Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
989/08.1TBPMS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ALIMENTOS
MAIORIDADE
LEGITIMIDADE
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 01/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO DE MÓS 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 174, 181, 189 OTM, 1905, 1909 CC, 55, 1412 CPC
Sumário: 1. O progenitor a quem foi confiada a guarda do filho não perde a legitimidade para continuar a exigir do outro, em incidente de incumprimento ou em execução para cobrança de alimentos, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade do filho, após a maioridade deste.

2. As prestações vencidas durante a menoridade não se convertem em crédito próprio do filho após a maioridade deste, mantendo o progenitor a quem o menor ficou confiado legitimidade, em nome próprio ou em representação do filho, para as exigir do outro progenitor.

3. Esta a solução que respeita, por um lado, o regime jurídico vigente (cf., nomeadamente, art.ºs 1905º e 1909º, do Código Civil; 181º e 186º e seguintes, da OTM e 1412º, n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961), e que, por outro lado, salvaguarda a ligação entre “a lei e a vida real”, conferindo aos normativos legais aplicáveis “um sentido mais justo e mais apropriado às exigências/interesses da vida”.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
           
I. Em 11.02.2009, por apenso a processo de regulação do exercício do poder paternal, no Tribunal Judicial de Porto de Mós, o M.º Público deduziu incidente de incumprimento da regulação referente aos menores C (…) e J (…) (…), nascidos a 25.10.1999 e 05.01.1994, respectivamente, filhos de C (…) e E (…) e residentes com a mãe, contra seu pai, alegando que este, por decisão de 15.9.2008 [sentença homologatória], foi condenado a pagar, a título de alimentos, a cada um dos filhos, a quantia de € 100 mensais, a entregar à mãe dos menores até ao dia 10 de cada mês, e, ainda, metade das despesas de saúde e educação, mas nunca entregou qualquer montante.
Citado, o requerido nada disse.
            A progenitora instaurou execução especial por alimentos (em 31.7.2009/apenso B[1]).
            Realizou-se uma conferência dos pais.
            Na sentença de 07.3.2013, face à dita execução e à circunstância de o J (…)ter atingido a maioridade (em 05.01.2012), ponderou-se:
            a) Foram reclamadas pela progenitora as quantias de € 1 500 (respeitante a mensalidades anteriores a 31.7.2009), € 216,79 (correspondente a metade das despesas médicas e escolares devidas até 31.7.2009), € 48,16 (a título de juros moratórios) e € 7 000 (relativos às prestações de alimentos desde Agosto de 2009 a Junho de 2012).
b) Haverá que subtrair a quantia de € 600 computada pela progenitora nos meses de Janeiro a Junho de 2012, após a maioridade do filho J (…); os montantes que a mesma reconhece ter recebido do requerido, no total de € 120, e a quantia de € 3 041,54, cobrada coercivamente na execução.
c) Assim, por referência ao mês de Junho de 2012, encontra-se em dívida a quantia global de € 5 003,41.
Perante o descrito enquadramento fáctico e não tendo o requerido contestado o incidente, nem justificado o não pagamento das prestações de alimentos, e não se afigurando necessárias outras diligências, julgou-se então verificado o incumprimento das responsabilidades parentais, no que concerne à obrigação de alimentos, devendo prosseguir as diligências de penhora para cobrança da quantia de € 5 003,41 e das prestações vincendas relativamente à menor C (…).
De seguida, o Mm.º Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
Atendendo à maioridade de J (…), cessa a sua representação no processo de execução pela progenitora (e, consequentemente a intervenção da respectiva Patrona, relativamente àquele), devendo o mesmo juntar àqueles autos procuração forense ou comprovativo da nomeação de Patrono ou impulsionar ele próprio a execução, atento[2] o valor da mesma, tendo em vista a cobrança dos valores respeitantes às prestações de alimentos devidos até à sua maioridade.
Notifique, incluindo J (…).”
