Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3189/22.4T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: AMORTIZAÇÃO DE AÇÕES
DELIBERAÇÃO RENOVATÓRIA
PRAZO DE CADUCIDADE
INTERESSES PROTEGIDOS
INTERRUPÇÃO DA CADUCIDADE
Data do Acordão: 12/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 289.º, 329.º, 331.º DO CÓDIGO CIVIL, 62.º E 347.º, N.º 6, DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: I – A deliberação societária que renova uma deliberação de amortização é, ela própria, uma deliberação de amortização, encontrando-se sujeita aos mesmos requisitos de validade da deliberação que se pretende renovar, designadamente em matéria de caducidade, pelo que sempre teria de ser cumprido o prazo concedido para o direito originário de amortização.
II – Doutro modo, a deliberação renovatória apenas ficaria sujeita ao prazo ordinário de prescrição, de 20 anos, o que não se pode aceitar, por poder subverter a segurança e certeza da vida das sociedades e por inerência, dos seus sócios, caso se permitisse que decorridos 5, 10 ou mais anos, se viesse a tomar deliberação renovatória de uma deliberação cujo objeto havia sido a amortização de ações, para além do prazo que a lei estipula para a própria amortização originária.

III – Tendo em conta que a caducidade não é impedida pela manifestação de vontade de exercer o direito, só um ato válido tem aptidão para a interromper, sendo ainda que, no caso, nenhuma das deliberações renovatórias foi tomada com eficácia retroativa (existência apenas de sucessão temporal de deliberações e não substituição total de deliberações).

Decisão Texto Integral: Relator:
Arlindo Oliveira
Adjuntos:
Catarina Gonçalves
José Avelino Gonçalves

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA, residente na Av. ..., .... ..., Apartamento ...5, ..., ..., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., S.A., com sede em ..., ..., ..., pedindo que:

- seja declarada a anulabilidade/nulidade das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral extraordinária de 16 de Março de 2022, tudo com as demais consequências legais.

Alega, para o efeito, que é titular de 2.388.551 acções da Ré, correspondentes a 50% do seu capital social, sendo a parte restante detida pela sociedade B..., SGPS, S.A.

A Ré e as sociedades operacionais, deram origem ao processo n.º 1281/18.... que corre os seus termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo de Comércio 2, arrestando a generalidade do património pessoal do Autor, onde se inclui a participação social do Autor na Ré.

Em 15 de Abril de 2019, foi promovida pela B... a amortização das acções do Autor, sem qualquer contrapartida, bem como a subsequente deliberação de redução e aumento de capital social.

O Autor intentou contra a Ré acção de anulação das deliberações, na sequência da qual foram anuladas e declaradas nulas as deliberações em causa uma vez que não havia qualquer fundamento para amortizar, por decisão transitada em julgado em 23.09.2021.

Antes do processo terminar, a R., em assembleia realizada no dia 22.01.2021, renovou a deliberação de 15.04.2019.

O Autor impugnou as deliberações aí tomadas por total inobservância das regras estatutárias relativas ao processo de amortização das acções e por se tentar – com a tal deliberação – tornar válido aquilo que os tribunais já haviam declarado inválido.

As deliberações adoptadas na assembleia geral extraordinária de 22.01.2021 foram suspensas e anuladas, nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea a) e 347º, nº 1 do CSC e decretada a inversão do contencioso, no âmbito do procedimento cautelar que correu termos no Juízo de Leiria, cuja decisão transitou em julgado. Da declaração de inversão do contencioso, resultou a propositura pela Ré do proc. nº 2187/21...., que corre no Juízo de Comércio ...;

Em 16.03.2022, realizou-se nova Assembleia Geral, deliberando a renovação da deliberação de 22.01.2021, de amortização das acções do A. como a consequente redução de capital, alteração do pacto social, deliberação sobre a contrapartida e criação de uma reserva legal.

Esta deliberação é ilegal, porquanto, o direito de amortizar as acções do A. já havia caducado aquando da realização da assembleia geral de 22.01.2021.

Não prevendo os estatutos qualquer prazo para a deliberação de amortização, seria aplicável o prazo supletivo de seis meses previsto no artigo 347º, nº6 do CSC.

Assim, tendo decorrido o prazo de 6 meses contado da data do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto (prazo supletivo previsto no artigo 347º, nº6 do CSC), há muito que se encontra caducado o eventual direito de amortização das acções do A., com a consequente, anulabilidade da deliberação, por violação dos estatutos da Requerida (artigo 58º, nº1, al. a) e 347º, do CSC).

A deliberação de 16.03.202 estaria a renovar deliberações, não só, anuláveis mas, já anuladas, o que reforça a impossibilidade da sua renovação.

Esta deliberação foi impugnada no procedimento cautelar que correu seus termos neste juízo com o nº 1279/22.....

Sustenta ainda que houve violação do direito às informações preparatórias da assembleia geral, uma vez que o A. não teve acesso a qualquer relatório de avaliação alegadamente feito por ROC independente, que deveria acompanhar a deliberação, por estar em causa amortização das acções do A., relativamente às quais deve ser calculada a respectiva contrapartida, nos termos do disposto no artigo 7º, nº6, dos Estatutos e artigo 105º, nº2, do CSC.

A convocatória padece de vícios de convocatória, geradores de nulidade nos termos do art. 56º, nº2 do CSC.

