Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
360/12.0TBCNF.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
DEPÓSITO DO PREÇO
ALTERAÇÃO
VALOR
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, CINFÃES, INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1410.º N.º1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Na acção de preferência, o autor tem de proceder ao depósito do preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção, sob pena de caducidade.

2. O valor a depositar corresponde ao preço constante do título de transmissão.

3. Tendo os réus procedido à alteração título de transmissão, alterando o preço da venda, incumbe-lhes alegar e provar que o valor rectificado corresponde ao valor real e que os autores conheciam “ab initio” o valor rectificado.

4. O "preço devido", a que se refere o artigo 1410.º n.º1 do Código Civil e que deve ser depositado na acção de preferência, respeita à contraprestação paga pelo adquirente ao alienante, ou seja, ao preço devido pela transacção, não abrangendo quaisquer outras despesas, nomeadamente impostos ou registos.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

A... e marido, B..., residentes no Lugar (...), freguesia de (...), concelho de Cinfães, instauraram a presente acção declarativa, então, sob a forma de processo sumário, contra C... e mulher, D..., residentes em (...), freguesia de (...), concelho de Cinfães, e E... e mulher, F..., residentes no Lugar (...), (...), concelho de Cinfães. Pedindo que a presente acção seja julgada procedente, por provada, e em consequência, se decida:

a) Declarar-se que os 1.ºs Réus eram donos e legítimos proprietários do prédio identificado no art. 1.º na data referida no art. 7.º, ambos da petição inicial;

b) Declarar-se que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio identificado no art. 3.º da petição inicial;

c) Declarar-se que os prédios identificados em 1.º e 3.º são confinantes entre si;

d) Declarar-se que ambos os prédios têm áreas inferiores à unidade de cultura prevista para esta região, isto é, menos de 2 ha;

e) Ser declarado que os Réus compradores não têm nenhum prédio confinante com o ora vendido;

f) Declarar-se e reconhecer-se o direito de preferência dos Autores na venda do prédio identificado no art. 1.º efectuada por C.... e mulher, D.... , a E.... por escritura pública outorgada em 13 de Setembro último, no Livro 192-E, a fls. 28 do Cartório Notaria de Cinfães;

g) Substituírem-se e serem colocados, os Autores, na posição dos Réus E.... e mulher, F.... , devendo àqueles ser adjudicado e atribuído o direito de propriedade do prédio identificado no art. 1.º;

h) Serem, os Réus E.... e mulher, F.... , condenados a abrirem mão dos prédios a que o art. 1.º se refere por eles adquirido por escritura referida na alínea f);

i) Deve ainda ser ordenado e determinado o cancelamento de todos os registos de aquisição efectuados ou que se venham a efectuar relativamente ao prédio vendido e objecto de preferência, descrito na ficha 2798 da freguesia de P(...) desta Comarca;

j) Devem os Réus serem condenados em procuradoria, custas e demais encargos legais.

Alegam para tal que são donos de um prédio rústico, que identificam, que confina com um outro, propriedade dos 1.os réus, que estes declararam vender aos 2.os réus, em 13 de Setembro de 2002, pelo preço de 1.000,00 €, sendo que ambos os prédios são confinantes entre si e dos confinantes, o dos autores, é o que tem maior área, pelo que lhes assiste o direito de preferência na sobredita venda, da qual só souberam após a respectiva realização.

Referem, ainda, terem depositado o montante do preço e demais despesas relacionadas com a supra mencionada escritura.

*

Os Réus foram regularmente citados.

Os Réus E.... e F.... contestaram, alegando que o prédio que adquiriram não está sujeito à reclamada preferência, por não se destinar à cultura e a existir esse direito, o mesmo caducou em virtude de os autores apenas terem depositado a quantia de 1.000,00 €, referente ao preço, quando este foi de 10.000,00 €, o que declararam através de rectificação à escritura inicial, efectuada em 22 de Setembro de 2012, pelo que os autores teriam de proceder ao depósito desta quantia.

Concluem pugnando para que as excepções deduzidas sejam julgadas provadas e procedentes, absolvendo-se os Réus do pedido. A não se entender assim, julgar-se improcedente, por não provada, a presente acção.

Os mesmos réus E.... e F.... deduziram reconvenção para o caso de se entender que assiste aos Autores direito de preferência sobre o prédio em causa e, em consequência, peticionam que se decida:

a) Condenar os Autores a pagar aos Réus a quantia de €11.507,89;

Para a hipótese de se entender que o preço pago pelos Réus foi de €1.000,00:

b) Condenar os Autores a pagar aos Réus a quantia de €2.507,89;

c) A que deverá acrescer, em qualquer dos casos, juros legais de mora, contados desde a notificação da reconvenção até efectivo e integral pagamento.

*

Os Autores apresentaram resposta à contestação/reconvenção, defendendo a existência do direito a que se arrogam, com o fundamento em o prédio declarado vender está afecto à cultura; que o preço efectivamente pago foi o de 1.000,00 €, visando a posterior rectificação impedir que os autores exerçam o direito de preferência, tendo a ela procedido, já depois de saberem que os autores o pretendiam exercer, por estes lho terem comunicado, para além de que tal modificação do preço é irrelevante para efeitos do exercício do direito de preferência a que se arrogam.

*

Foi proferido despacho através do qual se admitiu a reconvenção; determinou-se o desentranhamento do articulado apresentado pelos Réus posteriormente à resposta à contestação e ordenada a sua devolução ao apresentante; relegou-se o conhecimento da excepção peremptória de caducidade para sentença; fixou-se o valor da causa; e foi dispensada a selecção da matéria de facto controvertida.

*

No decurso da presente acção, o Autor B.... faleceu.

Nessa sequência, foram declarados habilitados como herdeiros do Autor para prosseguir a causa em sua substituição: A.... , N.... e O.... – cfr. apenso “A”.

*

No decurso da presente acção, o Réu C.... faleceu.

Nessa sequência, foram declarados habilitados como herdeiros do Réu para prosseguir a causa em sua substituição: P.... , Q.... , R.... e S.... – cfr. apenso “B”.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, após o que foi proferida a sentença de fl.s 187 a 201, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e a final se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, e nos termos dos citados normativos legais, decido julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e, em consequência, decido:

a) Declarar que os 1.ºs Réus, C.... e mulher, D.... , eram, até ao dia 13.09.2012, donos e legítimos proprietários do prédio rústico, denominado “B (...)”, composto por terra de mato, com a área de 9.250m2, que confronta do norte com caminho, do sul com U.... e V.... , do nascente com W... e B.... e do poente com K... e caminho, inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o n.º2435 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cinfães sob a ficha n.º2798 da freguesia de (...) e aí registado a favor daqueles pela inscrição AP. 288 de 2012/09/03.

b) Declarar que os Autores, A.... e marido, B.... são donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito ou denominado “ TM(...)”, composto por terra de mato e pinhal, com a área de 1,230ha, que confronta do norte com C.... , do nascente com W.... e outros, do sul com herdeiros de M... e do poente com U.... e outro, inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o n.º2431.

c) Declarar que os prédios identificados nas alíneas a) e b) são confinantes entre si.

d) Declarar que os prédios identificados nas alíneas a) e b) têm áreas inferiores à unidade de culta prevista para esta região, isto é, menos de 2 ha.

e) Declarar que os 2.ºs Réus E.... e mulher, F.... não têm prédio confinante com o que lhes foi vendido, identificado na alínea a) deste dispositivo.

f) Julgar improcedentes os restantes pedidos formulados pelos Autores e pedidos reconvencionais formulados pelos Réus, consequentemente absolvendo-os dos mesmos.

*

Custas pelos Autores.”.

