Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
583/13.5TBCBR-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA COSTA RIBEIRO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO/PER
CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DAS MEDIDAS DE XXECUÇÃO
SUSPENSÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA COIMA POR INTERRUPÇÃO DA EXECUÇÃO
EXECUÇÃO DA COIMA
Data do Acordão: 05/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 30.º, ALÍNEAS B) E C), 32.º E 89.º A 91.º DO D.L. Nº 433/82, DE 27 DE OUTUBRO/RGCO
ARTIGO 40.º, N.º 3 E 4, E 54.º, N.º 4, DA LEI 50/2006, DE 29 DE AGOSTO/LEI QUADRO DA CONTRAORDENAÇÕES AMBIENTAIS/LQCA
ARTIGO 17.º N.º 1, E 17.º-A A 17.º -J DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS/CIRE
ARTIGOS 490.º, 491.º E 510.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I – O prazo da prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que forem concedidas facilidades de pagamento da coima.

II – O processo especial de revitalização (PER) destina-se a permitir às empresas que, comprovadamente, se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes, um acordo conducente à sua revitalização.

III – O PER apresenta-se como um meio de evitar a insolvência, assumindo primordial importância os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade dos intervenientes, convoca a autonomia privada do devedor e dos credores e deixa-lhes uma grande margem de liberdade negocial com vista à composição dos respetivos interesses, pautados pelos princípios da boa fé, cooperação, igualdade e transparência.

IV – Na maioria dos casos a tramitação processual do PER desenrola-se fora do tribunal, entre a empresa e os credores, com a participação e sob a orientação e fiscalização do administrador provisório, cabendo ao juiz o poder/dever de controlar a legalidade do processo e do plano de recuperação, seja nos seus aspectos formais, seja nos seus aspectos materiais ou substanciais, mas não já o poder/dever de avaliar a credibilidade e viabilidade do plano apresentado, excetuando os casos em que ele seja manifestamente inviável ou inexequível e que, como tal, se evidencie como manifestamente dilatório.

V – O PER pode iniciar-se com uma manifestação de vontade da empresa e dos credores, através de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio de aprovação de um plano de recuperação, ou com a apresentação de um acordo extra-judicial de recuperação da empresa para homologação.

VI – Nos termos do artigo 17.º-E, n.º 1 e 2 do CIRE, a decisão que nomeia o administrador judicial provisório, obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.

VII – Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, o artigo 17.º E, n,º 7 - atualmente n.º 9, alínea b) do CIRE - o despacho de nomeação do administrador judicial provisório passou a determinar a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pela empresa

VIII – Assim, por força dos artigos 17.º-I e 17.º-E, n.º 9, alínea c), do CIRE e artigo 30.º, alínea a), do RGCO, o despacho de nomeação do administrador judicial provisório no processo especial de revitalização suspende todos os prazos de prescrição oponíveis pela empresa, aqui incluído a prescrição da coima.

IX – Estando em vigor, à data do trânsito em julgado da condenação, a versão do CIRE de 2012, que não previa a suspensão de todos os prazos de prescrição oponíveis pela empresa, ter-se-á que aplicar aquela versão, por ser o regime mais favorável à arguida.

X – A execução da coima é uma fase do processo que se inicia com o trânsito em julgado da condenação e termina com a extinção da coima por uma das formas legalmente previstas nos artigos 3.º, n.º 2, 29.º e 30.º do RGCO e 127º e 128.º do Código Penal e, ainda, pela e anulação da condenação em juízo por revisão.

XI – A execução da coima é uma acção especial de execução, segue a tramitação prevista nos artigos 89.º a 91.º do RGCO e, subsidiariamente, nos artigos 490.º, 491.º e 510.º do Código de Processo Penal e nas normas processuais civis, e é dirigida à realização coactiva do pagamento do montante da coima através dos bens do arguido.

XII – O conceito de “execução da coima” não pode ser visto apenas na sua vertente patrimonial/económica, de natureza meramente civil, não coincidindo com o conceito de execução patrimonial. Uma e outra só convergem no momento em que se obtém o pagamento da coima, ainda que parcial, pelo que a indagação de bens penhoráveis do arguido com vista à propositura da execução para cobrança coerciva do montante da coima não integra o conceito de “execução da coima”.

XIII – Sendo a coima uma sanção decorrente da prática de uma acção típica, ilícita e censurável, a execução por coima é, no fundo, um meio coercivo de cumprimento de tal sanção, aproximando-a do direito penal.

XIV – Considerando que o pagamento voluntário da coima, apesar de a extinguir, vale como condenação para efeitos de reincidência e não exclui a possibilidade de sanções acessórias (artigo 54.º, n.º 4, LQCA), que o artigo 89.º-A do RGCO deixa aberta a possibilidade de o legislador prever, a requerimento do condenado, a modificação da coima aplicada, já na fase da execução, substituindo-a por dias de trabalho e que, mesmo depois de instaurada a execução por coima, podem suscitar-se questões como a amnistia da infração ou a prescrição da coima, todas estas questões, de natureza contraordenacional, vão para lá de uma simples cobrança de dividas a que alude o artigo 17.º E, do CIRE, assente, essencialmente, em relações jurídicas obrigacionais de natureza civil.

XV – A noção normativa de “cobrança de dividas”, prevista no artigo 17.º- E, n.º 1, do CIRE, na redacção de 2012, não abrange a execução patrimonial pelo não pagamento da coima, não constituindo, por isso, uma causa de suspensão da prescrição da coima, quer nos termos da alínea a), quer nos termos da alínea b), do artigo 30.º, do RGCO.

Decisão Texto Integral:
Relatora: Alcina Ribeiro
1.º Adjunta: Cristina Pego Branco
2.º Adjunta: Maria Alexandra Guiné

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. A..., Unipessoal, Lda., melhor identificada nos autos, recorre do despacho proferido em 14 de novembro de 2022, pela Senhora Juiz (...) do Juízo Local Criminal de Coimbra, que não declarou a prescrição da coima aplicada à arguida, por sentença transitada em julgado em 13 de janeiro de 2015, formulando as seguintes conclusões:

2ª O presente recurso vem interposto do despacho de 14 de Novembro de 2022, o qual indeferiu requerimento da arguida a requerer a declaração de prescrição da coima em que foi condenada nos presentes autos.

