a quantia de 28.830,00 euros, quando o valor correto corresponde a 82.125,00 euros, correspondendo ao período que medeia entre 1 de setembro de 2003 e 7 de dezembro de 2018, ou seja, 5573 dias e não de 1922 dias, como indicado no requerimento executivo.

*

O Executado CC opôs-se a esta pretensão (ref. ...73), sustentando, em síntese, que tal pedido de retificação consubstancia uma verdadeira ampliação do pedido executivo, legalmente inadmissível, e que, a ser atendida, sempre teria de se equacionar a sua prescrição nos termos do art. 310.º, alín. g) do Cód. Civil.

*

Por despacho de 23.09.2022, com os fundamentos que dele constam, foi admitida a retificação da quantia exequenda nos moldes requeridos.

*

Inconformados, CC e DD (chamada) vieram interpor recurso dessa decisão de 23.09.2022 (ref. ...26).

*

A 24.11.2022 a Sra. Juíza proferiu despacho não admitindo o recurso interposto, com a seguinte fundamentação “
1. O Executado e a Interveniente vieram interpor recurso do despacho que admitiu a retificação, por lapso de cálculo, da quantia exequenda.
Cumpre proferir o despacho previsto no artigo 641.º do C.P.C.
Determina o n.º 2 de tal normativo legal que "o requerimento é indeferido quando se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora de prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer" (al. a)).
De acordo com o disposto no artigo 852.º e no artigo 853.º do C.P.C. aos recursos de apelação proferidos no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração.
Face ao regime legal dos recursos, de harmonia com o estatuído no artigo 644.º do C.P.C., cabe recurso de apelação da decisão que ponha termo ao processo ou que sem por termo ao processo ou incidente decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou alguns dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos (n.º 1) e ainda das decisões expressamente previstas no n.º 2 do mencionado preceito, ou seja:

a) Decisão que aprecie o impedimento do juiz;

b) Decisão que aprecie a competência do Tribunal;

c) Decisão que ordene a suspensão da instância;

d) Despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;

e) Decisão que aplique multa ou condene noutra sanção processual;

f) Decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;

g) Decisão proferida depois da decisão final;

h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;

i) Nos demais casos especialmente previstos na lei;

Acrescenta o n.º 3 do mesmo preceito legal que as restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final.

Ora, no caso em apreço, o despacho objeto de recurso apenas pode ser impugnado conjuntamente com a decisão final, uma vez que não se enquadra em nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 644.º do C.P.C.

Assim, o ensina Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil – Novo Regime, pág. 194) em anotação ao artigo 691º quando escreve que "As decisões intercalares que, reunindo os pressupostos gerais da recorribilidade, não admitam recurso imediato podem (e só podem) ser impugnadas no âmbito do recurso que eventualmente venha a ser interposto da decisão final (...), de acordo com o disposto no n.º 3, ou nas condições referidas no n.º 4."

Deste modo, a decisão sob recurso, por não se enquadrar em nenhum dos casos expressamente previstos no n.º 2 do artigo 644.º só pode ser impugnada conjuntamente com o recurso da decisão final, nos termos do mencionado preceito legal, pelo que é legalmente inadmissível.

Por todos os fundamentos expostos, não se admite o recurso interposto“.

Os executados vieram reclamar desse despacho, dizendo, no essencial:


4.º

Ora, de verdade, a decisão final destes autos, constitui-se a nosso ver, no veredicto de extinção previsto no artº 849 do C.P.C, contemplando as diferentes soluções possíveis, entre as quais a do pagamento da dívida exequenda.


Nos autos está em causa, como resulta dos termos do recurso, aqui reproduzidos, entender-se, se no processo de execução é possível ampliar o valor do pedido exequendo de € 28.830,00 para € 82.125,00, quando tal resulta de verdadeiro erro de cálculo, nos termos do previsto no artº 249 do C.C., e se no caso tal erro manifesto existia, ou se no caso o que está em causa é uma verdadeira ampliação do pedido, no caso precludido, e processualmente inadmissível face ao disposto no artº 265 do C.P.P.



Donde inexiste, assim no processo executivo decisão final, que possam configurar a possibilidade de impugnação da decisão em recurso, e com efeito útil para a presente causa, e assim questão suscitada.




Nessa medida, é assim manifesto, que o recurso em discussão, deve ser admitido nos precisos termos do artº 644 nº 2 alínea h) do C.P.C, uma vez que não existe sequer decisão final, no processo de execução, e mesmo qualquer recurso da decisão final de extinção (que não é sequer uma decisão jurisdicional, mas sim é do agente de execução) tornaria absolutamente inútil a decisão do recurso, até pela sua ineficácia e extemporaneidade.