           

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os autores A.... e os demais, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 231), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1ºA Meritissima Juiz não fez uma análise correta da prova

2º Nenhuma prova foi produzida que permitisse considerar que o preço acordado entre os RR fosse de 10000€.

3º O preço sustentado pelos AA de 1000 euros, constante da escritura de 13 de setembro, não foi fundado em suspeitas e rumores, mas na prova testemunhal.

4º Era aos RR que cabia provar que o preço pago e recebido foi de 10000€.

5º A explicação constante da escritura de retificação para a realização da mesma é falsa

6º O valor atribuído pelos peritos além de não ser concordante, indica apenas o valor para efeitos financeiros e não o valor que o prédio tinha naquele meio. Além disso,

7º O direito de preferência é exercido em função de um negócio concreto com um preço determinado e não em função de um valor real do bem.

8º Inexiste prova documental, testemunhal ou outra que prove que os RR compradores entregaram aos RR vendedores 10000€ e que  estes os receberam

9º A retificação ocorreu porque os RR souberam do interesse dos AA em preferir

10º Os AA só souberam da retificação quando foram notificados da contestação. Pelo que,

11ºHavia já ultrapassado o prazo para o depósito do preço, ou seja, 15 dias após a PI.

12º O caso sob judice constitui uma modificação do negócio e não se trata de uma questão de simulação. Ora,

13º A modificação do negócio titulada pela retificação da escritura é irrelevante para os AA, não podendo prejudicar o direito de preferência

14º Por isso, os AA  não eram obrigados  a depositar os 10000 euros,  ainda que fosse apenas para garantirem  o seu direito de preferir

15º Pelo que, inexiste caducidade do direito dos AA

16º A douta sentença violou, entre outros dispositivos legais o art 342 e 1410 ambos do CC.

Terminam, peticionando a procedência do seu recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.

            Contra-alegando, os réus pugnam pela rejeição do recurso no que tange à matéria de facto por, no seu entender, os recorrentes não terem indicado os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, nem os exactos momentos da gravação em que o fundam e, a assim não se entender, defendem que a decisão recorrida deve ser mantida, com o fundamento em a prova ter sido bem apreciada, designadamente, ao considerar como provado que o preço foi o de 10.000,00 €, e ter sido correctamente aplicada a lei, atenta a factualidade apurada.

Assim, desde logo, em sede de questão prévia, importa apreciar a questão da rejeição do recurso de facto suscitada pelos recorridos, com o fundamento em os recorrentes não terem cumprido o disposto no artigo 640.º, n.º 2, al.s a) e b), do NCPC.

De acordo com este preceito, em caso de impugnação da matéria de facto e se trate da reapreciação de provas gravadas, sob pena de rejeição, deve o recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e com exactidão as passagens da gravação em que se funda.

Assim, para respeitar tal comando deve o recorrente precisar os trechos da gravação em que se funda, por reporte aos depoimentos em causa.

Os recorrentes não cumpriram, na totalidade, tal ónus, uma vez que como consta de fl.s 207 a 211, embora se refiram ao que foi dito pelas testemunhas e partes aí identificadas e em que concretas afirmações fundamentam o seu recurso no que toca à matéria de facto (transcrevendo-as), não as precisaram temporalmente, em relação à gravação efectuada.

Ainda assim, não obstante tal imprecisão (que convém corrigir futuramente) e até porque tais depoimentos não são assim tão breves, embora com maior dispêndio de tempo para os julgadores, é possível aferir da pretensão dos recorrentes, pelo que se conclui que o recurso de facto pode ser apreciado.

O mesmo se diga quanto à alegada falta de indicação do concreto ponto que consideram incorrectamente julgado, pois que, sem margem para dúvidas, se conclui ser o constante do item 15.º dos factos provados, conforme resulta das conclusões 2.ª e 8.ª. o que, aliás, os próprios recorrentes reconhecem expressamente nas suas contra-alegações, como ressalta de fl.s 226.

Consequentemente, pode e deve ser conhecido o presente recurso, também, na sua vertente de impugnação da matéria de facto, não sendo, pois, por isso, o mesmo, de rejeitar.

Já neste Tribunal da Relação, prevenindo a hipótese de procedência do recurso interposto pelos autores, dado que na sentença recorrida não se chegou a conhecer da viabilidade do direito por estes invocado, mercê da procedência da excepção de caducidade alegada pelos réus, em obediência ao disposto no artigo 665.º, n.os 2 e 3, do NCPC, foi proferido o despacho de fl.s 236, em que se ordenou a notificação das partes para que se pronunciassem, querendo, acerca das questões não apreciadas na sentença recorrida.

No exercício de tal faculdade, vieram os autores, cf. requerimento de fl.s 239 e 240, reiterar que lhes assiste o direito a que se arrogam, por se verificarem os respectivos pressupostos legais, ínsitos nos artigos 1380.º e 1410.º do Código Civil.

Por seu turno, os réus E.... e mulher F.... , cf. seu requerimento de fl.s 243 e 244, alegaram que a proceder o direito de preferência a que se arrogam os autores, devem estes ser condenados a pagar-lhes a quantia de 11.709.49 €, a que acresce o que pagaram ao solicitador, para o caso de se vir a considerar que o preço efectivamente pago foi o de 10.000,00 €, ou a quantia “que este Tribunal vier a fixar”, no caso de se “alterar a matéria de facto no que diz respeito ao preço pago pelos recorridos aos vendedores e às demais despesas havidas com tal negócio.”.

Assim, nos termos do disposto no acima citado artigo 665.º, nº 2, para a hipótese de improcedência da invocada excepção de caducidade, importará, também, averiguar se se mostram verificados os pressupostos em que os autores assentam o direito de preferência a que se arrogam.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente ao item 15.º, dos factos dados como provados na sentença recorrida e;

B. Se não se verifica a caducidade do direito a que se arrogam os autores.

            C. Improcedendo esta excepção, se deve ser reconhecido aos autores o direito de preferência a que se arrogam.

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1) Provado apenas que se encontra inscrita na Conservatória do Registo Predial de Cinfães, a favor dos 2.ºs Réus E.... , casado com F.... , pela apresentação 244145164, a aquisição por compra aos 1.ºs Réus C.... e mulher, D.... , do prédio rústico sito ou denominado B (...), composto por terra de mato, com a área de 9.250m2, que confronta do norte com caminho, sul com U.... e V.... , nascente com W.... e B.... , e poente com K.... e caminho, inscrito na matriz da referida freguesia de P(...) no art. 2435, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cinfães na ficha 2798 da respectiva freguesia e aí registado a seu favor pela inscrição AP. 288 de 2012/09/03.

2) No dia 13 de Setembro de 2012, por escritura lavrada no Cartório Notarial de Cinfães, no Livro 192-E, exarada a folhas 28, os 1.ºs Réus, C.... e mulher D.... , declararam vender ao 2.º Réu E.... , “pelo preço de MIL EUROS, que declaram ter já recebido, o seguinte prédio, situado na freguesia de (...), concelho de Cinfães:

PRÉDIO RÚSTICO: Sito ou denominado “B (...)”, composto de terra de mato, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cinfães sob o número DOIS MIL SETECENTOS E NOVENTA E OITO, da referida freguesia de (...), cujo direito de propriedade se encontra aí registado a seu favor pela inscrição AP. 288 de 2012/09/03, inscrito na matriz predial rústico sob o artigo número 2.435, com o valor patrimonial de €13,87.

Disse depois o segundo outorgante:

Que aceita este contrato nos termos exarados.