Inconformada e visando a afirmação da sua legitimidade para prosseguir na execução, a progenitora interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:
1ª - Recorre-se da decisão na parte em que se declara cessada a representação no processo da execução quanto ao filho que entretanto atingiu a maioridade para cobrança de valores respeitantes às prestações devidas na menoridade;
2ª - O Recorrido nunca cumpriu com as prestações alimentícias na menoridade dos filhos, pelo que a Recorrente foi forçada em 2009 a deduzir incidente de incumprimento e posteriormente execução para cobranças daquelas quantias;
3ª - Foi a Requerente, mesmo pobre, como resulta dos autos, quem sustentou os filhos (o que faz ainda até quanto ao filho maior já que este, bom aluno, frequenta o ensino superior);
- E “…satisfeita unilateralmente a obrigação, compreende-se que só quem efectivamente a cumpriu possa exigir do co-obrigado os encargos a que esse cumprimento deu origem e lhe assista legitimidade para exigir a parte dos encargos que, na repartição efectuada, o outro obrigado deixou de lhe prestar.” – Ac. S.T.J. de 25.3.2010;
- Este o entendimento mais justo e conforme às regras do direito substantivo e processual, tendo sido violadas, entre outras, as disposições dos art.ºs 55º do CPC e 181º, da OTM.
O M.º Público respondeu pugnando pela improcedência do recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir, apenas, se a maioridade do filho retira ao progenitor a quem foi confiada a respectiva guarda a legitimidade para exigir o pagamento das prestações de alimentos vencidas (e não pagas) durante a menoridade daquele, fixadas no âmbito da regulação do exercício do poder paternal [ou das responsabilidades parentais, segundo a designação depois adoptada pelo legislador/Lei n.º 61/2008, de 31.10].
*
            II. 1. Para a decisão do recurso releva a factualidade e a tramitação supra referidas (ponto I).
2. A recorrente insurge-se contra o mencionado despacho na parte em que se julga cessada a representação no processo de execução pela progenitora quanto ao filho J (…), por este entretanto ter atingido a maioridade, tendo em vista a cobrança de valores respeitantes às prestações de alimentos devidos até à sua maioridade.
A 1ª instância considerou a recorrente carecida de legitimidade para o prosseguimento da acção executiva no tocante ao valor das prestações vencidas e não pagas devidas ao J (…) até à maioridade deste.
Embora estejamos perante matéria que tem suscitado alguma divergência na doutrina e na jurisprudência, afigura-se, por um lado, que é maioritária a corrente contrária ao entendimento que vemos sufragado no despacho recorrido e, por outro lado, sem quebra do respeito sempre devido, aquela perspectiva é a que efectivamente respeita a ligação entre “a lei e a vida real”, por forma a que os normativos legais aplicáveis tenham “um sentido mais justo e mais apropriado às exigências/interesses da vida”.[3]
Acresce que, tratando-se de processo de jurisdição voluntária (art.ºs 150º e 174º e seguintes da Organização Tutelar de Menores/OTM, aprovada pelo DL n.º 314/78, de 27.10), o tribunal não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente/ não está sujeito a critérios de legalidade estrita, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna) (cf. art.º 1410º do Código de Processo Civil/CPC de 1961/art.º 987º, do CPC de 2013), a que melhor serve os interesses em causa[4], sendo que, salvaguardados os efeitos já produzidos, será sempre possível a alteração de tais resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes[5] (cf. art.ºs 1409º, n.º 2; 1410º; 1411º, n.º 1, 1ª parte e 1412º, do CPC de 1961).
E o Tribunal deverá buscar a solução mais justa, a que repute como mais conveniente e oportuna, em ordem a uma equitativa composição dos interesses em presença, encontrando-se, assim, a resposta mais adequada ao caso concreto, sendo que, na regulação do exercício das responsabilidades parentais, sobrelevam os reais interesses do menor, que sempre se imporá salvaguardar e proteger, não podendo deixar de se atender às circunstâncias dessa efectiva salvaguarda e protecção.[6]
Essa a razão de ser da questão suscitada no presente recurso.
