Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
406/09.0TBSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DECISÃO ARBITRAL
INDEMNIZAÇÃO
TERRENO APTO PARA CONSTRUÇÃO
TERRENO APTO PARA OUTROS FINS
REN
RAN
Data do Acordão: 12/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SEIA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1º, 23º, 25º E 27º DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES APROVADO PELO Nº 168/99 DE 18 DE SETEMBRO (CE DE 1999)
Sumário: I – A decisão dos árbitros constitui uma verdadeira decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário, e a sua impugnação, i.e., o pedido da sua reapreciação dirigido ao tribunal judicial constitui, verdadeiramente, um recurso.

II - Decorre daqui que o processo de expropriação não se considera instaurado apenas no momento em que se abre a fase judicial – mas desde o primeiro acto processual praticado pela entidade beneficiária da expropriação na sequência da publicação da declaração da utilidade pública da expropriação.

III - A indemnização constitui uma compensação pelo prejuízo decorrente para o expropriado do acto de expropriação e visa, de harmonia com o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, colocar aquele em igualdade face aos outros cidadãos que, em situação homótropa, não sofreram a ablação da sua esfera jurídico-patrimonial derivada da expropriação.

IV – A indemnização, que não tem por finalidade compensar o benefício alcançado pelo expropriante, deve ser fixada com base no valor real dos bens expropriados, i.e., com base no seu valor venal ou de mercado – excluindo, obviamente, deste último conceito, qualquer valoração meramente especulativa (artº 23º, nºs 1 e 5 do CE).

V - É assim compreensível que a lei distinga, com vista á determinação do valor do terreno expropriado, o caso de se tratar de solo apto para construção ou de solo apto para outros fins (artº 25º, nº 1, a) e b) do CE).

VI - Considera-se apto para construção o solo que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir, o solo que, dispondo apenas de parte destas infra-estruturas, se integra num núcleo urbano, o solo que, de acordo com o instrumento de gestão territorial aplicável, está destinado a adquirir aquelas características e, por último, o solo, que no momento da declaração da utilidade pública da expropriação, disponha de alvará de loteamento ou de licença de construção (artº 25º, nº 2, a) a d) do CE).

VII - O solo que não se encontre em qualquer destas situações considera-se solo para outros fins (artº 25º, nº 3 do CE).

VIII - O primeiro critério referencial de cálculo do valor do solo apto para outros fins, que não a construção – que é denominado comummente como método comparativo - determina que este será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuados na mesma freguesia ou em freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco anos, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com as mesmas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumentos de planeamento territorial e à sua aptidão específica (artº 27º, nº 1 do CE).

IX - Portanto, este critério referencial só pode ser actuado adequadamente se, tendo sido disponibilizado aos árbitros e aos peritos os elementos fiscais, estes forem completos, incluindo, v.g., a área, configuração e composição do terreno e se as avaliações fiscais forem, realmente, idóneas à correcção dos preços declarados nas transacções.

X - Na RAN são interditas acções que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização construção e ampliação (artº 21º, nº 1, a) do DL nº 73/2009, de 31 de Março). Por seu lado, na REN são interditos os usos e as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção e ampliação, vias de comunicação, escavações, aterros e destruição do revestimento vegetal (artº 20º, nº 1 do DL nº 166/2008, de 22 de Agosto, regulamentado pela Portaria nº 1356/2008, de 28 de Novembro).

XI - Enquanto não forem desafectados daquelas áreas de reserva, as parcelas de solo não são susceptíveis de classificação como solos aptos para construção.

Decisão Texto Integral:                 Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                1. Relatório.

                O Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, declarou, por despacho de 30 de Abril de 2007, publicado no DR, II Série, nº 100, de 24 de Maio de 2007, a urgência e a utilidade pública da expropriação, para a construção do empreendimento EN 231 – Circular de Seia, da parcela de terreno nºs 7.1. e 7.2, com a área total de 6 700 m2, a destacar do prédio rústico, com a área total de 8 400 m2, situado na freguesia e Município de Seia, matricialmente inscrito sob o artigo…, descrito na conservatória do registo predial de Seia sob o nº ...

                Realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam e a tomada de posse administrativa da parcela, os árbitros, por acórdão de 29 de Abril de 2009, ponderando que, de acordo com o Plano Director de Seia, a parcela se encontra inserida em zona agrícola urbana, integrando a Reserva Agrícola Nacional (RAN) e a Reserva Ecológica Nacional (REN), pelo que deve ser classificada como solo apto para outros fins e a sua valorização feita tendo em atenção os seus rendimentos efectivo ou possível à data da declaração de utilidade pública, devendo reconhecer-se-lhe potencialidade para culturas de regadio, fixaram a indemnização em € 30 482,30, sendo e 18 425,00 relativos ao valor do solo, € 3 500,00 ao custo da reposição dos caudais de água eliminados, € 2 330,60, por aplicação do factor de 75% à desvalorização das parcelas remanescentes, designadamente por a parcela sobrante com a área de 1 080 m2, resultar sem qualquer acesso, e € 6 226,70% referentes ao factor de valorização, de 30%, face as construções existentes na zona envolvente.

                Notificados da decisão do Sra. Juíza de Direito do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Seia que adjudicou à expropriante, Estradas de Portugal SA, a propriedade daquela parcela, aquela e os expropriados, F…, M…, J… e C…, logo interpuseram recurso do acórdão arbitral, pedindo, a primeira que a indemnização que é devida pela expropriação ao segundos fosse fixada em € 8 790,13, e, os segundos, a expropriação total das parcelas sobrantes, o pagamento de indemnização para efeitos do artº 31 do CE, decorrentes pelo tempo que durou a obra, e que impossibilitou cultivo, que se entende fixar-se em € 10 000,00, valorização superior das benfeitorias destruídas, como poço e furo em mais € 4 000,00, valorização do solo por outros critérios, que deve fixar-se em mais 70% do valor do terreno (e não apenas 30%) e juros de mora sobre o capital desde o auto de posse.

                Por requerimento avulso, os expropriados – alegando a indução em erro do seu mandatário, por se afirmar no relatório que a parcela sobrante com 1 080 m2 fica sem acesso, o que não corresponde à verdade, que já que ficou aberto acesso do lado do estaleiro municipal - declararam desistir da expropriação dessa parcela, aceitando a desvalorização mantida, devendo apenas expropriar-se a parcela dos 50 m2.

                Por despacho de 14 de Outubro de 2010, com fundamento no facto de os expropriados não terem procedido ao pagamento da taxa de justiça inicial devida pela interposição do recurso da decisão arbitral, determinou-se o desentranhamento da alegação desse recurso e admitiu-se o recurso interposto pela expropriante daquela mesma decisão.

                Na resposta do recurso da decisão arbitral interposto pela expropriante, no qual esta alegava que a sub-parcela sobrante, com a área de 1 080 m2, ficou servida por caminho de acesso, os expropriados afirmaram que aquela sub-parcela ficou do outro lado da estrada com acesso medíocre e que pediram já expropriação de uma parte de 50 metros.

                Realizada a diligência pericial de avaliação, foram produzidos dois relatórios: um subscrito pelo perito indicado pela expropriada; outro pelos restantes peritos.

                O perito nomeado pela expropriante, depois de classificar a parcela como solo apto para outros fins e de observar que o método comparativo – dados das Finanças, por falta de dados suficientes, não era aplicável, encontrou para a parcela de terreno, por aplicação do método analítico, o valor de € 12 462,30, por aplicação dos subcritérios seguintes: valor do solo das sub-parcelas 7.1. e 7.2. - € 8 483,80 e € 478,50, respectivamente; benfeitorias – € 3 500,00; 75% do valor da parcela sobrante com 50 m2 - € 65,00.

O laudo maioritário - subscrito pelos peritos de nomeação judicial e pelo perito designado pelos expropriados - depois de qualificar o solo da parcela expropriada como solo apto para cultivo arvense de regadio, computou o seu valor em € 30 842,15, por aplicação dos parâmetros seguintes: valor unitário do solo – € 24 455,00; valor das benfeitorias - € 3 500,00; desvalorização em 70% das duas áreas sobrantes, por ficarem sem acesso e não ter sido requerida a sua expropriação – € 2 887,15.

A Sra. Juíza de Direito, deferindo a reclamação deduzida pela expropriante contra o laudo maioritário, ordenou aos peritos que o subscreveram que esclarecessem, designadamente, se as parcelas sobrantes estão efectivamente sem acesso, tendo aqueles respondido que sendo admitido pela Entidade expropriante que a parcela sobrante se menor dimensão (com 59 m2) fica desvalorizada por falta de acesso, a outra área sobrante, que lhe fica a sul, certamente que também não terá possibilidade de acesso.

A sentença final da causa, depois de julgar provado - com base tão só da análise conjugada da prova documental e pericial junta aos autos, uma vez que não se procedeu à inquirição de testemunhas nem foi realizada inspecção judicial ao local - que a parte sobrante a sul, com uma área de 1 080 m2, fica sem acesso, e de observar que os expropriados não requereram a expropriação das partes sobrantes, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 55º do C.E. e, por isso, se conformaram com a expropriação parcial do seu terreno, fixou a indemnização a pagar àqueles pela expropriante em € 16 143,10.

É esta sentença que tanto os expropriados como a expropriante impugnam por via do recurso ordinário de apelação.

Os expropriados – que pedem no recurso a alteração da decisão no sentido elaborado por duas perícias, mantendo-se o valor atribuído na última - condensaram a sua alegação nas conclusões seguintes:

...

Nenhum dos recorrentes respondeu ao recurso da contraparte.

2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

O Tribunal de que provêm o recurso julgou provados, na sentença final, os factos seguintes:

...

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito dos recursos.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Nas conclusões da sua alegação, é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

Um dos fundamentos do recurso da expropriante é error in iudicando da matéria de facto. Realmente este recorrente insiste, no recurso, na alegação de que – ao contrário do que foi julgado provado pelo tribunal de que provém o recurso – a parcela sobrante, com a área de 1 080 m2, dispõe de acesso, sendo comprovadamente falsa a alegada falta de caminho.

Maneira que tendo em conta a vinculação temática deste Tribunal ao conteúdo da decisão impugnada e das alegações de ambos os recorrentes, as questões concretas controversas que importa resolver são as de saber se:

a) A sentença impugnada se encontra ferida com o vício da nulidade substancial por omissão de pronúncia e contradição intrínseca;

                b) O tribunal da 1ª instância lavrou, no julgamento da questão de facto, num error in iudicando;

                c) A sentença recorrida incorreu, no julgamento da questão de direito, num erro na subsunção, num erro na integração ou inclusão dos factos apurados na previsão da norma jurídica aplicável no caso, e, por isso, se essa decisão deve ser revogada e substituída por acórdão que fixe a indemnização devida aos expropriados pela expropriante, pela expropriação, em € 30 482,30 – como sustentam os primeiros – ou em € 14 841.76, correspondente à diferença do valor dessa indemnização fixada na sentença apelada, subtraído do valor da valorização, em 30%, da parcela expropriada e do valor da desvalorização da parcelas sobrante, com a área de 1 080 m2 – como advogada a segunda.