(…)”

3) No dia 22 de Setembro de 2012, por escritura lavrada no Cartório Notarial de Cinfães, no Livro 192-E, exarada a folhas 41, os 1.ºs Réus, C.... e mulher D.... , e o 2.º Réu E.... , declararam que “Que, por escritura lavrada neste Cartório em treze de mês corrente, iniciada a folhas vinte e oito deste Livro de Notas para Escrituras Diversas, os primeiros outorgantes venderam e o segundo outorgante e este comprou o prédio objecto dessa escritura.

Que nessa escritura declararam que o preço pago pelo referido prédio era de mil euros o que não corresponde à verdade já que o preço pago pelo segundo outorgante e recebido pelos primeiros outorgantes foi de dez mil euros, tendo tal desconformidade resultado do facto de entre eles terem usado a moeda antiga como moeda do negócio (“dois mil contos”) e quando informaram o cartório do preço ao fazerem a conversão indicaram mil euros ao invés de dez mil euros. Ou seja, escreveram menos um zero. Aquando da leitura do ato nenhum dos intervenientes se apercebeu do lapso e só depois de registada a referida aquisição aquando da leitura do título se apercebeu o comprador da referida desconformidade.

Que, assim, rectificam a referida escritura, no sentido dos primeiros terem vendido ao segundo outorgante e este comprado, pelo preço de DEZ MIL EUROS, o referido prédio.

Que assim dão a referida escritura como rectificada mantendo, em tudo, o resto nela referido.

(…)”.

4) No dia 13 de Agosto de 1981, por escritura no Cartório Notarial de Cinfães, no Livro 111-B, os Autores declararam comprar a AA.... e marido, BB.... , e estes declararam vender, o seguinte:

(…)

Metade indivisa do prédio rústico denominado TM(...), terra de monte, sito nos limites do lugar (...) da referida freguesia de P(...), a confrontar do nascente com X..., poente e norte com T... e sul com herdeiros de M.... , não descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho e inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia de P(...) sob o artigo dois mil e noventa e sete, com o valor matricial correspondente à fracção de setecentos e oitenta escudos, e do contrato de doze mil e quinhentos escudos.

(…)”.

5) No dia 13 de Agosto de 1981, por escritura no Cartório Notarial de Cinfães, no Livro 26-C, os Autores declararam comprar a CC.... e mulher, DD.... , o seguinte:

(…)

Metade indivisa do prédio rústico denominado TM(...), terra de monte, sito nos limites do lugar (...) da referida freguesia de P(...), a confrontar do nascente com X.... , poente e norte com T.... e do sul com herdeiros de M.... , não descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho e inscrito no todo na matriz predial rústica da mencionada freguesia de P(...) sob o artigo dois mil e noventa e sete, com o valor matricial correspondente à fracção de setecentos e oitenta escudos, e do contrato de doze mil e quinhentos escudos.

(…)”.

6) O artigo matricial n.º2431, sito ou denominado Malhada, freguesia de (...), composto de pinhal e mato, com a área de 1,23 ha que confronta do norte com C.... , nascente com W.... e outros, sul com herdeiros de M.... e poente com U.... e outro, encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (...), concelho de Cinfães, a favor do Autor B.... .

7) Pelo menos até ao dia 13 de Setembro de 2012, os Autores vinham possuindo o prédio rústico sito ou denominado TM(...), acima identificado, como se donos fossem, de forma ininterrupta, sem oposição de ninguém e à vista de todos.

8) Os prédios B (...) e TM(...), acima identificados, são confinantes entre si.

9) O prédio B (...) não estava arrendado à data do negócio.

10) O prédio B (...) confina com caminho público, que constitui o seu único acesso.

11) Os 2.ºs Réus E.... e F.... não são proprietários, nem nunca foram, de prédio confinante com o vendido, B (...).

12) Os Réus não deram aos Autores, conhecimento da venda e das cláusulas do respectivo contrato, para que pudesse ser exercido o invocado direito de preferência.

13) Os Autores depositaram à ordem dos presentes autos o montante total de €1.352,90.

14) À data da entrada em juízo da petição inicial, os Réus tinham já procedido à rectificação do preço, melhor descrita no ponto 3).

15) Os 2.ºs e 1.ºs Réus acordaram o preço no montante de €10.000,00, que aceitaram, e respectivamente pagaram e receberam.

16) Os Réus pagaram IMT, com o esclarecimento de que o mesmo é o correspondente a 5% do valor da venda.

17) Pela escritura referida em 2), os Réus pagaram €414,00.

18) Pela escritura de rectificação referida em 3), os Réus pagaram €193,49.

19) Os Réus pagaram ao solicitador que lhes prestou os serviços.

 

2.2. Factos Não Provados:

Não resultou provado que:

a) Os Réus adquiriram o prédio referido em 1) por partilha judicial dos bens deixados por Y... e T.... .

A. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada – relativamente ao item 15.º dos factos dados como provados na sentença recorrida.

Alegam os autores que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao dar como provado o facto constante do item 15.º dos factos dados como provados na sentença recorrida, devendo, na sua óptica, o mesmo ser dado como não provado, estribando-se, para tal, nos depoimentos das testemunhas G.... , H..., I..., J.... , L..., Z.... e, ainda, nos próprios depoimentos/declarações prestadas pelos réus D.... e E.... .

Referindo, ainda, que a avaliação efectuada, quanto ao valor do terreno transaccionado, nada prova quanto ao preço efectivamente acordado e pago pelos intervenientes no negócio.

            Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662, do NCPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a resposta posta em causa pelos ora recorrentes, nas respectivas alegações de recurso.

Alteração da resposta dada ao item 15.º, dos factos provados na sentença recorrida.

            Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o respectivo teor:

“item 15.º dos factos provados:

Os 2.os e 1.os Réus acordaram o preço no montante de 10.000,00 €, que aceitaram, e respectivamente pagaram e receberam”.

Como consta de fl.s 192, a M.ma Juiz considerou como provada a matéria constante do referido item 15.º, nos termos que ora se transcreveram.

Motivou tal resposta da seguinte forma (cf. fl.s 195 e 196):

“No que respeita ao preço real contratado aquando da venda do prédio B (...), entre os 1.ºs e os 2.ºs Réus, o Tribunal deparou-se com versões contrárias na fase dos articulados; no entanto, analisada a prova produzida em audiência final, constata-se que a versão dos autores (a de que o preço foi o de €1.000,00) foi sustentada por meras suspeitas e rumores públicos, por parte das testemunhas, sem que algumas delas tenham deixado de notar que era baixo esse valor – impressivamente, a testemunha G.... disse que “até é pouco dinheiro”. Ora, esses depoimentos não alcançaram a necessária segurança para neles se alicerçar a demonstração de que o preço real foi de €1.000,00. Note-se, inclusivamente, que o depoimento da testemunha H... a esse respeito, dizendo que o Réu E.... lhe disse “já lixei a A.... … comprei por 1.000,00 e vendi-lhe por 10.000,00”, nem sequer é compatível com a actuação processual que esse Réu assumiu, ao defender-se essencialmente por excepção, invocando inclusivamente a caducidade do exercício de direito de preferência, ao invés de pretender “locupletar-se” com a procedência da acção, o que seria de esperar a quem proferisse expressão do teor acima transcrito.

Acresce que se afigura lógica a explicação avançada pelos Réus quanto ao equívoco da falta de um “0”, dita, em primeiro lugar, à testemunha Z..., como a própria afiançou, e vertida na escritura a que se alude no ponto 3).