3. Como vimos, está em causa o valor das prestações de alimentos vencidas até à maioridade do filho, em cumprimento de acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais homologado por sentença, relevando agora a cobrança coerciva de dívida de alimentos, já vencida, conforme ficou esclarecido no incidente de incumprimento e se pretende executar no aludido processo especial [cf. art.ºs 181º e 189º, da OTM e 1118º e 1412º, n.º 2, do CPC de 1961].
Porque a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor (art.º 55º, n.º 1, do CPC de 1961), importa saber se a recorrente mantém a qualidade de credora, como tal figurando no título (a sentença que regulou o poder paternal e fixou a pensão alimentar, complementada pelas posteriores decisões, inclusive, a proferida no âmbito do presente apenso de incumprimento), e se pode continuar a exigir o pagamento do crédito nos mesmos termos em que lhe era facultado durante a menoridade do filho.
4. O dever de prestar alimentos aos filhos menores recai sobre ambos os pais que, em conjunto, estão onerados com a obrigação de contribuir para o sustento, manutenção e educação dos descendentes menores. Trata-se de uma manifestação do conteúdo do poder paternal (das responsabilidades parentais) a que estão sujeitos os filhos até à maioridade ou emancipação (art.ºs 1874º, 1877º, 1878º, n.º 1 e 1879º, do Código Civil/CC).
Quando os pais do menor não convivam maritalmente, ou tenha cessado essa coabitação, o exercício das responsabilidades parentais deve ser regulado judicialmente, sendo que na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais (art.ºs 1901º, n.º 1 e 1905º a 1909º, do CC, na redacção conferida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10).
Nessas situações, como sucedeu no caso em apreciação[7], o tribunal decide (ou homologa os acordos dos progenitores) sobre o destino do filho, o regime de visitas do progenitor a quem não tenha sido confiado, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar; e o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente (cf. art.ºs 1905º e 1906º, do CC, na redacção da Lei n.º 61/2008, e 174º e 180º, da OTM).
5. Se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo (art.º 181º, n.º 1, da OTM).
O beneficiário da prestação alimentar é o menor, mas é o progenitor a quem foi confiado que goza da respectiva titularidade, agindo em substituição processual, parcial, representativa do menor. Age em nome próprio e, por isso, é parte processual.[8]
É ao progenitor com a guarda do menor (com quem ele reside habitualmente) que cabe a legitimidade para, em substituição processual do menor, pedir os alimentos, a sua alteração ou exigir o cumprimento coercivo da obrigação.
Por conseguinte, se o progenitor condenado a entregar ao outro prestações a título de alimentos devidos ao filho menor não cumpre, este fica onerado e passa a custear despesas que obrigavam aquele (custeia os encargos com o sustento e a educação do filho na totalidade), despesas que só ele pode exigir do devedor, seja no exercício de um direito próprio, seja, quando assim se entenda, por via sub-rogatória (art.º 592º, n.º 1, do CC).
Por isso, satisfeita unilateralmente a obrigação, compreende-se que só quem efectivamente a cumpriu possa exigir do co-obrigado os encargos a que esse cumprimento deu origem e lhe assista legitimidade para exigir a parte dos encargos que, na repartição efectuada, o outro obrigado deixou de lhe prestar.
6. Daí, o problema não será propriamente de legitimidade processual do exequente face ao título - legitimidade que, não obstante, decorre do disposto nos art.ºs 55º, n.º 1 e 57º, do CPC -, mas, antes, um efeito da não coincidência entre o sujeito que detém a titularidade e disponibilidade do direito quanto às prestações vencidas durante a menoridade e o seu beneficiário, como reflexo do conteúdo e exercício das responsabilidades parentais e da natureza que, no seu âmbito, assume o direito a alimentos (cf. art.ºs 1905º e 1909º, do CC, e 186º e seguintes da OTM).