                A resolução deste problema vincula, naturalmente, à exposição, ainda que leve, das causas de nulidade substancial da sentença apontadas, dos poderes de controlo desta Relação relativamente à decisão da matéria de facto da 1ª instância e, finalmente, à ponderação dos fundamentos finais e dos parâmetros ou das coordenadas de determinação da indemnização devida pela expropriação por utilidade pública.

                Um ponto que pode dar-se como líquido e seguro – e até como aparentemente aceite por todos os intervenientes no procedimento – é o relativo à lei aplicável no tocante à fixação da quantia indemnizatória devida pela expropriação.

                Essa lei é a vigente no momento da publicação do despacho declarativo da utilidade pública da expropriação, in casu, o Código das Expropriações aprovado pelo DL nº 168/99 de 18 de Setembro (CE de 1999)[2].

                E, na verdade, essa seria já a solução aplicável ao problema em face do princípio geral da aplicação das leis no tempo, mas essa é também a doutrina especialmente consagrada naquele mesmo Código[3], ao declarar que o montante da indemnização se calcula com referência à data da declaração de utilidade pública (artºs 12 do Código Civil e 24 nº 1 do CE).

                3.2. Nulidade da sentença impugnada.

                Como é comum, os expropriados imputam à sentença o vício grave da nulidade. De todas as causas possíveis de nulidade, assacam-lhe estas: a contradição intrínseca e a omissão de pronúncia (artº 668 nº 1 c) e d) do CPC).

Este valor negativo da decisão recorrida resulta, no ver daqueles recorrentes, por um lado, de, ao contrário do acórdão arbitral e da perícia, ter dado ao solo uma tipificação diferente, diferenciando os terrenos da parcela expropriada, e por outro, de não se ter pronunciado quando ao pedido de expropriação da parcela sobrante com a área de 50 m2.

A decisão judicial é nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória, isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem, logicamente, a uma conclusão oposta ou, pelo menos diferente daquela que consta da decisão (artº 669 nº 1 c) do CPC)[4]. Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial.

O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras[5]. O tribunal deve, por isso, examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tenha tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta dada a outras questões. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artº 668 nº 1 d), 1ª parte).

Não existe, porém, omissão de pronúncia, mas um error in iudicando, se o tribunal não aprecia um determinado pedido com o argumento de que ele não foi deduzido[6]: aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento – e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão.

É exacto que a sentença apelada, divergindo do acórdão dos árbitros e da perícia maioritária – que qualificaram todo solo da parcela como terreno de regadio – classificou o solo da parcela nº 7.1. como um tipo de solo de cereal e o da parcela nº 7.2. como solo de regadio e, fiel a esta diferença de categoria dos solos, atribui-lhes um valor diferente, menor, evidentemente, no caso do terreno da parcela nº 7.1.

Nestas condições, não há qualquer colisão, relativamente ao ponto considerado – o valor do solo da parcela expropriada - entre a decisão entre os fundamentos em que se apoia, dado que os fundamentos invocados pelo decisor da 1ª instância conduzem, logicamente, a um valor diferente de uma e outro dos respectivos terrenos e não um valor uniforme para a totalidade do solo da parcela expropriada.

 Não se verifica, portanto, na construção da sentença qualquer vício lógico que comprometa, irremediavelmente, a sua coerência interna.

É claro que a sentença impugnada pode ter-se equivocado, designadamente por erro na subsunção dos factos apurados na norma que julgou aplicável ao caso concreto, mas esse equívoco resolve-se nitidamente num error in iudicando e não num error in procedendo, como é, caracteristicamente, aquele que está na base da causa de nulidade substancial da sentença impugnada discutida.

                Por este lado não há motivo para apontar à decisão recorrida o valor negativo da nulidade.

                No requerimento de interposição do recurso, os expropriados pediram, realmente, a expropriação total das parcelas sobrantes – rectior – da totalidade do prédio.

                Posteriormente, porém, os expropriados, alegando um erro do seu mandatário quanto à falta de acesso à parcela sobrante com área de 1 080 m2, desistiram do pedido de expropriação total no tocante a essa parcela – mas reiteraram esse mesmo pedido no tocante à parcela com a área de 50 m2.

                Lê-se na sentença impugnada que os expropriados não requereram a expropriação das partes sobrantes, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 55 do C.E., e que inexistindo esse pedido de expropriação total apresentado pelos expropriados, os mesmos se conformaram com a expropriação parcial do seu terreno.

                Em face deste argumento, e pelas razões já apontadas, o caso não seria de omissão de pronúncia, e, portanto, de nulidade substancial da decisão recorrida – mas de erro de julgamento, já que a abstenção de conhecimento do pedido de alargamento da expropriação assentaria num claro erro: o de que aquele pedido não teria deduzido.

                No entanto, um exame mais detido deste problema mostra, de um aspecto, que não se verifica, sequer, um tal erro de julgamento e, de outro, que mesmo a verificar-se, esse erro não seria reparável no recurso.

                Um dos princípios gerais da expropriação é, seguramente, o da proporcionalidade (artº 2 do CE).

                Esse princípio da proporcionalidade desdobra-se, entre outros, no subprincípio da necessidade, que, por sua vez, comporta, entre outras, uma vertente territorial.

                A vertente territorial do princípio da necessidade vincula a que se o fim da expropriação puder ser atingido com a ablação de uma parte de um prédio, não deve ser expropriada a totalidade do mesmo, salvo se o proprietário dele requerer a expropriação total, faculdade que é nitidamente orientada para a protecção dos interesses do expropriado (artº 3 nº 2 do CE).

                Realmente, quando seja necessário expropriar apenas parte de um prédio, pode o expropriado requerer a expropriação total desse prédio ou simplesmente, a expropriação de uma parte dele não abrangida pela expropriação, se a parte restante ou uma parte dessa parte restante, não assegurar proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio ou por esta parte, ou se os cómodos assegurados pela parte restante – ou por uma parte desse remanescente – não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente (artº 3 nºs 2 e 3 do CE). O expropriante pode, porém, obstar ao alargamento da expropriação, se através de obras que se proponha realizar, na parte não expropriada do prédio, evitar a situação que fundamenta aquela pretensão do expropriado (artº 56 nº 1 do CE).

                O requerimento de expropriação total deve ser deduzido em prazo igual ao do recurso da decisão arbitral – 20 dias – contado também da notificação da decisão de adjudicação à expropriante da propriedade e, salvo se aquela já tiver tomado posse administrativa da parcela expropriada, da posse, e da decisão arbitral (artºs 51 nº 1 e 52 nº 1, ex-vi artº 55 nº 1 do CE). A entidade expropriante pode responder ao pedido de expropriação total em igual prazo (artº 55 nº 2 do CE)

                Nada obsta, todavia, que o requerimento de expropriação total seja formulado no requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral nem que a resposta do expropriante a esse pedido seja deduzida na resposta àquele mesmo recurso. O que, em todo o caso, é sempre exigível é que um tal pedido seja formulado no prazo peremptório assinado na lei, o que não sucede, se for deduzido no prazo da resposta ao recurso da expropriante da decisão arbitrar, dado que, nesse momento, é patente a extinção, por caducidade do direito correspondentes (artºs 144 nºs 1 e 2 e 145 nºs 1 e 3 do CPC).

                Discute-se se a dedução do pedido de expropriação do expropriado exige, como condição necessária, a impugnação simultânea, por via do recurso, do acórdão dos árbitros.

                A resposta que se tem por exacta, em face da autonomia e independência do pedido de expropriação total relativamente ao recurso da decisão arbitral e a diversa finalidade daquele pedido e deste recurso, é a de que o expropriado pode requerer a expropriação total, sem impugnar a decisão arbitral por via do recurso, ainda que os árbitros não tenham procedido à avaliação da parte do prédio não compreendida na declaração de utilidade pública da expropriação[7].

                No caso, os expropriados impugnaram a decisão arbitral por via do recurso e, no mesmo instrumento, deduziram o pedido de expropriação total, que, posteriormente, por desistência, restringiram à mais pequena das sub- parcelas sobrantes.

                Simplesmente, com fundamento no facto de os expropriados não haverem satisfeito a obrigação de pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso da decisão arbitral, o tribunal de que provém o recurso, ordenou, por despacho de 16 de Outubro de 2009, o desentranhamento do instrumento de alegação daquele recurso, que continha também o pedido de expropriação parcial.

                É discutível se o fundamento último em que assenta aquela decisão – a exigibilidade da taxa de justiça pela interposição do recurso da decisão arbitral – é exacto.

Realmente, no Código das Custas Judiciais, o processo de expropriação estava dispensado do pagamento de taxa de justiça inicial e subsequente, dispensa que se explicava pelo facto de as custas devidas pelo expropriado saírem o depósito da indemnização, sendo garantidas pela retenção, na atribuição da indemnização aos interessados, da quantia provável das custas do processo no caso de sucumbência do expropriado ou dos demais interessados no recurso (artºs 29 nº 3 e 66 nº 2 e 52 nº 3, in fine, do CE).

 Só com a superveniência do Regulamento das Custas Processuais (RCP) é que passou a ser exigível ao recorrente – e só a este – o pagamento de taxa de justiça pela interposição do recurso – exigência que, parece, traz implicada a revogação tácita do artº 52 nº 3, in fine, do CE, no tocante aos processos de expropriação iniciados em data posterior de 20 de Abril de 2009, data da entrada em vigor do RCP (artºs 12 nº 1 da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril e 27 nº 1 do DL nº 34/2008, de 26 de Fevereiro).

Todavia, a exigência do pagamento pelo recorrente da decisão da arbitral de taxa de justiça só é aplicável, por força da regra de aplicação da lei no tempo de que o RCP se fez acompanhar, aos processos de expropriação iniciados depois de 20 de Abril de 2009.
      O procedimento de expropriação decompõe-se em dois subprocedimentos: um de natureza administrativa, constituído por uma constelação de actos que gravitam em torno da declaração de utilidade pública e da decisão dos árbitros, e outro, de natureza judicial que compreende, fundamentalmente, os actos, das partes e do tribunal, relacionados com a controvérsia sobre o valor da indemnização, cuja competência, talvez com pouca justificação, uma tradição legislativa, atribuiu aos tribunais judiciais.

Não se trata de uma construção inspirada por qualquer ideia de repartição de poderes ou tarefas. O que está em causa é desenvolver, dentro dos parâmetros constitucionais, uma lógica de funções sensível aos interesses em jogo, à racionalidade e à eficácia.
      No pensamento da lei, a resolução do litígio entre o expropriante e os expropriados é procurada, em primeira instância, pela via da arbitragem. Do acórdão arbitral cabe sempre recurso, com efeito meramente devolutivo, para o tribunal do lugar da situação dos bens ou da sua maior extensão (artº 38 nºs 1 e 3 do CE).

A decisão dos árbitros constitui uma verdadeira decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário[8], e a sua impugnação, i.e., o pedido da sua reapreciação dirigido ao tribunal judicial constitui, verdadeiramente, um recurso.

                Decorre daqui que o processo de expropriação não se considera instaurado apenas no momento em que se abre a fase judicial – mas desde o primeiro acto processual praticado pela entidade beneficiária da expropriação na sequência da publicação da declaração da utilidade pública da expropriação.