Soma-se a essa explicação a circunstância do preço de €10.000,00 ser o mais consentâneo com o resultado das avaliações feitas pelos peritos nomeados por este Tribunal: o primeiro relatório pericial elaborado conclui que o prédio denominado B (...) tem o valor de €10.160,25, sendo o mesmo exacto valor que teria à data da celebração da escritura de compra e venda (13.09.2012) – cfr. folhas 129. O segundo relatório pericial elaborado conclui que o prédio denominado B (...) tem o valor de €9.174,00 sendo o mesmo exacto valor que teria à data da celebração da escritura de compra e venda (13.09.2012) – cfr. folhas 162.

A convicção com que este Tribunal ficou foi a de que o preço real é o de €10.000,00 (e não de €1.000,00), assim descrito no ponto 15).

Com efeito, resulta da análise conjugada da comunicação de folhas 65, 66 e 90 que a comunicação onde a I.M. dos Autores lhes dava conhecimento de que estes pretendiam exercer o seu direito de preferência, só vem a ser recebida em 26.09.2012, isto é, quatro dias depois da celebração da escritura de rectificação, mencionada no ponto 3).

Dos autos não constam quaisquer documentos que, por si só ou complementados com os depoimentos prestados, permitam responder de forma diferente à matéria de facto alegada, verificando-se a total ausência de elementos probatórios que nos permitam ter como demonstrados os factos descritos sob a alínea a).”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pelos recorrentes, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que a supra mencionada resposta seja modificada ou alterada.

Ora, ouvidos, na íntegra, todos os depoimentos prestados pelas testemunhas que depuseram acerca desta questão, resulta que as mesmas, de relevante, referiram o seguinte:

A testemunha G.... , conhecido de ambas as parte e que possui terrenos perto do terreno vendido, que conhece, referiu que “é um terreno de mato, não tem pinheiros e não dá para centeio” e que um dia, ao passar perto do terreno vendido, observou que estavam lá o réu E.... e alguns familiares e ouviu-os dizer que o preço que o E.... pagou foi 1.000,00 €.

Manifestou a opinião que, mesmo “por 1.000,00 € foi caro” e quando confrontado com a possibilidade de ter sido por 10.000 referiu “Deus Nosso Senhor me livre, há mais baratos e com estradinha”.

Por H..., que conhece todas as partes e é prima do réu E.... , foi referido que o terreno se situa a cerca de 3 kms da aldeia e com mau acesso.

Relativamente à questão do preço, disse que, em finais de Setembro de 2012 (o que justificou por ter ido a Fátima no dia 13) ouviu o E.... dizer à cunhada “já lixei a A.... , comprei por 1.000 mas fiz outra escritura por 10.000”.

Expressou a opinião de que por 10.000,00 €, o terreno é caro.

I..., familiar e vizinha do réu E.... , mencionou que este lhe disse, junto à sua casa, em meados de Setembro de 2012 que “comprou a TM(...) por 1.000 mas agora a A.... se quiser tem que dar 10.000. Gabava-se que fez um bom negócio, comprei por 1.000 mas a A.... se quiser há-de dar 10.000”.

Manifestou a opinião de que “por 10.000 € “é caro. Aquilo é só um chão, não tem lá nada, está nua”.

Por J.... , irmão da 1.ª autora e primo do réu E.... , foi dito que desconhecia que o prédio estava à venda e relativamente ao prelo referiu que “10.000,00 € é puxado, é pesado, mas tudo é um jogo”.

Acrescentou que anteriormente, há cerca de 2 anos, propôs uma troca de terrenos com o vendedor, envolvendo a TM(...) vendida, mas este só queria vender e o depoente trocar, tendo-lhe o vendedor proposto o preço de 250 contos, que não aceitou por só pretender troca e não a compra de terrenos.

L..., genro da 1.ª autora, referiu que esta não soube do negócio e que por precisar de passar no terreno vendido para aceder a um outro de sua propriedade (o confinante), o encarregou de perguntar ao réu vendedor se este lhe queria vender a TM(...) em questão, mandando-lhe oferecer de 100 a 250 contos.

Na sequência do que o depoente se dirigiu a casa do réu vendedor dando conta de tal incumbência e depois de dizer ao que ia, o mesmo disse-lhe “se tem vindo 8 dias antes a TM(...) era sua. Já a vendi ao peixeiro (actividade levada a cabo pelo réu E.... ) por 1.000,00 €”, do que deu conta à sua sogra.

Manifestou a opinião de que 10.000,00 € é muito caro porque “há terras na povoação mais baratas e aquilo não tem nada”.

 A testemunha Z.... , Advogado Estagiário, que foi incumbido pelos réus de tratar dos assuntos relacionados com a marcação das escrituras, referiu que o vendedor lhe disse que “tinha feito um bom negócio e que ia aproveitar antes que alguém se arrependesse”.

Disse, ainda, que avisou o comprador que tinha que liquidar o IMT, correspondente a 5% do valor da venda, mas que não foi informado de qual era o preço, que não esteve presente em nenhuma das escrituras e que o registo foi feito pelo Cartório Notarial, só tendo tratado do registo prévio e marcação das escrituras.

Mais tarde recebeu um telefonema do comprador a dizer que a escritura estava mal feita, “que o valor estava mal” e mandou-o ir ao Notário para rectificar o valor.

Foram tomadas declarações ao réu E.... , tendo este referido que “recebeu a carta da Advogada a dizer que a autora queria preferir, já depois de ter sido feita a rectificação, que foi feita num Sábado”.

Acrescentou que pagou a quantia de 10.000,00 €, em numerário, que entregou ao vendedor, no dia da escritura, de manhã, antes de esta ser feita.

Não sabia qual era a taxa do IMT, o que só veio a saber aquando da escritura de rectificação. E que disse ao Z.... que o preço era o de 10.000,00 € e só deu conta do erro no valor do preço no dia 19 de Setembro, quando precisou de tratar de uma licença para exploração de águas no terreno que comprou.

Não sabe quem indicou o preço à Notária que fez a escritura nem soube precisar quem lhe forneceu a razão invocada na escritura de rectificação.

Mais disse não ser do seu conhecimento que os vendedores tenham feito publicidade que iam vender o terreno e que o vendedor lhe disse que queria 1 euro por metro quadrado.

A ré D.... , a quem, igualmente, foram tomadas declarações, referiu que “nunca avisaram a A.... que iam vender o terreno” e que o marido fez o negócio com o E.... mas sempre disse “não vou vender barato” e que “por 1.000,00 €, era melhor dá-la”.

Acrescentou que o E.... pagou 10.000,00 €, em dinheiro, no dia da escritura, de manhã e que mais tarde o marido lhe disse “temos que ir outra vez assinar, ficou um erro na escritura. A Senhora Notária disse que estava um erro na escritura, faltava um zero”.

Referiu, também, que negociaram o preço em euros e que na escritura de rectificação “fizeram o que a Notária mandou” e que “na 1.ª escritura a Notária nunca falou em 1.000 €”.

Afirmou desconhecer se o genro da A.... foi lá a casa para comprar a TM(...).

Analisados estes depoimentos, não sufragamos a “leitura” que dos mesmos foi feita em 1.ª instância, no que respeita aos factos em discussão: “se o preço acordado foi o de 10.000,00 € que, aceitaram e, respectivamente, pagaram e receberam”.

Em primeiro lugar e no que se refere às relações entre vendedores e compradores, não pode a prova da desconformidade do preço declarado com o real, ser feita com base em testemunhas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil, apenas o podendo fazer por documento, naturalmente, coevo da realização da escritura ou por confissão – por todos, veja-se P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, pág.s 341 a 343.

No caso em apreço, nada disto se verifica.

E embora seja aos réus que caiba o ónus da prova da rectificação e respectiva causa, uma vez que é a eles que aproveita o facto que lhe subjaz, impeditivo do direito a que se arrogam os autores, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, aos autores, já é legítimo o recurso à prova testemunhal para demonstrar a veracidade/falsidade do referido nas escrituras, relativamente ao preço efectivamente acordado e contratado.