A recorrente será, por isso, a titular dos alimentos fixados ao filho enquanto menor, seu beneficiário, e, também por isso, será ela a titular do direito de continuar a exigir do progenitor as prestações que este lhe não entregou durante a menoridade do filho, nos termos fixados na sentença da acção de regulação e nas decisões subsequentes.
7. Numa outra perspectiva, posicionados no contexto da acção em geral, poder-se-á dizer que a recorrente tem “legitimidade” na medida em que tem interesse directo em demandar, atenta a utilidade que lhe advirá do prosseguimento da acção executiva com processo especial e da efectiva cobrança dos valores devidos (art.º 26º, n.ºs 1 e 2, do CPC de 1961), e, recolocados no âmbito da acção executiva e reportados ao presente caso, que, dado o incumprimento por banda do pai e a correlativa contribuição acrescida, em idêntica medida, por parte da progenitora, esta não deixa de assumir a posição de credora - daí, também, a sua “legitimidade[9].
8. Por conseguinte, salvo o devido respeito por entendimento contrário, apenas ela poderá reclamar ou renunciar à exigência dessas prestações vencidas, sem as quais proporcionou ao menor as condições de vida que teve por convenientes ou possíveis, prestações que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, dada a natureza da obrigação alimentar relativa a menor a expensas do progenitor, não se apresentam como convertíveis em crédito próprio do filho após a maioridade deste.[10]
Ou seja, as prestações vencidas durante a menoridade não se convertem em crédito próprio do filho após a maioridade deste, mantendo o progenitor a quem o menor ficou confiado legitimidade, em nome próprio ou em representação do filho, para as exigir do outro progenitor.
Retomando o expendido em II. 2., supra, dir-se-á que esta é a solução que respeita, por um lado, o regime jurídico vigente, e que, por outro lado, salvaguarda a ligação entre “a lei e a vida real”, conferindo aos normativos legais aplicáveis “um sentido mais justo e mais apropriado às exigências/interesses da vida”.
9. Conclui-se, assim, que a recorrente tem legitimidade para fazer prosseguir a execução para cobrança do valor respeitante às prestações de alimentos devidos até à maioridade do seu filho, acolhendo-se, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.
*
            III. Pelo exposto acorda-se em revogar o despacho recorrido e, em consequência, reconhece-se a legitimidade da recorrente para fazer prosseguir a execução para cobrança do valor respeitante às prestações de alimentos devidos até à maioridade do seu filho.
            Sem custas.
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28.01.2014



Fonte Ramos ( Relator )
Inês Moura
Fernando Monteiro

[1] Refere-se na sentença - que precede a decisão recorrida - que “Em 18.6.2012, a progenitora requereu no apenso “B” o prosseguimento da execução para cobrança das prestações de alimentos vencidas na pendência dessa acção, no total de € 7 000, acrescido de despesas médicas e escolares e juros”.
[2] Rectifica-se lapso manifesto.
[3] Vide, a propósito, Manuel de Andrade, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, Arménio Amado-Editor Sucessor, Coimbra, 1987, págs. 22, 64 e 106.
[4] Vide Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, 1982, págs. 400 e 401.
[5] Isto é, no dizer da lei, tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (art.º 1411º, n.º 2, 2ª parte).
[6] Sublinhando a natureza do processo e os interesses a proteger, cf., entre outros, o acórdão da RL de 04.3.2010-processo 20002-D/1996.L1-8, publicado no “site” da dgsi e na CJ, XXXV, 2, 73.
[7] Ainda que não conste do presente apenso o pertinente documento do registo civil, decorre dos relatórios juntos aos autos que a recorrente e o requerido casaram entre si (cf., v. g., fls. 27).
[8] Vide J. P. Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos..., FDUC – Centro de Direito de Família, 2, págs. 297 e seguinte.
[9] Vide E. Lopes Cardoso, Manual da acção executiva, edição da INCM, 1987, pág. 117.