Ora,

3ª Atento o trânsito em julgado da decisão condenatória imposta à arguida em 13/1/2015, e independentemente das causas de suspensão do prazo de prescrição eventualmente aplicáveis ao caso (que não se aplicam, como veremos adiante), sempre a coima estaria prescrita por estar decorrido o prazo de prescrição (três anos, atento o disposto no artº 29º, nº 1, al. a) do DL nº 433/82), acrescido de metade (1,5 anos).

- Mesmo que assim não se entendesse, os processos de execução de coimas não constituem “ações para cobrança de dívidas” para efeitos do disposto no artº 17º- E do CIRE (v. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/4/2019, proc. nº 834/12.3TBCTB-B.C1 citado supra), pelo que não se suspendem por instauração e no decurso de um PER e, subsequentemente, não podem tais processos de PER constituir causas de interrupção da execução nos termos da al. b) do artº 30º do DL nº 433/82.

- Ao assim não entender, o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento, violando o disposto nos artºs 30-A, nº 2 do DL nº 433/82 e artº 126º, nº 3 do CP, e ainda o disposto nos artºs 30º, al. b) do DL nº 433/82 e 17º-E do CIRE, pelo que deve ser revogado e declarada prescrita a coima.

Por fim,

4ª O despacho recorrido, ao interpretar o artº 30º, al. b) do DL nº 433/82 de forma a considerar um PER como causa de suspensão de execução de coima, e ignorando os limites constantes do artº 30-A, nº 2 do mesmo diploma, incorre numa interpretação materialmente inconstitucional das referidas normas,

Por um lado, por violação do disposto no artº 30º da CRP, já que semelhante entendimento tornaria ilimitadas as penas e coimas imputadas aos arguidos por força de causas que não constam da própria lei,

Por outro lado, não pode existir qualquer aplicação analógica ou extensiva de outras normas ao direito sancionatório de caráter restritivo, muito menos sem revestirem a natureza de Lei da A.R. (quer o DL nº 433/82 e o CIRE são decretos-lei), e/ou quando as mesmas são restritivas de direitos fundamentais no seu alcance constitucional sem respeitar o disposto no artº 18º da CRP.

- As execuções de coimas não são “ações para cobrança de dívidas” nos termos e para os efeitos do artº 17º-E do CIRE, pelo que não podem ser consideradas como uma causa de suspensão da execução de coima para o efeito da al. b) do artº 30º do DL nº 433/82, constituindo este entendimento uma interpretação materialmente inconstitucional por violação do artº 30º da CRP, já que é uma  aplicação analógica, ou interpretação extensiva restritiva, do direito fundamental dos arguidos aos limites das penas.

2. O Ministério Público, em primeira e nesta instância, pronuncia-se no sentido do não provimento da decisão recorrida.

3. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento do recurso.

 

II. DESPACHO RECORRIDO

O Despacho criticado tem o seguinte teor:

Na decorrência do último despacho, por força das duas causas de suspensão ocorridas, decorreram apenas 2 (dois) anos e 18 (dezoito) dias, pelo que a coima a que a arguida «B..., Unipessoal, Lda.» foi condenada por decisão condenatória transitou em julgado em 13.01.2015 ainda não se encontra prescrita.

Com efeito, decorre da primeira causa suspensiva, que no dia 19.12.2017 se iniciaria a contagem do prazo prescricional, nos termos dos artigos 30º, alínea a) e c) e 88º, nº1 e nº5 do Regime Geral das Contraordenações (data em que se verificou o vencimento de todas as prestações da coima).

No entanto, resulta da informação fornecida pelo processo n.º 5245/17...., do Juízo de Comércio ... - Juiz ..., que durante a suspensão do prazo supra descrito, se iniciou no dia 30.06.2017 o processo especial de revitalização da sociedade arguida (cf. ref.ª 7033467, de 04.02.2022) o qual se encerrou a 26.03.2021 (cf. ref.ª 7570717, de 12.10.2022).

Constituindo esta, também, uma causa de suspensão, nos termos do artigo 30.º, alínea b) do Regime Geral das Contraordenações, a suspensão da prescrição da coima não terminou a 19.12.2017, antes prosseguiu por força do curso do referido processo de revitalização.

Nestes termos, o prazo de prescrição da coima aplicada à sociedade aqui recorrente esteve suspenso desde 17.06.2015 até 26.03.2021 - 4 (quatro) anos, 9 (nove) meses e 9 (nove) dias) -, sendo que desde essa data até à presente data, não ocorreram circunstâncias interruptivas nem suspensivas do referido prazo.

Face ao exposto, indefere-se o requerido pela recorrente (cf. ref.ª 7482162, de 05.09.2022) uma vez que, em virtude da suspensão operada apenas decorreram 2 (dois) anos e 18 (dezoito) dias, razão pela qual a coima a que a arguida «B..., Unipessoal, Lda.» foi condenada ainda não se encontra prescrita».

III. OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do Recorrente, a questão a decidir consiste em saber se a pendência o Processo Especial de Revitalização (PER), constitui causa de suspensão da prescrição da coima, por ter interrompido a execução, nos termos da alínea b) do artigo 30.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, de ora em diante designado por RGCO.

IV. ACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES

Com interesse para a decisão, há que ter em conta, os seguintes actos processuais:

Em 17 de junho de 2015, a pedido da arguida, foi deferido o pagamento da coima de 38 526,25€ em 12 prestações mensais e sucessivas, no montante de 3 210,63,00€ (fls. 92).

A arguida foi, ainda notificada, do dever de pagar a primeira prestação até ao dia 18 de dezembro de 2017, com a cominação de que a falta de pagamento de qualquer prestação implicaria o vencimento das restantes (artigo 88.º, n.º. 5, do RGCO).

Como a arguida não pagou nenhuma das prestações, vencerem-se todas elas no dia seguinte, em 19 de dezembro de 2017.