Razão pela qual, se passa a analisar a prova produzida.

Inexiste qualquer documento que comprove qual o preço efectivamente pago pela venda em causa, referindo os compradores e vendedores que se tratou de pagamento em numerário.

Esta é uma forma de pagamento que “não deixa rasto” mas também dificulta a prova de que os pagamentos foram efectivamente feitos ou qual o respectivo montante, o que acarreta riscos para os intervenientes em tais condições, no caso, como o presente, de necessitarem de o demonstrar, para mais quando existem duas escrituras que versam sobre o mesmo acto, com discrepância (para mais, tão acentuadas) de preços.

As testemunhas limitam-se a reproduzir potenciais afirmações do comprador no sentido de ter comprado por um preço e mais tarde, ao ser confrontado com a intenção de preferência, por parte de um confinante, pretender dificultar a situação deste, alterando o preço para uma quantia superior, mas sem que nenhuma delas, como, aliás, é natural, tenha conhecimento directo dos contornos do negócio de que, como diz o povo “o segredo é a alma”.

Face ao que importa reflectir e ler a prova produzida, a fim de se concluir pela veracidade ou não do facto em questão.

Cotejando todos os elementos probatórios produzidos com a lógica das coisas e a normalidade da vida, a resposta a dar ao facto em causa não pode deixar de ser negativa.

Independentemente do (real) valor de um bem, o preço acordado para a respectiva compra e venda, depende, essencialmente, de um conjunto de circunstâncias, quer de índole objectiva quer, na maioria das vezes, especialmente, no que a terrenos respeita, subjectiva, conformados pelas regras da oferta e da procura, pelo que se desvaloriza o resultado das avaliações efectuadas, as quais, aliás, se norteiam pelas regras previstas para a expropriação, mas que, no caso em apreço, com o devido respeito, de pouco valem, porque o que realmente está em jogo são os interesses das partes contratantes que não se norteiam por aqueles parâmetros, mas sim, ao invés, reitera-se, predominantemente, em que na fixação do preço, para além da existência ou não de vários interessados, prevalecem interesses subjectivos, por regra, de vizinhança, que condicionam, em larga medida a predisposição das partes em concretizar, ou não, o negócio.

Objectivamente, temos que foi efectuada uma primeira escritura em que se indicou o preço de 1.000,00 € e posteriormente se faz uma segunda, rectificando o preço para 10.000,00 €, com o fundamento em se ter negociado na moeda antiga e as partes terem errado nos cálculos para a moeda nova.

Acontece que tanto o réu comprador como a ré vendedora, afirmaram que a negociação foi feita em euros, caindo, assim, por terra, tal justificação.

Para mais, atente-se a que o “erro” é de 10 vezes mais e o euro já circulava em Portugal há vários anos, reportados à data da escritura.

Por outro lado, não era a Sr.ª Notária que ia adivinhar o preço. Este teria, necessariamente de lhe ser indicado e é da experiência comum que aquando da feitura das escrituras os Notários referem, em termos explícitos, o preço e se já foi recebido, como aliás, se menciona nas aqui em causa.

A 1.ª escritura foi feita no dia 13 de Setembro de 2012 e a de rectificação em 22 desse mês.

Acontece que, cf. doc. de fl.s 90, junto pelos réus compradores, se constata que lhes foi enviada uma carta proveniente de um escritório de advogados, onde o réu E.... declarou ter estado e ter sido informado que a autora queria preferir, que entrou nos CTT em 20 de Setembro e entrou em distribuição no dia 21 de Setembro (sempre do ano de 2012), a qual, como aí consta, não foi entregue ao destinatário neste dia 21, em virtude de o destinatário se encontrar ausente, tendo ficado aviso para a levantar em Cinfães – estação dos CTT, onde a mesma veio a ser levantada em 26 de Setembro, já depois de feita a escritura de rectificação.

Ou seja, tudo nos leva a crer que quando foi feita a escritura de rectificação, já o réu E.... era sabedor das intenções da autora, o que motivou a que a mesma fosse feita, por um preço manifestamente superior, com a intenção de tentar impedir que a autora exercesse tal direito.

Até se pode pensar que os compradores e vendedores tenham simulado o preço na 1.ª das escrituras, mas não é essa, como vimos, a sua defesa mas sim que tal se deveu a erro de cálculo da antiga para a nova moeda, o que, mesmo nos próprios depoimentos dos réus não encontra qualquer respaldo e reitera-se, a inexistência de qualquer documento que comprovasse que o preço foi, realmente, o de 10.000,00 €, também, nos leva a dar como não provado o item em questão, não nos convencendo, como acima já referido, a alegação de que tal pagamento tenha sido feito em numerário, desacompanhado de qualquer suporte documental que o pudesse comprovar, o que mais se reforça ao atender-se ao valor em causa, que tem de se considerar como elevado, por comparação com os rendimentos obtidos/auferidos pela maioria da população portuguesa.

Pelo que, nesta parte, tem de proceder o recurso em apreço, não se podendo dar como provado o que consta do item 15.º dos factos dados como provados na sentença recorrida, o qual, assim, se elimina do elenco dos factos assentes.

B. Se não se verifica a caducidade do direito de preferência a que se arrogam os autores.

No que a esta questão concerne, alegam os autores que não se pode ter por verificada a invocada excepção de caducidade, porquanto, no momento em que propuseram a acção, não tinham elementos que lhes permitissem saber que o preço da venda que pretendem ver ineficaz, não era o declarado na escritura de que juntaram cópia.

Para além do que, mais referem, não se demonstrou que o preço tinha sido, efectivamente, outro que não o ali referido, mais não sendo a posterior escritura de rectificação do que um expediente para lhes dificultar o exercício do direito a que se arrogam, pelo que o preço aí declarado não deve ser tido em conta.

Como fizeram o depósito do preço nos 15 dias seguintes à propositura da acção, tem de se considerar o mesmo como válido e, por conseguinte, improcedente a excepção de caducidade.

Na sentença recorrida, deu-se por assente que o preço efectivamente pago foi o de 10.000,00 €, entendendo-se, por isso, que o depósito efectuado é insuficiente e acrescentando-se que em caso de simulação ou de um preço inflacionado, para não correr riscos, o preferente deve depositar a quantia indicada pelos compradores, em consequência do que se julgou procedente a invocada excepção de caducidade, com a inerente improcedência da acção, no que respeita ao reconhecimento do pretendido direito de preferência.

Dadas as similitudes do caso em apreço, no que a esta questão respeita, com o que subjaz ao Acórdão desta Relação e Secção, proferido na Apelação n.º 1275/11.5TBVIS, de 20 de Novembro de 2012, passa-se a seguir, com a devida vénia e porque com ele concordamos, o que ali foi decidido.

Em conformidade com o disposto no artigo 1410.º, n.º 1, ex vi, n.º 4 do art.º 1380.º, ambos do Código Civil, impõe-se que o beneficiário do direito de preferência que ali se reconhece, instaure a acção de preferência “(…) dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção”, sob pena de caducidade.

No caso vertente, não se questiona a tempestividade da propositura da acção, mas tão só a insuficiência do efectuado depósito, fundamento invocado na decisão recorrida para fundamentar a declaração de extinção, por caducidade, do direito invocado pelos recorrentes.