[10] Cf., especialmente, o acórdão do STJ de 25.3.2010-processo 7957/1992.2.P1.S1, aqui parcialmente reproduzido (maxime, nos pontos II. 5., 6. e 8., supra), publicado no “site” da dgsi e na CJ-STJ, XVIII, 1, 147, com o seguinte “voto de vencido” [de conteúdo idêntico ao da decisão recorrida]:
   “A legitimidade da recorrente advinha do facto de a filha ser menor.
   Enquanto esta realidade perdurou, competia à agravante suprir a incapacidade da filha, derivada da sua menoridade.
   Atingida a maioridade desta, finou a “legitimidade” da agravante para representar a sua filha, seja em que circunstância for. (…)”.
Na mesma ou em idêntica linha de entendimento, daquele aresto, cf., de entre vários, os acórdãos da RP de 29.11.1984 [assim sumariado: “A mãe, a quem ficou confiado um filho menor que, entretanto, atingiu a maioridade, tem legitimidade para exigir do pai as pensões que este se obrigou a pagar para alimentos desse filho se as mesmas se vencerem durante a respectiva menoridade”], 23.5.2002-processo 0230576 [com o seguinte “sumário”: “Condenado um dos pais, em acção de regulação do poder paternal, a pagar pensão de alimentos a favor de filho menor, este, depois de atingir a maioridade, não tem legitimidade para, em execução exigir o pagamento das pensões, em dívida, que deveriam ter sido entregues ao outro progenitor”] e de 05.3.2012-processo 5-B/1995.P1 [no qual se expende, nomeadamente: “Quando o Requerido deixou de cumprir a sua obrigação de pagamento dos alimentos, a Recorrente teve, necessariamente, que suprir a carência do filho resultante daquela actuação do pai, pois que o menor lhe estava confiado. Ela, como representante legal do menor, tinha direito a receber e exigir o montante dos alimentos devidos – ver artigo 181º, 1, da OTM. Nestes autos pretende-se exigir o cumprimento de uma obrigação que, entretanto, foi suprida pelo outro progenitor, que tem direito a receber o montante em dívida e que lhe devia ter sido entregue para fazer face à correspondente necessidade de alimentos. Embora os alimentos se destinassem ao filho, deviam ser pagos à mãe, que continua a ter legitimidade para os reclamar do pai relativamente ao período de tempo anterior à maioridade do filho.”] e da RC de 23.6.2009-processo 238-A/2001.C1 [defendendo-se, nomeadamente, que “a solução mais correcta e a que melhor salvaguarda os interesses em jogo é aquela que atribui ao progenitor que teve a seu cargo a guarda do filho menor e a quem este foi confiado, a legitimidade processual para reclamar judicialmente do progenitor faltoso – seja por via do incidente de incumprimento, seja através da acção executiva – as prestações de alimentos vencidas na pendência da menoridade e que estejam em dívida”], publicados, o primeiro, na CJ, IX, 5, 255 e, os restantes, no “site” da dgsi. Na doutrina, vide Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício das Responsabilidade Parentais nos casos de Divórcio, 5ª edição, Almedina, 2011, pág. 344.