Em 9 de fevereiro de 2017, a requerimento da arguida, foi deferido o pagamento da coima em que a arguida foi condenada até janeiro de 2019. (fls. 167 a 169).

O Ministério Público não instaurou a execução para pagamento da coima.

Em 30 de junho de 2017, a condenada deu entrada em juízo do Processo Especial de Revitalização da sociedade arguida que correu termos pelo Juízo de Comércio ... sob o n.º 5245/17...., processo esse encerrado em 26 de março de 2021.

No âmbito deste processo, foi proferido o despacho de nomeação de administrador provisório da arguida, em 3 de agosto de 2017 e em 10 de novembro de 2017, o Senhor Juiz recusou a homologação do acordo extra-judicial apresentado pela empresa, ao mesmo tempo, que foi concedido ao Senhor Administrador Judicial, 10 dias, para emitir parecer a que alude o artigo 17.º, G. n.º 4, aplicável por força do artigo 17.º I, n.º 5.

Discordante, deste despacho, a condenada interpôs recurso da decisão de despacho de recusa não homologação do acordo extra-judicial, tendo sido admitido em 5 de janeiro de 2018, como apelação, a subir imediatamente e em separado, com efeito devolutivo.

 Em 26 de março de 2021, o Processo Especial de Revitalização foi encerrado, com extinção de todos os seus efeitos – artigo 17.º G, n.º 2 e artigo 17.º I, n.º 5, do CIRE, pelo facto da empresa não se encontrar em situação de insolvência.

V.  APRECIAÇÃO RECURSO

1. Enquadramento da questão

Não constitui novidade afirmar-se que a prescrição da pena, da coima e das sanções acessórias (por força do artigo 31.º do RGCO), como de resto, a prescrição do procedimento criminal e contra-ordenacional, traduz-se na renúncia do Estado ao direito jus puniendi condicionado pelo decurso do tempo.

Como vem sendo reiteradamente afirmado pela doutrina e jurisprudência, tendo por base a lição de Figueiredo Dias -  As Consequências Jurídicas do Crime, página 699 a 702 – o instituto da prescrição justifica-se, por razões de natureza jurídico -penal substantiva e processual.

Do ponto de vista substantivo, é manifesto, que se «o mero decurso do tempo sobre a prática do facto não constitui motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido», também se considera «que uma tal circunstância é sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção.

Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências de prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustradas.

Por todas estas razões, a limitação temporal da perseguibilidade do facto ou da execução da sanção liga-se a exigências político-criminais claramente ancoradas na teoria das finalidades das sanções criminais e correspondentes, além do mais, à consciência jurídica da comunidade». Também na vertente processual, o instituto geral da prescrição «encontra pleno fundamento. Sobretudo o instituto da prescrição do procedimento, na medida em que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados duvidosos a investigação (e a consequente prova) do facto, e, em particular da culpa do agente, elevando a cotas insuportáveis o perigo de erros judiciários.».

No que toca à prescrição da pena, tem-se afirmado que «só uma caracterização jurídico-substantiva, não jurídico processual, pode ser cabida, por isso que por razões processuais como a dificuldade da prova após o decurso de um largo período de tempo não podem obviamente jogar aqui algum papel. Se, isto é, exacto, porém, não menos o é que a prescrição da pena cria um obstáculo à sua execução apesar do trânsito em julgado da sentença condenatória e ganha nesta medida, o carácter de um autêntico pressuposto negativo ou de um obstáculo de realização (execução) processual» Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, página 699 a 702

Porém, se, de um lado, o decurso do tempo, constitui a essência mesma do instituto da prescrição, de outro «não deve favorecer o agente quando a pretensão punitiva do Estado e as suas exigências de punição são confirmadas através de certos actos de perseguição ou quando a situação é uma tal que exclui mesmo a possibilidade daquela perseguição», reconhecendo-se por isso, a necessidade de interferir nos cursos dos prazos de prescrição, através dos institutos da interrupção e da suspensão da prescrição do procedimento criminal (Figueiredo Dias, ob. cit. página 708).

Estas conclusões valem mutatis mutandis para a prescrição das coimas, com as necessárias adaptações.

Dito isto,

Por sentença transitada em julgado em 13 de janeiro de 2015, a arguida foi condenada pela prática de uma contra-ordenação muito grave, prevista e punido pelo artigo 18.º 1, do Decreto Lei n.º 46/2008, de 12 de março e artigo 22.º, nºs 1 e 4, alíneas a) e b) a Lei Quadro da Contraordenações Ambientais, aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (LQCA).

De acordo com o artigo 40.º, n. 3, da LQCA: o prazo de prescrição da coima e sanções acessórias é três anos, no caso das contraordenações graves ou muito graves e b) dois anos, no caso de contraordenações leves.

Por seu turno, estabelece o n.º 4, do mesmo preceito e diploma:

O prazo referido no número anterior conta-se a partir do dia em que se torna definitiva ou transita em julgado a decisão que determinou a sua aplicação, sem prejuízo das causas de interrupção e suspensão previstas no regime geral.   

Por sua vez, o Regime Geral das Contraordenações aprovado pelo Decreto Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que de ora em diante designaremos por RGCO, no seu artigo 32.º, estatui que, em tudo o que não for contrário à presente lei se aplicam subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.

E, de acordo com o disposto no artigo 30.º, do RGCO:

A prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que:

a) Por força da lei a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar;

b) A execução foi interrompida;

c) Foram concedidas facilidades de pagamento.