Conforme é consabido, a exigência do depósito do preço no início da acção de preferência ou, mais propriamente, no prazo de 15 (quinze) dias após a sua instauração -prazo que, sem dissêndio, tem vindo a ser entendido como de caducidade- “(…) constitui uma garantia para o alienante, pondo-o a coberto do risco de perder o contrato com o adquirente e não vir a celebrá-lo com o preferente, por este se desinteressar entretanto da sua realização ou não dispor dos meios necessários para esse efeito”[1]. Sendo esta a finalidade da exigência legal, pareceria impor-se a conclusão, “prima facie”, que nos casos em que o transmitente impede que o preço real do negócio chegue ao conhecimento do possível preferente, inexistem razões que o tornem merecedor da protecção conferida pela disposição legal em referência.

Não obstante, mesmo aceitando o entendimento maioritário que defende ser devido o preço real, ainda nos casos em que se verifique simulação do preço[2], atenta a natureza constitutiva da acção em causa, assumindo-se o depósito do preço como um verdadeiro pressuposto da apreciação do pedido[3], não vemos como exigir ao titular do direito que o pretende exercer que deposite, no período prescrito no supra citado n.º 1 do art.º 1410.º, preço diverso daquele que consta do título, único por si, ao tempo, conhecido.

Retornando ao caso dos autos, temos como líquido que à data em que os AA obtiveram a certidão do título translativo, o valor que dele constava como correspondendo ao preço pago era de € 1.000,00, inferior ao valor do depósito que constituíram na data da propositura da acção (cf. item 13.º), não sendo, em nosso entender, exigível, que procedessem ao depósito de valor diverso.

Resulta ainda dos autos que, tendo invocado erro na declaração, os RR procederam à rectificação do título de transmissão, alterando o preço da venda, que passou a ser de € 10.000,00, procedendo ainda ao pagamento dos valores que resultaram das liquidações adicionais do IMT e imposto de selo devidos pela transacção e custos da própria escritura. É certo que esta rectificação do título de transmissão ocorreu cerca de um mês antes da propositura da acção mas, não tendo os RR logrado demonstrar quanto alegaram no sentido daqueles serem conhecedores, “ab initio”, do valor rectificado, há-de ter-se como correcto o depósito inicialmente efectuado, mantendo-se que aos AA não era então exigível que conhecessem ter sido diferente, e para mais, o preço pago pelos adquirentes.

Aqui chegados, cabe indagar da relevância da rectificação do valor que ficou a constar do título de transmissão como sendo o preço da venda.

Alegaram os RR, para justificar tal alteração, a existência de erro na declaração, e isso mesmo fizeram constar do título rectificativo.

Da discussão da causa, nesta sede, não se provou, que o preço acordado e efectivamente pago, tinha sido o de 10.000,00 €, mas tão só o teor das escrituras referidas (a primitiva e a de rectificação, a que se aludem nos itens 2.º e 3.º), do que decorre poder subsistir a questão de saber se, e em que momento, tal depósito deve ser efectuado, em harmonia com o alegado na contestação.

A este respeito, como acima já se referiu, defende-se na decisão recorrida que, em caso de simulação do preço ou de posterior rectificação, para mais, deveriam os autores proceder ao depósito acautelando tal possibilidade, conhecimento, do eventual preço real, que tiveram, pelo menos, com a apresentação da contestação, ocorrida em 10 de Dezembro de 2012, na qual os réus compradores alegaram ter procedido à rectificação do título de compra, tendo então apresentado cópia de tal escritura de rectificação, e ainda que considerassem que a mesma configurou uma simulação do preço, deveriam, não obstante arguirem tal simulação, reiterar a pretensão de preferir por tal preço e reforçarem o depósito, correndo por sua conta o risco de falta de prova da simulação.

Antes de mais, cabe referir que, em caso de simulação de preço, o que está em causa, nas suas implicações substantivas e processuais, é o caso de se ter consignado, no negócio simulado, valor superior (e não inferior) ao do negócio dissimulado, conduzindo o preferente à arguição, “ab initio”, do acordo simulatório, tendo em vista o exercício do seu direito pelo preço real, mais baixo. Neste caso, em que do título consta valor diverso -e que o preferente crê que simulado, para mais - por ser aquele preço conhecido, é que se considera que, não sendo depositado, e fracassando o preferente na prova da simulação, pode ver-se confrontado com a insuficiência do depósito efectuado e consequente extinção, por caducidade, do seu direito a preferir.

Realidade diametralmente oposta é a retratada nos autos, em que aos AA não interessava arguir a simulação do negócio celebrado -importa, para este efeito, atender ao declarado no título de transmissão original-, mas antes valer-se da regra da inoponibilidade de eventual simulação, enquanto terceiros de boa fé, posto que, conforme os RR vieram alegar, o preço declarado (na primitiva escritura) era inferior ao preço real.

De todo o modo, tendo os RR invocado singelamente - quiçá para se subtraírem às restrições impostas em matéria de prova da simulação, como acima já aflorado, (cf. art.º 394.º, do Código Civil) - ter ocorrido erro na declaração, sendo superior ao declarado o preço real, o que, todavia, não demonstraram, tem de se concluir que a operada rectificação não tem repercussões relevantes ao nível do exercício do direito de preferência, que os autores exerceram.

Efectivamente, está assente que, ao tempo em que se impunha o cumprimento do disposto no n.º 1 do art.º 1410.º, os AA depositaram o preço conhecido, não lhes sendo exigível que depositassem um valor diferente. Se assim é, e tendo igualmente por assente que a questão do preço real ter sido um outro, e superior ao conhecido, foi suscitada na contestação, qual o prazo para que os AA procedessem ao reforço do depósito inicial, aceitando, como também se aceita, que o preferente deve depositar o valor que se apurar ser o real (o que decorre, a nosso ver, e para além do mais, do facto de estarmos perante uma acção constitutiva, que opera uma modificação subjectiva no contrato de compra e venda celebrado, dando-se a substituição do adquirente pelo titular do direito de preferência por mero efeito da decisão proferida)? A tal questão não dá resposta cabal a sentença sob recurso, não satisfazendo a solução a que chega, denegando o direito com fundamento na caducidade por insuficiência do depósito.

A propósito da questão enunciada, e como justamente acentuam os recorrentes, a lei impõe o depósito nos 15 dias subsequentes à propositura da acção, não prevendo nenhum outro momento para realização de um eventual reforço. Por outro lado, se é verdade ter sido tal novo elemento introduzido na contestação, não tendo os AA aceitado que o valor constante da rectificação correspondesse ao valor real, aos demandados competia a prova de que assim era[4], pelo que, até à instrução do processo, tal questão era, sem dúvida, controvertida.

Deste modo, discordamos do entendimento segundo o qual a diferença entre o valor depositado e o valor apurado deve ser depositada no prazo de 15 dias contados da contestação[5], posto que da não realização do reforço do depósito neste período temporal não pode, em nosso entender, extrair-se a conclusão de que os AA não pretendiam preferir pelo preço mais alto em discussão, já que não estava então demonstrado que tivesse sido o preço real.

Poderá alegar-se que, com a prolação da decisão sobre a matéria de facto e resposta positiva que mereceu o artigo a este propósito formulado, ficaram os AA cientes de que aquele tinha sido o preço real. Não obstante, nada na lei impõe que se conte a partir daqui novo prazo de 15 dias, não sendo de aplicar analogicamente, por não proceder o argumento da identidade de razões, o preceituado no art.º 1465.º, n.º 2 do CPC. Com efeito, neste preceito prevê-se que o depósito seja efectuado no prazo de 20 dias contados da atribuição do direito (vide al. b) do n.º 1), o que nos remeteria para a decisão final -só nesta sede foi reconhecido aos AA o direito de preferência- que assim seria proferida a dois tempos: primeiro, reconhecendo a existência do direito; depois, apreciando a validade das condições do seu exercício, solução esta sem apoio legal.