                Nestas condições, este processo deve considerar-se pendente deste data muito anterior a 20 de Abril de 2009, constatação de que decorre a inexigibilidade do pagamento de taxa de justiça pela interposição do recurso e, correspondentemente, o desacerto do despacho que, supondo aquela exigibilidade, ordenou o desentranhamento do requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral dos expropriados no qual se continha, além da impugnação daquela decisão, o pedido de expropriação total do prédio daqueles.
Porém, os expropriados não impugnaram nem impugnam, por via do recurso ordinário, um tal despacho, sobre o qual se formou, por isso, caso julgado formal (artºs 672 nº e 677 do CPC).
Em face do desentranhamento daquele requerimento – e da força de caso julgado ainda que meramente formal entretanto adquirida pela decisão correspondente – a afirmação de que os expropriados não deduziram o pedido de expropriação total, contida na sentença impugnada, deve, pois, ter-se, por exacta.

                Por último, notar-se-á que a arguição da nulidade da sentença não toma em devida e boa conta o sistema a que, no tribunal ad quem, obedece o seu julgamento.

                O julgamento, no tribunal hierarquicamente superior, da nulidade obedece a um regime diferenciado conforme se trate de recurso de apelação ou de recurso de revista.

                Na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 do CPC).

                No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (artºs 715 nº 1 e 731 nº 1 do CPC).

                Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso.

                Exemplo desta última eventualidade é disponibilizado pelo recurso subsidiário. O vencedor pode, na sua alegação, invocar, a título subsidiário, a nulidade da decisão impugnada e requerer a apreciação desse vício no caso de o recurso do vencido ser julgado procedente (artº 684-A nº 2 do CPC). Neste caso, o tribunal ad quem só conhecerá da nulidade caso não deva confirmar a decisão, regime de que decorre a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, sem o julgamento daquela arguição.

                Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação. Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal ad quem possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar-se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (artº 137 do CPC).

                A arguição da nulidade da decisão – de resto, muitas vezes assente numa lamentável confusão entre aquele vício e o erro de julgamento – é uma ocorrência ordinária. A interiorização pelo recorrente da irrelevância, no tribunal ad quem, que julgue segundo o modelo de substituição, da nulidade da decisão impugnada, obstaria, decerto, à sistemática arguição do vício correspondente.

                3.3. Impugnação da decisão da matéria de facto.

                A Relação pode reapreciar a decisão da matéria de facto e, consequentemente, alterar e substituir a decisão correspondente da 1ª instância, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa que não possa ser contrariada por quaisquer outras provas (artº 712 nº 1 b) do CPC).

                Estará nessas condições, a admissão por acordo, o documento ou a declaração confessória que façam prova plena do facto não impugnado, documentado ou confessado que o decisor da 1ª instância tenha desconsiderado (artºs 490 nº 2 do CPC, 371 nº 1, 376 nº 1, 377, 352 e 358 nº 1 do Código Civil).       

                O uso pela Relação dos poderes do controlo sobre a decisão da matéria de facto do tribunal recorrido não oferece, neste caso, particular dificuldade, dado que o tribunal ad quem se encontra numa posição rigorosamente idêntica à do tribunal recorrido: a forma de obter a decisão deste e daquele tribunal é exactamente a mesma.

                A sentença impugnada declarou provado que a parcela sobrante a sul, com uma área de 1 080 m2, ficou sem acesso.

                No seu recurso, a expropriante sustenta, porém, com veemência, que é comprovadamente falsa a alegada falta de caminho e aponta, para demonstrar esse erro uma prova documental: as fotografias que juntou ao processo.

                A verdade é que, independentemente da prova documental indicada pela expropriante, a existência do acesso discutido se deve por provado – mas por outras razões. São elas: o acordo das partes e mesmo a confissão dos expropriados.

                As alegações do recurso para o tribunal da comarca da decisão arbitral visam motivar ou fundamentar o acto de interposição do recurso, bem como facultar o exercício do contraditório. Manifestada a vontade de recorrer, aquelas alegações constituem a peça processual em que o recorrente ou recorrentes enunciam as razões pelas quais, no ser ver, a decisão arbitral deve ser revogada ou anulada, e o recorrido ou recorridos invocam as razões que depõem em sentido contrário. Diferentemente do que sucede com as alegações do recurso ordinário de apelação, aquelas alegações constituem, nessa medida, o articulado em que se expõe a causa de pedir e o pedido.

                 No requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral, a expropriante logo alegou que aquela parcela ficou com acesso e na resposta a esse recurso, os expropriados não impugnaram tal alegação, antes a tiveram por exacta. Ergo, tal facto deve considerar-se admitido por acordo (artº 490, nº 2, 1ª parte, do CPC). Esta admissão dispensa a prova do facto, porque ele não se torna controvertido e, por isso, não integra o objecto da prova.

                Mas mesmo que esta admissão por acordo do facto discutido se não tivesse por exacta, ainda assim aquele facto se deveria ter por plenamente provado, por outra razão: a confissão dos expropriados.

A confissão consiste no reconhecimento pela parte da realidade de um facto que a desfavorece e que favorece a parte contrária (artº 352 do Código Civil).

                A confissão pode ser judicial ou extrajudicial, conforme seja feita no processo ou fora do processo respectivo, e espontânea ou provocada (artº 355 nºs 1, 2 e 4 e 356 nºs 1 e 2 do Código Civil

                A confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, de harmonia com a lei de processo, ou em qualquer acto de processo, praticado pessoalmente pela parte ou por procurador especialmente autorizado (artº 356 nº 1 do Código Civil).

Em regra, o procurador necessita de autorização para, em nome do representado, confessar eficazmente, pelo que as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração ad litem, não valem como confissão (artº 356 nº 1, in fine, do Código Civil).

                Deste regime exceptua-se, porém, a confissão, expressa ou tácita, feita nos articulados (artºs 356 nº 1, 1ª parte, 38, 490 e 567 nº 2 do CPC).

                O efeito probatório da confissão feita pelo mandatário com meros poderes representativos gerais explica-se por ela se supor inspirada pela parte ou feita em conformidade com as instruções e informações dela emanadas, correspondendo à faculdade de rectificação ou retirada da confissão à admissão de que o mandatário poderá ter compreendido ou apreendido mal as informações do seu constituinte[9].

                A confissão expressa de factos feita pelo mandatário nos articulados vincula a parte, ainda quando a parte contrária a não tenha aceitado especificadamente e só pode ser retirada ao menos até ao encerramento da discussão em 1ª instância[10].

                Essa confissão possui força probatória plena contra o confitente e, portanto, só pode ser ilidida pela prova do contrário do facto confessado (artºs 347 e 348 nº 1 do Código Civil).

No caso que nos ocupa, os expropriados foram claros, no requerimento em que declararam desistir de parte do pedido de expropriação total do prédio, em afirmar que, relativamente àquela parcela, ficou aberto acesso do lado do estaleiro municipal. Portanto, o facto da existência do acesso, sempre se deveria ter, por força da confissão dos expropriados, por plenamente provado.

 Devendo tal facto ter-se por provado, é irrelevante o julgamento do tribunal, colectivo ou singular, sobre esse facto, pelo que a contradição entre um facto assente e a resposta daquele tribunal é sempre resolvida, como se compreende, a favor daquele. É que, qualquer resposta do tribunal sobre factos que já estavam provados por confissão ou que devam considerar-se admitidos por acordo, se tem por inexistente (artº 646 nº 4, 2ª parte, do CPC).

Quanto a este ponto, o recurso da expropriante deve ter-se por procedente, devendo, modificar-se, correspondentemente, o julgamento daquele ponto de facto, julgando-se provado que a sub-parcela de terreno sobrante com a área de 1 080 m2 ficou com acesso.

                3.4. Fundamentos finais e parâmetros de determinação do valor da indemnização por expropriação por utilidade pública.

                A expropriação por utilidade pública consiste, na sua essência, na privação ou a ablação, por acto de autoridade pública e por motivo de utilidade pública, da propriedade de imóveis e dos direitos a ela inerentes.

                A natureza jurídica do acto expropriativo tem sido objecto de discussão: uma posição clássica, já ultrapassada, entendia a expropriação como uma venda forçada; correspondentemente assinalava-se à indemnização a natureza de um preço. Esta construção não dispõe, porém, de uma base dogmática estável: o contrato de compra e venda tem como signo distintivo a sua sujeição à autonomia privada. Na expropriação, contudo, falta, por definição, autonomia privada surpreendendo-se, inversamente, na relação jurídica correspondente, a sujeição do sujeito passivo ao sujeito activo, que se apresenta investido em poderes de autoridade, ius imperii.

                Domina, hoje, a concepção da expropriação como um instituto de direito público. Esta construção, todavia, não é unitária, comportando duas variantes: para uma a expropriação, não obstante a natureza pública do acto que lhe dá origem, implicaria uma transmissão do direito para a entidade expropriante, a título derivado - a expropriação não implicaria a extinção do direito mas a mera transferência dele da esfera jurídica do expropriado para a da expropriante; para outra, que deve de reputar-se de maioritária, a expropriação constitui um modo de extinção de direitos da titularidade do expropriado e a sua constituição, ex-novo, na esfera jurídica do ente expropriante[11].

                Em qualquer caso, a legitimidade da expropriação está sujeita a um conjunto de pressupostos ou princípios: o da legalidade, o da proporcionalidade ou da proibição de excesso e o da indemnização[12].

                A partir da natureza jurídica da expropriação pode estabelecer-se a natureza da indemnização e, bem assim, o seu fundamento.

                A Constituição e a lei ordinária garantem ao sujeito passivo da expropriação uma indemnização (artºs 62 da CRP, 1310 do Código Civil, 1 e 23 do nº 1 CE).

                Não se trata de um preço, ainda que em sentido não técnico, visto que a expropriação é insusceptível de ser concebida como uma venda forçada; não é igualmente uma indemnização proprio sensu, certo que não emerge de actos que, objectiva ou subjectivamente, constituam a entidade expropriante em responsabilidade civil (artº 483 nºs 1 e 2 do Código Civil)[13].

                A indemnização deriva ou funda-se no princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos: a indemnização tem por escopo colocar o cidadão que sofreu a ablação resultante do acto expropriativo em posição idêntica à dos demais cidadãos que, nas mesmas circunstâncias, não suportaram esse sacrifício patrimonial.

                A indemnização constitui uma compensação pelo prejuízo decorrente para o expropriado do acto de expropriação e visa, de harmonia com o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, colocar aquele em igualdade face aos outros cidadãos que, em situação homótropa, não sofreram a ablação da sua esfera jurídico-patrimonial derivada da expropriação[14].

                A indemnização, que não tem por finalidade compensar o benefício alcançado pelo expropriante, deve ser fixada com base no valor real dos bens expropriados, i.e., com base no seu valor venal ou de mercado - excluindo, obviamente, deste último conceito, qualquer valoração meramente especulativa (artº 23 nºs 1 e 5 do CE)[15].

                Dado o seu fundamento final, a indemnização deve, por imposição constitucional, ser justa (artº 62 nº 2 da Constituição da República Portuguesa). É verdade que, determinando a Constituição que a indemnização deve ser justa, não estabelece, ela mesma, qualquer critério indemnizatório – valor venal, valor de mercado, valor real, valor corrente – mas é evidente que a liberdade do legislador ordinário na conformação ou densificação do conceito de justa indemnização está sujeita aos limites externos representados pelos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou patentemente desproporcionadas em relação à perda do bem atingido pelo acto ablativo em que a expropriação se resolve[16].