Não se verificando qualquer das excepções previstas no artigo 347º, nº7 do CSC, aplica-se o disposto no artigo 95º, nº1 do CSC, sendo que, sem que se mostre determinada a contrapartida a pagar, não poderá a deliberação ser deliberada, existindo violação do disposto no artigo 95º, nº1, do C.S.C.

A deliberação de amortização das acções do A. é abusiva, servindo apenas o propósito da accionista B... de amortizar e extinguir as acções do A. sem qualquer contrapartida, afastando-o compulsivamente da sociedade, assim assegurando para a B... o domínio total da C....

*

Citada, a R. contestou invocando a excepção de litispendência por se encontrar pendente a providência cautelar nº 1279/22.... com pedido de inversão do contencioso.

Alega ainda que não se verifica a caducidade do direito de amortização, porque o prazo de caducidade se extingue com o seu exercício, o que ocorreu logo aquando da deliberação de amortização de 15.04.2019.

Assim, aquando das deliberações renovatórias de 22.01.2021 e de 16.03.2022 já não se encontrava a correr qualquer prazo de caducidade mas unicamente o prazo geral de prescrição.

Regulando o artigo 7º dos Estatutos Sociais os prazos para o exercício do direito de amortização, apenas se pode aplicar o prazo injuntivo que constitui o limite da liberdade de estatuição estatutária, o que significa que o direito de amortização deve ser exercido no prazo de 60 dias contados do prazo de 90 dias concedido ao accionista para sanar o ilícito estatutário – mas sempre com o prazo máximo de um ano a contar do direito à amortização – prazo legal injuntivo (artigo 347, nº 6 CSC).

O requerente age em abuso de direito nas modalidades de tu quoque e de venire, ao impugnar a deliberação de 16.03.2022 com fundamento na caducidade: criou através de expedientes dilatórios, a situação do decurso do tempo – suposta caducidade – que vem invocar como sendo fonte da invalidade da deliberação.

Na impugnação da deliberação de 15.04.2019, o Autor sustentou que a amortização foi adoptada demasiado cedo, impedindo-o de beneficiar de mais tempo para sanar o ilícito estatutário e agora, depois de renovados os procedimentos estatutários, cumprindo todas as exigências reclamadas pelo Autor, concedendo-lhe mais tempo para sanar o ilícito estatutário, vem invocar que a amortização foi adoptada demasiado tarde.

Não foi disponibilizado ao requerente o Relatório de avaliação das acções elaborado por um ROC, porquanto, o ROC independente, nomeado pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, ainda não elaborou tal relatório, estando em curso a sua elaboração.

O processo estatutário de amortização foi integralmente observado, inexistindo qualquer violação do direito à informação e do artigo 95º, nº 1, do CSC.

O único interesse que procurou acautelar com a deliberação de 16.03.2022 foi o interesse da R. e da sua continuidade, sendo a deliberação o resultado do cumprimento das obrigações legais impostas à R. e aos seus órgãos sociais, razão pela qual inexiste qualquer abuso de direito.

Conclui pedindo que a excepção dilatória de litispendência seja julgada procedente e, em consequência, a Ré absolvida da instância;

ou, subsidiariamente, deve a acção ser julgada improcedente e, em consequência, deve a Ré ser absolvida dos pedidos contra si formulados nos presentes autos;

ou, subsidiariamente, caso se entenda existir alguma invalidade da deliberação de 16.03.2022, requer que seja concedido à Ré, ao abrigo do disposto no artigo 62º, nº 3, do CSC, um prazo côngruo para renovar a deliberação de 16.03.2022, desse modo sanando a invalidade que seja imputada às mesmas.

*

O A. respondeu às excepções deduzidas pela R., por requerimento de 24.10.2022.

Por despacho de 27.01.2023, considerou-se que os autos dispunham de todos os elementos que habilitavam a que se conheça de imediato do mérito da causa, tendo as partes sido notificadas para se pronunciarem, o que vieram fazer por requerimentos de 13.02.2023.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, foi proferida a decisão de fl.s 1832 a 1857 v.º (aqui recorrida), na qual se procedeu ao saneamento dos autos, tendo sido julgada improcedente a invocada excepção de litispendência; se determinaram as questões a decidir e se fixou a matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Em face do exposto, julgo a presente acção procedente e, consequentemente, decide-se:

- Declarar a anulabilidade das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral Extraordinária da Ré de 16 de Março de 2022 de acordo com o disposto no artigo 58º nº 1 al. a) e 347º, nº 6 do Código das Sociedades Comerciais.

Absolvo o A. dos pedidos deduzidos pela R.

Custas pela Ré (art. 527º, nº 1 e 2 do CPC).”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré, A..., SA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 1885), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A. O presente recurso é interposto da sentença datada de 27.06.2023 (ref.ª citius 103722617) — a Sentença Recorrida —, na qual o Tribunal a quo declarou a anulabilidade da Deliberação de 16.03.2022 de acordo com o disposto no art. 58.º, n.º 1, al. a) e 347.º, n.º 6 do CSC.

B. A Recorrente não se pode conformar a decisão constante da Sentença Recorrida, porquanto (i) não existe prazo para a renovação de uma deliberação social anulável; e (ii) a Deliberação de 15.04.2019 não só era apta a impedir a suposta caducidade de direito de amortização, como efetivamente impediu.