É assim claro que o recurso instaurado cabe dentro da presibilidade do disposto no artº 852 nº 2 alínea a) do C.P.C, (por referência ao disposto no artº 644 nº 2 alínea h) do mesmo diploma legal.



É este o entendimento da nossa jurisprudência, enrtre outros - Ac. Trib. Rel. Porto – Proc. nº 12225/07.5 TBVNG-A.P1 – 5ª Secção – Conforme Acórdão de 12-04-2021

“I - Em matéria de recursos, ao processo executivo são aplicáveis os artigos 853º e 854º, e, subsidiariamente, o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração, por força do art. 852º, sendo que as decisões que ponham termo a procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridas na tramitação da ação executiva - art. 852º e n.º 1, do art. 853º - bem como as decisões tipificadas nos n.ºs 2 e 3, deste último artigo, todos do CPC, são passíveis apelação autónoma (interposição imediata de recurso);”


10º


Deve assim ser ordenado por V, Excª., a substituição do despacho do qual se reclama, por outro que admita o recurso com as legais consequências.
                                                                                   *
Por decisão de 19.12.2022 foi, pelo ora relator, mantido o despacho reclamado.
                                                                                   *

Os executados vieram então impugnar essa decisão para a conferência, nos termos consentidos pelos artigos 643.º, n.º 3 e 652.º, n.º 3 do CPC, mantendo que,

independentemente, de se entender, conforme alegado nos artº 4º e 5º do requerimento inicial, que a decisão final de extinção da execução, não constitui verdadeira decisão jurisdicional, pois que é produzida pelo Agente de Execução, e após pagamentos efectuados ao exequente, tornará por certo absolutamente inútil o recurso, quando até se tivesse efectivado a transmissão a terceiros, ou ao próprio exequente do património ou meios financeiros arrecadados com a execução, necessariamente, se corre risco, até pela dissipação posterior do património arrecadado, de se produzir nesse tempo – final da execução – um acto sem qualquer reflexo jurídico nas esfera jurídica dos interessados recorrentes.”

No caso está em causa, como já se alegou, a falta de adequação do título em execução – ao valor da execução o que é sempre matéria de despacho liminar, nos precisos termos do artº 726 do C.P.C, análise e despacho pelo qual se vem clamando ao longo de todo este procedimento dos autos.

De verdade, como resulta da jurisprudência fixada no recurso referido no artº 9º do requerimento inicial, a decisão impugnada – manda seguir a execução para um valor totalmente diferente do pedido de execução inicial, quando se sustenta que tal não decorre, nem dos fundamentos, nem da decisão da sentença dada à execução, constitui incidente de natureza declaratória, e assim sempre susceptivel de recurso nos precisos termos do disposto nos artº 852, 853 e 854 do C.P.C, e assim passiveis de aplicação autónoma, e subida imediata”.

Remataram pedindo que “seja em conferência deste tribunal, produzido Acórdão, que admita o recurso, entretanto deduzido, com as legais consequências”.

II-Objeto da impugnação

No âmbito da presente impugnação está em causa saber se o despacho proferido nos autos a 23.09.2022, que admitiu a retificação do valor correspondente à quantia exequenda, admite apelação autónoma, quer porque, no caso, a decisão apresenta autonomia no “iter processual”, quer porque a impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.

É certo que, no âmbito da impugnação para a conferência, os reclamantes vieram suscitar também a nulidade do despacho reclamado (I do requerimento)

Trata-se, no entanto, de questão que não pode ser objeto de objeto de apreciação nesta sede, já que a mesma (o âmbito da sua apreciação) se encontra limitada por aquilo que foi objeto da reclamação inicial; as questões concretamente colocadas ao relator, sendo que, no caso, não foi requerido nem apreciado (a eventual nulidade do despacho reclamado – que, de resto, sempre deveria ser colocada ao tribunal de primeira instância e, após, eventualmente, objeto de recurso).