Em contrapartida, o carácter justo da indemnização vincula-a ao princípio da equivalência de valores, recusando a fixação de indemnizações, assente em valores especulativos ou ficcionados[17]. A ideia de que o valor de mercado do bem surge como a bitola mais segura para densificar a ideia da justiça da indemnização deve, portanto, ser convenientemente entendida: os terrenos, na lógica do mercado, assumem por vezes, valores muito altos, especulativos, que, depois, provocam um aumento incomportável do preço da construção; sempre que o preço de mercado se mostre especulativo, a justa indemnização, por imperativo constitucional, deve ficar aquém. Trata-se de um ponto que deve ser retido, sobretudo tendo em conta a notória irracionalidade do nosso mercado imobiliário.

                A justa indemnização, em matéria de expropriação, visa apenas – insiste-se - ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação - e não compensar o benefício alcançado pelo expropriante[18]; a indemnização por expropriação deve garantir ao expropriado uma compensação plena da perda patrimonial suportada em termos de o colocar na posição de adquirir outro bem de igual valor. É claro que este critério – cunhado com o nome de teoria da substituição – funciona apenas em sentido figurado ou abstracto, já que o expropriado não pode ser indemnizado do conjunto de despesas reais e concretas que tiver que fazer para readquirir um bem do mesmo tipo ou qualidade daquele que se viu privado. Isto mesmo está implicitamente consagrado no actual CE (artº 23 nº 1) – tal como sucedia com o CE de 1991 (artº 22 nº 2) e era expressamente referido no CE de 1976 (artº 28 nº 1). Todavia, se a substituição do bem expropriado por outro de igual espécie e qualidade exige, num caso concreto, despesas acrescidas, que, naturalmente, não podem ser tidas em linha de conta no cálculo da indemnização, abstractamente, esta há-de, porém, permitir a aquisição de um bem de igual natureza e qualidade, sob pena de não corresponder ao valor real e corrente do bem expropriado[19].

                O critério geral da indemnização por expropriação é o do valor de mercado, também denominado valor venal, valor comum, valor de compra e venda ou valor real e corrente do bem expropriado, entendido, não em sentido estrito, mas em sentido normativo, i.e., o valor de mercado normal ou habitual, despido de elementos especulativos (artº 25 nº 3, 1ª parte, do CE).

                No cálculo da indemnização há que ponderar apenas dados lícitos. Se, por acto normativo ou por decisão da autoridade pública competente uma certa zona não for considerada área de construção, não se pode, em princípio, partir da situação oposta para calcular uma indemnização[20].

                A justiça da indemnização quanto ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado pressupõe a fixação do valor dos bens e dos direitos expropriados que tenha em conta, por exemplo, a natureza dos solos.

                 É assim compreensível que a lei distinga, com vista á determinação do valor do terreno expropriado, o caso de se tratar de solo apto para construção ou de solo apto para outros fins (artº 25 nº 1 a) e b) do CE).

                Considera-se apto para construção o solo que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir, o solo que, dispondo apenas de parte destas infra-estruturas, se integra num núcleo urbano, o solo que, de acordo com o instrumento de gestão territorial aplicável, está destinado a adquirir aquelas características e, por último, o solo, que no momento da declaração da utilidade pública da expropriação, disponha de alvará de loteamento ou de licença de construção (artº 25 nº 2 a) a d) do CE)[21].

                O solo que não se encontre em qualquer destas situações considera-se solo para outros fins (artº 25 nº 3 do CE).

                À semelhança do que ocorre no domínio do cálculo do valor do solo apto para construção, para o cálculo do solo apto para outros fins – que não a construção – o CE disponibiliza dois critérios referenciais diferentes e ainda a possibilidade de utilização de qualquer outro critério adequado para alcançar o valor de mercado do bem, no caso de os dois critérios definidos não se revelarem adequados para atingir aquele objectivo. O sistema consiste, portanto, num conjunto aberto de métodos de cálculo do valor do bem e não num método concreto de determinação desse valor, que contenha um critério de decisão para os árbitros, para os peritos e, em último caso, para o juiz.

                O primeiro critério referencial de cálculo do valor do solo apto para outros fins, que não a construção – que é denominado comummente como método comparativo - determina que este será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuados na mesma freguesia ou em freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco anos, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com as mesmas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumentos de planeamento territorial e à sua aptidão específica (artº 27 nº 1 do CE).

Para os efeitos da aplicação deste critério referencial, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação do expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores (artº 27 nº 2 do CE).

                Mesmo considerado em abstracto, a verdade é que este critério referencial – que assenta patentemente num método comparativo de preços - é, de um aspecto, totalmente inadequado para alcançar o valor de mercado – em sentido normativo – do bem expropriado e, por esse modo, uma indemnização que observe, do mesmo passo, os princípios da igualdade e da proporcionalidade, e, de outro, de aplicação e concretização difícil, o que explica, decerto, a raridade da sua aplicação[22].

                O valor patrimonial tributário dos prédios, determinado de harmonia com regras específicas, constitui simplesmente a base de incidência do imposto municipal sobre imóveis (IMI) (artºs 1, 12 e 14 e 15 nºs 1 e 2 do CIMI, aprovado pelo DL nº 287/03, de 12 de Nov.).

                A profunda desactualização das matrizes prediais, a par da inadequação do sistema de avaliações prediais, constituíam as principais causa da profunda injustiça do regime de tributação do património imobiliário, de carácter marcadamente estático, resultante do Código de Contribuição Autárquica, aprovado pelo DL nº 442-C/88, de 30 de Novembro e da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo DL nº 45 104, de 1 de Julho de 1963, revogados, o último na parte ainda vigente, pelo artº 31 nº 1 do DL nº 287/2003, de 12 de Novembro.

                A enorme valorização nominal dos imóveis, em especial dos prédios urbanos destinados a habitação e comércio e dos terrenos para construção, causados por sucessivos surtos inflacionistas, pela aceleração do crescimento económico, por ausência de uma política coerente, estruturada e sustentável de gestão dos solos e de ordenamento do território, conduziu a distorções e iniquidades, notoriamente incompatíveis com um sistema fiscal justo e moderno e, sobretudo, a uma sobretributação dos prédios novos ao lado de uma desajustada subtributação dos antigos.

                Seja como for, a verdade é que o valor patrimonial tributável, tanto por força da sua intencionalidade como por virtude das perversidades do funcionamento concreto do sistema fiscal continua ainda, em regra, a não corresponder ao valor real patrimonial dos prédios.

                Por outro lado, é do conhecimento geral – realidade que o legislador não pode ignorar – que os preços de aquisição de solos são substancialmente inferiores ao valor real e corrente – valor de mercado – devido à forte propensão dos adquirentes e dos alienantes para a evasão fiscal. É, realmente, notório que são declarados à administração fiscal e nas escrituras públicas, preços de aquisições de terrenos bastante inferiores aos reais, declarações que têm origem não apenas nos interesses dos adquirentes relacionados com a fuga ao pagamento do IMT devido, mas também nos interesses dos vendedores, ordenados para a diminuição fraudulenta do rendimento sujeito a IRS e a IRC.

                Apesar dos progressos trazidos neste domínio pelo CIMI, a realidade é que as avaliações fiscais dos terrenos fazem em regra, situar o respectivo valor abaixo do valor real, apontando-se, correntemente, para tal atitude esta justificação: o propósito de impedir que o IMI atinja um valor insuportável para a generalidade dos sujeitos passivos, como sucederia, certamente se a avaliação fiscal reflectisse o valor real dos solos.

                Este critério referencial tem ainda necessariamente implicada esta perversidade: a de fazer recair sobre o expropriado os efeitos da falta de seriedade e de rigor das declarações de preços apresentadas por terceiros. Seria compreensível e até aceitável que o proprietário expropriado fosse eventualmente vitimizado pelas suas próprias declarações para efeitos fiscais, ou pelos seus próprios actos; o que não é razoável nem justo é que aquele seja eventual vítima de declarações feitas por proprietários que tenham adquirido durante um certo período de tempo, na mesma freguesia ou freguesias limítrofes, terrenos com idênticas características.

                Note-se que o problema não está – ou não está essencialmente – na utilização do método comparativos de preços, mas na circunstância de a comparação se basear não em preços reais, mas em preços ficcionados, desadequados, por essa razão, para traduzirem o valor de mercado do terreno expropriado, e bem assim, no facto de a comparação de preços se construir como o critério referencial exclusivo de cálculo do valor do solo e não como um elemento ou um factor indiciário do valor desse bem, ao lado de outros elementos ou factores.

                Por todas estas razões, não falta quem sustente a inconstitucionalidade material da norma que contém este critério referencial, por violação do princípio constitucional da justa indemnização (artº 62 nº 2 da CRP)[23].             Para além das notórias dificuldades em compatibilizar este critério referencial com as valorações constitucionais, é ainda patente a dificuldade da sua aplicação.

                Para a sua concretização, este critério referencial reclama não apenas uma comparação de preços mas igualmente uma comparação dos bens. Efectivamente, o critério toma como comparador os preços das aquisições, ou das avaliações fiscais que os corrijam, de prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial. Esta exigência compreende-se por si: o valor de um bem só deve ser igual ao de outro se ambos os bens tiverem as mesmas características.

                Não é suficiente, portanto, que os prédios adquiridos ou avaliados sejam semelhantes ou tenham características similares às do prédio atingido pela expropriação: há-de tratar-se de prédios com iguais características. A existência de diferenças é da essência de realidades semelhantes: a diferença só não existe quando as realidades são iguais. Nestas condições, aqueles prédios devem ter não apenas características semelhantes – mas características idênticas.

                Nestas condições, a exacta aplicação do critério exige a demonstração pelos árbitros, pelos peritos e, por último, pelo juiz, de que os preços das aquisições ou valor das avaliações fiscais se referem a prédios com características idênticas àquele que constitui o objecto mediato da expropriação. O que não é de todo suficiente é simples homotropia da sua qualificação como solos aptos para outros fins. Decerto que há-de tratar-se de prédios com a mesma aptidão específica. Porém, para além disso, deve demonstrar-se – utilizando como critério aferidor os parâmetros fixados em instrumento de ordenamento ou de gestão do território - que tanto o prédio expropriado, como os prédios cujo preço de aquisição ou da avaliação é tomado como referente têm idênticas características, por exemplo, no tocante à natureza do solo e do subsolo, cobertura vegetal, condições de acesso, tipo de culturas possíveis, nível de rendimento, etc.

                Portanto, este critério referencial só pode ser actuado adequadamente se, tendo sido disponibilizado aos árbitros e aos peritos os elementos fiscais, estes forem completos, incluindo, v.g., a área, configuração e composição do terreno e se as avaliações fiscais forem, realmente, idóneas à correcção dos preços declarados nas transacções[24].

                O CE teve consciência das dificuldades de aplicação deste critério referencial – e, talvez, mesmo da sua impropriedade constitucional – e, por isso, teve o cuidado de definir um segundo critério referencial para o caso de não se revelar possível aplicar por falta de elementos aquele primeiro critério.

                O segundo critério referencial consiste no cálculo do valor do solo apto para outros fins - que não a construção – tendo em atenção os seus rendimentos, efectivo ou possível, no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo (artº 27 nº 3 do CE).