Pondo o enfoque na figura da sub-rogação legal (art.º 592º, n.º 1, do CC) e seguindo de perto o ensinamento de J. P. Remédio Marques [in Algumas Notas Sobre Alimentos..., Coimbra Editora, 2000, págs. 311 e seguinte/”Admite-se que, embora as prestações caibam iure próprio ao filho (in casu maior) o progenitor convivente, que tenha custeado total ou parcialmente as despesa de sustento e a manutenção que ao outro obrigavam, possa sub-rogar-se nos direitos de crédito do filho”], cf. o acórdão da RL de 05.12.2002 (in CJ, XXVII, 5, 90) [adoptando igual entendimento, cf., entre outros, o acórdão da RL de 09.12.2008-7602/2008-1, publicado no “site” da dgsi], no qual se defende, nomeadamente, que se “o filho maior não requer a realização coactiva da prestação alimentar contra o progenitor que a ela estava obrigado, tem de aceitar-se que o progenitor que dele cuidou e lhe prestou, exclusivamente, alimentos, provendo ao seu sustento, segurança, saúde e educação na medida das suas capacidades durante a sua menoridade, possa tornar efectivas as prestações em dívida, mesmo que fixadas em sentença proferida durante a menoridade do alimentando, ao abrigo da figura da sub-rogação leal, de harmonia com o disposto no art.º 592º, nº1 do Código Civil”, concluindo-se ainda, quanto ao fundamento material da solução propugnada, que a mesma “além do apoio legal (…), se considera mais adequada à realidade da vivência que envolve a problemática do incumprimento no tocante às prestações alimentares e, por isso, mais justa”, bem como o citado acórdão da RL de 04.3.2010-processo 20002-D/1996.L1-8, ao considerar, designadamente, que (…) as prestações de alimentos vencidas e não pagas pelo Requerido no decurso da menoridade não deixam de ser relativas à situação do menor só pelo facto deste ter completado os 18 anos; (…) o progenitor que custeou sozinho o sustento do filho tem legitimidade para exigir do progenitor que incumpriu as quantias em dívida até ao momento em que o filho menor atingiu a maioridade. (…) A defender-se outro entendimento mal se compreenderia o disposto no art. 1412º, n.º 2, do CPC [sob a epígrafe “Alimentos a filhos maiores ou emancipados”], que preceitua ´expressis et apertis verbis` que, tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respectivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso”.
Não enjeitando esta mesma perspectiva e destacando a posição e o interesse do filho que entretanto atingiu a maioridade, e estabelecendo ou pressupondo, também, uma “gradação” quanto à legitimidade substantiva, relegando o progenitor para um plano secundário – “o progenitor só poderá promover tal cobrança, em caso de inactividade do titular do direito a alimentos (o filho) e mediante a invocação da sucessão no crédito (por sub-rogação), alegando que cumpriu para além do que lhe competia, em lugar do outro progenitor -, cf. os acórdãos da RC de 12.6.2012-processo 21-E/1997.C1 [relativo a uma execução de alimentos instaurada pela mãe, no decurso da qual o filho, que entretanto atingira a maioridade, veio declarar ter recebido as quantias devidas, concluindo-se, em tal aresto, pela extinção da execução com fundamento em que o direito a alimentos é um direito do menor - e que “na execução especial por alimentos decorrente do incumprimento por parte do pai da menor, a mãe não é a credora das prestações em dívida, agindo em representação da filha, única titular do crédito exequendo” -, só continuando a mãe a ter legitimidade se o filho se remeter para uma atitude de passividade] e o acórdão da RP de 15.01.2013-processo 344-A/1996.P1 [assim sumariado: “I - Quer o filho maior, quer o progenitor convivente, poderão gozar de legitimidade, substantiva e processual, para reclamar as prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho: o filho, como titular do direito a alimentos iure próprio; o progenitor, no caso de invocação de que prestou alimentos para além do que lhe cumpria, por sub-rogação. II - Face à singela invocação da ilegitimidade da requerente (filha/maior), por parte do requerido/devedor, como meio de se subtrair ao pagamento das prestações vencidas, sem alegação de quaisquer factos dos quais possa resultar que o crédito da requerente tenha sido transmitido para a mãe por haver prestado alimentos em medida superior à que lhe incumbia, a requerente terá de ser julgada parte legítima.”], publicados no “site” da dgsi.
Perfilhando posição similar à do mencionado “voto de vencido”/acórdão do STJ de 25.3.2010-processo 7957/1992.2.P1.S1, vide Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família – Uma questão de Direito(s), Coimbra Editora, 2009, pág. 211, nota (76): “Em termos processuais, desde que o filho se torne maior, só ele como credor de alimentos (já que o seu progenitor ´guardião` cessou os seus deveres de representação), pode prosseguir na acção de RERP, exigindo a cobrança dos alimentos vencidos e não pagos, podendo a acção prosseguir para a fixação dessa quantia de alimentos até ao momento da maioridade”.