Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
210/11.5TAPBL.A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: PENA DE PRISÃO SUBSIDIÁRIA;
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Data do Acordão: 06/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L CRIMINAL DE POMBAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 43.º, 44.º E 49.º DO CP; ART. 371-A.º, DO CPP
Sumário:
I – À luz do regime que então vigorava [anterior à Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro], era entendimento generalizado (embora não unânime), que, quando aplicada uma pena substitutiva, em caso de incumprimento pelo condenado, não podia ser aplicada outra pena substitutiva daquela primeira pena, devendo sim executar-se a primeira pena que, segundo o legislador, se traduz no cumprimento da pena de prisão inicial.
II - O regime de cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação, foi alterado pela Lei nº 94/2017, de 23 de agosto e, alargado o âmbito de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, quer no que respeita à medida regra de pena de prisão que passou de um para dois anos, quer quanto às situações em que pode ser aplicado este regime.
III - A realização de audiência ao abrigo do artigo 371º-A, do CPP só se justificará se for de admitir que o cumprimento de uma pena de prisão subsidiária também está abrangido no âmbito da alínea c) do nº 1 do artigo 43º do CP, nesta nova redação.
IV - Numa interpretação sistemática deste preceito [art. 43 n.º 1 do CP], no contexto de todo o ordenamento das diferentes penas e sua natureza e forma de cumprimento, somos levados a concluir que a filosofia do legislador se manteve quanto à natureza das penas que podem ser cumpridas segundo este regime de permanência na habitação.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência, na 4ª Secção (competência criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra.

I
1. Nos autos de processo comum nº 210/11.5TAPBL, foi o arguido AA, melhor id. nos autos, condenado por decisão de 5.6.2014, transitada em julgado em 27.4.2015, na pena única de 600 dias de multa à taxa diária de 5,00€, pela prática de 2 crimes de falsificação e pela prática de dois crimes de burla.
2. Por despacho proferido em 30.1.2017, por falta de pagamento voluntário desta multa nem tendo sido possível a sua cobrança coerciva, foi a mesma convertida em 400 dias de prisão subsidiária, ao abrigo do artigo 49º, nº1, do Código Penal.
3. Por requerimento eletrónico de 28.2.2018, requereu o arguido a designação de audiência ao abrigo do artigo 371º - A, do Código de Processo Penal, a fim de ser ponderada a hipótese de aplicação do novo regime do artigo 43º, do Código Penal, introduzido pela Lei nº 94/2017, de 23 de agosto, ou seja, para cumprir a pena de prisão subsidiária em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, regime este, no entender do arguido, mais favorável.
4. Esta pretensão do arguido foi indeferida por despacho de 5.3.2018, com os seguintes fundamentos:
“De acordo com a nova redacção do artigo 43°, nº 1 do Código Penal (dada pela Lei 94/2017, de 23.08.}, O tribunal pode determinar a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, quando esteja em causa: a) pena de prisão efectiva não superior a dois anos; b) pena de prisão efectiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80° a 82° do Código Penal; c) a pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa aplicada em substituição de pena de prisão (artigo 45°, n° 2 do CP).
Já o artigo 371°-A do CPP dispõe que "se, após o trânsito em julgado da condenação, mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime".
E o artigo 2°, n° 4 do Código Penal estipula que "quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior' .
No entanto, esta reabertura pressupõe que a nova lei tenha aplicação ao caso concreto, o que não é manifestamente o caso.
Ora, o arguido encontra-se a cumprir prisão subsidiária, o que pressupõe que a pena principal tenha sido a pena de multa.
Como facilmente se percebe a pena de multa apenas pode ser cumprida com o pagamento da quantia fixada na condenação, com a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, ou mesmo com o pagamento em prestações, sendo que estas alternativas deverão ser requeridas pelo condenado. ;,"'.
Ora, o arguido não suscitou, em tempo, qualquer das referidas alternativas ao pagamento da pena de multa, conforme era do seu interesse.
Neste momento vem requerer ao tribunal aquilo que a Lei Penal não prevê, pois resulta claro das alterações legislativas que o regime de permanência na habitação não se aplica à prisão subsidiária, ou seja, apenas tem aplicação quando o tribunal optou por uma pena principal detentiva da liberdade, o que não é manifestamente o caso Sublinhado nosso..
Como tal, por não ter qualquer fundamento legal, indefere-se o requerido”.

