Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
661/11.5T4AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE LOUREIRO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
TERCEIRO
PRESTAÇÃO
SEGURANÇA SOCIAL
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 05/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 70º DA LEI Nº 4/2007, DE 20/12; 1º E 4º DO DL Nº 59/89, DE 22/02; E 31º/1, 2 E 3 DO DEC. LEI Nº 28/04.
Sumário: I – Nos termos do artº 70º da Lei nº 4/2007, de 20/12, no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.

II – Nos termos do artº 1º do DL nº 59/89, de 22/02, em todas as acções em que seja formulado pedido de indemnização por perdas e danos por acidente de trabalho que tenha determinado incapacidade temporária para o exercício da actividade profissional, as instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para deduzirem pedido de reembolso dos montantes que tenham pago em consequência de tal evento.

III – Nos termos do artº 4º deste mesmo diploma, os devedores da indemnização são solidariamente responsáveis, até ao limite do valor daquela, pelo reembolso dos montantes que tenham sido pagos pelas instituições.

IV – Tendo o ISS pago subsídio por doença a um beneficiário de uma indemnização por ITA e existindo coincidência dos períodos temporais a que respeitam aquele subsídio e esta indemnização, ambos devidos por acidente de trabalho, tem o ISS direito a ser rembolsado das quantias assim pagas, na acção emergente desse acidente, pelo responsável civil desse sinistro, responsável solidário pelo reembolso nos termos do citado artº 4º do Dl 59/89.

V – Face ao disposto no artº 31º/1, 2 e 3 do Dec. Lei nº 28/04, uma seguradora demandada em acção por acidente de trabalho (terceiro responsável pela indemnização) não deve proceder ao pagamento directo da indemnização por ITA que seja devida ao sinistrado, sem antes se ter certificado que não houve qualquer pagamento de subsídio de doença por parte da Segurança Social, sob pena de ter de responder solidariamente com o beneficiário pelo reembolso do valor dos subsídios de doença provisoriamente concedidos.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

O autor intentou a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra a ré, peticionando a condenação desta no pagamento de uma pensão anual e vitalícia de € 419,42 a que corresponde a prestação única de € 5.626,94, bem como de despesas de transporte no valor de € 25,00 e de juros moratórios.
Alegou, em resumo, que sofreu um acidente de trabalho quando prestava a sua actividade profissional para a sua empregadora, que tinha transferido para a ré a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que vitimassem o autor, pela totalidade da remuneração auferida pelo autor; desse acidente resultam para ele sequelas que lhe determinam uma IPP de 3,75%.
A ré contestou, alegando, em resumo, que as lesões sofridas pelo autor curaram, sem deixarem sequelas incapacitantes, não existindo nexo causal entre as lesões sofridas pelo autor e as queixas que ele apresenta; conclui pugnando pela sua absolvição do pedido.
O interveniente ISS, IP, veio pedir o reembolso pela ré da quantia de € 834,40 que pagou ao autor a título de baixa médica subsidiada no período de 8/2/2011 a 17/3/2011, acrescida de juros moratórios legais a contar da citação e até integral pagamento.
Alegou, em resumo, que o período de incapacidade subjacente ao mencionado pagamento de subsídio de doença foi consequência das lesões sofridas por causa do acidente de trabalho a que os autos se reportam, sendo a ré seguradora, por isso, responsável pela indemnização devida ao sinistrado por tal período.
A ré contestou, pugnando pela improcedência do pedido do interveniente ISS, IP.
Deu por reproduzida a contestação que apresentou relativamente à petição inicial do autor e alegou desconhecer, sem obrigação do contrário, o que o interveniente alegou em matéria de pagamento de subsídio de doença e respectivos montantes.
Saneado e condensado o processo, procedeu-se a julgamento, com observância dos legais formalismos, logo após o que foi proferida sentença que, na parte relevante para os efeitos em análise, julgou totalmente improcedente o pedido do ISS, IP.
Dessa decisão recorreu o ISS, IP.
Apresentou as conclusões a seguir transcritas:
[…]

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A recorrida não respondeu.
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Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir
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II- Principais Questões a Decidir:

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso, a única questão a decidir é a de saber se o recorrente tem direito a que a seguradora o reembolse das quantias pagas ao sinistrado a título de subsídio de doença.
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III – Fundamentação

A) De facto
A primeira instância descreveu como factos provados os que a seguir se deixam transcritos:
[…]