*

Não se questionando que a coima em que a arguida foi condenada se extingue por prescrição logo que, decorrem três anos contados desde que se torne definitiva ou transitada em julgado a decisão que determinou a sua aplicação [artigo 40.º, n.º 3, e 4, da Lei Quadro da Contraordenações Ambientais, aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto (LQCA);

Aceitando-se que a decisão que aplicou a coima transitou em julgado em 13 de janeiro de 2015, que já teria decorrido o prazo da prescrição, por via da suspensão da prescrição durante o tempo em que foram concedidas facilidades de pagamento da coima – [cf. artigo 30.º, alínea c) do RGCO e, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20 de maio de 2009; e o Acórdão de Tribunal da Relação de Évora de 6 de outubro de 2015, quanto ao vencimento de todas as prestações www.dgsi.pt)] -   e que inexistem causas de interrupção,  a questão a dirimir consiste em saber se o artigo 17.º E, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) constitui uma causa de suspensão da prescrição da coima nos termos do artigo 30.º, do RGCO

O Processo Especial de Revitalização (PER) conta com duas grandes reformas legislativas do CIRE que relevam para a decisão:  o Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de junho - entrou em vigor no dia 17 de junho de 2017 - e a Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro – entrou em vigor no dia 11 de abril de 2022 – ambos de aplicação imediata aos processos pendentes à data respectiva da entrada em vigor (artigo 6., n.º 1º e 10.º n.º 1, respectivamente).

Porém, estando em causa a prescrição de uma coima pela prática de uma contra-ordenação, sujeita aos  princípios fundamentais do direito penal, entre os quais, o principio da não retroactividade da lei penal e o principio da aplicação da lei retroactiva mais favorável, a nova lei só se aplica se esta se mostrar mais favorável ao arguido, nos termos do disposto do artigo 3.º, nºs 1 e 2; artigo 2.º do RGCO; artigo 2.º, n,º 1 e 4, do Código Penal, e artigo 29.º, da Constituição da República Portuguesa.

A lei mais favorável corresponde a um diploma (um conjunto normativo) disciplinador do instituto da prescrição e não a normas ou preceitos isolados que forem mais favoráveis.

Convém dizer que deverá aplicar-se na sua integridade a lei antiga ou nova e não simultaneamente as disposições mais favoráveis de uma e outra.

O modo de operar deve ser este: aplica-se a lei antiga e, a seguir, a lei nova, uma e outra integralmente; comparam-se os resultados e determina-se, casuisticamente, qual a mais favorável para o agente, optando-se por esta. [Beleza dos Santos, Lições de Direito Penal, pagina 194].

Neste quadro legal, vejamos, qual o regime da prescrição da coima aplicável ao caso concreto, tendo em atenção que as alterações legislativas estabelecidas no artigo 17.º E, do CIRE, posto que as demais são inócuas.

Para tanto, importa fazer uma breve incursão, sobre o regime do processo especial de revitalização, partindo da versão actual do diploma para, depois, o compararmos com os regimes anteriores e aferir qual deles é o mais favorável.

2. O processo especial de revitalização

2.1.  Natureza e finalidade

O Processo Especial de Revitalização (PER), instituído pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, que alterou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), destina-se à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes, acordo conducente à sua revitalização [artigo 17.º - A, do CIRE).

Regulado no Capitulo II, do Titulo I, do CIRE, constituído pelos artigos 17.ºA a 17.º J, o processo especial de revitalização é um processo judicial especial (artigos 17.ºA a 17.ºJ e artigo 17.º, n.º 1); pré-insolvencial (artigo 17.º A, n.º 1, do CIRE) concursal (artigo 1º 17.º F, do CIRE) urgente (artigo 17.º A, n.º 3, do CIRE), hibrido (articula uma fase judicial com uma fase extra-judicial) e recuperatório, [Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito de Insolvência, página 412/413].

Convoca a autonomia privada do devedor e dos credores -  deixando-lhes uma grande margem de liberdade negocial com vista à composição dos respetivos interesses, pautados pelos princípios da boa fé, cooperação, igualdade e transparência – e apresenta-se como um meio de evitar a insolvência, o desmembramento da empresa que esteja em situação económica difícil, assumindo, aqui primordial importância, os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade dos intervenientes.

De cariz negocial, o processo especial de revitalização pressupõe uma negociação e acordo entre a empresa e os credores conducentes à sua revitalização. Tal acordo, habitualmente designado de plano de recuperação, pode conter diversas providências com incidência no passivo da empresa  e na posição de cada um dos credores, como por exemplo, o perdão, total ou parcial dos créditos, modificação dos prazos de vencimento ou taxas de juros e  a cessão de bens ou outras garantias aos credores, de modo a que a empresa consiga reerguer-se da situação económica difícil em que se encontra, ultrapassando as dificuldades sérias para cumprir pontualmente as suas obrigações existentes, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.

Na maioria dos casos, a tramitação processual do PER desenrola-se fora do Tribunal entre a empresa e os credores, com a participação e sob  a orientação e fiscalização do administrador provisório,  cabendo ao juiz o poder/dever de controlar a legalidade do processo e do plano de recuperação (seja nos seus aspectos formais, seja nos seus aspectos materiais ou substanciais), mas não já o poder/dever de avaliar a credibilidade e viabilidade do plano apresentado, exceptuando os casos em que ele seja manifestamente inviável ou inexequível e que, como tal, se evidencie como manifestamente dilatório. [Acórdão do Tribunal da Relação de 11 de outubro de 2017, Processo 6/17.0T8GRD-A.C1].

Nessa senda, e tal como decorre do artigo 215º do CIRE, o juiz está vinculado ao dever de controlar a legalidade do plano recuperação (referente ao processo especial de revitalização), aprovado pelos credores, devendo recusar, mesmo ex officio, a sua homologação quando, nos termos do ali plasmado, ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.  [Acórdão do Tribunal da Relação da Coimbra 27 de junho de 2017, Processo nº 8389/16.3T8CBR.C1].

O PER reveste, assim, natureza patrimonial negocial, de índole privada, imperando nele o primado da vontade dos credores, restando para o tribunal um papel residual. Mas ao tribunal sempre cabe sindicar a observância, como pressuposto do seu juízo sobre a homologação, da regularidade dos procedimentos subjacentes e da legalidade do conteúdo do plano. [Acórdão da Relação de Coimbra, de 07 de março de 2017, www. dgsi.pt].

2.2. Impulso processual do PER 

Com relevância para  o caso, importa, ainda, salientar, que o procedimento especial de revitalização pode iniciar-se de duas formas: a) com uma manifestação de vontade da empresa e dos credores, através de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio de aprovação de um plano de recuperação, nos termos do artigo 17.º C, do CIRE e b) com a apresentação de um acordo extra-judicial de recuperação da empresa para homologação, conforme estabelecido no artigo 17.º I, do CIRE.