5. Desta decisão recorre o arguido que formula as seguintes conclusões:
1. O douto despacho recorrido ao recusar a possibilidade de aplicação da lei mais favorável “apud” o disposto na faculdade prevista no artigo 371º - A do CPP e ao não aceitar a reabertura da audiência a pedido do condenado, violou claramente o disposto no art.° 29° n.° 4 da Lei Fundamental.
2.Tendo também violado o disposto no art.° 2. ° nº 4 do Código Penal e ainda assim o disposto no art.° 371. ° - A do CPP.
3. Ao não admitir a reabertura da audiência, com a argumentação de que “o sentido do legislador” seria o de não aplicação da lei a casos de prisão subsidiária, (tendo o arguido juntado abundante prova documental comprovativa da sua mais que completa inserção socio-profissional e familiar) o douto despacho recorrido violou, por erro interpretativo, o direito do arguido a uma nova reapreciação do caso, direito que lhe é conferido pelo art.° 43º n.° 1 alínea e) do CP na sua nova redacção.
4.O art.°43. ° 1 do CP (na sua nova redacção) é inteiramente omisso sobre a natureza da prisão a que alude, pelo que tem de integrar, conceptualmente, a prisão subsidiária, sob pena de o arguido ser prejudicado. Mais: O art.° 43º, nº 1 alínea c) in fine do CP alude mesmo a “não pagamento da multa previsto no n° 2 do art.° 45º (na sua nova redacção).
5. O art.° 43º, nº 1 alínea c) do CP se interpretado no sentido ou com a dimensão processual — normativa de que um condenado em pena de prisão subsidiária não pode requerer a reabertura da audiência nos termos legais (art.° 371.° A do CPP), para aplicação de lei mais favorável (“in casu” o citado art.° 43.° 1, alínea c) do CP com nova redacção posterior ao trânsito em julgado da sentença), encontra-se ferido de verdadeira e própria inconstitucionalidade material, por violação do art.°s 16.° n.° 1, 18.°, 1 e 2, 29.° n.° 4 e 32.° n.° 1 da CRP e dos princípios neles consignados — nomeadamente o da excepção ao princípio da irretroatividade da lei penal mais
favorável.
(“apud’ o art.° 29. ° n.º 4 da LF).
6. A instância violou, por erro interpretativo, o disposto no art.° 43º, n.° 1 alínea c) do actual Código Penal.
Decidindo como peticionado, exercerão Vossas Excelências a melhor e mais acostumada JUSTIÇA!