C. O artigo 7.º dos Estatutos mereceu uma dupla aprovação por parte do Recorrido, estando este inteiramente consciente de que (i) o conceito de “arresto” nos Estatutos é o ato material de apreensão judicial das ações praticado pelo Agente de Execução e (ii) um dos objetivos essenciais da norma estatutária sub judice é o de permitir o afastamento de acionistas que se encontrem numa situação que indiciam as suas dificuldades financeiras e correspondente falta de meios financeiros para aportar o processo de recuperação financeira da Recorrente, sendo exatamente esta a situação do Recorrido.

D. A Deliberação de 16.03.2022 corresponde ao culminar do processo de renovação da deliberação de amortização das Ações com fundamento no seu arresto em conformidade com as decisões dos Tribunais quanto ao modo de exercício do direito à amortização previsto no artigo 7.º dos Estatutos, tendo a Recorrente cumprido todos os passos e requisitos que os Tribunais consideraram necessários para a amortização válida das Ações

nas suas decisões sobre as anteriores deliberações de amortização.

DA INEXISTÊNCIA DE PRAZO PARA A RENOVAÇÃO DE UMA DELIBERAÇÃO SOCIAL

E. Uma deliberação renovadora não se encontra sujeita a qualquer prazo de caducidade.

F. Não se pode confundir o exercício originário do direito de amortização com o direito de renovar a deliberação de exercício do direito de amortização, sendo que o disposto no artigo 347.º, n.º 6 do CSC, bem como no artigo 7.º dos Estatutos, refere-se apenas ao prazo para a tomada da deliberação social de amortização e não ao prazo da correspetiva deliberação de renovação.

G. O direito de renovação de deliberações sociais é regulado especificamente pelo artigo 62.º do CSC, o qual não prevê qualquer prazo para o exercício do direito de renovação de deliberações sociais. A ratio legis desta norma é a do aproveitamento dos atos jurídicos já praticados e não se coaduna com curtos prazos de caducidade ou prescrição para o efeito.

H. A sujeição do exercício do direito de renovação ao mesmo prazo de caducidade a que está sujeito o exercício do direito original contraria frontalmente o disposto no artigo 62.º, n.º 3, do CSC, o qual se tornaria, na prática, impossível de aplicar.

I. O legislador não quis sujeitar a renovação de uma deliberação social inválida a qualquer prazo de caducidade, muito menos ao prazo de caducidade para o exercício do direito original. Caso contrário, não teria consagrado a norma constante do artigo 62.º, n.º 3, do CSC, a qual fica desprovida de utilidade prática no contexto do entendimento defendido na Sentença Recorrida, contrariando e negando o favor societatis e o princípio da estabilidade das deliberações sociais que o legislador pretendeu consagrar no artigo 62.º do CSC.

J. A Deliberação de 16.03.2022, tal como a Deliberação de 22.01.2021, não se encontram sujeitas a qualquer prazo de caducidade, mormente ao prazo de caducidade do direito à amortização das Ações, visto que estas deliberações constituem deliberações sociais renovadoras da deliberação em que se exerceu o direito de amortização das Ações com fundamento em arresto, nos termos do artigo 7.º dos Estatutos (a Deliberação de 15.04.2019).

K. Nestes termos, deve o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida e substituí-la por outra que considere que as deliberações de renovação não estão sujeitas a qualquer prazo de caducidade e, por conseguinte, que a Deliberação de 16.03.2022 é válida e eficaz, mais julgando a presente ação totalmente improcedente.

Subsidiariamente: DO IMPEDIMENTO DO PRAZO DE CADUCIDADE

L. Apesar de ter sido anulada, a Deliberação de 15.04.2019 mantém a sua aptidão para impedir a caducidade.

M. Em primeiro lugar, porque a lei não distingue entre atos válidos e inválidos, bastando a prática do ato — a manifestação de uma intenção inequívoca de exercer o direito — para que um prazo de caducidade fique definitivamente impedido.

N. De facto, nos termos do disposto no artigo 331.º, n.º 1, do CC, o prazo de caducidade extingue-se através do exercício do direito potestativo, impedindo-se definitivamente a caducidade do direito em causa, sendo que a partir desse momento não se começa a contar novo prazo de caducidade, ficando apenas sujeito às regras gerais da prescrição.

O. A lei exige apenas a manifestação de uma intenção inequívoca de exercer o direito, não exigindo também que essa manifestação seja feita de forma válida e eficaz.

P. A Deliberação de 15.04.2019 traduziu-se numa manifestação indiscutível de vontade de exercício do direito potestativo de amortização das Ações pela Recorrente, sendo que a lei associa a esta manifestação inequívoca de vontade exteriorizada pela Recorrente por meio da Deliberação de 15.04.2019, seja ela válida ou inválida, a extinção do prazo de caducidade. É essa a ratio legis do artigo 331.º do CC.

Q. Consequentemente, aquando das Deliberações de 22.01.2021 e 16.03.2022, já não se encontrava a correr nenhum prazo de caducidade, mas apenas os prazos gerais de prescrição, sendo, portanto, também por esta razão, a Deliberação de 16.03.2022 válida e tempestiva.