O primeiro, designado pela doutrina como processo especial de revitalização judicial [Paulo de Tarso Domingues, aspectos Específicos da Revitalização da Empresas, I Colóquio do Direito de Insolvência, 2015, página 15], traduzido essencialmente no processo negocial entre os devedor e os credores ao abrigo de um processo judicial previsto nos artigos 17.º A a 17.º H, do CIRE e o segundo, em contraposição com aquele, designado por processo especial de homologação de acordo extra-judicial de recuperação da empresa, regulado no artigo 17.º I, do CIRE.      

No primeiro caso, a empresa apresenta junto do tribunal competente para declarar a insolvência do devedor, o requerimento com a manifestação de vontade e demais elementos exigidos e o juiz nomeia imediatamente um administrador judicial provisório [artigo 17.º - C, n.ºs 1 e 5 do CIRE],

Logo que seja notificada deste despacho, a empresa comunica, de imediato, por carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração escrita -   mencionada no n.º 1 do artigo 17.º C -  que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º, a proposta de plano e, sendo o caso, a proposta de classificação dos créditos se encontram na secretaria do tribunal para consulta. [artigo 17.º - C, n.º 1, do CIRE].

Tais negociações têm a duração de dois meses, podendo ser prorrogável por mais um mês (artigo 17.º D, n.º 7, anterior n.º 5, do CIRE), período durante o qual permanecem em vigor os efeitos processuais previstos no artigo 17.º E do CIRE, em especial, os que obstam à instauração de novas acções e suspendem os prazos de prescrição e caducidade oponíveis pela empresa

Segue-se a reclamação de créditos (artigo 17º-D, nº 2 a 6 do CIRE), as negociações destinadas à elaboração do plano de recuperação participadas, orientadas e fiscalizadas pelo administrador provisório (artigo 17º-D, n.ºs 7 a 11 do CIRE) e, concluídas estas com a aprovação do plano, este é submetido ao juiz que o homologa ou recusa a sua homologação, por aplicação, com as necessárias adaptações, das regras aplicáveis ao plano de insolvência (artigo 17º-F do CIRE).

A decisão de não homologação é susceptível de recurso, conforme preceituado no artigo 17.º F, n.º 10 e artigo 17.º I, n.º 4, do CIRE, estabelecendo-se, assim, um paralelismo entre a situação de não aprovação do plano de recuperação por parte dos credores e de não homologação do plano de recuperação por parte do juiz.

Nesta situação, ou porque os credores que inviabilizam o plano ou porque o plano não está em condições legais de ser homologado, entende o legislador que se devem aproveitar os esforços e actos praticados, para determinar se a empresa tem ou não viabilidade de recuperação, mesmo sem os privilégios defensivos de todos os credores decorrentes do plano de recuperação ou se já se encontra em insolvência efectiva.

No segundo caso, (artigo 17.º I, do CIRE), o processo especial de revitalização de homologação de acordo extra-judicial de recuperação de empresa, inicia-se com a apresentação deste acordo assinado por credores representativos da maioria exigida para a aprovação do plano de recuperação exigida pelo artigo 17.º F, n.º 5, alíneas b) e c) do CIRE, ex vi, artigo 17.º I, n.º 1, do mesmo diploma.

O acordo extra- judicial para homologação nos termos do artigo 17.º I, do CIRE, é de natureza complexa, configurável como uma transacção, um verdadeiro contrato, que não exige para ter eficácia, a concordância de todos os intervenientes, bastando a aprovação ou o consentimento de uma maioria legalmente estabelecida. [Gisela Fonseca, Direito da Insolvência – Estudos, Coimbra, 2011, no texto, a Natureza do Plano de Insolvência].    

Recebido o acordo de recuperação e toda a documentação que o instrui, o juiz nomeia administrador judicial provisório, a secretaria notifica os credores que não tiveram intervenção no acordo para reclamarem os créditos, a que se segue a elaboração da lista provisória de créditos que se converte em definitiva, se aquela não for impugnada [artigo 17.º I, n.º 2, do CIRE, 17.º D, n.º 2 a 4 e artigo 17.º I, n.º 3].

Findas estas diligências, e, caso estejam reunidas as maiorias dos créditos previstas nas alíneas b) ou c) do n.º 5 do artigo 17.º-F, e não haja motivo para recusa oficiosa ou a solicitação do interessado, nos termos dos artigos 215.º e 216.º, todos do CIRE, o juiz homologa ou recusa a homologação do acordo de recuperação. (artigo 17.º I, n.º 4, do CIRE), vinculando todos os credores, mesmo os que não participaram nas negociações ou não reclamaram os sues créditos (artigo 17.º F, n.º 11, ex vi artigo 17.º I, n.º 4, todos do CIRE).

Se o juiz não homologar o acordo, compete ao administrador judicial provisório, após ouvir a empresa e os credores, emitir parecer sobre se a empresa se encontra em situação de insolvência. Em caso afirmativo, requer a insolvência da empresa, em caso negativo, o processo é encerrado, com a extinção de todos os seus efeitos [artigo 17.º I, n.º 5 e artigo 17.º G, n.ºs 3 a 9 do CIRE).

Nos termos do artigo 17.º J do CIRE, o encerramento do processo depende, no caso de homologação do plano, que a sentença transite em julgado e, no caso de não aprovação ou não homologação do plano, que estejam cumpridos os n.ºs 1 a 7, do artigo 17.º G, entre eles, os deveres de o administrador judicial emitir parecer sobre a situação da empresa, depois de ouvir a empresa e os credores e, quando considere que a empresa está insolvente, o dever de requerer a sua declaração de insolvência.

No caso vertente, o procedimento especial de revitalização seguiu os trâmites do artigo 17.º I, do CIRE porque iniciado com um acordo extra-judicial, não se aplicando prazo para as negociações com os credores, uma vez que estas ocorreram em momento anterior ao inicio do processo. [Adelaide Menezes Leitão, O efeito standstill do Processo Especial de Revitalização e do Processo Especial para Acordo de Pagamento, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (RFDUL), 2019, 1- página 89].