                Estes parâmetros de cálculo do valor do solo apto para outros fins, que não a construção, não suscitam qualquer reparo, dado que não se excluiu qualquer elemento ou factor determinante, do valor do solo daquela espécie, sobretudo porque ao utilizar a expressão outras circunstâncias objectivas susceptíveis de influir no respectivo cálculo, possibilita a consideração de todos os aspectos objectivos relevantes para o cômputo do quantum da indemnização.

 O que entre essas circunstâncias não se conta, por certo, é a potencialidade edificativa[25], dado que, por definição solo apto para outros fins é justamente aquele que não é apto para construção.

A jurisprudência constitucional tem considerado, numa leitura da norma da Constituição relativa à justa indemnização em conjugação com o princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, estar vedado ao legislador adoptar um critério de determinação do valor da indemnização por expropriação que conduza ou consinta a inclusão de elementos de valorização puramente especulativos ou anómalos, de tal modo que a expropriação seja factor de um locupletamento manifestamente injusto a favor do expropriado.

Para ser justa, segundo esta orientação, a indemnização por expropriação não deve criar a favor do expropriado uma situação mais vantajosa do que a dos proprietários não expropriados em idênticas circunstâncias – vertente externa do princípio da igualdade na relação de expropriação.

O problema tem-se colocado a propósito da avaliação como terrenos para construção de parcelas situadas em áreas a que os instrumentos de ordenamento do território não reconhecem potencialidade edificativa, designadamente, em área da Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou da Reserva Ecológica Nacional (REN).

A questão recebia da jurisprudência uma resposta desencontrada, considerando algumas decisões que a inclusão do prédio expropriado na RAN ou na REN não implica, necessariamente, a extinção da sua capacidade edificativa nem impede a sua classificação como solo apto para construção, calculando-se o valor pela aplicação analógica ou pela interpretação extensiva das normas relativas ao cálculo do solo apto para construção[26]. Outras, porém, sustentavam que os terrenos integrados naquelas áreas de reserva, não são susceptíveis, para efeitos de cálculo da indemnização, de ser classificados como solos aptos para construção[27].

O conflito jurisprudencial só foi removido e a unidade do direito quanto a este ponto só se foi estabelecida como o Acórdão Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2011 que firmou esta doutrina: Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como «solo apto para construção», nos termos do artº 25º, nº 1, alínea a) e 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo artº 1º da Lei 168/99, de 18 de Setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele nº 2.

 Todavia, o conflito permanece por resolver no plano da jurisprudência constitucional que se reparte por duas orientações opostas: a primeira pronuncia-se no sentido da inconstitucionalidade da interpretação que inclui na classificação de solo apto para construção e como tal indemniza um solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação (Acórdão n.º275/2004), e fazendo prevalecer o mesmo juízo de inconstitucionalidade mesmo quando tal solo detenha, como expressamente é reconhecido na fórmula decisória, aptidão edificativa segundo os elementos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do CE (Acórdãos nºs 417/2006 e 118/2007). No mesmo sentido, ainda que a propósito de norma diversa, se pronunciou o Acórdão n.º 398/2005, ao decidir “não julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, interpretada com o sentido de excluir da classificação de solo apto para a construção solos integrados na Reserva Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional”.

Uma segunda orientação, de sentido contrário, emanada da 2.ª Secção, expressa inicialmente no Acórdão n.º 114/2005, não julgou inconstitucional “a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, na medida em que permite a classificação do terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional como solo apto para construção (…)”. Essa orientação foi mantida no Acórdão n.º 469/2007, que julgou inconstitucional “a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, nºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objectivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como solo apto para construção, mas que foi integrado na Reserva Agrícola Nacional (RAN) por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os “solos para outros fins”, e não de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código”[28].

Na RAN são interditas acções que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização construção e ampliação (artº 21 nº 1 a) do DL nº 73/2009, de 31 de Março). Por seu lado, na REN são interditos os usos e as acções de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção e ampliação, vias de comunicação, escavações, aterros e destruição do revestimento vegetal (artº 20 nº 1 do DL nº 166/2008, de 22 de Agosto, regulamentado pela Portaria nº 1356/2008, de 28 de Novembro).

A conclusão a tirar é, portanto, a de que, enquanto não forem desafectados daquelas áreas de reserva, as parcelas de solo não são susceptíveis de classificação como solos aptos para construção[29].

Os critérios de indemnização devem assegurar a igualdade de tratamento perante os encargos públicos, quer no plano da relação interna da expropriação, em que se compara a situação dos expropriados entre si, quer no plano da relação externa, em que o termo de comparação é a situação dos não expropriados.

Não tendo o proprietário, por integração do terreno, expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado a construção, não poderá invocar o princípio da justa indemnização, de modo a ser calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos para ele legalmente inexistente e com a qual não podia contar[30].

Caso contrário, criar-se-ia uma desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional enriquecimento injustificado destes últimos. É que, enquanto os expropriados viriam a ser indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado, os outros, os proprietários de parcelas contíguas de terrenos, igualmente integrados na RAN e REN e delas não desafectados, se alienassem os seus prédios não obteriam senão o valor resultante da limitação ao ius aedificandi legalmente imposta. Se a parcela expropriada não permite legalmente a construção, não pode ser paga como o preço que teria se pude ser nela implantada uma construção: a indemnização deve ser justa, tanto do ponto de vista do interesse do particular como do ponto de vista da realização do interesse público.

Aliás, a aplicação de um critério referencial que conduza à determinação de uma indemnização que exceda o valor de mercado do bem expropriado e que distorça, para mais, a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar como contrapartida dela é que mereceria um pronto juízo de ilegitimidade constitucional, por conflituar com o princípio da justa indemnização.

                A indemnização justa deve consistir numa indemnização integral ou numa compensação total do dano infligido ao titular do direito real de propriedade sobre o prédio expropriado. Uma compensação com tal conteúdo é imposta por uma das facetas do princípio estruturante da igualdade: o dever de contribuir para o bem público, de harmonia com o qual todos devem fazê-lo na medida da sua capacidade. Que tal princípio seria gravemente perturbado pela expropriação que atingisse selectivamente as pessoas, sem consideração do seu património global, é coisa que se compreende por si. A indemnização visa, portanto, restabelecer a igualdade perdida, colocando o expropriado na precisa situação em que se encontram os seus concidadãos que, tendo bens idênticos, não foram atingidos por esse acto ablativo.

                Como qualquer outra, a indemnização por razões de expropriação por utilidade pública, surge sempre referida a um dano.       Em face do conjunto de critérios que a lei disponibiliza para o cálculo ou determinação da justa indemnização, é possível a utilização da dicotomia – oriunda de outra ordem jurídica – que separa os danos de substância e os danos consequentes ou subsequentes. Seja qual for a espécie de dano considerada, a ideia matricial é a mesma; a indemnização vida restabelecer a igualdade violada, através da remoção do sacrifício imposto ao expropriado.

                A indemnização pela expropriação compreende, duas espécies de danos: os danos resultantes da perda da substância do objecto expropriado, que corresponde ou deve corresponder ao valor de mercado, normativamente entendido; os derivados, directa e necessariamente, da expropriação.

                Os danos de substância recortam-se com facilidade: são os que se traduzem na supressão do bem atingido pela expropriação; os danos consequentes, de mais difícil delimitação, têm a ver com outras desvantagens patrimoniais que o expropriado venha a sofrer por causa da expropriação.

                Ao lado da indemnização pelo valor da substância, são também indemnizáveis os prejuízos patrimoniais sucessivos – e já não, também, por exemplo o dano de apego, de estima ou de afeição – que o expropriado tiver suportado como consequência directa e necessária da expropriação. É o que ocorre, justamente, com os danos resultantes da chamada expropriação parcial (artº 29 nº 2 do CE).

                Assim, no cálculo do valor da expropriação parcial, deve computar-se a depreciação resultante, para a parte remanescente do prédio, ou os prejuízos ou encargos resultantes da sua fragmentação, que se somam ao valor da parte expropriada (artº 29 nºs 1 e 2 do CE)

                A indemnização desempenha uma função de compensação, que radica no princípio da igualdade dos encargos, compensação que deve ser integral ou total.

                Mas essa indemnização não se confunde com a indemnização por facto ilícito ou pelo risco e, portanto, o expropriado não pode exigir ser colocado na situação em que estaria se a expropriação não tivesse tido lugar. Mas mais do que isso, deste princípio, extrai-se, sem dificuldade, este outro: o de que a indemnização compreende todo o valor – mas apenas o valor – da substância no momento da intervenção, rectior, no momento da declaração da utilidade pública da expropriação, não sendo de tomar em conta, por exemplo, os aumentos de valor que se venham a verificar no futuro (artº 24 nº 1, 1ª parte, do CE).

                No cálculo da indemnização deve atender-se, com a reserva indicada, aos preços efectivamente praticados no mercado. Todavia, a indicação, por excelência, mais significativa neste domínio não é o preço por que foram adquiridos outros prédios por terceiros ou pelo expropriado – mas o próprio preço que o expropriado tenha pago pelo bem objecto da expropriação. O que deve relevar para a determinação da justa indemnização devida ao expropriado é o conhecimento do preço por que ele adquiriu a coisa expropriada, principalmente se a aquisição se tiver dado em momento não muito distante da data da expropriação. Esse preço, com as necessárias actualizações, será justo, tanto objectiva como subjectivamente.

                De resto, o conhecimento do preço que terceiros ou o próprio expropriado pagou pela aquisição de um prédio localizado nas proximidades do expropriado só relevaria, enquanto factor de determinação do valor da justa indemnização, demonstrando-se que aquele prédio se encontra numa situação perfeitamente homótropa relativamente ao prédio expropriado – v.g., do ponto de vista da sua potencialidade edificativa - caso em que, mostrando-se aquele preço mais elevado do que o valor da indemnização fixado pela expropriação, seria lícito concluir por um tratamento desigual do expropriado relativamente aos demais cidadãos não expropriados, e, por essa via, pela injustiça daquela indemnização.

                É nítido que a lei, a propósito da justa indemnização, ao referir-se ao valor real e corrente do bem expropriados, tem em vista os chamados danos de substância (artº 23 nº 1 do CE).

                A referência a danos consequentes, da última espécie apontada, surge a propósito da interrupção da actividade comercial, industrial, liberal ou agrícola (artºs 30 nº 4 e 31 do CE). Nestes preceitos, a lei admite, quanto ao ressarcimento dos danos provocados pela interrupção da actividade, um cálculo efectuado nos termos gerais de direito. Estes termos gerais de direito a que o legislador manda atender, são os dos Direito Comum, designadamente, os que decorrem do Código Civil, sede genérica da obrigação de indemnização, aplicável, como é sabido, tanto à responsabilidade por facto ilícitos e pelo risco, como à responsabilidade por actos lícitos (artº 562 e ss.). Face a esta generalidade e por estar plenamente abrangida pela letra e pelo espírito da lei, quanto ao dano consequente resultante da interrupção de qualquer daquelas actividades, há que contar com a indemnização correspondente aos lucros cessantes e à perda de clientela.

                Mas só quanto a este aspecto particular é que a nossa lei concretiza um modelo de indemnização alargada.