R. Em segundo lugar, e sem prejuízo do já exposto, a premissa de que parte a Sentença Recorrida de que a Deliberação de 22.01.2021 já se encontra anulada — e, por conseguinte, não preserva os efeitos da Deliberação de 15.04.2019 — não corresponde à realidade, visto que a Deliberação de 22.01.2021 não foi anulada no procedimento cautelar n.º 424/21.... (e, de qualquer modo, não teria qualquer impacto no presente caso porquanto as deliberações já anuladas também são suscetíveis de renovação nos termos do artigo 62.º do CSC).

S. A Deliberação de 22.01.2021 continua, à data, a ser válida — e continuará a ser até prolação de eventual decisão de anulação no processo n.º 2187/21...., decisão essa que depende da decisão proferida nos presentes autos —, estando apenas a Recorrente impedida de a executar, por força da decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar

n.º 424/21.....

T. Ao que acresce ainda o facto de que, à data da Deliberação de 22.01.2021, a Deliberação

de 15.04.2019 ainda não se encontrar anulada, porquanto o trânsito em julgado do processo n.º 2319/19.... só veio a ocorrer a 23.09.2021.

U. A Deliberação de 22.01.2021 — a qual ainda se encontra válida, como já referido — renovou a Deliberação de 15.04.2019, pelo que, por meio desta deliberação, de acordo com o disposto no artigo 62.º do CSC, a anulabilidade da Deliberação de 15.04.2019 cessou.

V. Por sua vez, a Deliberação de 16.03.2022 — que não se encontra afetada por nenhuma das potenciais causas de invalidade da Deliberação de 22.01.2021 (e da Deliberação de 15.04.2019), tal como reconhecido expressamente pelo Tribunal a quo — veio renovar a Deliberação de 22.01.2021, assim fazendo cessar qualquer invalidade que possa ser assacada a esta deliberação, novamente nos termos do artigo 62.º do CSC.

W. Deste modo, a Deliberação de 16.03.2022 preserva os efeitos da Deliberação de 15.04.2019 (por meio da preservação dos efeitos da Deliberação de 22.01.2021), sendo que, de entre os efeitos produzidos, se deverá atender ao efeito de impedir a caducidade do direito de amortização das Ações com fundamento em arresto.

X. Resumindo, não obstante não existir um prazo de caducidade para a renovação de uma deliberação social inválida, de qualquer modo, no presente caso, o prazo de caducidade para o exercício do direito de amortização já se encontrava impedido aquando da deliberação de 16.03.2022 (apenas se encontrando a correr o prazo geral de prescrição) também por força da renovação sucessiva da Deliberação de 15.04.2019, sendo a Deliberação de 16.03.2022, mais uma vez, perfeitamente tempestiva.

Y. Assim, também nestes termos deve o Tribunal ad quem revogar a Sentença Recorrida e substituí-la por outra que considere a Deliberação de 16.03.2022 válida e eficaz, julgando a presente ação totalmente improcedente.

V. PEDIDO

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação e, em consequência, a Sentença Recorrida revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a presente ação (e, consequentemente, não declare a anulabilidade da Deliberação de 16.03.2022).

Contra-alegando, o autor, AA, pugna pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida, com o fundamento em que a deliberação que renova uma deliberação de amortização é, ela própria, uma deliberação de amortização e, nessa medida, encontra-se sujeita aos mesmos requisitos de validade da deliberação que pretende renovar, mormente no que à caducidade diz respeito, a aferir à data da deliberação renovatória, pelo que, no caso, sendo a deliberação renovada de 15/4/2019, em 16/3/2022, já havia decorrido o prazo de caducidade; acrescentando ser contrário à lei que inexista prazo para o fazer.

De igual modo, defende que a deliberação de 15/4/2019, não impediu o decurso do prazo de caducidade, porque sendo inválida, não tem aptidão para tal, uma vez que o direito apenas poderia vir a ser exercido em 2/7/2019, data do trânsito em julgado do arresto.

E contado desta data, já aquando das deliberações tomadas em 22/1/2021 e 16/3/2022, se encontrava extinto o direito de amortizar as quotas do recorrente, por caducidade, quer se considere o prazo de 6 meses ou de um ano.

A que acresce que embora a decisão de anulação proferida relativamente à deliberação de 22/1/2021, ainda não seja definitiva, neste momento se impõe às partes.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se inexiste prazo para a renovação de uma deliberação social anulável e;

B. Se apesar de anulada, a deliberação de 15/4/2019, mantém a sua aptidão para impedir a caducidade do invocado direito de amortização de quotas.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida:

1)- A Ré é uma sociedade anónima, cujo objecto social é a gestão de participações sociais noutras sociedades (certidão da matrícula comercial da R. junta pelo A. como documento nº 30).

2)- Em 15 de Abril de 2019 tinha o capital social de €23.885.510,00, correspondente a 4.777.102 acções, com o valor nominal de €5,00 cada, e era detido da seguinte forma:

- O A. era titular de 2.388.551 acções;

- a sociedade B..., SGPS, S.A. era titular de 2.388.551 acções (certidão da matrícula comercial da Ré junta pelo A. como documento 30).

3)- A Ré detém 100% do capital nas seguintes sociedades operacionais do Grupo C...:

a. D..., S.A.

b. E..., S.A.

c. F..., S.A. d. G..., S.A.

e. H..., S.A.

f. I....Ltd.Sti.

4)- A Ré é ainda titular de uma participação social, correspondente a 71,12% do capital social da sociedade J..., S.A.