Outrossim, discordamos da asserção de que tal diferença deveria ser depositada “até à prolação da sentença em 1.ª instância”[6], sem que aos preferentes fosse assinado um prazo para o fazer e indicação do seu termo inicial, dado o efeito extintivo do direito associado à omissão do depósito. Na verdade, se a lei assinala um prazo para o autor proceder ao depósito do preço, destinado a conferir certeza ao exercício do direito pelo preferente, nos casos em que, por acção dos RR, o preço real (superior) não se encontra reflectido no título, vindo a ser apurado na sequência de acção instrutória levada a cabo pelo Tribunal, será antes, em nosso entender, de adoptar procedimento idêntico ao previsto na lei para o caso paralelo da execução específica (vide n.º 5 do art.º 830.º, do Código Civil), por procederem, aqui sim, argumentos de identidade de razões, visto que, em ambos os casos, conforme vem sendo maioritariamente entendido, estamos perante condições de procedência do pedido[7].

Apreciando caso apresentando similitudes com aquele que nos ocupa, pronunciou-se este mesmo Tribunal da Relação no sentido de que, impondo a lei que o depósito da quantia a que alude o já mencionado art.º 1410.º tenha lugar nos 15 dias subsequentes à propositura da acção, “(…) não se antolha lícito por qualquer forma após a apresentação da contestação o retorno a uma fase processual que não está prevista na lei.

Atenta a posição que os AA. tomaram nos autos, e valorando devidamente o escopo da justiça material, conclui-se que o preço da venda do prédio ficou em dúvida, não lhes sendo exigível que naquela fase processual efectuassem qualquer outro depósito, nomeadamente o do preço apurado (…).

O quadro supra descrito em que o caso sub iudice se integra é pois completamente diferente das hipóteses comuns surgidas em juízo onde, à partida, o Autor intenta a acção invocando na PI a simulação da escritura e pretende preferir pelo preço real que está em discussão; nesses casos o preferente está na posse do quadro estabilizado dos elementos do negócio, plasmados na PI, tendo já ponderado apresentar-se à preferência pelo preço real que aponta, depositando por cautela aquele que consta (simuladamente?) da escritura, para a hipótese de ter sido essa a quantia efectivamente paga pelo prédio preferendo. Não é isso como é óbvio, o que se passa no caso em análise”. [8]

            Conclusão que mais se reforça se se considerar que, no caso em apreço, não se veio, nesta sede, a demonstrar que o preço real seja superior ao indicado na primitiva escritura.

E sem descurar que nos termos do n.º 2 do artigo 1410.º do CC, nem o direito de preferência nem a respectiva acção são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, no que se enquadra a correcção do preço indicado para um preço superior, sob pretexto de que houve erro de escrita na indicação – cf. P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, 2.ª Edição Revista E Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, L.da, 1987, a pág. 381.

Sendo esta, cremos, a melhor doutrina, não tendo sido fixado um prazo aos AA para efectuarem o reforço do depósito na sequência do apuramento (em 1.ª instância) do preço real pago, terá de se haver como tempestivo o depósito entretanto efectuado.

Depósito este que engloba para além do preço devido pela transacção do imóvel em causa, as despesas de IMT e com o registo.

Trata-se de questão controvertida, a que doutrina e jurisprudência têm dado respostas divergentes, saber se, falando em preço no mencionado n.º 1 do art.º 1410.º, do CC, o legislador quis reportar-se ao seu sentido técnico rigoroso, ou quis antes incluir todas as despesas feitas pelo adquirente para adquirir a coisa.

A despeito da avalizada opinião contrária dos Profs. Pires de Lima e A. Varela[9], cremos que a razão está do lado da jurisprudência maioritária, que defende ser exigível o depósito do preço, no seu sentido restrito, enquanto contraprestação devida ao vendedor pela entrega da coisa [10].

A este respeito escreveu-se no acórdão do STJ de 10/1/2008[11] o que, por economia, se transcreve: “O Supremo tem, desde há muito, uma posição segura e firme na matéria: como se escreve no Acórdão de 22.02.2005 Col. Jur. – Acs. do STJ, ano XIII, tomo I/2005, pág. 92. – um dos mais recentes na abordagem da questão – “o «preço devido», a que se refere o art. 1410º do CC diz apenas respeito à contraprestação que deve ser paga ao vendedor, não abrangendo quaisquer outras despesas deste (ou, acrescentamos nós, do adquirente), nomeadamente a sisa, despesas de registo ou de escritura.”

Tal entendimento, que aqui e agora se reafirma, tem sido assim justificado: “O depósito do preço visa apenas garantir o vendedor contra o perigo de, finda a acção, o preferente se desinteressar da compra ou não ter possibilidades financeiras para a concretizar, perdendo aquele também o contrato com o primeiro comprador. Para remover tal perigo, é bastante o depósito da mencionada contraprestação.”.

Sendo este o melhor entendimento, conclui-se que o depósito efectuado observa a exigência legal, por corresponder ao preço pago, acrescido das supra referidas despesas (que os autores aceitam pagar e por isso, se concedem, apenas se referindo o que ora se deixou dito, para justificar o infundado da pretensão dos réus em que lhes sejam pagas as quantias que despenderam com os serviços ao Solicitador, que, em face do exposto, não são devidos).

Assim procedendo as conclusões dos recorrentes, conclui-se pela procedência do recurso e a revogação da decisão proferida, na parte em que julgou procedente a invocada excepção de caducidade do exercício do direito de preferência por parte dos autores e considerando prejudicado o conhecimento da acção quanto ao exercício do ora referido direito, por, face ao exposto, não se verificar a caducidade do direito a que se arrogam os autores.

Consequentemente, no que toca a esta questão, tem, igualmente, o presente recurso de proceder.

C. Se deve ser reconhecido aos autores o direito de preferência a que se arrogam.

Esta questão não chegou a ser conhecida na sentença recorrida, em virtude de se ter julgado procedente a supra referida excepção de caducidade.

Improcedendo esta, como improcedeu, tal como os próprios recorridos reconhecem no seu requerimento de fl.s 243/244, nada obsta à procedência do direito de preferência a que se arrogam os autores.

Efectivamente, a preferência que estes invocam radica no disposto no artigo 1380.º, n.º 1, do Código Civil, já que se trata, consensualmente, de prédios confinantes e inferiores à unidade de cultura.

Pelo que, deve proceder esta pretensão dos autores, com as consequências daí decorrentes, designadamente a de se substituírem aos réus compradores, tal como peticionado, mediante a atribuição a estes das quantias que se encontram depositadas, a que se refere o item 13.º.

Assim, também, quanto a esta questão procede o presente recurso.