A decisão de nomeação do administrador judicial provisório produz os efeitos previstos no artigo 17.º E, do CIRE (suspensão das medidas de execução), com as devidas adaptações.

2.3. Suspensão das Medidas de Execução

O artigo 17.º E, do CIRE, disciplina a Suspensão das Medidas de Execução por efeito do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, interessando ao caso, os n. ºs 1, 2 e n.º 9, alínea c), a saber:

1 - A decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.

2 - A requerimento fundamentado da empresa, de um credor ou do administrador judicial provisório, desde que deduzido no prazo de negociações, o juiz pode, de imediato, prorrogar o prazo de vigência da suspensão prevista no número anterior, por um mês, caso se verifique uma das seguintes situações:

a) Tenham ocorrido progressos significativos nas negociações do plano de reestruturação;

b) A prorrogação se revele imprescindível para garantir a recuperação da atividade da empresa; ou

c) A continuação da suspensão das medidas de execução não prejudique injustamente os direitos ou interesses das partes afetadas.

3 – (…)

4 – (…)

5 – (..)

6 -  (…)

7 -  (…)

8 -  (…)

9 - Durante o período de suspensão das medidas de execução, nos termos dos n.ºs 1 e 2, suspendem-se, igualmente:

a) Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência da empresa, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência;

b) Os processos de insolvência em que seja requerida a insolvência da empresa;

c) Todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pela empresa.

10 – (…)

11 – (…)

12 – (…)

13 – (…)

Estas medidas reportam-se aos efeitos da decisão que nomeia o administrador judicial provisório, quanto ao impedimento de instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.

É o que vulgarmente se designa por período ou efeito standstill - «período de tréguas -   durante o qual, se suspendem as medidas de execução contra a empresa.

Bem se compreende que assim seja.

Destinando-se o PER, não à liquidação do património, mas a permitir que a empresa estabeleça e prossiga negociações com os seus credores, tentando obter um acordo passível de viabilizar a sua recuperação e a manutenção do património, mantendo-se em actividade, é natural que se exija, que durante o período das diligências para obtenção de acordo, se impeça aos credores de instaurar ou fazer prosseguir acções de natureza executiva. 

Ou seja, dentro deste prazo, os credores não devem agir contra a empresa devedora, intentando novas execuções para cobrança de créditos, suspendendo-se as acções em curso.

A natureza e duração deste prazo tem sido objecto de controvérsia doutrinal e jurisprudencial, discutindo-se se se trata de prazo de natureza peremptória ou ordenatória e se a suspensão se mantém até ao termo das negociações ou até à notificação judicial do despacho de homologação ou não homologação, ou até ao trânsito em julgado do despacho de homologação ou de não homologação. [cf. por todos, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de novembro de 2015 (Relator: José Rainho)  de  19 de abril de 2016 e 27 de abril de 2017 (Relatora: Ana Paula Goulart);  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de junho de 2016 (Relator: Fernandes Vale); Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de abril de 2016 (Relatora: Maria João Areias); Acórdão da Relação de Coimbra de 26 de setembro de 2017 (Relator: Carlos Moreira); Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de abril de 2018 (Relator: António Pimpão) . Na doutrina, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, página, 387 e  Soraia Cardoso, O Processo Especial de Revitalização, Efeito Standssil, páginas 103-112]

Neste particular, a Lei n.º 9/2022 trouxe três alterações significativas relativamente ao regime anterior.

Introduziu, nos nºs 1 e 2, um prazo máximo de duração período de impedimento de instaurar novas acções e de suspensão das medidas de execução, de quatro meses, podendo ser prorrogado por mais um mês, verificados determinados pressupostos a aferir pelo juiz (artigo 17.º E, n.º 1 e 2, do CIRE) -  anteriormente, aquele período coincidia com o período de negociações do plano de recuperação (anterior redacção do n.º 1, do artigo 17.º E)  -  mantendo o prazo de dois meses para negociações, prorrogável por mais um mês [n.º 7 do artigo 17.ºE, anterior n,º 5].

Substituiu a designação quaisquer acções de cobrança de dividas contra a empresa, para quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos, pondo termo a algumas duvidas sobre a questão de saber se o conceito acções de cobrança de dividas abrangiam as acções declarativas. [cf. a este propósito, entre muitos outros, Alexandre Soveral Martins, Um Curso de Direito de Insolvência, páginas 521-522; Catarina Serra, Lições de Direito de Insolvência, páginas 398-399, O processo Especial de Revitalização na Jurisprudência, páginas 54-59 e O processo Especial de Revitalização e os Trabalhadores, in Julgar, n.º 31,2017, páginas 32-37; Ana Paula Goulart, Apontamentos sobre os Efeitos do Processo Especial de Recuperação, in Julgar, n.º 31, 2017, página 14; Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, página 332 e Recuperação Económica dos Devedores, páginas 49-50; Isabel Alexandre, Efeitos Processuais da abertura do Processo de Revitalização, II Congresso de Direito de Insolvência, 2014, página 246; António Dionísio de Oliveira, Os efeitos processuais do PER e os Créditos litigiosos, III Congresso de Insolvência, cor. Catarina Serra, 2015, páginas 208-217,  Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, páginas 164-165; Ana Prata, Jorge Morais Carvalho, Rui Simões, Código de Insolvência e da Recuperação da Empresa Anotado, página 64;  Soraia Filipa Pereira Cardoso, O Processo Especial de Revitalização, Efeito Standssil, 45 e seguintes; Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, páginas 33-34 e Manual de Direito de Insolvência, página 428-429;   Na Jurisprudência, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de novembro de 2013 (Relator: Olindo Santos Geraldes) e de 21 de abril de 2015 (Relator: Luís Filipe Espirito Santo); Acórdãos da Relação de Coimbra de 27 de fevereiro de 2014 (Relator: Ramalho Pinto) e de 28 de janeiro de 2016 (Relator: Felizardo Paiva); Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30 de setembro de 2013 (Relator: António José Ramos), de 20 de março de 2015 (Relatora: Maria José Costa Pinto) e de 28 de janeiro de 2019 (Relator: João Diogo Rodrigues); Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 2015, (Relatora de Ana Luísa Geraldes) e de 5 de maio de 2016 (Relator Nuno Gameiro)].