5) - E é, também, por via da sociedade J..., S.A, accionista indirecta das sociedades:

a. K..., S.A., a qual é detida a 100% pela J...;

b. L..., S.A., a qual é detida em 25% pela J... e

c. M..., Lda., que é detida em 15% pela J....

6)- O Conselho de Administração da Ré, eleito para o triénio 2016/2018, era composto pelos seguintes administradores:

a. O Requerente, AA (Presidente);

b. BB, Vogal;

c. CC, Vogal;

d. DD, Vogal; e

e. EE, Vogal (certidão da matrícula comercial da Ré).

7)- O A. e BB foram suspensos do exercício das funções de administradores da Ré, tendo sido, posteriormente, destituídos judicialmente das funções de administração na R., por sentença proferida a 05.06.2019, no âmbito do processo que correu termos sob o nº 4039/17.... neste Juízo de Comércio, já transitada em julgado (documentos 4 e 6, juntos com a contestação).

8)- O artigo sétimo do contrato de sociedade da Ré intitulado “amortização de acções”, tem o seguinte teor:

“1. É admitida a amortização compulsiva de acções pela sociedade, sem consentimento do respectivo titular, nos casos que se seguem, sempre que a situação que origine o direito à amortização se mantenha após noventa dias a contar da comunicação pelo Conselho de Administração dessa mesma situação ao accionista em causa:

a) Por acordo com o titular das ações;

b) Se o accionista for declarado insolvente, interdito, inabilitado ou incapaz;

c) Se uma sociedade accionista for dissolvida ou for declarada insolvente;

d) Se as acções forem penhoradas, arrestadas ou, por qualquer outra forma, sujeitas a apreensão judicial;

e) Se, em caso de divórcio ou de separação judicial do accionista, as respetivas acções forem adjudicadas ao seu cônjuge;

f) Se um accionista violar qualquer disposição do contrato social, com relevo para o preceituado no artigo sexto;

g) Nos demais casos previstos na lei.

2. O exercício do direito de amortização de acções pela sociedade é da competência da Assembleia Geral.

3. A deliberação sobre o exercício do direito de amortização deve ser tomada por maioria dos votos emitidos, não cabendo direito de voto às acções objeto de decisão.

4. A Assembleia Geral deverá exercer aquele direito no prazo de sessenta dias contados do final do prazo referido no número 1 do presente artigo.

5. A amortização considera-se efectuada mediante a comunicação da deliberação respectiva ao accionista ou ao terceiro por ela afetado.

6. Salvo o caso de acordo das partes em contrário, o valor da amortização de acções é calculado nos termos das regras estabelecidas no nº 2 do artigo 105º do Código das Sociedades Comerciais.

7. O valor fixado para a amortização das acções será pago pela sociedade em três prestações iguais, vencendo-se a primeira trinta dias após a realização da amortização e as segunda e terceira, respetivamente, seis meses e um ano depois do vencimento daquela”. (documento 28 junto com a petição inicial)

9)- A introdução da cláusula mencionada no artigo anterior foi realizada mediante a reformulação integral dos estatutos da Ré, aprovada, por unanimidade dos votos da totalidade do capital social, onde se incluía o A., na reunião da Assembleia Geral da Ré de 11 de Outubro de 2013 (documento 2 junto com a contestação).

10)- J..., S.A.; F..., S.A.; D..., S.A., E..., S.A. e G..., S.A. instauraram neste Juízo de Comércio, contra o A., procedimento cautelar de arresto, autuado sob o nº 432/18..... (documento 5 junto com a contestação)

11)- Por decisão proferida no processo nº 432/18...., em 20 de Fevereiro de 2018, foi determinado o arresto dos seguintes bens:

- Fracção autónoma “AR” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...35, inscrito na matriz predial ...57;

- Fracção autónoma “M” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...54, inscrito na matriz predial sob o artigo ...94;

-Fracção autónoma “AC” do prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...46, inscrito na matriz predial sob o artigo ...36;

- Fracção autónoma “DJ” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...50, inscrito na matriz predial sob o artigo ...58;

- Prédio urbano, correspondente a casa de habitação e comércio e a terreno, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...61, inscrito na matriz predial através dos artigos 54, 13087 e ...88.

- Prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...66, inscrito na matriz predial sob o artigo ...60;

- Prédio rústico sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...67, inscrito na matriz predial sob o artigo ...59;

- Acções representativas de 50% do capital social da C... – SGPS, S.A. detidas pelo Requerido; - Ações representativas de 30,45% do capital social da N..., S.A. detidas pelo Requerido;

- Acções representativas da totalidade do capital social da O..., S.A. detidas pelo A.. (documento 5 junto com a contestação)

12)- Citado o A. apresentou oposição, pedindo, a título principal a revogação da decisão que decretou o arresto e, subsidiariamente, a redução do arresto apenas para garantia de alegado crédito não superior a €860.000,00, com levantamento do arresto efectuado sobre a participação social da R. e o levantamento do arresto dos imóveis, mantendo-se o arresto da participação da O..., S.A. e arrestando-se a participação social da P..., Lda., ambas com um valor contabilístico de €2.686.898,22. (documento 5 junto com a contestação).

