Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
113/11.3TACSD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: MANDATÁRIO
NOTIFICAÇÃO
PRESUNÇÃO
ILIDIR PRESUNÇÃO
CTT
Data do Acordão: 11/13/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 113.º, N.º 2 DO CPP E 254.º, N.º 3 E 6 DO CPC
Sumário: 1.- O mandatário que pretender ilidir a presunção de notificação, nos termos do artigo 254.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, tem de alegar a notificação tardia e oferecer a respetiva prova no momento da prática do ato, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida;

2.- Para que possa ilidir a presunção em causa, a lei exige não só a demonstração de que a notificação não foi efetuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, mas também a demonstração de que tal ocorreu por razões que não lhe sejam imputáveis;

3.- Quem se constitui mandatário no âmbito de processos judiciais e sabe que, por isso, vai receber notificações para a prática de determinados atos, deve providenciar no sentido de haver alguém disponível para receber essas notificações ou, pelo menos, para consultar regularmente a caixa de correio para se inteirar dos avisos de registos que os correios ali depositem;

4.- Não é com base no prazo concedido no aviso dos CTT para o levantamento da carta que o advogado do arguido consegue demonstrar que foi por razões alheias à sua vontade que a notificação ocorreu em data posterior à presumida

Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. No 2º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 113/11.3TASCD, por sentença de 17 de Outubro de 2012, o arguido A... foi condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho previsto e punido pelo artigo 360.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz o montante de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), assim como a pagar à assistente B... a quantia de € 600,00 (seiscentos euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da notificação para contestar o pedido civil até efectivo e integral pagamento.

2. Inconformado com esta decisão, o arguido dela interpôs recurso, quer no que respeita à parte penal da sentença, quer no que tange à parte civil.

3. Por acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 8 de Maio de 2013, constante de fls. 411 a 429, foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação nos seguintes termos:

a) rejeitar o recurso interposto pelo arguido na parte relativa à indemnização civil por a sentença ser irrecorrível, nesta parte;

b) julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido quanto à parte criminal da sentença, confirmando a decisão recorrida.

                                          *

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, a que acresce a condenação no pagamento de importância equivalente a 3 UC nos termos do n.º 3 do artigo 420.º do Código de Processo Penal.».

4. Notificado do acórdão, na pessoa do seu ilustre defensor por via postal registada em 10/5/2013, veio o arguido A..., invocando o disposto no artigo 669.º, n.º 1, a) do CPC ex-vi artigo 4.º do CPP, juntar aos autos o requerimento de fls. 434 a 436, o qual foi enviado por fax no dia 3 de Junho de 2013.

5. Em 5 de Junho de 2013 foi proferido despacho, que ordenou o desentranhamento e restituição do requerimento de fls. 434 a 436 por ser manifestamente extemporâneo, com a seguinte fundamentação:

«Requerimento de fls. 434 a 436:

Notificado do acórdão de fls. 411 a 429 veio o arguido A..., invocando o disposto no artigo 669.º, n.º 1, a) do CPC ex-vi artigo 4.º do CPP, juntar aos autos o requerimento em epígrafe, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o qual foi enviado por fax no dia 3/6/2013.

Conforme resulta dos autos o ilustre advogado do arguido foi notificado do acórdão por via postal registada no dia 10/5/2013 pelo que o prazo de dez dias terminou no dia 27/5/2013, podendo, contudo, o acto ser praticado, mediante o pagamento de multa, até ao dia 30/5/2013.

Assim, por ser manifestamente extemporâneo desentranhe e restitua ao apresentante o requerimento em apreço.

Custas pelo apresentante, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC´s (artigos 10.º do RCP, 447-B do CPC e 521.º do CPP).

Notifique.»

6. Desta decisão vem agora o arguido reclamar para a conferência.

7. Notificado o Ministério Público para, querendo, responder no prazo de dez dias, este nada disse.

8. Notificada a assistente B... para os referidos efeitos, esta também nada disse.

9. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

                                          *

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. A questão da extemporaneidade do requerimento de fls. 434 a 436.

Sustenta o reclamante que o acórdão foi notificado ao seu mandatário em data posterior à presumida, mais concretamente em 21/5/2013 – juntando cópia da pesquisa de objectos via www.ctt.pt – pelo que o prazo para suscitar o pedido de esclarecimento terminava em 31/5/2013, acrescentando que o seu requerimento de fls. 434 a 436, enviado por fax em 3/6/2013, deu entrada em juízo no 1º dia posterior ao termo do prazo, assim se justificando o pagamento da multa (1º dia).

Em seu abono invoca duas normas legais, a saber, o artigo 113.º, n.º 2 do CPP e o artigo 254.º, n.º 6 do CPC aplicável ex-vi artigo 4.º do CPP.

O artigo 113.º, n.º 2 do Código de Processo Penal dispõe o seguinte:

«Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do envio, devendo a comunicação aplicável constar do acto de notificação».

O artigo 254.º, n.º 6 do Código de Processo Civil estatui o seguinte:

«As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis».

No âmbito das notificações por via postal, a data que, por regra, se há-de considerar como da notificação é a que a lei presume e não a da efectiva notificação (artigos 113.º, n.º 2 do CPP e 254.º, n.º 3 do CPC).

Sendo assim, nos termos do n.º 2 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a notificação do acórdão ao ilustre advogado do arguido considera-se efectuada no 3º dia útil posterior ao do envio, ou seja, no dia 15/5/2013, posto que o envio ocorreu no dia 10/5/2013.