6. O Ministério Público em primeira instância respondeu, dizendo:
1 - Embora não haja exposição de motivos no âmbito da Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto a verdade é que, consultada Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 90/XIII da Presidência do Conselho de Ministros, a qual foi o motor para aquela lei, pode ler-se claramente o objectivo do legislador, ali se escrevendo: “Pretendeu-se clarificar, estender e aprofundar a permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo. Vinca-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alarga-se, por outro lado, a possibilidade da sua aplicação aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal, ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º do mesmo diploma. Fora deste quadro fica a prisão subsidiária prevista no artigo 49.º, atendendo à sua natureza e função peculiares.” Acessível através do sítio:
http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679595842774f6a63334e7a637664326c756157357059326c6864476c3259584d7657456c4a535339305a58683062334d76634842734f54417457456c4a5353356b62324d3d&fich=ppl90-XIII.doc&Inline=true
- Assim, entendemos que, formalmente/legalmente, a pretensão de cumprimento da pena de prisão convertida por parte do recorrente se encontra vedada, daí que não houvesse lugar a qualquer reabertura de audiência, conforme bem decidiu o Tribunal.
2 - Se bem que em termos de essência (por contraposição a forma), e fazendo apelo a considerações exclusivas de objectivos legais, nada impediria que se optasse e aplicasse, uma vez convertida a pena e sendo caso para efectiva privação de liberdade, solução idêntica à prevista no artigo 43º do CP a estes casos de aplicação de penas de prisão em virtude da conversão da pena de multa pelo não pagamento, pelo simples facto de não se vislumbrarem motivos suficientes para diferenciar o que substancialmente se apresenta, nessa fase, como idêntico.
3 - Mas essa já é uma questão que, embora relevante, deverá ser resolvida por parte do legislador e não por parte do julgador.
Contudo, V. Exas. Farão JUSTIÇA.
7. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que,
Louvando-se na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n ° 90/XIII, que deu origem à Lei n ° 94/2017, de 23/08 Transcrita, no essencial, na resposta do Ministério Público em 1ª instância., sobre a questão em apreço -, dado não conter esta última Lei uma exposição de motivos, ou referência aos trabalhos preparatórios -, conclui que:
“Em face do exposto, sendo a pena principal a de multa e não a de prisão, e havendo várias possibilidades de evitar o cumprimento da pena de prisão, nos termos dos arts. 47º, 48º e 49º do Cód. Penal, que é apenas subsidiária, ou seja, residual, só se aplicando se não se aplicarem as outras formas de cumprimento da pena aplicada, compreende-se que o legislador a tenha excluído do regime de permanência na habitação, não sendo igual às penas de prisão, aplicadas a título principal, previstas no artigo 43 do Cód. Penal, pelo que não há violação do princípio da igualdade (a igualdade consiste em tratar de forma igual o que é igual e de forma desigual o que é desigual), nem de qualquer outro princípio ou normas constitucionais.
8. - Com efeito, também se nos afigura que não se vislumbra a ocorrência de qualquer ilegalidade, inconstitucionalidade ou incorrecção das alegadas pelo Recorrente, nas infundamentadas
conclusões de fls. 31.
9. - Nestes termos, acompanhando genericamente, como referimos, a resposta do Exmº Procurador-Adjunto, na 1 a Instância, constante de fls. 39 a 43, somos de parecer que o recurso do arguido deverá improceder, mantendo-se, assim, a decisão recorrida, de fis. 18 a 20, e a sustentação de fis. 44. sempre úteis em casos de duvidosa interpretação.

II

Questão a apreciar:

A eventual aplicação do atual regime do artigo 43º do Código Penal – cumprimento de pena de prisão em regime de permanência de habitação – à pena de prisão subsidiária.