13)- Tendo aquele processo sido apensado aos autos n.º 1281/18...., do Juízo de Comércio ..., Juiz ..., procedeu-se à inquirição de testemunhas e em 6 de Agosto de 2018, no apenso A daqueles autos, foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida e, consequentemente, determinou o levantamento do arresto que incidiu sobre a participação social do A. nas sociedades P..., Lda. e O..., S.A., mantendo-se quanto ao demais o arresto já decretado. (documento 7 junto com a contestação).

14)- Inconformados com a decisão mencionada no artigo 13º, apelaram os aí requerentes e o aí requerido. (documento 5 junto com a contestação)

15)- O A. concluiu o seu recurso, pedindo a revogação da sentença recorrida e o levantamento do arresto que incidia sobre os seus bens. (documento 6 junto com a contestação).

16) - Datada de 7 de Novembro de 2018, CC, EE e DD, na qualidade de administradores e em representação da R., remeteram ao A. uma carta, que o mesmo recebeu em 16 de Novembro de 2018, com o seguinte teor:

“Na sequência da decisão proferida no âmbito do Processo n.º 432/18...., a correr termos no Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juiz ..., nos termos da qual foi decretada em definitivo, entre outros, o arresto das participações sociais por si detidas na sociedade A..., S.A. vimos, na qualidade de membros do Conselho de Administração, por este meio comunicar nos termos e para os efeitos do Artigo Sétimo, número 1, alínea d), dos Estatutos da C... que o arresto definitivo das ações da C... determina a sua amortização compulsiva e que o prazo de noventa dias previsto nesta cláusula se inicia com a presente comunicação. O arresto foi decretado com fundamento na responsabilidade civil de V. Exa., por violação do dever fiduciário de lealdade enquanto administrador das Sociedades Participadas da C..., causando danos superiores a dois milhões de euros (cf. Cópia da Sentença de Decretamento Inicial do Arresto e da Sentença de Decretamento Definitivo de Arresto, proferidas no âmbito do Processo n.º 432/18...., que se anexam à presente comunicação como Documento nº 1 e nº 2 e cujo teor aqui se dá por reproduzido).

No âmbito deste processo julgou-se provada a existência de um conjunto de empresas concorrentes com o Grupo C..., administradas de facto e controladas por V. Exa., para onde são desviadas matérias-primas, segredos comerciais, fluxos financeiros e oportunidades de negócio. Também neste processo se julgou provada a imputação às Sociedades do Grupo C... das duas despesas pessoais – obras em habitação pessoal, despesas de dois casamentos, viagens particulares, ordenado do jardineiro particular – e a prática de atos fraudulentos de desvio de dinheiro para contas pessoais, frequentemente com falsificação de documentos. Estes factos demonstrativos da violação sistemática do dever fiduciário de lealdade por parte de V/ Exa. também foram julgados provados no âmbito do processo n.º 4039/17...., que corre termos no Juízo de Comércio do Tribunal Judicial ... – Juiz ..., no qual V/ Exa. foi suspenso do exercício do cargo de administrador da C... (cf. Cópia da Sentença de Decretamento Inicial da Suspensão Judicial e da Sentença de Decretamento Definitivo da Suspensão Judicial, proferidas no âmbito do Processo n.º 4039/17...., que se anexam à presente comunicação como Documentos n.º 3 e n.º 4 e cujo teor aqui se dá por reproduzido).

O facto de V. Exa. ser administrador de facto e dono e beneficiário efetivo de um conjunto de empresas concorrentes com o Grupo C..., que gere através de testas-de-ferro, também foi julgado provado por sentença proferida pelo Juízo de Comércio do Tribunal da Comarca de Leiria – Juiz ..., no âmbito do processo n.º 1617/15...., num litígio que opõe V. Exa. à sociedade Q..., S.A. e em que a C... e as suas Participadas não tiveram qualquer intervenção (cf. Cópia da Sentença proferida no âmbito do processo n.º Processo: 1617/15...., que se anexa à presente comunicação como Documento n.º 5 e cujo teor aqui se dá por reproduzido).

Estes factos demonstram um comportamento sistemático e reiterado de violação do dever fiduciário de lealdade por parte de V. Exa., tornando inexigível – e inclusivamente insustentável – a permanência de V. Exa. enquanto acionista da C.... Damos nota de que, findo o prazo de noventa dias previsto no Artigo Sétimo, número 1, alínea d), dos Estatutos da C..., reunirá a assembleia geral da C... para que os acionistas deliberem a amortização das ações detidas por V. Exa. no capital social da C... e que o Conselho de Administração proporá o voto favorável à amortização.” (documento 8 junto com a contestação).

17) - Datada de 21 de Dezembro de 2018, CC, EE e DD, na qualidade de administradores e em representação da Ré, remeteram ao autor a carta que constitui o documento 9 junto com a contestação, recebida em 27 de Dezembro de 2018, com o seguinte teor: “Na sequência da comunicação enviada a V. Exa. por este Conselho de Administração, por email e carta no dia 7 de Novembro de 2018, para sanar, no prazo de noventa dias, a causa que permite a amortização das acções da A..., S.A., vimos por este meio, na qualidade de membros do Conselho de Administração e em cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 105.° do Código das Sociedades Comerciais, aplicável ex.vi. artigo sétimo, n.º 6, dos Estatutos da C..., solicitar que V. Exa. indique, no prazo de dez dias a contar da receção da presente carta, um Revisor Oficial de Contas para o cálculo da contrapartida a pagar pela C... na sequência da amortização das ações detidas por V. Exa.”.

