Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
133/13.3TBMMV.1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROCESSO TUTELAR CÍVEL
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECURSO
ABSOLUTA INUTILIDADE
Data do Acordão: 05/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTS. 12, 32, 33 LEI Nº 141/2015 DE 8/9, ART.644 Nº2 H) CPC
Sumário: 1. Só a absoluta inutilidade justifica a imediata recorribilidade de uma decisão interlocutória e não situações em que o provimento do recurso pode trazer prejuízos do ponto de vista da economia processual; ou seja, a eventual retenção (do recurso) deverá ter um resultado irreversível quanto ao recurso (de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil), não bastando uma mera inutilização de actos processuais (eventual anulação do processado), ainda que contrária ao princípio da economia processual.

2. Tal entendimento estende-se à jurisdição de família e menores, onde domina o primordial princípio da salvaguarda do interesse dos menores, implementando e respeitando, igualmente - sobretudo, em função desse desiderato -, os poderes, deveres e direitos dos progenitores.

Decisão Texto Integral:                  








      
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:                                                          

           

              

            I. Na Acção de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais instaurada, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz, por J (…) contra T (…) relativamente às crianças A (…) e I (…) ((…)), tendo a Mm.ª Juíza a quo proferido a decisão interlocutória de 11.9.2018 e a requerida/progenitora interposto recurso de apelação, da mesma, em 08.10.2018, ao abrigo do disposto nos art.ºs 638º, n.º 1, 639º, 640º, 644º, n.º 2, alíneas e) e h)[1], 645º, n.º 2 e 647º, n.º 3, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC) e art.º 32º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível/RGPTC (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08.9), por despacho de 29.10.2018, a Mm.ª Juíza a quo não admitiu, em parte, o dito recurso com a seguinte fundamentação:

«Pelo requerimento ref.ª 4486994, a mãe das crianças apresentou alegações de recurso tendo por objecto o despacho judicial de 11.9.2018 (…), na parte em que:

1) nos termos e com os fundamentos ali expostos julgou improcedentes as nulidades invocadas pela Requerida no seu requerimento de 16.8.2018, e a serem consideradas verificadas, declarou ilegítima - porque consubstanciadora de abuso de direito - a sua invocação pela Requerida;

2) fixou as custas do incidente, a cargo da Requerida, em 2,5 UC, considerando a tramitação e delonga dos autos e bem assim as imputações feitas à Requerida no despacho (…) [art.ºs 527º do CPC e 7º n.º s 4 e 8 do RCP];

3) ordenou à secção que liquidasse a multa pela apresentação tardia do requerimento da Requerida, de 16.8.2018;

4) ordenou a notificação da Requerida para, em cinco dias, nos termos dos art.ºs 21º do RGPTC, 417º e 986º, ambos do CPC, sob a cominação de condenação em multa por falta de colaboração com o tribunal, informar a sua morada residencial e dos filhos I (…) e A (…), e bem assim o endereço e notificação dos cuidadores das mesmas crianças na ausência da mãe e do estabelecimento de ensino frequentado pelas mesmas e em que estejam inscritos no presente ano lectivo e em simultâneo, sob igual cominação, a junção de comprovativo da inscrição escolar das crianças;

5) designou o dia 09 de Outubro de 2018, pelas 9h15, para continuação da conferência de pais, nos termos do art.º 35º ex vi art.º 42º do RGPTC;

6) ordenou a notificação da Requerida para a aludida conferência - porque a mesma se negou a que este processo considere o seu endereço profissional e até ao momento, não revelou a sua morada residencial - através da sua Ilustre Mandatária.

O recurso foi apresentado como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo, nos termos do disposto nos art.ºs 638º, n.º 1, 639º, 640º, 644º, n.º 2, alíneas e) e h), 645º, n.º 2 e art.º 647º, n.º 3, al. e) todos do CPC e 32º do RGPTC.

O recorrido respondeu, pugnando pela rejeição do recurso, à excepção da parte relativa à multa aplicada, por se tratar de um despacho intercalar apenas susceptível de recurso a final (…).

Cumpre apreciar.

Da admissibilidade do recurso.

No que tange aos pontos 2) (…) e 3) do elenco que antecede, admite-se nos termos dos art.ºs 638º, n.º 1, 639º, 640º e 644º, n.º 2, alínea e), 645º, n.º 2 e 647º, n.ºs 2 e 3, e), todos do CPC, e 32º do RGPTC, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo.

No que tange aos demais pontos, a recorrente funda o recurso nas normas dos art.ºs 644º, n.º 2, e) e 647º, n.º 3, e) do CPC.

(…)

Vejamos.