                À parte este caso, o valor da indemnização não deve procurar reconstituir, na esfera do sujeito, a situação que existiria se não se tivesse verificado o acto expropriativo, numa aplicação, pura e simples, das regras de responsabilidade civil. Deve, isso sim, colocar, objectivamente, em igualdade com os demais concidadãos, o que impõe a prevalência da objectividade da determinação do valor dos bens expropriados, sem exclusão de nenhum factor. Isto exprime, de resto, uma das principais diferenças, entre a responsabilidade civil ressarcitória e a indemnização por expropriação: a que nesta, ao contrário da primeira, não se têm em conta todos os factores de valorização. Esta diferença explica-se pela consideração da utilidade pública ou do bem comum que se pretende realizar com a expropriação e que, inevitavelmente, se projectam na determinação da indemnização.

                De todas as considerações expostas fácil é deduzir três ideias.

A primeira é esta: na ausência de previsão específica que aponte em sentido diverso – a indemnização correspondente à expropriação por utilidade pública, partindo embora (tendo por base) do valor real dos bens expropriados, visa apenas ressarcir o prejuízo por ele sofrido, o chamado dano emergente em língua própria do instituto da responsabilidade civil, e não cobrir também o denominado lucro cessante. A indemnização tem, na verdade, por único escopo, a reparação do dano emergente, i.e., o que resulta da frustração de uma vantagem já existente e não o lucro cessante – aquele que advém da não concretização duma vantagem que, doutra forma, operaria (artº 23 nº 1, 1ª parte, do CE)[31].

                Esta ideia liga-se, indissoluvelmente, com esta outra que a lei também irrecusavelmente impõe: a de que o momento relevante para a determinação do dano a cuja reparação se dirige a indemnização é o da declaração da utilidade pública do acto expropriativo: os interesses atingidos pelo dano são – só – aqueles que se verificam no momento da declaração da utilidade pública da expropriação e não aqueles que se verifiquem em momento ulterior (artº 23 nº 1, 2ª parte, e 24 nº 1 do CE).

                A última ideia que pode extrair-se da exposição anterior, é a de que apenas há que ponderar, por referência àquele momento, dados estritamente objectivos e não puramente subjectivos, quer estes relevem da esfera do expropriante ou da esfera do expropriado: para o cálculo do dano reparável pela indemnização, declara terminantemente a lei, apenas há que atender às circunstâncias e condições de facto existentes naquela data (artº 23 nº 1, in fine, do CE).

                Dada a sua particular relevância e a sua vinculação ao princípio estruturante da igualdade, os critérios de determinação da indemnização devida pela expropriação obedecem a um princípio da legalidade: apenas são admissíveis, como regra, os critérios dispostos na lei para essa finalidade. Só assim não será se por aplicação daqueles critérios a indemnização ficar aquém do valor real e corrente dos bens, numa situação normal de mercado: caso isso suceda, admite-se que o tribunal, a requerimento ou mesmo oficiosamente, atenda, para obter aquele valor, a parâmetros diferenciados (artº 23 nº 5 do CE).

                Uma das dúvidas mais suscitadas na vigência do CE de 1976 foi a do momento a que deveria reportar-se o cálculo da indemnização. Este cálculo foi reportado aos mais diversos momentos: ao da arbitragem, ao da posse administrativa, ao da avaliação e ao da sentença[32].

                A ideia de justa indemnização comporta, como dimensão importante, uma ideia tendencial de contemporaneidade: embora não se exija o pagamento prévio não deve admitir-se qualquer discricionariedade quanto ao adiamento do pagamento da indemnização.

                A indemnização, dado o seu escopo, deve corresponder, na medida do possível, ao valor real actual dos bens expropriados e, por isso, o seu cálculo deve operar por referência ao momento em que o expropriado a vai receber. Importa, por isso, atender ao momento mais recente possível.

                A indemnização por expropriação constitui uma dívida e valor. Está, por isso, subtraída ao princípio do nominalismo monetário: o valor da indemnização deve, assim, ser submetido a correcção monetária.

                À semelhança do Código das Expropriações de 1991, o Código das Expropriações vigente contém uma solução expressa do problema: o valor da indemnização calcula-se por referência à data da declaração da utilidade pública da expropriação, sendo actualizada à data da decisão final do processo, de harmonia com o índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação (artº 24 nº 1)[33].
      Tendo a conta a estatuição terminante da lei no tocante á actualização da indemnização devida pela expropriação, a esta não é aplicável o Assento do Supremo – hoje com a autoridade diminuída de simples acórdão para uniformização de jurisprudência[34] - que consagra a doutrina segundo a qual o tribunal não pode, nos termos do artº 661 nº 1 do CPC, quando condenar em dívida de valor, proceder, oficiosamente, à sua actualização em montante superior ao valor do pedido (DR I Série, de 25.11.96). Mas há que ponderar a doutrina estabelecida no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 7/2001, de 12.07.01, do STJ – publicado no DR I Série, A, de 25 de Outubro de 2001 - de harmonia com a qual em processo de expropriação por utilidade pública, havendo recurso da arbitragem e não tendo esta procedido à actualização do valor inicial, o valor fixado na decisão final é actualizado até à notificação do despacho que autoriza o levantamento de uma parcela do depósito. Daí em diante, a actualização incidirá sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado; tendo havido actualização na arbitragem, só há lugar a actualização desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até á decisão final, sobre a diferença entre o valor fixado na decisão final e o valor cujo levantamento foi autorizado.
      Este viaticum habilita-nos a resolver os problemas colocados nos recursos.
      3.3. Concretização.
      3.3.1. Recurso dos expropriados.
      Um ponto em que os árbitros e os peritos são acordes é na qualificação do solo da parcela expropriada como solo aptos a outros fins – que não a construção. Desde que realmente, de harmonia com o instrumento de planeamento e de ordenamento do território aplicável – o Plano Director Municipal de Seia, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 112/97, publicada no DR I Série – B, nº 169 de 24 de Julho de 1997 – a parcela expropriada se integrava, à data da declaração da utilidade pública da expropriação, na RAN e na REN, a única qualificação admissível dela é, realmente, a de solo apto para outros fins.
De outro aspecto, tanto o acórdão arbitral todos os peritos utilizaram, para o cálculo do seu valor, não o critério referencial da comparação de preços – mas o segundo dos critérios referenciais, denominado método analítico (artº 27 nº 3 do CE). O mesmo sucedeu, aliás, com a sentença impugnada.
      De resto, qualquer destes pontos se deve ter por res judicata.
      Como já se notou a decisão dos árbitros constitui uma verdadeira decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário, e a sua impugnação, i.e., o pedido da sua reapreciação dirigido ao tribunal judicial constitui, verdadeiramente, um recurso.
      Em boa e sã doutrina, não se deve, na verdade, confundir o perito com o árbitro: o primeiro capta e dá parecer sobre factos observados; o segundo profere verdadeiro julgamento sobre matéria de facto ou de facto e de direito. O árbitro julga; o perito é simplesmente um meio de aquisição da prova.

Sempre que a lei imponha o julgamento por árbitros, a arbitragem é necessária. E é precisamente isso que ocorre no processo de expropriação (artºs 38 nºs 1, 1ª parte, e 3, e 49 nºs 1 a 3 do CE).

                O acórdão dos árbitros, no processo de expropriação, constitui, na verdade, materialmente, uma verdadeira decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário[35].

Como este tribunal arbitral necessário não tem alçada, a decisão correspondente é sempre impugnável através de recurso para o tribunal judicial comum, da circunscrição territorial em que se localizam os bens expropriados ou da sua maior extensão (artº 38 nºs 1, 2ª parte, e 3 do CE). A interposição desse recurso produz sempre um efeito extraprocessual devolutivo, e, portanto, não obsta à exequibilidade da decisão arbitral recorrida (artº 38 nº 3 e 52 nºs 3 a 5 do CE).

                Se a decisão arbitral for desfavorável a ambas as partes – o expropriante e o expropriado – cada uma delas tem legitimidade para recorrer. Todavia, esse recurso tanto pode ser independente como subordinado (artº 52 nº 1 do CE).

                O recurso da decisão arbitral é, do ponto da sua finalidade, um recurso global, dado que a competência decisória do tribunal judicial para que é interposto abrange tanto a matéria de facto como a matéria de direito, e um recurso de substituição, dado que àquele tribunal é concedido, não apenas o poder de revogar a decisão arbitral recorrida mas também o de a substituir por uma outra.

                Se nenhuma das partes interpuser recurso do acórdão arbitral, a decisão deste tribunal colectivo, transita em julgado, limitando-se o juiz a atribuir aos interessados a indemnização devida pelo acto expropriativo fixada no acórdão (artº 52 nº 2 do CE)

                Funcionando os árbitros não como peritos, mas como julgadores, o seu acórdão constitui um verdadeiro julgamento ou decisão, e, por isso, pode – caso não seja objecto de impugnação adequada – adquirir, no todo ou em parte, o valor de caso julgado, tornando indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal arbitral, ou seja, o conteúdo da decisão desse órgão jurisdicional[36].         

                O âmbito do recurso da decisão arbitral delimita-se, objectivamente, pela parte do acórdão dos árbitros que for desfavorável ao recorrente (artº 684 nº 2, 2ª parte, do CPC). O objecto do recurso do acórdão arbitral não é, assim, a totalidade da decisão – mas somente o que nela for desfavorável ao recorrente, podendo ainda ser limitado pelo próprio recorrente que, quando o acórdão contenha decisões distintas sobre vários objectos, pode restringir o recurso a qualquer deles (artº 684 nº 2, 1ª parte, do CPC). Essa restrição pode ser realizada logo no requerimento de interposição desse recurso (artº 58 do CE).

                Da vinculação do tribunal do tribunal judicial à impugnação deduzida pelo recorrente, seja ele o expropriado ou o expropriante, contra o acórdão arbitral, decorre a proibição da reformatio in mellius e in peius: aquele tribunal não pode conceder ao recorrente mais do que ele pede no recurso interposto; a decisão daquele tribunal não pode ser mais desfavorável ao recorrente do que a decisão arbitral impugnada (artº 684 nº 4 do CPC)[37].

                A violação das proibições da reformatio in mellius e in peius, pressupõe que o tribunal de recurso – no caso, o tribunal judicial de comarca – conhece de matéria que não podia apreciar, porque excede o âmbito da sua competência decisória. Nestas condições, a sentença proferida sobre o recurso da decisão arbitral que não observe aquelas proibições é nula por excesso de pronúncia (artºs 668 nº 1 d) 2ª parte, e 716 nº 1 do CPC).

                Relativamente aos limites objectivos do caso julgado da decisão arbitral, valem os que, em geral, se assinalam à decisão judicial. Dito doutro modo: o âmbito objectivo do caso julgado, i.e., a determinação do quantum da matéria que foi apreciada que recebe o valor e a indiscutibilidade do caso, obedece, no tocante à decisão arbitral e à decisão judicial, aos mesmos princípios.

                Assim, o caso julgado da decisão arbitral cobre apenas a parte decisória do acórdão correspondente, i.e., a conclusão extraída dos seus fundamentos (artºs 659 nº 2, in fine, e 713 nº 2 do CPC).

                Todavia, como a decisão é necessariamente a conclusão de certos pressupostos – de facto e de direito – o respectivo caso julgado é sempre referenciado a certos fundamentos, de modo que quando se afirma que a decisão está abrangida pelo caso julgado, daí não decorre que ela valha, com esse valor, por si mesma, independentemente dos respectivos fundamentos[38].