18)- O autor não respondeu às comunicações mencionadas nos artigos 16º e 17º.

19)- Em 20 de Fevereiro de 2019, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou os recursos referidos no artigo 14º improcedentes e confirmou a decisão recorrida. (documento 5 junto com a contestação).

20) - Notificado do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, o A. apresentou, em 12 de Março de 2019, reclamação, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, ex vi do art. 666º, nº 1, do mesmo diploma, imputando ao acórdão o vício de nulidade alegando que, nas conclusões do recurso, tinha requerido que a “Relação uniformiza[sse] o critério dos capitais próprios (=ativo-passivo) e o ativo do Requerente terá um valor superior a 17 milhões de euros ou se considera que a C... tem o valor de zero euros não é apto a garantir o que quer que seja e o arresto deve ser levantado”, o acórdão “nada referiu sobre esta questão”. Acrescenta que o tribunal usou de “infundada e gratuita dualidade de critérios” pois que entendeu em relação às participações que detém nas sociedades (…), que o valor real das mesmas foi apurado pelos respetivos capitais próprios e não pelo valor nominal, mas não fez o mesmo relativamente à C... em que considerou que o valor não seria concretamente apurado. Acrescenta que a questão tem interesse para se saber se existe uma situação de excesso de garantias prestadas, pois que se se considerasse o valor nominal das participações da C... (€11.942.755,00), o arresto de bens era excessivo. Alegou ainda que o que move as Recorridas é conseguir a amortização das acções que detém junto da C..., com fundamento no seu arresto. (documento 21 junto com a contestação).

22)- Em 11 de Junho de 2019, o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que não havia omissão de pronúncia e indeferiu a reclamação mencionada, tendo esta decisão transitado em julgado em 02.07.2019. (documento 22 junto com a contestação).

23)- No dia 15 de Abril de 2019 teve lugar a Assembleia Geral da Ré, presidida por FF, “no exercício interino das funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral”, onde se encontravam presentes ou representados ambos os accionistas, encontravam-se ainda presentes DD na qualidade de membro do Conselho de Administração, e GG, em representação do Fiscal único da Sociedade (acta junta como doc.1 com a petição inicial)

24)- Nessa assembleia, com o voto favorável da accionista B... SGPS, S.A., com a menção de que o accionista AA estava impedido de votar, foi deliberado o seguinte:

i. (Ponto um da ordem de trabalhos)

A amortização das acções representativas do capital social da sociedade de que o accionista AA é titular, com fundamento no seu arresto, com a consequente redução do capital social da sociedade -redução de finalidade especial – de EUR 23.885.510 (vinte e três milhões oitocentos e oitenta e cinco mil quinhentos e dez euros) para EUR 11.942.755 (onze milhões novecentos e quarenta e dois mil setecentos e cinquenta e cinco euros) nos termos e para os efeitos do artigo 347º do CSC e do artigo 7º dos Estatutos da Sociedade, nos termos seguintes: a) Modalidade: Redução resultante da amortização de ações por deliberação da Assembleia Geral; b) Montante de redução: EUR. 11.942.755; c) Número total de ações extintas na sequência da amortização: 2.388.551acções; d) Novo montante nominal do capital social e das acções: EUR. 11.942.755, representadas por 2.388.551 acções com valor nominal de EUR. 5 cada uma.

ii. (Ponto dois da ordem de trabalhos)

A alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, que passará a ter a seguinte redação “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 11.942.755, e encontra-se dividido em 2.388.511 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma”.

iii. (Ponto três da ordem de trabalhos)

Não pagar contrapartida ao accionista AA pela amortização das acções deliberada no ponto um da ordem de trabalhos.

iv. (Ponto quatro da ordem de trabalhos)

A alocação do capital reduzido à rubrica de “Outras Variações no Capital Próprio”. (documento nº1, junto com a petição inicial).

25)- No dia 15 de Abril de 2019, pelas dezassete horas, a sociedade B..., SGPS, S.A., representada pelos seus administradores, na qualidade de única accionista da Requerida, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 54.º do Código das Sociedades Comerciais deliberou o seguinte:

i. Aprovar a nomeação do Revisor Oficial de Contas Eduardo Roque do Rosário Rêgo e ratificar todos os atos praticados, aprovando o relatório elaborado pelo mesmo, datado de 28.03.2019, relativo à avaliação dos créditos detidos pela acionista única, no valor de €26.000.000,00, convertidos em capital para realização, a título de entradas em espécie, do aumento de capital a realizar;

ii. Aprovar o aumento do capital social da sociedade através da realização de entradas em espécie, por conversão em capital social de créditos detidos pela acionista única a título de suprimentos, nos seguintes termos:

a) Modo e natureza das contribuições: mediante entradas em espécie, por via da conversão em capital social dos créditos detidos pela accionista única a título de suprimentos, no valor de €26.000.000,00;

b) Montante do aumento de capital social: €26.000.000,00, passando o capital social da sociedade de €11.942.755,00 para €37.942.755,00, por conversão de créditos a título de suprimentos detidos pela accionista única;

c) Montante nominal das novas acções: o aumento de capital será realizado através da emissão de 5.200.000 novas acções ordinárias, tituladas e nominativas, com o valor nominal de €5,00 cada;

d) Prémio de emissão: Não aplicável;

e) Prazo para o pagamento das entradas: nesta data; e

f) Subscritores do aumento de capital: a accionista única;

iii. Aprovar a alteração do número 1 do Artigo 4.º dos Estatutos da Sociedade, com a seguinte nova redação: “Artigo Quarto (Capital Social) O capital social integralmente subscrito e realizado é de €37.942.755,00, e encontra-se dividido em 7.588.551 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma”. (documento 13, junto com a contestação)