Os pontos que constituem o fundamento do recurso interposto, além dos já admitidos para efeitos de subida imediata, não integram qualquer das alíneas do art.º 644º, n.º 2, mesmo a (…) alínea h), segundo o interpretamos.

Com efeito, tal como decidiu a Relação de Coimbra, no processo 26/11.9TBMDA-A.C1 [Acórdão de 27/9/2016, in www.dgsi.pt], o preenchimento dessa previsão exige a conclusão prévia de que “a eventual procedência do recurso naquele momento posterior não terá qualquer reflexo no resultado da acção determinado pela decisão final que subsistirá intocada apesar daquela procedência”.

Ora, tal como aduzido pelo recorrido, caso - em recurso da decisão final, ou após a prolação desta última - venham a ser julgados procedentes os argumentos invocados pela recorrente, a única consequência processual traduz-se na inutilização do praticado nos autos desde 11.9.2018, tal como pretendido pela própria.

Nessa medida, pese embora ser intempestiva a interposição do recurso quanto aos pontos 1), 4), 5) e 6), a verdade é que, em nome da cooperação processual (art.º 7º do CPC) e da proibição da prática de actos inúteis (art.º 130º do CPC), não reputamos justificado determinar o desentranhamento das alegações de recurso nessa parte, mantendo-se nos autos.

Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, determina-se:

- a admissão do recurso quanto aos pontos 2) e 3) do requerimento ref.ª 4486994, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo;

- a não admissão do recurso quanto aos pontos 1), 4), 5) e 6), do requerimento ref.ª 4486994. (…).»


*

            II. 1. Relativamente à parte do recurso considerada prematura, a requerida/recorrente reclamou ao abrigo do disposto no art.º 643º do CPC, concluindo da seguinte forma:

1ª - É falso, o afirmado no despacho judicial de 29.10.2018, no que tange ao ponto 1 do Recurso de Apelação, que a Reclamante apenas pretenda, caso venham a ser julgados procedentes os argumentos por si invocados, que a única consequência processual do mesmo se traduza na inutilização do praticado nos presentes autos desde 11.9.2018.

2ª - A Reclamante pretende, com o seu Recurso de Apelação, outrossim, a inutilização do praticado nos presentes autos subsequente a cada um dos actos processuais descritos em 3º deste articulado.

3ª - Nos termos do art.º 630º, n.º 2 do CPC, a contrario é sempre admissível recurso das decisões, ainda que interlocutórias, proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do art.º 195º, tanto mais que tal decisão - despacho judicial de 11.9.2018 - contende com os princípios do contraditório, do direito à defesa, do direito ao recurso, do princípio da igualdade das partes, do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, que decorrem dos art.ºs 3º e 4º do CPC e 20º da CRP.

4ª - Ao não permitir, por omissão total de notificação, à Reclamante, pronunciar-se sobre os actos processuais supra identificados, mormente e entre outros, sobre a despacho judicial de 22.01.2018, na parte em que foi determinado que, apesar de não ter sido recebida, ao abrigo do Regulamento (CE) 1393/2007, de 13.11, qualquer certidão de citação ou notificação, nem se encontrando comprovado nos presentes autos que tivessem sido transmitidas à Requerida todos os elementos constantes do art.º 227º do CC, a Requerida se considerava citada para os presentes autos desde 26.6.2017, determinando a prossecução dos seus trâmites e sobre a decisão de 05.02.2018 que determinou a competência internacional dos tribunais portugueses para dirimir aos questões suscitadas nos presentes autos, o tribunal a quo impediu e impede a requerida de exercer o seu direito de resposta, o seu direito de alicerçar as suas razões de facto e de direito, mormente sobre a aludida competência internacional dos tribunais portugueses, a qual aliás não aceita.

5ª - Sendo que, nos termos do disposto no art.º 644º, n.º 2, al. b) do CPC cabe sempre recurso de apelação da decisão do tribunal de 1ª Instância que aprecie a sua competência absoluta.

6ª - Quando for proferida a decisão final, mesmo que, aquando do recurso dessa decisão se possa impugnar o despacho interlocutório recorrido, as decisões que entretanto tiverem sido proferidas e que incidam nomeadamente sobre o regime de visitas já terão produzido os seus efeitos na esfera jurídica das crianças, revelando-se quanto a esses efeitos imediatos na vida das crianças, perfeitamente inútil, devendo, por isso, a impugnação das aludidas nulidades ter subida imediata, em separado, nos termos do disposto no art.º 644º, n.º 2, al. h) do CPC.