III - Fundamentação
No despacho proferido pela primeira instância entendeu-se que a decisão recorrida não correspondia a nenhuma das elencadas no art. 644.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, pelo que apenas podia ser impugnada com o recurso da decisão final.
Já os Reclamantes defenderam a sua recorribilidade imediata por, a seu ver,
a) a decisão de que se recorreu é destacada e autónoma no iter processual, produzindo efeitos de per si; tratando-se de uma decisão final, suscetível de impugnação autónoma;
b) não existir no processo executivo decisão final, que possibilite a impugnação da decisão em recurso, e com efeito útil para a presente causa;
c) o recurso em discussão, deve ser admitido nos precisos termos do artº 644 nº 2 alínea h) do C.P.C, uma vez que não existe sequer decisão final, no processo de execução, e mesmo qualquer recurso da decisão final de extinção (que não é sequer uma decisão jurisdicional, mas sim é do agente de execução) tornaria absolutamente inútil a decisão do recurso, até pela sua ineficácia e extemporaneidade;
d)  o recurso instaurado cabe dentro da previsão do disposto no artº 852 C.P.C, (por referência ao disposto no artº 644 nº 2 alínea h) do mesmo diploma legal);
e) a retenção do recurso terá um efeito material irreversível (serão efetuados pagamentos em conformidade com a decisão de 1.ª instância), de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela já virá inútil.
                                                                                   *
Como já se adiantou, está em causa saber se a decisão que, em sede de execução, deferiu o requerimento apresentado pelo exequente no sentido de ser retificado o valor da quantia exequenda, admite recurso (imediato).
Sem prejuízo das especificidades contempladas nos arts. 853.º e 854.º do CPC, aos recurso de apelação e de revista de decisões proferidas no processo executivo, são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração (art. 852.º), o que, ao demais, se traduz na aplicação das regras estabelecidas no art. 644.º do CPC quanto à admissibilidade do recurso de apelação.
Os reclamantes começaram por sustentar, como fundamento para a admissibilidade do recurso, estarmos em presença de decisão autónoma, produzindo efeitos de per si, sendo separada do encadeamento processual conducente à extinção da execução e, consequentemente, uma decisão final, suscetível de impugnação autónoma.
Nos termos do art. 644.º, n.º 1 do CPC, no que ao caso dos autos interessa, cabe recurso da decisão que ponha termo “a incidente processado autonomamente”.
Segundo José Alberto dos Reis[2], in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 563, “A ideia que, ente nós, está na base da noção de incidente, é a seguinte: uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo.
Está pendente uma acção para a solução de certo conflito substancial; esta acção tem o seu processo próprio: a lei regula os termos e actos que hão-de praticar-se para se atingir o resultado final – a decisão da lide.
Suponhamos que, no curso deste processo, surge uma questão secundária e acessória, para a solução da qual se torna necessária a prática de actos e termos não compreendidos na estrutura própria do processo da acção: temos o incidente.
O incidente é uma forma processual secundária que apresenta, em relação ao processo da acção, o carácter de episódio ou acidente.”
Assim, a expressão “processado autonomamente” pressupõe a existência de um processado não regulado na estrutura da ação em que é suscitado.
É também este o entendimento assumido por de Abrantes Geraldes[3] os incidentes a que alude o art.º 644º, n.º 1, a), do CPC são “incidentes tramitados no âmbito da própria ação, desde que sejam dotados de autonomia … a implicar trâmites específicos que não se confundem com os da ação em que estão integrados”.
No caso, do que se trata, é de uma decisão que – correta ou incorretamente, questão de que agora não importa cuidar – se limitou a assegurar o exercício do direito de retificação previsto no art. 249.º do Código Civil, o qual, segundo orientação jurisprudencial que se crê pacífica, mercê do disposto no art. 295.º do mesmo diploma, “é aplicável a todos os atos processuais e das partes»[4].
Ora, sob pena de retirarmos toda a eficácia prática ao previsto no art. 644.º, n.º 1 do CPC, não podemos conferir a natureza de incidente a toda e qualquer questão que haja de decidir na causa, sendo que, na situação presente, não estamos em presença de um processado específico autónomo da ação executiva.
Trata-se, ainda e só, da quantificação do valor da quantia exequenda, e de retirar o erro de cálculo em que se terá incorrido no requerimento executivo.
Assim, não vemos que a retificação de um erro de cálculo ou de escrita relativo a articulado se apresente como “incidente processado autonomamente”, antes uma vicissitude da estrutura da própria ação e inserida no seu iter processual “normal”.
Defendem ainda os reclamantes que, no caso, é admissível recurso ao abrigo do disposto no art. 644.º, n.º 2, alínea h) do CPC já que, no seu entendimento, no processo executivo não existe decisão final suscetível de impugnação (tornando absolutamente inútil a decisão do recurso, até pela sua ineficácia e extemporaneidade) e que a sua retenção terá um efeito material irreversível (serão efetuados pagamentos em conformidade com a decisão de 1.ª instância), de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela já virá inútil.
De acordo com o disposto no art.º 644.º, n.º 2, alínea h) do CPC, cabe recurso de apelação “Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”.
Os reclamantes sustentam que na ação executiva não existe “decisão final” e, como tal, se imporia a admissão do recurso.
Todavia, salvo o devido respeito, não acompanhamos esse entendimento, sendo que, quer a execução propriamente dita, quer os seus “enxertos” ou incidentes declarativos contemplam “decisão final”.
No estrito domínio da execução, a decisão final corresponde à sua extinção, que opera nas situações previstas no art. 849.º, n.º 1 do CPC.
A circunstância de essa decisão poder competir ao agente de execução, não significa que não exista e, consequentemente, independentemente de a mesma ser ou não proferida por juiz, constitui o pressuposto para a impugnação prevista no n.º 3 do art. 644.º do CPC (apelação diferida), porque incluída em processo judicial.
Assentes nesta premissa, importa agora aferir se a subida diferida tornaria absolutamente inútil o recurso.
De acordo com a doutrina e jurisprudência uniformes, o uso do advérbio absolutamente caracteriza o nível de exigência imposto pelo legislador nesta sede, com idêntica similitude ao que anteriormente constava no art. 734.º, n.º 1, alínea c) do CPC, para efeitos de determinar ou não a subida imediata do agravo.
Não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final, sendo necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso não passará de uma inutilidade, sem qualquer reflexo no resultado da ação ou na esfera jurídica do interessado”[5].
“Esta inutilidade verifica-se sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível (cfr. acórdão do TRC de 05.05.1981, BMJ 310, pág. 345), de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil (cfr. acórdão do TRL de 29.11.1994, BMJ 441, pág. 390), mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição (cfr. acórdão do TRL de 30.06.1992, CJ, 92, 3.º V., pág. 254).
Fica assim expresso que “o significado deste preceito não pode ser outro senão o de que a aplicação do n.º 2 do art.º 734 do CPC só pode ter lugar quando a retenção do recurso o torna absolutamente inútil para o recorrente, e não por qualquer outra razão, como a economia processual ou a perturbação que possa provocar no processo onde o mesmo recurso foi interposto” (cfr. acórdão do  STJ, de 27.11.1997, disponível em www.stj.pt).
Ora, no caso, essa absoluta inutilidade não está presente.
Com efeito, ainda que a execução prossiga e seja arrecadada a quantia exequenda no quantitativo ampliado fixado através da retificação, na procedência do recurso, os executados serão reintegrados com o montante excessivamente obtido à custa do seu património (correspondente ao diferencial entre a quantia exequenda inicialmente inscrita e aquela que passou a constar após a retificação operada) e eventualmente anulados os atos conducentes à recolha do produto que se venha a considerar superior ao conferido pelo título e liquidação feita no requerimento inicial.