Tudo aquilo que os réus reputam de reconvenção, mais não é do que o direito a fazerem suas as quantias a que ora se aludiu, nada mais havendo, quanto a tal, a referir/decidir.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga decisão recorrida, substituindo-a por outra em que se decide o seguinte:

a) Declara-se que os 1.ºs Réus, C.... e mulher, D.... , eram, até ao dia 13.09.2012, donos e legítimos proprietários do prédio rústico, denominado “B (...)”, composto por terra de mato, com a área de 9.250m2, que confronta do norte com caminho, do sul com U.... e V.... , do nascente com W.... e B.... e do poente com K.... e caminho, inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o n.º2435 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cinfães sob a ficha n.º2798 da freguesia de (...) e aí registado a favor daqueles pela inscrição AP. 288 de 2012/09/03.

b) Declara-se que os Autores, A.... e marido, B.... são donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito ou denominado “ TM(...)”, composto por terra de mato e pinhal, com a área de 1,230ha, que confronta do norte com C.... , do nascente com W.... e outros, do sul com herdeiros de M.... e do poente com U.... e outro, inscrito na matriz da freguesia de (...) sob o n.º2431.

c) Declara-se que os prédios identificados em 1.º e 3.º são confinantes entre si;

d) Declara-se que ambos os prédios têm áreas inferiores à unidade de cultura prevista para esta região, isto é, menos de 2 ha;

e) Declara-se que os Réus E.... e mulher F.... , não têm nenhum prédio confinante com o ora vendido, identificado na al. a) deste dispositivo;

f) Declara-se e reconhece-se o direito de preferência dos Autores na venda do prédio identificado no art. 1.º efectuada por C.... e mulher, D.... , a E.... por escritura pública outorgada em 13 de Setembro último, no Livro 192-E, a fls. 28 do Cartório Notaria de Cinfães;

g) Substituem-se e são colocados, os Autores, na posição dos Réus E.... e mulher, F.... , adjudicando-se e atribuindo-se àqueles o direito de propriedade do prédio identificado no art. 1.º;

h) Condenam-se os Réus E.... e mulher, F.... , a abrirem mão dos prédios a que o art. 1.º se refere por eles adquirido por escritura referida na alínea f);

i) Ordena-se o cancelamento de todos os registos de aquisição efectuados ou que se venham a efectuar relativamente ao prédio vendido e objecto de preferência, descrito na ficha 2798 da freguesia de P(...) desta Comarca, com base na escritura referida em f);

Aos Réus E.... e mulher F.... são atribuídas as quantias a que se refere o item 13.º dos factos dados como provados.

Custas, em ambas as instâncias, pelos apelados, em partes iguais.

            Coimbra, 20 de Janeiro de 2015.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves

           
[1] A. Varela, CC anotado, III vol., págs. 373/374, 2.ª edição. A. Costa, a despeito de reconhecer a valia do argumento em favor da exigência do depósito prévio, dada a necessidade de “garantir a seriedade da preferência, afastando o risco de o alienante ver frustrado o contrato com o preferente, inclusive por carência de meios deste”, não tem poupado críticas à solução legal, dada a sua onerosidade para o preferente (in “O depósito do preço na acção de preferência”, pág. 13).

[2] Vem sendo entendido pelos nossos Tribunais que "seja em caso de erro na indicação do preço, seja em caso de simulação do preço, sempre o preferente, para se substituir ao adquirente, tem de pagar o preço por este efectivamente pago" (cf., por todos, aresto do STJ de 26/04/95, in Col. Jur. (Acs. do STJ) III, 1, pág. 153, com recenseamento de doutrina e jurisprudência.
[3] Assim também Almeida e Costa, embora criticando duramente a solução, in “O Depósito do preço na acção de preferência”, Coimbra Editora, pág. 13.
[4] Afigura-se-nos que na decisão recorrida não se atentou devidamente na circunstância de não terem sido os AA a invocar a simulação, enquanto facto constitutivo do seu direito a preferir por determinado preço, mais baixo, mas antes os RR quem, tendo celebrado o negócio nos termos que ficaram consignados no título de transmissão, vieram posteriormente a rectificar a menção do preço, alegando ter sido superior, invocando para o efeito a existência de erro na declaração. Deste modo, funcionando aqui tal alegação como facto extintivo do direito dos AA, posto ter sido ainda alegado que estes sempre conheceram o valor real, sobre os contestantes recaía o ónus da prova respectiva, nos termos do n.º 2 do art.º 342.º. Neste preciso sentido se pronunciou a Rel. do Porto, em aresto de 4.06.2007, proferido no processo n.º 0751230, sendo relatora a Ex.mª Sr.ª Juíza Desembargadora Anabela Luna de Carvalho, disponível no citado sítio, de que se destaca a seguinte passagem “Não tendo o titular da preferência tomado parte na elaboração do contrato de compra e venda, e desconhecendo ter havido uma simulação do preço, pode e deve cingir-se, em princípio, ao preço constante do título de transmissão, como se fosse o valor real. Rectificado o preço pelos interessados intervenientes no contrato e demandados na acção, como aconteceu no presente caso, depois de esta acção ter sido instaurada, sobre estes recai o ónus de alegar e provar que a rectificação visou a emenda de um erro involuntariamente cometido ou a correcção de um erro propositado (…) e que o valor rectificado corresponde ao valor real.
Vindo os Autores titulares do direito de preferência, impugnar tal preço, imputando-lhe uma simulação, colocam nos Réus o ónus probatório de que o preço rectificado foi realmente praticado - não se tratando de mera ficção destinada a impedir ou dificultar artificiosamente o exercício da preferência”.
 Assim também os Profs. Pires de Lima e A. Varela (ob cit., pág. 377), ao anotarem: “Diferente a hipótese julgada no já mencionado acórdão do STJ de 9 de Março de 1978 (…), porque na escritura de venda dos dois imóveis se faz a discriminação do preço deles, embora os adquirentes tenham vindo alegar que essa discriminação não corresponde à vontade real dos contraentes. Nesse caso (…) o preço que ao autor competia depositar era, precisamente, o preço correspondente à discriminação efectuada na escritura, sendo aos réus que incumbiria alegar e provar que essa discriminação não correspondia à realidade”.

[5] Entendimento perfilhado no aresto desta Relação de 4/11/2008, processo n.º 557/2001.C1, sendo Relatora a Ex.mª Sr.ª Juíza Desembargadora Graça Santos Silva, disponível em www.dgsi.


[6] Entendimento expresso no aresto também desta Relação de 24/1/2012, proferido no processo n.º 306/08.0TBSAT.C1, relatado pelo Ex.mº Sr. Juiz Desembargador Teles Pereira, também acessível no sítio citado.
[7] Propondo de “jure constituendo” uma solução inspirada no n.º 5 do art.º 830.º, vide Almeida e Costa, nótula antes citada, entendimento que retoma no seu Direito das Obrigações, 9.ª edição, pág. 417, nota 3, embora afastando que a consignação do preço, na execução específica do contrato promessa, se assuma como pressuposto da apreciação do mérito do pedido. Tal interpretação, contudo, pelo menos no que respeita ao momento da realização do depósito, não tem vindo a ser acolhida jurisprudencialmente -v., a propósito, acórdão do STJ de 14/9/2010, processo n.º 1449/08.6 TBVCT.G1.S1 (Relator o Ex.mº Sr. Cons.º Paulo Sá), com recenseamento de decisões abarcando esta temática.
[8] Aresto de 11 de Dezembro de 2007, processo n.º 160/04, sendo Relator o então Ex.mo Sr. Desembargador Távora Vítor, disponível em www.dasi.pt.
[9] CC anotado, vol. III, págs. 374/375, entendimento para o qual parece também inclinar-se A. e Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição, nota 4, págs. 416 a 419. 
[10] Neste sentido arestos STJ de 10/1/2008 (processo n.º 07 B 3588) e 15/9/2011 (processo n.º 1079/07.0 TVPRT P1.S1, Ex.mº Sr. Juiz Conselheiro Álvaro Rodrigues), Relação do Porto de 4/6/2007 (processo n.º 40394, Relatora Ex.mª Sr.ª Juíza Desembargadora Anabela Luna de Carvalho), Relação de Guimarães de 15/11/2007 (processo n.º 1938/07.2, relatado pela Ex.mª Sr.ª Juíza Desembargadora Raquel Rêgo), Relação de Coimbra de 18/9/2007 (processo n.º 296/1998.C1, relatado pelo Ex.mº Sr. Juiz Desembargador Freitas Neto) e na doutrina Menezes Leitão, in “Direitos Reais”, 2012, pág. 495.
[11] Processo n.º 07 B 3588, sendo Relator o Ex.mº Sr. Juiz Conselheiro Santos Bernardino, disponível em www.dgsi.pt.