Actualmente, o âmbito de aplicação da proibição de instaurar de novas acções está restringido às de natureza executiva, cuja finalidade respeite à cobrança de créditos e, quanto às acções em curso com idêntica finalidade, suspendem-se.

Eliminou o efeito extintivo das medidas de execução com aprovação e homologação do plano de recuperação, medida que não trazia nenhum efeito útil benéfico. (cf. neste sentido, Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, página 2426).

Quanto à suspensão dos prazos de prescrição e caducidade oponíveis pela empresa, importa notar, que não constava na Lei n.º 16/2012, de 20 de abril. Foi com o Decreto-Lei 79/17, de 30 de junho, que o legislador introduziu no artigo 17.º E, o n.º 7, a determinar que a decisão de nomeação do administrador judicial provisório determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pela empresa, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações e até à prolação dos despachos de homologação, de não homologação, caso não seja aprovado plano de recuperação até ao apuramento do resultado da votação ou até ao encerramento das negociações nos termos previstos nos n.ºs 1 e 5 do artigo 17.º-G.

Com a Lei 9/2022, a suspensão do todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pela empresa, estende-se a todo o período de suspensão das medidas de execução previstas no n.º 1 e 2 do artigo 17.º E.

3. Prescrição

3.1. Regime Aplicável

Conhecido os efeitos processuais do processo especial de revitalização relevantes para o caso, cabe verificar se o n.º 1 e/ou do n.º 9, do artigo 17.º E, aplicável ao caso, por força do artigo 17.º I, do CIRE, integram causas de suspensão da prescrição da coima.

Começando pela última – a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade oponíveis pela empresa [artigo 17. E, n.º 9, alínea c), do CIRE] – recorde-se que foi introduzida com o Decreto Lei n.º 79/2017, de 30 de junho, mantendo-se na Lei n.º 9/2022 -  embora com prazos de duração diferentes do regime anterior –  o que se compreende para que não haja um aproveitamento do PER por parte dos devedores,  para ganhar tempo até à prescrição e a caducidade de algumas dividas, uma vez que os credores estão impedidos de fazer seguir acções para cobrança dos seus créditos [Alexandre Soveral Martins, Estudos de Direito de Insolvência, página 11 e Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito de Insolvência, páginas 436-437  ).

Este regime é um decalque do previsto no artigo 100.º do CIRE para a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade da declaração de insolvência.

E, neste caso, decidiu o Acórdão desta Relação de 17 de março de 2022 (Relatora: Elisa Sales), que, por força do disposto no artigo 100.º do CIRE, a declaração de insolvência da arguida constitui a causa de suspensão da prescrição da pena de multa prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal, cuja redacção é idêntica ao artigo 30.º, alínea a) do RGCO e que reza assim:

A prescrição da coima (…) suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que, por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar».

E, se assim é com a declaração de insolvência, também o será, por maioria de razão, com o processo especial de revitalização.

Assim, por força dos artigos 17.º I e 17.º E, n.º 9, alínea c) do CIRE e artigo 30.º, alínea a) do RGCO, o despacho de nomeação do administrador judicial provisório no processo especial de revitalização suspende todos os prazos de prescrição oponíveis pela empresa, aqui, incluído, a prescrição da coima.

Sucede que, esta causa de suspensão da prescrição da coima não vigorava à data de trânsito em julgado da decisão condenatória, e, por isso, constitui um novo facto suspensivo, cujos efeitos, em cada caso concreto, determinam a dilacção do prazo máximo da prescrição, agravando, desta forma, a posição da empresa/arguida, e, porque, evidentemente mais desfavorável, não pode ser aplicada aos prazos em curso (iniciaram-se antes da sua vigência), sob pena de violação do principio da não retroactividade da lei contra-ordenacional enunciado no artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal, no artigo 3.º, n.º 2 do RGCOC e no artigo 29º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.

Quanto ao impedimento de instaurar novas execuções ou à suspensão das estão em curso estabelecido pelo n.º 1 do artigo 17.º E, do CIRE, enquanto eventual causa de suspensão da prescrição da coima, são inócuas as alterações legislativas do CIRE.

Donde, se conclui que, a aplicar-se o artigo 17.º E, do CIRE à suspensão da prescrição das coimas, como defendeu o Tribunal a quo, ter-se-á que considerar a versão de 2012 do CIRE, vigente à data de trânsito em julgado da condenação da arguida na coima de 38 500€, por ser o regime mais favorável.

O mesmo é dizer, que afastada a aplicação da causa da suspensão do prazo de prescrição enunciado no n.º 9, alínea c) do artigo 17.º E, do CIRE (anterior n.º 7) por ser mais gravoso para a arguida, o Tribunal recorrido só se poderia ter socorrido do n.º 1, do mesmo normativo, cujas alterações legislativas são, como se disse, inócuas, para a questão que nos ocupa.

E, assim sendo, tudo se resume a saber se a expressão “quaisquer acções de cobrança de dividas contra a empresa” (versão anterior) ou quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos” (versão actual) abrangem a execução por coimas, para efeitos de suspensão da prescrição prevista no artigo 30.º, do RGCO.

3.2. Acções executivas de cobrança de dividas ou de créditos (artigo 17.º E, n.º 1 e Artigo 30.º do RGCO)

Nos termos do artigo 30.º, do RGCO, a prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que

a) Por força da lei a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar;

b) A execução foi interrompida;

c) (…)

Não se questionará que o termo execução é usado pelo legislador, tanto para se referir à fase processual que inicia o cumprimento da coima “execução da coima” como para se referir ao procedimento processual para obter o pagamento coercivo da coima “acção executiva”.