III

Cumpre apreciar:
1. O regime de permanência na habitação como forma de cumprimento da pena de prisão foi instituído pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, que alargou/ampliou o âmbito de aplicação das penas de substituição e criando aquela, no artigo 44º, do Código Penal.
Segundo o teor do nº 1, alíneas a) e b), daquele preceito (artigo 44º), tal regime era aplicável às seguintes penas:
a) À pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano;
b) Ao remanescente não superior a um ano da pena de prisão efectiva que exceder o tempo de privação da liberdade a que o arguido esteve sujeito em regime de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação.
Nos termos do nº 2, do mesmo preceito, “o limite máximo previsto no número anterior pode ser elevado para dois anos quando se verifiquem, à data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselham a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente:
a) Gravidez;
b) Idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos;
c) Doença ou deficiência graves;
d) Existência de menor a seu cargo;
e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado”.
2. À luz do regime que então vigorava, era entendimento generalizado (embora não unânime), que, quando aplicada uma pena substitutiva, em caso de incumprimento pelo condenado, não podia ser aplicada outra pena substitutiva daquela primeira pena, devendo sim executar-se a primeira pena que, segundo o legislador, se traduz no cumprimento da pena de prisão inicial – v. nº 2, do então artigo 43º, do Código Penal, em que, se o agente não pagasse a multa, cumpria a pena de prisão inicial; o caso de permanência na habitação, que também determinava o cumprimento da pena de prisão se aquela fosse revogada (nº4, do artigo 44º); e o caso revogação de suspensão da pena de prisão.
Sobre esta questão, decidiu-se no ac. desta Relação de Coimbra de 29.3.2017, proferido no processo nº 78/13.7GCSAT.C1 Mesmo relator e adjunto.:
“Quando é aplicada a pena substitutiva de suspensão de execução da pena, o julgador não está a ponderar e a projetar para um momento posterior, uma futura aplicação do regime de permanência na habitação. Se porventura achasse que esta era a pena mais adequada, deveria aplicá-la de imediato”.
Posição seguida em acórdãos anteriores, aí referenciados:
Ac. do TRC de 4.5.2011, proferido no proc. nº 49/08.5GDAVR-A.C1; de 09-11-2011 proferido no proc. nº 579/09.1GAVGS.C1 e de 25.5.2012, proferido no proc. nº 492/10.0GAILH.C1 “O regime de permanência na habitação é uma verdadeira pena de substituição da pena de prisão e, deste modo, como sucede com a prisão por dias livres ou com o regime de semidetenção, apenas pode ser decidida na sentença, pelo tribunal de julgamento, e não na fase de execução da sentença, como se constituísse mero incidente da execução da pena de prisão.
E, se o momento para decidir da aplicação do regime de permanência na habitação é o da sentença condenatória, não permite o artigo 44º, do C. Penal, que, tendo sido suspensa a execução da pena de prisão, em caso de posterior revogação da referida pena, possa ser perspectivada a aplicação daquele regime.
É o que também se infere do n.º 2, do artigo 56º, do C. Penal, ao dispor: «A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (…)». no ac. do TRG de 30.5.2011, proferido no proc. nº 623/05.1GTBRG.G1 e no ac. do TRP de 20.10.2010, proferido no proc. nº 87/01.9TBPRG.P1, todos consultáveis na base de dados do ITIJ.
3. Por clara opção legislativa, o regime de cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação, foi alterado pela Lei nº 94/2017, de 23 de agosto, que dispõe o seguinte:
1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º; c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º