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B) De direito

A questão que se coloca nestes autos é, como resulta do exposto, a de saber se o ISS pode reaver da seguradora demandada o montante que pagou ao sinistrado entre 8/2/2011 e 17/3/2011 a título de subsídio por doença.
É inequívoco que: o sinistrado sofreu um acidente de trabalho em 2/2/2011; a demandada era a responsável pelas prestações infortunísticas devidas ao sinistrado por causa daquele acidente, por se encontrar transferida para ela a responsabilidade civil emergente daquele acidente, sendo que entre essas prestações se contava a indemnização por ITA; o sinistrado esteve de baixa médica subsidiada no período entre 8/2/11 e 17/3/11, tendo recebido do ISS o subsídio por doença no valor de € 834, 40; o sinistrado também se encontrou numa situação de ITA entre 3/2/11 e 17/4/11, tendo recebido da seguradora uma indemnização por ITA no valor de € 1.139,04.
Temos, assim, que no período compreendido entre 8/2/2011 e 17/3/2011, o sinistrado recebeu, para compensação da sua incapacidade para o trabalho, duas prestações: o subsídio por doença pago pelo ISS e a indemnização por ITA paga pela seguradora.
Ora, nos termos do art. 70º da Lei 4/07, de 20/12, “No caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder.”.
Nos termos do art. 1º do DL 59/89, de 22/2, em todas as acções em que seja formulado pedido de indemnização por perdas e danos por acidente de trabalho que tenha determinado incapacidade temporária para o exercício da actividade profissional, as instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para deduzirem pedido de reembolso dos montantes que tenham pago em consequência de tal evento.
Nos termos do art. 4º do mesmo DL 59/89, os devedores da indemnização são solidariamente responsáveis, até ao limite do valor daquela, pelo reembolso dos montantes que tenha sido pagos pelas instituições.
Face aos normativos acabados de enunciar, ao direito de sub-rogação do ISS a que se aludiu, e por causa dele à não definitividade do encargo com o pagamento do subsídio por doença a quem tenha ficado transitoriamente incapacitado para o trabalho, pode seguramente concluir-se que o ISS assume um papel subsidiário e provisório, face à obrigação de indemnização de que é sujeito passivo o responsável civil.
Assim sendo, regista-se uma situação de não cumulação na esfera patrimonial dos beneficiários, das indemnizações por ITA a serem-lhes pagas à luz da LAT, com o subsídio por doença pago pelo ISS.
Logo, tendo o ISS pago subsídio por doença a um beneficiário de uma indemnização por ITA e existindo coincidência dos períodos temporais a que respeitam aquele subsídio e esta indemnização, ambos devidos por acidente de trabalho, tem o ISS direito a ser reembolsado das quantias assim pagas, na acção emergente desse acidente, pelo responsável civil desse sinistro, responsável solidário pelo reembolso nos termos do citado art. 4º do DL 59/89.
De resto, atente-se que o acidente ocorreu em 2/2/2011, que a indemnização por ITA corresponde ao período de 3/2/2011 a 17/4/2011, que o subsídio por doença respeita ao período entre 8/2/2011 e 17/3/2011, e que o pedido de reembolso do ISS apenas foi formulado em 17/5/2012.
Por outro lado, no caso em apreço, o subsídio de doença cujo reembolso está agora em causa foi pago ao abrigo do art. 7º/1, do DL 28/04, de 4/2 de Fevereiro, mantido em vigor pelo art. 109º/2 da Lei 4/07, de 16/1.
Ora, nos termos do art. 31º/1 do DL 28/04, “Nos casos em que o pedido de reembolso do valor dos subsídios de doença, concedidos provisoriamente ao abrigo do artigo 7.º do presente diploma, não tiver sido judicialmente formulado pela instituição de segurança social, nenhuma transacção pode ser celebrada com o beneficiário titular do direito à indemnização, nem lhe pode ser efectuado qualquer pagamento com a mesma finalidade, sem que se encontre certificado, pela mesma instituição, se houve concessão provisória de subsídio de doença e qual o respectivo montante.
Assim sendo, a seguradora demandada  não deveria ter procedido ao pagamento directo da indemnização por ITA que era devida ao sinistrado, sem antes se ter certificado que não tinha havido pagamento de subsídio de doença por parte da Segurança Social.
Nos termos do nº 2 desse mesmo art. 31º, nas situações em que tenha sido celebrado acordo, o responsável pela indemnização deve comunicar à instituição da segurança social o valor total da indemnização devida, assim como deve reter e entregar directamente à instituição o valor correspondente aos subsídios de doença pagos, até ao limite do montante da indemnização devida.
Ora, a seguradora demandada procedeu ao pagamento directamente ao sinistrado dos valores das indemnizações por ITA, sem se ter certificado junto da Segurança Social sobre se esta tinha pago subsídio por doença e, na afirmativa, de que valor, do mesmo modo que não reteve e não entregou à segurança social os valores pagos a título de subsídio por doença, com a consequente violação do art. 31º/1/2 citados.
Assim sendo, tem aplicação o nº 3 do mesmo art. 31º, nos termos do qual  “O terceiro responsável pela indemnização responde solidariamente com o beneficiário pelo reembolso do valor dos subsídios de doença provisoriamente concedidos.”.