De onde resulta que não estamos em presença de um recurso absolutamente inútil, ao contrário, e no pressuposto da sua procedência, a apresentar utilidade.

Sumário[6]:

(…).


                 *
IV- Decisão
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a impugnação, mantendo-se o despacho do relator proferido a 19.12.2022.

                                                                               *

Custas do incidente a cargo dos impugnantes, fixando-se a taxa de justiça em 1,5 UC (cfr. Salvador da Costa “A taxa de justiça e as custas nos incidentes de reclamação para a conferência do despacho do relator de não admissão dos recursos” em anotação ao Ac. do STJ de 23.05.2019, disponível em Blog do IPPC, publicação de 11.12.2019).
                                                                                   *

Coimbra, 7 de fevereiro de 2023


(Paulo Correia)

(Helena Melo)

(José Avelino)




[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Helena Melo e José Avelino
[2] - Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, pág. 563.
[3] - Recursos No Novo Processo Civil, 5ª Ed., pág. 204.
[4] - Cfr. Acórdão do TRL de 3.10.1991, proferido no proc. n.º 0031956, disponível em www.dgsi.pt.

[5] - Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista a Actualizada, Almedina 2010, página 211. Também Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, 2008, pág. 81, se pronunciam no mesmo sentido, referindo que “a jurisprudência formada sobre o anterior art. 734.º, n.º 2, que previa a subida imediata do agravo cuja retenção o tornaria absolutamente inútil, era muito restritiva: considerava-se que a eventual retenção deveria ter um resultado irreversível quanto ao recurso, não bastando uma mera inutilização de actos processuais, ainda que contrária ao princípio da economia processual”.
[6] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).