7ª - Neste conspecto, deverá o recurso interposto pela Reclamante, em 08.10.2018, e que teve por objecto o despacho judicial de 11.9.2018 na parte em que julgou improcedentes as nulidades invocadas pela Requerida no seu requerimento de 16.8.2018, e a serem consideradas verificadas, declarou ilegítima - porque consubstanciadora de abuso de direito - a sua invocação pela Requerida, ser admitido, com subida imediata, em separado, nos termos do disposto nos art.ºs 630º n.º 2, a contrario, e 644º, n.º 2, alíneas b) e h), do CPC.

Rematou dizendo que deverá o despacho de 29.10.2018 que determinou a não admissibilidade, do recurso de apelação interposto pela Requerida em 08.10.2018, na parte em julgou improcedentes as nulidades invocadas pela Requerida, no seu Requerimento de 16.8.2018, ser revogado e consequentemente ser determinada nesta parte, a sua admissão, com subida imediata, em separado, nos termos do disposto nos art.ºs 630º n.º 2 ´a contrario` e 644º, n.º 2, b) e h), do CPC, devendo, por isso, ser admitido.

2. O requerente/recorrido opôs-se, pugnando pelo indeferimento da reclamação, alegando, em síntese: o despacho relativo à competência internacional dos tribunais portugueses é o de 05.02.2018 e não o de 11.9.2018, pelo que o prazo de interposição do recurso já havia decorrido; o despacho de indeferimento da arguição de nulidades - em que se consubstanciou a parte em crise da dita pronúncia judicial de 29.10.2018 - não é imediatamente recorrível, pelo que não regem os n.ºs 1 e 2 do art.º 644º do CPC, mas sim os n.ºs 3 e 4 da mesma norma legal.

3. A Mm.ª Juíza a quo manteve o despacho de 29.10.2018 e, aludindo às “flutuações registadas no requerimento da mãe das crianças datado de 15.11.2018”, acrescentou (despacho de 19.12.2018):

- Quanto ao recurso relativamente aos “pontos 1), 4), 5) e 6)” elencados no nosso despacho de 29.10, o tribunal limitou-se a concluir pela intempestividade actual do recurso, devendo o mesmo ser interposto a final - caso assim seja entendido -, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 644º do CPC;

- Quiçá ciente dos “timings processuais”, vem agora a recorrente, de forma explícita, estribar-se na alínea b) do n.º 2 do art.º 644º do CPC, ou seja, pugnar pela tempestividade do recurso porque está em causa a competência absoluta do tribunal português, concretamente a competência internacional;

- Ora, a este respeito, além da alteração do objecto do recurso interposto a 08.10.2018, o mesmo sempre pecaria pela intempestividade, desta feita, pelo decurso do prazo de interposição, considerando que o despacho que se pronunciou sobre o ponto data de 05.02.2018, entretanto notificado à mãe das crianças - porque a mesma não se encontrava em situação de revelia absoluta.

- Mas, ainda que se entendesse que tal notificação ocorrera nos termos do art.º 249º, n.º 4 do CPC, tal notificação teria ocorrido a 20.7.2018 - data em que a Exma. Mandatária da mãe das crianças foi integralmente notificada de tudo quanto consta dos autos -, pelo que o prazo legal de interposição do recurso, face à norma do art.º 638º do CPC, há muito que se encontra expirado.


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III. Por despacho do relator de 09.3.2019 foi decidido manter o despacho (no segmento) reclamado (art.º 643º, n.º 4, do CPC), confirmando-se, assim, o decidido relativamente à parte do recurso considerada prematura.

Reclamou então a requerida/recorrente, ao abrigo do disposto nos art.ºs 643º, n.º 4, in fine, e 652º, n.º 3 do CPC, requerendo que sobre o despacho reclamado recaia um acórdão - que admita a subida imediata, em separado, do recurso de apelação interposto pela requerida em 08.10.2018 -, mantendo, no essencial, o já (reiteradamente) aduzido nos autos.

O recorrido pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.

Importa, agora, decidir em conferência.


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IV. 1. Cumpre apreciar e decidir, considerando, desde logo, o teor da decisão singular (que se reproduz):

            «(…) Sabendo-se que importa actuar “o direito dos menores ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”[2], e que, independentemente das concretas circunstâncias de cada caso, os pais devem saber pôr os filhos em primeiro lugar, mostrar civismo em prol dos filhos, pela simples razão de que os filhos precisam de ambos, cabendo ao tribunal ajudar os pais a trabalhar em conjunto tendo em vista o bem-estar dos seus filhos[3], não podemos deixar de constatar que é deveras estranho que - porventura menosprezando a verdade, a realidade e a razoabilidade… -, transcorridos mais de 4 (quatro) anos, não tenham aqueles interesses e direitos sido devidamente acautelados, face à ausência de contactos entre pai e filhos![4]

5. Apreciemos, agora, a questão adjectiva que vem suscitada.

Salvo disposição expressa, cabe recurso das decisões que se pronunciem definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis (art.º 32º, n.º 1 do RGPTC). Os recursos são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 15 dias (n.º 3).

Nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores (art.º 33º, n.º 1 do RGPTC).

Cabe recurso de apelação: a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos (art.º 644º, n.º 1 do CPC). Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância: a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz; b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal; c) Da decisão que decrete a suspensão da instância; d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova; e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual; f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo; g) De decisão proferida depois da decisão final; h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil; i) Nos demais casos especialmente previstos na lei (n.º 2). As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1 (n.º 3). Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão (n.º 4).

       6. Como se vê, a reclamante deixou “cair” a alínea que associou à parte do despacho recorrido que veio a ser desde já admitida, ou seja, a previsão da alínea e) do n.º 2 do art.º 644º do CPC.

7. Independentemente da bondade da dita “admissão do recurso quanto aos pontos 2) e 3) do requerimento ref.ª 4486994, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo” - que aqui não cabe apreciar -, restaria, pois, o segmento ligado à previsão da alínea h) do mesmo n.º e art.º e a tardia/intempestiva (e, ao que parece, sempre renovada…) invocação da pretensa incompetência internacional dos tribunais portugueses para decidir a matéria dos autos, sendo que a problemática da (in)competência absoluta  (art.º 96º, alínea a) do CPC) terá sido objecto de decisão transitada em julgado.

       Porque, em bom rigor, também não se impõe conhecer da pretensa incompetência internacional (dos tribunais portugueses), quer pelas razões aduzidas no despacho da Mm.ª Juíza a quo de 19.12.2018 (atrás mencionadas e que se afiguram procedentes - cf. II. 3., 2ª parte, supra), quer pela posição que a própria recorrente/reclamante vem assumindo nos autos, indiciando que suscitará tal questão no momento azado (cf., designadamente, a acta da conferência de pais de 09.10.2018), resta assim, apenas, conhecer da aplicabilidade à situação em análise da citada alínea h) (do n.º 2 do art.º 644º).

E dir-se-á, desde já, que a resposta é negativa, e, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não se poderá afastar a fundamentação apresentada pela Mm.ª Juíza a quo para a “não admissão” da apelação, por prematuridade, na parte em análise.

8. Acerca da alínea h), do n.º 2 do art.º 644º do CPC importa dizer que de acordo com a doutrina e jurisprudência já sedimentada em sede de recurso de agravo (art.º 734º, nº 2, do CPC, na redacção anterior à introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24.8) e com plena pertinência no actual regime legal face à identidade das previsões legais, só a absoluta inutilidade justifica a imediata recorribilidade de uma decisão interlocutória e não situações em que o provimento do recurso pode trazer prejuízos do ponto de vista da economia processual; ou seja, a eventual retenção (do recurso) deverá ter um resultado irreversível quanto ao recurso (de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil), não bastando uma mera inutilização de actos processuais (eventual anulação do processado), ainda que contrária ao princípio da economia processual.[5]

            Na verdade, estando em causa, apenas, a eventual verificação de situação enquadrável na previsão da alínea h) do n.º 2 do art.º 644º do CPC, antolha-se evidente que a sujeição do presente caso à regra geral (em matéria de impugnação) não ditará a absoluta inutilidade de uma eventual decisão favorável em sede de recurso, ou, dito doutra forma, não determinará um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo (no resultado da acção ou na esfera jurídica dos interessados).

            E, reafirma-se, não bastará a mera inutilização de actos processuais, maior ou menor, para fazer subir o recurso imediatamente, sendo certo que uma tal (eventual) inutilização é pressuposta nos recursos com a subida diferida.[6] 

9. Ademais, estando-se perante um processo de jurisdição voluntária (art.º 12º do RGPTC) e porque as normas adjectivas visam a realização do direito substantivo, com as particularidades supra referidas (cf. II. 4., supra), menor relevância poderá/deverá ser dada a critérios de legalidade estrita (cf. o art.º 987º do CPC) e qualquer decisão do tribunal deverá visar a satisfação dos interesses em causa.[7]

            E num simples bosquejo, vê-se, claramente, que nos presentes autos (e em muito do que com eles se relaciona) terá dominado a pretensão de demonstrar, até à exaustão, que determinados princípios ou regras processuais se acham (aparentemente) violados, mas em lado algum se diz, por exemplo, que a recorrente/reclamante não tem/teve conhecimento dos presentes autos (de alteração da regulação das responsabilidades parentais, e seu objecto) e/ou deixou de estar representada por Mandatário Judicial, considerando-se, principalmente, que estamos perante uma “questão de direito” e que falta juntar aos autos a “certidão de concretização da referida citação[8]”… (veja-se, nomeadamente, os pontos 7 e 8 do requerimento de 16.8.2018).