Foi, por esta via legislativa, alargado o âmbito de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, quer no que respeita à medida regra de pena de prisão que passou de um para dois anos, quer quanto às situações em que pode ser aplicado este regime.
Este novo regime enumera as situações em que o agente (arguido), poderá cumprir a pena de prisão segundo esta modalidade, na habitação, com vigilância eletrónica.
Este regime não contempla expressamente a situação em análise e que o arguido recorrente pretende ver aplicada ao seu caso, quão seja, o eventual cumprimento de uma pena de prisão subsidiária de 400 dias pelo não pagamento da multa de 600 dias.
Na verdade, embora o arguido apenas pretenda num primeiro momento, a realização de audiência ao abrigo do artigo 371º-A, do Código de Processo Penal, a realização da mesma só se justificará, se for de admitir que o cumprimento de uma pena de prisão subsidiária também está abrangido no âmbito da alínea c), nº 1, artigo 43º, do Código Penal, nesta nova redação. Pelo que o objeto do recurso acaba por se reconduzir à análise desta questão na medida em que, não sendo admissível o cumprimento da prisão subsidiária nesta modalidade (RPH), torna-se inútil a realização da audiência para este fim.
4. Entende o recorrente (v. conclusão nº 4), que “o art.°43. ° 1 do CP (na sua nova redação) é inteiramente omisso sobre a natureza da prisão a que alude, pelo que tem de integrar, conceptualmente, a prisão subsidiária, sob pena de o arguido ser prejudicado. Mais: o art.° 43º, nº 1 alínea c) in fine do CP alude mesmo a “não pagamento da multa previsto no n° 2 do art.° 45º (na sua nova redação).
Não assiste razão ao recorrente, neste aspeto.
O teor do referido artigo 43º, nº1, do Código Penal, enumera as concretas situações em que a pena de prisão é suscetível de poder ser cumprida em regime de permanência na habitação. E todas as situações têm por base a pena de prisão aplicada a título principal, ab initio. Com a particularidade de, nos casos da alínea c), essa pena principal de prisão ter sido, entretanto, substituída por pena de multa.
Sabe-se que a política-criminal em harmonia com o fim das penas, consagrado no nosso sistema penal, tem preferência pelo não cumprimento das ditas penas curtas de prisão em ambiente fechado, no estabelecimento prisional. Daí que exista uma consagração legislativa de várias alternativas ao cumprimento efetivo, em regime fechado, das penas curtas de prisão, com enumeração das penas substitutivas e uma atualização destas, como aconteceu com a última alteração da Lei nº 94/2017. Esta lei eliminou algumas dessas penas substitutivas – v. cumprimento da pena de prisão em regime de semidetenção e regime de prisão por dias livres – e alargou o campo de aplicação de outras, como é manifesto no cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação.
Basta comparar o teor do então artigo 44º, do Código Penal com o atual teor do artigo 43º, do mesmo diploma, para constatar a evolução/alargamento desta medida.
Quanto ao regime anterior, consagrado no artigo 44º, mais restritivo, a questão agora suscitada pelo recorrente nunca se colocou. Porque era entendimento que o preceito definia as exatas situações em que a pena de prisão podia ser cumprida em RPH. Aí se prevendo tão só penas de prisão aplicadas a título principal, na decisão. Do mesmo modo que definia e continua a definir, na versão atual (o Código Penal), o campo de aplicação das demais penas substitutivas à pena de prisão efetiva – v. suspensão da execução da pena, suspensão da pena com regime de prova, substituição por multa, substituição por PTFC.