O requerimento de fls. 434 a 436, apresentado pelo arguido, foi enviado por fax no dia 3/6/2013.

O arguido dispunha do prazo de 10 dias para suscitar qualquer pedido de esclarecimento.

Uma vez que o prazo para a apresentação de eventual pedido de esclarecimento se iniciou no dia 16/5/2013, o prazo de 10 dias terminou no dia 25/5/2013.

Como o dia 25/5/2013 foi um sábado, o termo do prazo transferiu-se para o primeiro dia útil seguinte, isto é, para a segunda-feira, dia 27/5/2013, podendo, no entanto, mediante o pagamento de uma multa, o acto ser praticado nos três dias úteis subsequentes, ou seja, até 30/5/2013 – artigo 145.º, nºs 5 e 6 do CPC ex-vi artigo 107.º, n.º 5 do CPP.

Por conseguinte, há-de concluir-se que o requerimento de fls. 434 a 436, enviado por fax no dia 3/6/2013, foi apresentado fora do prazo legal, assim como dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo.

Sucede que, como resulta do documento ora junto pelo reclamante, no dia 14/5/2013, tentada a entrega da correspondência registada no escritório do ilustre advogado do arguido, a mesma não foi possível, tendo-lhe sido deixado aviso, acabando a correspondência por ser levantada, apenas, no dia 21/5/2013, ainda no prazo que para o efeito lhe foi concedido pelos CTT.

Em face disto pretende, agora, o arguido socorrer-se desta data da entrega como sendo aquela em que a notificação se deve considerar efectuada ao seu mandatário.

Não lhe assiste razão, a nosso ver.

Não há dúvidas de que a lei permite que a presunção de notificação acima mencionada seja ilidida, pois está em causa uma presunção relativa.

No entanto, o mandatário que pretender ilidir a presunção de notificação, nos termos do artigo 254.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, tem de alegar a notificação tardia e oferecer a respectiva prova no momento da prática do acto, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida([i]).

Ora, analisado o requerimento de fls. 434 a 436, apresentado fora do prazo fixado em função da notificação que deve considerar-se feita em 15/5/2013, logo se verifica que nada foi alegado no sentido de ilidir a presunção em análise, ficando assim precludido o correspondente direito.

Acresce que a lei exige, para que possa ilidir-se a presunção em causa, não só a demonstração de que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, mas também a demonstração de que tal ocorreu por razões que não lhe sejam imputáveis.

Como assim, se a notificação tiver ocorrido em data posterior à presumida por razões imputáveis ao notificado ou se nem sequer puder determinar-se a razão do assim ocorrido, deve considerar-se que a notificação se efectivou na data presumida.

Ora, quem se constitui mandatário no âmbito de processos judiciais e sabe que, por isso, vai receber notificações para a prática de determinados actos, deve providenciar no sentido de haver alguém disponível para receber essas notificações ou, pelo menos, para consultar regularmente a caixa de correio para se inteirar dos avisos de registos que os correios ali depositem.

Assim, impunha-se ao ilustre advogado do arguido que estivesse minimamente atento à correspondência que lhe fosse dirigida por via postal por este tribunal e que providenciasse no sentido de, pelo menos, ser consultada regularmente a sua caixa de correio para verificação da existência de qualquer aviso ali depositado; mais se lhe impunha que, constatado o depósito de qualquer aviso postal referente a uma carta proveniente deste tribunal, providenciasse diligentemente pelo respectivo levantamento.

E nem se diga que a circunstância de a carta ter sido levantada dentro do prazo fixado no aviso dos CTT afasta o dever de diligenciar prontamente pelo respectivo levantamento.

Na verdade, o prazo concedido no aviso dos CTT para o levantamento da carta é um prazo emergente de uma norma administrativa interna, uniformizando o modo de actuar do pessoal dos correios perante uma determinada situação, o qual, para o destinatário, tem apenas o significado de que, não sendo a correspondência levantada no prazo fixado, a mesma será devolvida([ii]).

Não é, pois, com base nesse prazo fixado administrativamente pelos CTT que o ilustre advogado do arguido consegue demonstrar que foi por razões alheias à sua vontade que a notificação ocorreu em data posterior à presumida.

Em face do exposto, há-de concluir-se que o requerimento de fls. 434 a 436, enviado por fax no dia 3/6/2013, foi apresentado fora do prazo legal de dez dias que findou em 27/5/2013, bem como dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo.

                                          *

III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em ordenar o desentranhamento e restituição ao apresentante do requerimento de fls. 434 a 436 por ser manifestamente extemporâneo.

 Custas pelo apresentante, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC´s (artigos 10.º do RCP, 447-B do CPC e 521.º do CPP).

                                          *

                                          *

                   Coimbra, 13 de Novembro de 2013

Fernando Chaves (Relator)

Jorge Dias


[i] - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/2/06, Proc.º 05B4290, disponível em www.dgsi.pt/jstj, que confirmou um Acórdão da Relação de Lisboa nesse sentido proferido no âmbito do Proc.º 1452/05.
[ii] - Neste sentido, Acórdãos da Relação de Coimbra de 23/1/07, in CJ, Tomo I, pág. 8 e da Relação de Lisboa de 9/2/2010, Proc.º 122-C/1998.L1-7, disponível em www.dgsi.pt/jtrl.