                Como regra, os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, e, portanto, não possuem, em si mesmos esse valor. Isto não é assim, porém, sempre que as questões apreciadas constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença ou do acórdão. Nesta eventualidade, aquelas questões estão abrangidas pelo caso julgado[39].

                Em absoluto remate: o acórdão arbitral adquire a força de caso julgado no tocante a todas as questões que nele tenham sido decididas desfavoravelmente para a parte que dele não recorreu ou que a parte recorrente não tenha impugnado adequadamente[40].
No caso, como se ordenou o desentranhamento do requerimento de interposição do recurso apresentados pelos expropriados, deve entender-se que o acórdão dos árbitros só pela expropriante foi impugnado. E como a expropriante não impugnou nem a classificação do solo da parcela de terreno expropriada nem o critério referencial utilizado pelos árbitros para calcular o seu valor, qualquer destas questões se devem ter por res judicata.
O mesmo sucede, aliás, com a percentagem 75% da desvalorização da sub-parcela sobrante com a área de 50 m2 – a que a expropriante declarou nada ter a opor – e com o valor de € 3 500,00 das benfeitorias, que aquela parte declarou aceitar.
De resto, o único perito – o designado pela expropriante - que ponderou a aplicabilidade do critério referencial do método comparativo de preços, logo o abandonou, por esta razão bem fundada: o da falta de representatividade do comparador ou da amostra que se resumia – a duas transacções.
Os árbitros e os peritos subscritores do relatório pericial maioritário foram também acordes em qualificar toda a parcela de terreno expropriada como terreno de cultivo arvense de regadio. A esta qualificação não foi, decerto, alheio o facto de que depende: a existência na parcela expropriada de recursos hídricos e de uma estrutura destinada ao seu aproveitamento.
Todavia, a sentença impugnada dissentiu desta qualificação, diferenciando nela, uma parte como terreno de regadio e outra como tipo de solo cereal. A razão dessa diferenciação radica – de harmonia com a sentença recorrida - no facto de no momento em que foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam, apenas uma parte da parcela de terreno expropriada se encontrar cultivada com milho, estando a outra parte dela, inculta, mas destinada a cultura de centeio e ao pastoreio.
Mas esta razão não deve ter-se por procedente.
A ideia matriz do critério referencial de cálculo do valor do solo aplicável – o rendimento efectivo ou possível à data da declaração da utilidade pública da expropriação – é de considerar aquilo que o prédio produzia naquela data, ou que nessa mesma data – e não, por exemplo, no momento da realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam - seria susceptível de produzir, do que resulta o condicionamento do cálculo do seu valor, além do mais, pela especificidade do seu destino. No caso de o solo não estar a ser utilizado, deve atender-se, para o fundamental efeito de determinação do quantum indemnizatório, ao que o terreno poderia produzir nas melhores condições de aproveitamento à data da declaração da utilidade pública.
Pelo facto de, no momento – que, aliás, não é o atendível - da realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam parte do terreno se encontrar inculta e outra se encontrar cultivada, não decorre, necessariamente, uma diferente destinação do solo.
Como a cultura do milho é uma cultura sazonal de primavera/verão, se a vistoria ad perpetuam rei memoriam tivesse sido realizada, não no mês de Julho, mas nos meses de inverno, e o terreno estivesse todo inculto ou ser utilizado para pasto, deveria concluir-se que seria essa a sua única destinação possível? Claro que não. E depois, o milho não é, afinal, senão um cereal?
A fundamental homotropia do solo da parcela – solo de natureza saibrosa resultante da decomposição de granito de textura franca numa das zonas e mais grossa noutra, com um índice de profundidade fertilidade boa e média, respectivamente – inculca a essencial homogeneidade do seu destino e a sua aptidão para culturas arvenses de regadio e – como notou o laudo maioritário – a utilização de uma rotação de culturas: milho, no período da primavera/verão; pastos, no período do inverno. O carácter temporário de qualquer destas culturas permite, efectivamente, a sua rotação e, através dela, um aproveitamento melhor e mais intensivo do solo.
Para o facto de uma parte parcela de terreno se encontrar inculta no momento da realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, é dada pelo perito que a realizou esta explicação razoável: a previsível expropriação.
De resto, vistas as coisas de perto, mesmo o perito nomeado pela expropriante, autor do relatório da perícia minoritário, não dissente da classificação do solo como terreno de cultura de regadio. È o que decorre do passo em que refere explicitamente, ao proceder ao cálculo do valor da parte parcela não ocupada com a cultura de milho, “o valor unitário do solo de regadio é assim de 1,26€/m2 (…)”.

Uma jurisprudência reiterada vem sustentando que, no caso de divergência dos laudos dos diversos peritos, o tribunal deve dar preferência ao laudo dos peritos que designou, por darem maior garantia de imparcialidade e de independência[41].

A fixação da indemnização devida aos expropriados no processo de expropriação por utilidade pública, não obstante o largo apelo feito à colaboração dos peritos, por via de regra técnicos de engenharia, na instrução da acção, é essencialmente uma operação jurídica, que culmina numa decisão arbitral, sujeita ao controlo, por via de recurso, por uma decisão formal e materialmente judicial, não menos complexa que qualquer outra. Só a uma tal decisão se deve reconhecer a eficácia definitiva de composição da acção; a avaliação um simples meio de prova, cujo valor pode ser contrariado e prejudicado por outra prova, da mesma ou de diversa natureza. Não é possível no plano da averiguação dos factos, resolver questões de direito: o regime normativo é tarefa interpretativa, não podendo ser solucionado por um agente da prova.

                A verdade é, portanto, que os peritos não ficam propriamente investidos em funções jurisdicionais – sendo simples, embora directos, auxiliares do juiz. O primeiro dever do juiz ao proferir sentença é o de fundamentar a decisão. E para obrigar o juiz a reflectir pessoalmente sobre cada um das razões apresentadas pelas partes, robustecendo a força de persuasão e de pacificação social dos julgados, a lei não hesita em condenar a mera adesão do juiz, como fundamentação da sentença, aos fundamentos alegados, seja no requerimento seja na oposição (artº 158 nº 2 do CPC).

E o que, naquela disposição se prescreve em relação às alegações dos advogados poderá, por igual razão, ou talvez por maioria de razão ser entendido em relação aos fundamentos da perícia. Embora os laudos dos peritos recaiam, as mais das vezes, sobre matérias que escapam ao conhecimento comuns das pessoas e ao conhecimento especializado do juiz, certo é que o juiz, não vinculado aos laudos dos peritos, é sempre o perito dos peritos[42]. Ainda que o laudo dos peritos seja unânime, não e aceitável uma adesão mecânica ao relatório pericial: a sindicância jurisdicional é fundamental para legitimar todo o processo e, claro, a decisão final.
Todavia, no caso, um exame detido do laudo maioritário, tirado pelos peritos designados pelo tribunal e pelo nomeado pelos expropriados, mostra, no tocante ao ponto discutido, a sua adequação substancial e a conformidade das suas valorações com os parâmetros ou com as coordenadas dispostas na lei para determinar o valor da indemnização devida pela expropriação. A adesão a esse laudo sempre se deveria ter por inteiramente justificada.
Quanto a este aspecto, há que reconhecer razão aos expropriados: a parcela de terreno deve ser objecto – como concluiu o acórdão arbitral - de uma classificação única como solo de regadio e o seu valor deve ser unitário, tendo em conta, designadamente, a destinação objectiva da parcela, a sua localização e configuração, e o seu rendimento, efectivo e possível.
O recurso dos expropriados deve, pois, neste ponto, proceder.
3.3.2. Recurso da expropriante.
A discordância da expropriante relativamente à decisão recorrida resume-se a estes dois concretos pontos: a valorização de 30% atribuída à parcela de terreno expropriada; a desvalorização da sub-parcela sobrante com a área de 1 080 m2.
Tanto o acórdão dos árbitros como o relatório pericial maioritário foram acordes na valorização em 30% da parcela expropriada. Os árbitros fundamentaram essa valorização nas construções envolventes da parcela; por sua vez, os peritos subscritores do laudo maioritário basearam aquele acréscimo de valor na inserção da parcela na área urbana da cidade de Seia, no seu perfil plano da sua topografia, que facilita a mecanização, na proximidade das vias de comunicação e na sua integração numa zona de grande implantação de unidades industrias e comerciais, localizadas a curta distância do centro daquela cidade.
Já se sublinhou que, ao contrário do que supõe a alegação da expropriante, o critério referencial de que nos devemos socorrer – e de que tanto os árbitros, como todos os peritos e, bem assim, a sentença apelada se socorreram, não é método comparativo de preços – mas o método analítico.
Também se fez notar já que, por aplicação deste critério referencial, para o cálculo do solo apto para outros fins – que não a construção – não existe uma tipicidade de factores atendíveis, sendo, por isso, possível a consideração, em cada caso concreto, de todos e quaisquer elementos objectivos que sejam relevantes para aquele cálculo (artº 27 nº 1 do CE).
Um terreno com uma topografia que impossibilite ou dificulte a utilização, na sua exploração, de máquinas e que se localize longe de áreas de vias de comunicação de infra-estruturas industriais e comerciais deve ter um tratamento diferente e menos benigno do que um terreno em que concorram as características inversas.
Assim, parece justo e equilibrado que a concorrência, no caso, dos elementos objectivos apontados, seja considerada como factor de valorização do terreno, justificativo do acréscimo correspondente do valor final da indemnização. Valorização que, até força da homogeneidade valorativa, do acórdão arbitral e do relatório maioritário dos peritos, se julga adequado fixar na percentagem indicada por aquele acórdão e por este laudo.
Portanto, o valor da parcela expropriada deve, por isso, ser aquele que foi encontrado no laudo pericial maioritário: € 24 455,00.
O acórdão dos árbitros, o laudo maioritário e a sentença impugnada consideraram, nemine discrepanti, que a fragmentação do prédio, por força do carácter parcial do acto expropriativo, importava para a sub-parcela sobrante com a área de 1 080 m2 uma desvalorização, quantificada pela decisão arbitral em 75% e pelos peritos maioritários e pela sentença recorrida em 70%.
O que calou fundo no espírito da decisão arbitral, do laudo daqueles peritos e da sentença apelada para justificar aquela desvalorização foi isto: o facto de aquela sub-parcela sobrante ter ficado sem acesso.
Todavia, sabemos já que um tal facto não corresponde à realidade: aquela parcela remanescente, apesar da divisão do prédio, manteve a acessibilidade.
Nestas condições, não há qualquer motivo para concluir pela sua desvalorização e, portanto, por falta do dano correspondente, para a atribuição, a esse título, de qualquer indemnização.
Todas as contas feitas, a indemnização devida, pela expropriante, aos expropriados deve, portanto, se fixada em € 28 091,88, correspondente à soma aritmética das seguintes parcelas: € 24 455,00, relativos ao valor do terreno expropriado, € 3 500,00 referentes às benfeitorias e € 136,88, resultante da desvalorização, em 75%, da sub-parcela sobrante com a área de 50 m2.

                Um tal valor, devidamente actualizado, representa, no caso, a justa indemnização.

                Cada um dos recursos deve, portanto, proceder – mas apenas parcialmente.