A alteração significativa operada pela Lei nº 94/2017 traduz-se no alargamento da medida regra de pena de prisão não superior a um ano para a pena não superior a dois anos - sem a necessidade da verificação dos requisitos que até então o disposto no artigo 44º, nº2, exigia e que limitava deste modo a aplicação do regime -, bem como na ampliação das situações em que pode ser aplicado este regime (para além do alargamento da simples medida da pena). Aqui ganha efetiva relevância o teor da alínea c), do nº1, do atual artigo 43º, que inclui “a pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º “.
Mas em todas as situações e concretamente nestas da alínea c), continuamos a ter como pena principal, ab initio, a pena de prisão.
Pelo que, numa interpretação sistemática deste preceito, no contexto de todo o ordenamento das diferentes penas e sua natureza e formas de cumprimento, somos levados a concluir que a filosofia do legislador se manteve quanto às situações em que a pena de prisão pode ser cumprida segundo este regime de permanência na habitação.
Contrariamente ao defendido pelo recorrente, não vislumbramos nenhuma lacuna neste preceito, mas simplesmente uma opção legislativa. O leque de situações podia ser mais ou menos abrangente. Nomeadamente poderia ter sido incluído (mas não foi), a situação de incumprimento da pena de PTFC e consequente revogação, quando o arguido tenha que cumprir prisão, por força do disposto no artigo 59º, nº 2, do Código Penal Não olvidando, todavia, que a pena de prisão poderá mesmo assim não ser cumprida, nas situações previstas nos números seguintes (3, 4, 5 e 6), do artigo 59º. .

5. Todavia, estas eventuais dúvidas de interpretação, mostram-se dissipadas com o teor da exposição de motivos dos trabalhos preparatórios, da respetiva Proposta de Lei n ° 90/XIII na Base de Dados da Presidência de Conselho de Ministros, que deu origem à Lei nº 94/2017 Sabendo-se que a Lei n ° 94/2017, de 23/08, não contém qualquer preâmbulo ou exposição de motivos, sempre úteis para uma interpretação mais consentânea com o espírito do legislador. , segundo o qual se verifica que não “subsistem dúvidas sobre a interpretação da lei, nomeadamente, a “ratio legis”, a intenção do legislador, os elementos literais, históricos e teleológicos, a existência, ou não de lacunas, deixam de ter razão de existir, pois, o legislador, na exposição de motivos, foi claro, ao dizer que “ fora do quadro do regime de permanência na habitação fica a prisão subsidiária, prevista no art. 49 do Cód. Penal, atendendo à sua natureza e função peculiares” Extrato do parecer do Ex. mº Sr. PGA..
É, pois, o seguinte, o teor da exposição de motivos:
“No seu programa, em especial no domínio da política criminal, o XXI Governo Constitucional comprometeu-se a rever os conceitos de prisão por dias livres e outras penas de curta duração, em casos de baixo risco, intensificando soluções probatórias, a admitir o recurso à pena contínua de prisão na habitação com vigilância eletrónica, nos casos judicialmente determinados, com eventual possibilidade de saída para trabalhar e a combater a sobrelotação dos estabelecimentos prisionais, garantir o ambiente de segurança e sanitário e promover o acolhimento compatível com a dignidade humana, o adequado tratamento dos jovens adultos, dos presos preventivos e dos reclusos primários.
O regime de permanência na habitação permanece sistematicamente repartido pelo Código Penal, pelo Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e pela Lei da Vigilância Eletrónica (Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro).
Do Código Penal constam os traços fundamentais do regime, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade as disposições de carácter procedimental e da Lei da Vigilância Eletrónica as medidas respeitantes à utilização das tecnologias de controlo à distância.
Pretendeu-se clarificar, estender e aprofundar a permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo.