Consequentemente, também por esta via se chega à mesma conclusão supra sustentada de que a seguradora demandada é solidariamente responsável pelo reembolso do subsídio por doença reclamado pelo ISS.
De resto, este Tribunal da Relação já teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão que está em causa neste recurso, no acórdão proferido em 31/3/2005, no âmbito da apelação 655/05, no mesmo sentido do ora pugnado.
Fê-lo nos seguintes termos:
A L. 28/84 de 14/8 que definiu as bases do Sistema de Segurança Social, refere explicitamente no seu artº 16º sob a epígrafe “ Responsabilidade civil de terceiro”, que no caso de concorrência, pelo mesmo facto, de direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, “ as instituições de segurança social ficam sub – rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”.
Cremos ser inquestionável que, no caso em apreço, o A, por ter ficado impossibilitado de laborar, em virtude do acidente que sofreu, tinha direito à prestação social “ subsídio de doença”.
Também fora de dúvidas que por esse mesmo facto, na sua esfera jurídica passou a estar contido o direito à reparação infortunística, nos termos da LAT( cfr. seu artº 10).
Contudo estas prestações têm natureza diferenciadas.
Enquanto que a primeira é, como se disse, uma prestação de carácter social, à qual o trabalhador tem direito pelo simples facto de efectuar os seus descontos para a Segurança Social, a segunda assume um carácter indemnizatório, de cujo pagamento é responsável o lesante, desde que e logo que conhecido.
Daqui resulta que o dito subsídio de doença configura por princípio um adiantamento.
Havendo terceiro responsável pelo facto, ele extinguir-se-á e será reembolsável.
Caso tal não suceda, o reembolso não é possível e o pagamento pela instituição de segurança social deixa de ter o carácter de provisoriedade( a segurança social assegura provisoriamente a protecção do beneficiário, cabendo- lhe em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagas- cfr. Preâmbulo do D.L. 549/89 de 22/2), para passar a ser definitiva.
Ou seja e dito por outras palavras: sobre a segurança social impende o dever de pagar as prestações sociais, derivadas da doença de que o trabalhador é portador, em consequência de acidente laboral., até que ( e se ) definida a responsabilidade do terceiro.
Quando esta ocorre, cessa tal obrigatoriedade e surge o referido direito ao reembolso, que existe por força de lei expressa- o aludido artº 16º da L. 28/84.
E este regime legal só se compreende se se considerar que aquilo que inicial( e provisoriamente) era uma prestação social, passou – logo que conhecido e responsabilizado o terceiro lesante- a assumir as características de “indemnização legalmente devida”.
Doutro modo nunca se poderia falar em sub rogação legal , uma vez que se as quantias pagas pela segurança social mantivessem a natureza de prestação social, o dever do seu pagamento impendia originariamente sobre aquela entidade, que assim não efectuava nenhuma prestação que fosse responsabilidade de terceiro.
Mas exactamente porque conhecido o terceiro, os ditos pagamentos, passam a ser considerados “ meros adiantamentos”, passando a integrar a indemnização devida, é que surge para a segurança social, o tal direito legal ao reembolso.
Evidentemente que o legislador, poderia ter estabelecido que por esse reembolso fosse responsável, quem recebeu as prestações.
Contudo optou como se viu por regime diverso, porventura por compreensíveis razões sociais que se colocam ao nível da consideração da fragilidade do destinatário, regime esse que se traduz numa sub rogação legal das Instituições de Segurança Social nos direitos do lesado contra o lesante na medida do efectivamente pago.
Perante o mencionado enquadramento normativo e respectiva teleologia, cremos( sempre ressalvando o devido respeito por entendimento diverso) não poder ser outra a decisão tomada, se não aquela que o foi na 1ª instância.
Naturalmente que a responsabilidade da seguradora, pela reparação infortunística, advém por força do contrato de seguro celebrado com a entidade patronal, aliás de carácter obrigatório- artº 37º nº 1 da LAT-.
Mas tal facto em nada invalida a solução que se propugna.
Claro que esta situação implicará um enriquecimento ilegítimo( exactamente porque as prestações não são cumuláveis) para o sinistrado.
Mas nada impedirá que a seguradora, se veja ressarcida do que a mais pagou para além da sua responsabilidade, através de acção própria a intentar contra o trabalhador acidentado.
Agora ao que está obrigada “ ope legis” ( cfr. o citado artº 16º da L. 28/84) é a reembolsar o ISSS.
Tem sido este aliás o entendimento prosseguido nesta Secção, como se pode ver dos Acs. tirados nos Recs nºs 1876/00 e 3595/04, em consonância aliás- e se bem entendemos- com o decidido a propósito, pelo nosso mais Alto Tribunal- ( cfr. C.J. /S.T.J., Ano III, Tomos I/163 e II/223).”.
Tanto basta, sem necessidade de mais considerações, para decidir no sentido da procedência do recurso.
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IV - Decisão

Acordam os juízes que compõem esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação procedente, com a consequente condenação da seguradora demandada a pagar ao ISS, IP, € 834, 40, acrescidos dos juros moratórios legais a contar da citação e até integral pagamento.
Custas pela seguradora.


 (Jorge Manuel Loureiro - Relator)
 (Ramalho Pinto)
 (Azevedo Mendes)