O núcleo da argumentação expendida para justificar esta decisão de improcedência parcial de ambos os recursos pode sintetizar-se nestas proposições conclusivas: a contradição entre um facto que deva considerar-se e a resposta do tribunal sobre esse mesmo é sempre resolvida a favor daquele; o critério referencial, para determinação do valor do solo apto para outros fins que não a construção, da comparação de preços, só é aplicável demonstrando-se que os valores das transacções e das avaliações fiscais, utilizados como comparador, tiveram por objecto prédios com características idênticas ao prédio expropriado; os elementos atendíveis para determinar o valor do solo apto para outros fins são os existentes na data da declaração da utilidade pública da expropriação; não existe qualquer tipicidade dos elementos atendíveis nesse cálculo, mas deve ter-se por excluído qualquer elemento referido à capacidade edificativa do solo; o acórdão dos árbitros constitui uma verdadeira decisão judicial e adquire, em tudo aquilo que não for impugnado, o valor do caso julgado;  deve considerar-se solo apto para a cultura arvense de regadio o solo que dispunha de recursos hídricos e de estruturas de aproveitamento desses recursos; se a desvalorização da parcela sobrante, fixada pelos árbitros e por alguns dos peritos, assentava na sua falta de acesso, mas se provar, no âmbito do recurso, a existência desse acesso, não há lugar, a esse título, por falta de dano, a qualquer indemnização.

Ambos os recorrentes sucumbem, ainda que só parcialmente, nos respectivos recursos. Deverão, por força dessa sucumbência, e na exacta medida dela, suportar as custas correspondentes (artº 446 nºs 1 e 2 do CPC).

                4. Decisão.

                Pelos fundamentos expostos, julgam-se parcialmente procedentes os recursos dos expropriados, F…, M…, J… e C…, e da expropriante, Estradas de Portugal SA, e consequentemente:

a) Fixa-se a indemnização devida pela última aos primeiros, pela expropriação, em € 28 091,88, e revoga-se, correspondentemente, a sentença apelada;

                b) Mantém-se, no mais, a sentença impugnada.

                Custas do recurso dos expropriados pela expropriante e do recurso da expropriante pelos expropriados, na proporção da respectiva sucumbência.

                                                                                                                                                                                                                                                        Henrique Antunes (Relator)

Regina Rosa

Artur Dias



[1] Acs. do STJ de 16.10.86, BMJ nº 360, pág. 534 e da RC de 23.03.96, CJ, 96, II, pág.24.
[2] Acs. RC de 27.11.01, CJ, V, pág. 32 e da RL de 21.05.02, CJ, III, pág. 75.
[3] Entretanto, objecto de sucessivas alterações pelas Leis nºs 13/02, de 19 de Fevereiro, 4-A/03, de 19 de Fevereiro, 67-A/07, de 31 de Dezembro e 46/08, de 4 Setembro, e de rectificação pela Declaração de Rectificação nº 18/02, de 12 de Abril.
[4] Acs. da RC de 11.01.94, BMJ nº 433, pág. 633, do STJ de 21.10.88, BMJ nº 380, pág. 444 e de 30.05.89, BMJ nº 387, pág. 456 e da RC de 21.01.92, CJ, I, pág. 86.
[5] Acs. do STJ de 26.09.95, CJ, STJ, III, pág. 22 e de 16.01.96, CJ, STJ, III, pág. 43.
[6] Ac. da RP de 13.02.95, CJ, 95, II, pág. 242.
[7] Ac. da RP de 20.10.09, www.dgsi.pt. e Salvador da Costa, Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 342. Em sentido contrário, cfr., João Pedro de Melo Ferreira, Código das Expropriações Anotado, Coimbra, 2007, pág. 262, Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco e Luís Alvarez Barbosa, Código das Expropriações, Coimbra, 2002, pág. 263 e Victor Sá Pereira e António Proença Fouto, Código das Expropriações, Porto, 2002, pág. 158.
[8] Ac. do TC nº 757/95, DR, II Série, de 27 de Março de 1996.
[9] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, cit., pág. 125 e Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra, 1991, pág. 349, nota 73.
[10] Cfr., sobre o problema do momento até ao qual é admissível a retirada da confissão, José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Coimbra, 2000, pág. 238 e nota 28 e A Confissão, cit., pág. 76, nota 31 e José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2ª, Coimbra, 2001, pág. 488.
[11] Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 1980, págs. 1020 e 1021.
[12] Fernando Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Separata do vol. XXIII do Suplemento do BFDUC, 1982, págs. 100 a 122.
[13] Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa, “Expropriação por Utilidade Pública, princípio do dispositivo, pedido, indemnização”, Parecer, CJ, XV, V, pág. 24.
[14] Fernando Alves Correia, As Garantias, cit., págs. 132 e 134. Trata-se de um princípio repetidamente afirmado, a propósito da expropriação por utilidade pública, pela jurisprudência constitucional: v.g. Acs. do TC nºs 210/09 de 16.03.93, DR II Série, de 28.03.93, 184/92, 20.05.92, DR, II Série, de 18.09.92 e 161/88, 28.01.93, DR, II Serie, de 08.04.93.
[15] Fernando Alves Correia, As Garantias, cit., págs. 128, 129 e 134 e Plano Urbanístico e Princípio da Igualdade, Coimbra, 2001, pág. 542, nota 140, e Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa, Parecer, cit., pág. 22.
[16] Ac. da RC de 17.02.87, CJ, XII, 1, pág. 58.
[17] J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP Anotada, 1ª edição revista, vol. I, Coimbra Editora, pág. 809.
[18] Este critério vem já da legislação muito anterior. O preceito nasceu no Decreto nº 48 587, de 8 de Abril de 1960, tendo concretamente em vista o caso de expropriação de um terreno cuja configuração topográfica facilitou e embarateceu extraordinariamente a execução da obra pública a que o expropriante a destinava, mas que nem por isso aumentava o valor no mercado imobiliário.
[19] Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 540 e nota 140. Cfr., a propósito da diferença entre o critério do prejuízo sofrido o critério do valor de substituição, as largas considerações de M. Gonçalves Pereira, Lisboa, 1961, Separata do BMJ nº 109, págs. 176 e ss.
[20] As indicações camarárias relativas a coeficientes de ocupação do solo ou à não aptidão para construção devem, por isso, ser acatadas: Ac. da RP de 06.06.91, CJ, XVI, III, pág. 252.
[21] Problema de solução difícil, objecto de larga controvérsia, é o de saber se o ius aedificandi – que compreende não só a faculdade de construir, mas também as de levar a cabo os actos jurídicos e as operações materiais necessárias à construção, v.g., loteamento e realização de infra-estruturas urbanísticas – constitui uma faculdade integrante do direito real de propriedade ou se nasce, antes, dos actos da administração. Cfr. Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Principia, 2002, pág. 70 a 74, Fernando Alves Correia, Estudos do Direito do Urbanismo, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 51 e 52 e Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais, Ainda sobre o Jus Aedificandi, Trunfos contra a Maioria, Coimbra Editora, 2006, págs. 117 e ss. A jurisprudência parece orientar-se claramente para a ideia de que o ius aedificandi constitui uma concessão da administração. Cfr. Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, Direito do Urbanismo, Relatório, Lisboa, Lex, 1999, págs. 88 e 89.
[22] Alípio Guedes, Valorização de Bens Expropriados, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 102, e Salvador da Costa, Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Anotados e Comentados, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 178, nota 180.
[23] Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, vol. II, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 280. Salvador da Costa não considera patente a inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização, da norma apontada, considerando a existência do critério subsidiário previsto no nº 4 do mesmo artigo: Cfr. Código das Expropriações, cit. pág. 179.
[24] Não se verificando tais circunstâncias, deve, naturalmente recusar-se a aplicação deste critério referencial: Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Coimbra, 2003, pág. 294.
[25] Salvador da Costa, Código das Expropriações, cit., pág. 199.
[26] Ac. da RC de 22.06.04, CJ, XXIX, III, pág. 30.
[27] Ac. da RE de 12.10.06, CJ, XXXI, IV, pág. 239.
[28] Cfr., o Ac. do TC nº 37/2011, www.tribunalconstitucional.pt, que, de resto, conclui pela inconstitucionalidade, por violação do critério da justa indemnização (artigo 62.º, n.º 2, da Constituição) e do princípio da igualdade (artigo 13.º), a norma do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, com as alterações posteriores), quando interpretada no sentido de classificar como solo apto para construção um solo abrangido em plano director municipal por área florestal estruturante, com total desconsideração desta vinculação administrativa.
[29] Salvador da Costa, Código das Expropriações, cit. pág. 191 e Ac. da RL de 13.10.09, www.dgsi.pt.
[30] Ac. do TC nº 275, 2004 – www.tribunalconstitucional.pt – por transcrição dos Acs. nºs 333/2003 e 557/2003.
[31] Ac. da RL de 07.11.95, www.dgsi.pt. Como se apontou, esta conclusão só não vale no tocante à indemnização pela interrupção da actividade comercial, industrial, liberal ou agrícola, em que a lei, exceptuando a regra geral, manda reparar a par dos danos emergentes os lucros cessantes (artº 30 nºs 4 e 5). Cfr. Acs. da RP de 06.06.91, CJ, III, pág. 252, e de 29.10.99, www.dgsi.pt.
[32] Cfr., v.g. os Acs. da RP de 07.06.83, CJ, VIII, pág. 264, da RL de 18.02.88, CJ, XIII, I, pág. 138, e de 23.06.87 CJ, XII, III, pág., 120; Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa, Parecer, cit., pág. 21 e Fernando Alves Correia, As Garantias, cit., pág. 151.
[33] Note-se que a actualização do valor da indemnização deve ser feita desde a data da declaração de utilidade pública e não desde a data da publicação do despacho correspondente no DR. Por outro lado, é feita ano a ano: Ac. da RP de 13.02.97, CJ, I, pág. 228.
[34] Artº 17 nº 2 do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
[35] Acs. do TC nºs 259/97 e 262/98, DR, II Série, de 30.06.97 e 09.07.98, respectivamente,  do STJ de 09.10.70, 19.04.74, 15.02.74, 15.03.74, BMJ nºs 200, pág. 168, 236, pág. 79, 235, págs. 180 e 156, respectivamente,  da RL de 15.10.76, BMJ nº 262, pág. 186 e da RC de 08.03.06, CJ, II, pág. 10.
[36] Ac. do TC nº 262/98, www.tribunalconstitucional.pt.
[37] Ac. da RC de 08.03.06, Expropriações por Utilidade Pública, ASS Casa do Juiz, 2007, pág. 372.
[38] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 580.
[39] Cfr., v.g., Acs. do STJ de 26.06.76, BMJ nº 258, pág., 220, de 01.03.79, BMJ nº 285, pág. 190 e de 09.05.96, CJ, STJ, 96, II, pág. 55 e Vaz Serra, RLJ, Anos 110º e 112º, págs. 232 e 275, respectivamente.
[40] Acs. da RP de 01.06.09, de 03.03.09, 13.01.09, 16.10.08, 20.11.06 e 01.07.07, www.dgsi.pt, e do STJ de 02.12.93, CJ, STJ, III, pág. 135.
[41] V.g., Acs. da RE de 12.10.06, da RG de 19.02.09, da RL de 14.05.09 e 07.07.09, www.dgsi.pt.
[42] Acs. da RL de 17.07.09 e de 14.05.09 e da RG de 19.02.09, www.dgsi.pt.