Vinca-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alarga-se, por outro lado, a possibilidade da sua aplicação aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.° a 82.° do Código Penal, ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.° do mesmo diploma.
Fora deste quadro fica a prisão subsidiária prevista no artigo 49º atendendo à sua natureza e função peculiares”.

6. Não subsistindo dúvidas quanto à interpretação do disposto no artigo 43º, do Código Penal no que respeita ao seu âmbito de aplicação, cumpre agora averiguar se a não previsão, no mesmo, da situação em apreço, segundo a interpretação referida, se traduz na violação de algum preceito constitucional, nomeadamente os invocados pelo arguido recorrente, a saber, os artigos 16.° n.º 1, 18.°, 1 e 2, 29.° n.º 4 e 32.° n.º 1 da CRP.
Entende-se que não. Não se mostra violado qualquer princípio de igualdade no tratamento porque não pode/deve ser tratado de modo igual o que, à partida, é desigual.
Já se apreciou quais as situações da pena de prisão que estão previstas no artigo 43º, como suscetíveis de cumprimento em RPH. E todas elas confluem para a pena de prisão aplicada a título principal. É esta a essência da questão e nela reside a diferença de tratamento. Tratamento desigual porque de situações desiguais se trata.
Voltando ao argumento da interpretação sistemática, verificamos que existe uma diferente natureza entre a pena de multa e a pena de prisão. É preocupação legislativa dar preferência à aplicação da pena de multa, a título principal, sempre que possível ou, segundo a terminologia do artigo 70º, do Código Penal, “sempre que realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ora, sendo aplicada ab initio uma pena de multa, existe uma panóplia à disposição do condenado para cumprir esta pena – de modo integral e voluntário; em prestações (artigo 47º, nºs 3 e 4 do Código Penal); por prestação de trabalho (artigo 48º Código Penal e 490º, Código de Processo Penal); coercivamente, através de execução (artigo 49º, nº1 Código Penal e 491º do Código de Processo Penal).
O cumprimento da pena de multa mediante prisão subsidiária, é a designada derradeira solução, a ultima ratio.
É assim, porque o legislador elege a pena de multa como a pena preferencial, para a dita pequena gravidade. O disposto no artigo 70º, do Código Penal, não deixa dúvidas.
Todavia e porque efetivamente a pena de multa tem um papel determinante na reinserção social do agente e satisfaz de modo eficaz as finalidades da punição na dita pequena criminalidade e em alguma criminalidade média de cariz essencialmente económico, não pode esta pena perder, por isso mesma, a sua vertente de eficácia, como pena. Daí que o legislador, para preservar essa função, tivesse instituído a pena de prisão subsidiária como forma de a garantir. Mas, ainda assim, com as ressalvas do artigo 49º, nº3, do Código Penal, em que o agente pode ser dispensado do cumprimento da pena de prisão subsidiária nos termos aí previstos, se demonstrar que o não pagamento da multa lhe não é imputável.
Neste sentido aponta o afirmado pelo Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, fls. 145, § 179:
“Por mais indesejável que, de um ponto de vista político-criminal, se mostre o cumprimento de uma pena de multa, tal pode tornar-se absolutamente indispensável para preservar a efectividade da pena de multa, sobretudo quando a esta se atribui um âmbito de aplicação tão vasto como o que lhe é conferido pelo nosso direito penal vigente. Pode neste sentido afirmar-se que a consagração de uma pena de prisão sucedânea da multa não paga é político-criminalmente tão pouco desejável quanto irrenunciável: sem ela seria a própria pena de multa a sofrer irreparavelmente enquanto instrumento de atuação preferido da política criminal nos domínios da pequena e da média criminalidade. Ponto é que seja tomado a sério - como procura ser no nosso sistema – a ideia de que o cumprimento da prisão sucedânea só se encontra justificado quando submetido à clausula de ultima ratio”.
Outras duas especificidades do cumprimento da prisão subsidiária que a afastam do cumprimento em RPH, se podem enunciar:
- Por um lado, a prisão subsidiária a cumprir não corresponde à totalidade da pena de multa aplicada, mas sim sempre reduzida a dois terços da pena de multa que deveria ser paga – artigo 49º, nº 1, do Código Penal.
O que significa que, caso se entendesse que seria de aplicar o cumprimento da pena de multa em RPH, não se justificaria então, em nosso entender, esta redução a dois terços, mas sim o cumprimento integral da pena de multa. Cessando o “bónus” legalmente previsto.
Esta especificidade significa isso mesmo, que, apesar de toda a panóplia de situações em que o arguido pode cumprir a pena de multa e obstar a um cumprimento da prisão subsidiária, o legislador é claro em estabelecer esta (a prisão subsidiária), e não o RPH, como ultima ratio para a tornar efetiva.
- Por sua vez, iniciando o arguido o cumprimento da prisão subsidiária, pode o mesmo, a todo o tempo, evitar a sua execução – artigo 49º, nº2, do Código Penal, que dispõe:
“O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado”.
Ou seja, a começar pela aplicação e natureza da pena de multa, prosseguindo com a variada gama de modalidades de cumprimento desta e a terminar com o próprio cumprimento da prisão subsidiária, todo este regime, globalmente considerado, é mais favorável que o da aplicação de uma pena inicial de prisão, ainda que substituída por uma pena não detentiva, como é o caso da suspensão da execução da pena de prisão entretanto revogada (em que o arguido terá que cumprir a prisão, embora com a possibilidade, neste momento, de o fazer em RPH) ou o caso de não pagamento da multa previsto no nº 2, do artigo 45º (em qua a pena de prisão inicialmente aplicada foi substituída por multa).
Mais uma vez, nesta última situação, a pena principal é uma pena de prisão, entretanto substituída por uma pena não detentiva, mas que, em caso de não pagamento da multa, o arguido cumpre a pena de prisão inicialmente fixada. E não qualquer prisão subsidiária, com a redução a dois terços da pena. E se porventura tiver que cumprir a pena de prisão, não a poderá interromper, a qualquer momento, ainda que pretendesse pagar a multa em momento posterior, pois a situação é irreversível. Neste sentido, v. AUJ do STJ de c. Ac. de18-09-2013, proferido no processo nº 319/06.7SMPRT.P1- A.S1, como seguinte sumário:
“Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43.º n.º s 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.º 2, do artigo 49.º, do Código Penal”.
Todos estes considerandos nos levam a concluir pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade pela não previsão e consequente não aplicação do cumprimento em RPH, da prisão subsidiária.
Se, entretanto, no futuro, o legislador, por questões de política criminal, ampliar o âmbito de aplicação daquele regime de cumprimento, como o fez com as recentes alterações, nele incluindo a prisão subsidiária, como se disse, será uma opção legislativa. Mas não o foi, decididamente, com a Lei nº 94/2017.

IV
Decisão
Por todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso do arguido AA e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UCs.

Coimbra, 6 de Junho de 2018

Luís Teixeira (relator)

Vasques Osório (adjunto)