A execução da coima regula-se pelo regime especial, previsto no Capitulo VIII da Parte II, do RGCO, e, também, no Livro X, Titulo III, Capitulo I, do Código de Processo Penal (artigo 40.º, n.º 4, in fine da LQCA e artigo 32.º do RGCO), apresentando-se como uma fase do processo que se inicia com a data de trânsito em julgado da condenação e termina com a extinção da coima, por uma das formas legalmente previstas, nos artigos 3.º, n.º 2;  29.º e 30.º do RGCO, nos artigos 127º e 128.º, do Código Penal, anulação da condenação em juízo por revisão.

Não é, pois, um processo autónomo, mas uma sequência de actos do processo idóneos a executar directamente a decisão penal ou contra-ordenacional (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III Volume, página 370).

E assim, o modo de cumprimento da pena de multa é o do seu pagamento, podendo este ser efectuado voluntariamente ou mediante execução forçada. (Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, Parte Geral, II, página 492).

Por isso, não se tendo verificado o pagamento voluntário da coima dentro do prazo normal ou prorrogado e com ou sem modalidade de pagamento em prestações que tiverem sido concedidas,  procede-se à  indagação da situação patrimonial do acoimado com vista a instaurar uma acção executiva no tribunal competente que será promovida pelo Ministério Público, execução essa que, uma vez instaurada, dá inicio à instância executiva que se considera proposta, intentada ou pendente, com a entrada em juízo do requerimento executivo [artigo 259.º, do Código de Processo Civil].

Trata-se de uma acção (um processo) especial de execução [artigo 10.º, n.º 4, do Código de Processo Civil] – segue a tramitação prevista nos artigos 89.º a 91.º do RGCO, e, subsidiariamente, nos  artigos 490.º, 491.º e 510.º do Código de Processo Penal e nas normas processuais civis - dirigida à realização coactiva do pagamento do montante da coima, através dos bens do arguido, (artigo 10.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), a execução patrimonial de que fala o artigo 491.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, in fine.

O conceito de “execução da coima” não coincide, pois, com conceito de execução patrimonial, ainda que esta vise executar aquela. Um e outro só convergem no momento em que se obtém o pagamento da coima, ainda que parcial, pelo que a indagação de bens penhoráveis do arguido com vista à propositura da execução para cobrança coerciva do montante da coima, não integram o conceito de “execução da coima”.

A execução para cobrança de uma coima não pode ser vista apenas na sua vertente patrimonial/económica, de natureza meramente civil. A coima é uma sanção (tem caráter punitivo), decorre da prática de uma contraordenação (de uma conduta típica, ilícita e censurável), sendo a execução por coima, no fundo, um meio coercivo de cumprimento de tal sanção, que, cada vez mais se aproxima do direito penal.

O direito das contraordenações, pese embora, as diferenças do direito penal, não deixa de ser um direito sancionatório público, de caráter punitivo, em que a coima, sua «sanção típica se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal (…)

A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à personalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contraordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas; e o que esta circunstância representa em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância. Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (ré)socialização.» [Figueiredo Dias, O Movimento de Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social», estudo publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar, I (1983), páginas 317/336 e FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 150-151, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).].

Em todo o caso, como sanção que é, ela só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção dos bens jurídicos e de conservação e reforço da norma jurídica violada [Oliveira Mendes e Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, página  58], pelo que a coima não pode deixar de ter como finalidade exigências de prevenção geral.

Trata-se de uma «sanção (…) aplicada por autoridades administrativas, com o sentido dissuasor de uma advertência social», traduzindo-se na imposição do pagamento de uma quantia fixada entre os montantes previstos no artigo 17º» (Lopes de Sousa e Simas Santos, Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, página 48.).

Enquanto sanção, o pagamento voluntário da coima, apesar de a extinguir, vale como condenação para efeitos de reincidência, e não exclui a possibilidade de sanções acessórias (artigo 54.º A, n.º 4, do RGCO).

Por outro lado, o artigo 89.º A do RGCO deixa aberta a possibilidade de o legislador prever, a requerimento do condenado, a modificação da coima aplicada, já na fase da execução, substituindo-a por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento se adequa à gravidade da contra-ordenação e às circunstâncias do caso.

Além de que, com salienta o Acórdão desta Relação de 24 de abril de 2019 (Relator: José Eduardo Martins), mesmo, depois de instaurada a execução por coima, podem suscitar-se questões como a amnistia da infração ou a prescrição da coima.

Ora, a reincidência, as sanções acessórias, a possibilidade de modificação da coima, já depois de instaurada a execução, a amnistia ou a prescrição, são, todas elas, questões natureza contraordenacional, que vão para lá de uma simples cobrança de dividas, a que alude o artigo 17.º E, do CIRE, assente, essencialmente, em relações jurídicas obrigacionais, de natureza civil.

Recorde-se que todo o processo especial de revitalização, ainda que com a intervenção do administrador judicial e do juiz assume, quer na vertente substantiva, quer na vertente processual, uma negociação entre devedor e os credores assente na liberdade e autonomia da vontade de todos os intervenientes [cf., neste particular, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de novembro de 2015 e de 27 de outubro de 2016 (Relator: José Rainho), e de 09 de junho de 2021 (Relatora: Ana Paula Goulart)],  acabando por se reconduzir à disponibilidade dos credores sobre a restruturação das dividas que detêm sobre a empresa, por exemplo, concedendo novos prazos para pagamento, redução ou perdão de juros, o que é manifestamente incompatível com a natureza sancionatória da coima.

Daí que, se defenda que a noção normativa de “cobrança de dividas” prevista no artigo 17.º E, n.º 1, do CIRE, na redacção de 2012, não abrange a execução patrimonial pelo não pagamento da coima, não constituindo, por isso, uma causa de suspensão da prescrição da coima, quer nos termos da alínea a), quer nos termos da alínea b), do artigo 30.º, do RGCO, assistindo razão à Recorrente.

          

VI. DECISÃO

Em conformidade e com os fundamentos expostos, julga-se procedente o recurso interposto por A... Unipessoal, Lda., declarando-se extinta a responsabilidade contraordenacional por decurso do prazo da prescrição.

Coimbra, 24 de maio de 2023