10. Assim, quer pelas razões que decorrem do apontado regime jurídico em matéria de recursos - concluindo-se que o despacho em causa, não enquadrável na previsão dos n.ºs 1 e 2 do art.º 644º do CPC, não é imediatamente recorrível, devendo a sua impugnação relegar-se para momento ulterior, conforme se prevê nos n.ºs 3 e 4 do mesmo art.º -, quer pelas especificidades dos presentes autos de jurisdição voluntária e dos interesses que neles importa salvaguardar, entendemos que o despacho reclamado, que julgou prematuro o recurso, não merece qualquer censura, importando, sim, que se cumpra, de imediato, o que permita salvaguardar o interesse dos menores, implementando e respeitando, igualmente - sobretudo, em função daquele desiderato (cf., de novo, II. 4., supra) -, os poderes, deveres e direitos dos progenitores, pelo que, por tudo quanto se deixou exposto, nenhuma urgência reclama a (re)apreciação de pretensas “nulidades” que se diz terem sido cometidas e consequente anulação do processado e eventual prática dos actos em falta…   

            11. Por último, e atentos os extensos arrazoados do reclamante/recorrente, sempre se dirá que, em toda e qualquer situação, o interesse do recurso não poderá/deverá ser meramente académico, antes norteado, e sempre, pelos interesses da vida dos homens (e das mulheres) comuns em comum que importa regular.

12. Assim, o despacho, no segmento em causa, não merece qualquer censura.»

2. Não se vê razão para modificar a descrita fundamentação e o decidido, sendo que a reclamante nada acrescenta em abono da sua pretensão adjectiva.

            Cabendo recurso daquele segmento do despacho reclamado proferido em 1ª instância, por a decisão aí vertida não estar tipificada nos n.ºs 1 e 2 - nomeadamente, na previsão da respectiva alínea h) - do art.º 644º do CPC, deverá a mesma ser impugnada juntamente com o recurso da decisão final (n.º 3) ou após o seu trânsito em julgado (n.º 4), sendo que, reafirma-se, o recurso que a recorrente pretende ver apreciado não tem por objecto qualquer decisão relativa à competência absoluta do Tribunal.

            Resta, pois, confirmar o supra referido despacho do relator de 09.3.2019 que sancionou o despacho reclamado proferido pela Mm.ª Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra/Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz.


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            V. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a reclamação e confirmar o despacho reclamado.
            Custas pela recorrente/reclamante.

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21.5.2019

Fonte Ramos ( Relator)

Maria João Areias

Alberto Ruço



[1] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.

[2] Vide Almiro Rodrigues, Interesse do Menor – Contributo para uma Definição, Revista de Infância e Juventude, n.º1, 1985, págs. 18 e seguinte.
[3] Vide, a propósito, T. Berry Brazelton e Syanley I. Greenspan, A Criança e o Seu Mundo – Requisitos Essenciais para o Crescimento e Aprendizagem, Editorial Presença, 5ª edição, 2006, págs. 52 e seguintes.
[4] Assim se conclui atentando, por exemplo, ao período temporal indicado no ponto 2. (sob o enquadramento “Do Direito”) da decisão de 11.9.2018 (que cremos não faltar à verdade…), à posição assumida pela Exma. Mandatária na conferência dos pais de 09.10.2019 e aos subsequentes despachos no sentido de viabilizar os contactos entre o requerente/pai e as crianças (cf., v. g., os despachos de 09.10.2018, 19.12.2018 e 17.01.2019).

[5] Vide J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, págs. 155 e seguinte e, entre outros, os acórdãos do STJ de 21.5.1997 e da RC de 12.01.2010-processo n.º 102/08.5TBCDN-A.C1 e 26/11.9TBMDA-A.C1, publicados, o primeiro, no BMJ 467º, 536 e, os restantes, no “site” da dgsi.

   No sentido da não inconstitucionalidade do regime em causa, vide, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 208/93 (in DR, II série, de 28.5.1993) e 501/96 (in Acórdãos do TC, 33º vol., pág. 711).
[6] Vide, ainda, nomeadamente, A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 159 e seguinte.
[7] Vide Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, 1982, págs. 400 e 401.
[8] Rectificou-se lapso manifesto da decisão singular.