26)- No dia 15 de Abril de 2019, pelas dezassete horas e trinta minutos, a sociedade B..., S.A., representada pelos seus administradores, na qualidade de única accionista da Ré, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 54º do Código das Sociedades Comerciais, deliberou o seguinte: -

i. Aprovar a eleição das seguintes pessoas para os órgãos sociais, para o triénio 2019/2021: Presidente: CC (…) Vogal: EE Vogal: DD Vogal: HH Vogal: II Fiscal Único: Efetivo: R..., S.A. Suplente: JJ Mesa da Assembleia Geral: Presidente: FF Secretário: KK

ii. Mais deliberou que os administradores eleitos não são remunerados pelo exercício dos respetivos cargos e encontram-se dispensados de prestar caução, nos termos do artigo 396.º. n.º 5 do CSC (documento 13, junto com a contestação).

27)- Em 17 de Abril de 2019 foi requerido o registo das deliberações de amortização das acções, redução e aumento do capital social e eleição dos órgãos sociais mencionadas nos artigos 23.º a 26.º. (certidão da matrícula comercial da R.).

28)- Por acção entrada em juízo a 15.05.2019, que correu termos no Juízo de Comércio ..., Juiz ..., sob o nº 2319/19...., o A. pediu, para além do mais, a anulação das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 15 de Abril de 2019. (documento 8 junto com a petição inicial).

29) - Por sentença proferida a 11.02.2020, a acção foi julgada procedente. (sentença junta como doc...., junto com a petição inicial)

30)- Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença proferida (acórdãos juntos como doc. ...0 e ...1, juntos com a petição inicial)

31)- Na sequência dos recursos interpostos, por acórdãos proferidos a 10.12.2020 (TR...) e de 08.09.2021 (STJ) foi confirmada a decisão recorrida, que transitou em julgado a 23.09.2021. (acórdãos juntos como doc. ...0 e ...1, juntos com a petição inicial).

32)- No dia 22 de Janeiro de 2021, pelas 10h00m, teve lugar a Assembleia Geral da Ré, presidida por FF e secretariada por KK, onde se encontrava presente Sr. DD, enquanto membro do Conselho de Administração da Sociedade; a accionista B... SGPS, S.A, representada pelo Sr. Dr. LL (acta da assembleia geral, apresentada como documento 2, junta com a petição inicial)

33)- Nessa assembleia, com o voto favorável da accionista B... SGPS, S.A., foi deliberada a renovação, com efeitos retroactivos à data do trânsito em julgado do arresto, das deliberações sociais adoptadas na assembleia geral realizada no dia 15 de Abril de 2019, no sentido de amortizar as acções representativas do capital social da sociedade de que o accionista AA é titular, com fundamento no seu arresto, com a consequente redução do capital social da sociedade -redução de finalidade especial – no valor correspondente ao valor das acções amortizadas, ou seja, € 11.942.755, nos termos e para os efeitos do artigo 347º do CSC e do artigo 7º dos Estatutos da Sociedade, nos termos seguintes:

a) Modalidade: Redução resultante da amortização de ações por deliberação da Assembleia Geral;

b) Montante de redução: EUR. 11.942.755;

c) Número total de acções extintas na sequência da amortização: 2.388.551 ações;

d) Novo montante nominal do capital social e das ações: EUR. 11.942.755, representadas por 2.388.551 acções com valor nominal de EUR. 5 cada uma (acta da assembleia geral, apresentada como documento 2, junta com o requerimento inicial).

Mais foi deliberada com o voto favorável da acionista B... SGPS, S.A. a alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, para passar a ter a seguinte redação “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 28.942.755, e encontra-se dividido em 5.788.551 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma”.

Relativamente ao ponto três da ordem de trabalhos, com o voto favorável da accionista B... SGPS, mais foi deliberada renovar a deliberação de não pagar uma contrapartida ao accionista AA pela amortização das ações deliberada no ponto um da ordem de trabalhos (acta da assembleia geral, apresentada como documento 2, junta com a petição inicial).

34)- Por último, e quanto ao ponto quatro da ordem de trabalhos, com o voto favorável da accionista B... SGPS, foi deliberada a alocação do capital reduzido à rubrica de “Outras Variações no Capital Próprio” (acta da assembleia geral, apresentada como documento 2, junta com a petição inicial).

35)- Em 01.02.2022 o A. intentou providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, com pedido de inversão do contencioso, que correu termos neste Juízo de Comércio, sob o nº 424/21...., tendo o A. pedido a suspensão das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 22.01.2021 e invalidade das mesmas (doc. nº 19 junto com a petição inicial).

36)- Por sentença proferida nos autos referidos em 30.04.2021, já transitada em julgado, foi declarada a suspensão da execução das deliberações sociais tomadas na assembleia geral extraordinária da Ré realizada a 22.01.2021.

37)-Mais foi decidido deferir a inversão do contencioso e, em consequência, dispensar o A. do ónus de propor a acção principal, declarando que as deliberações adoptadas na assembleia geral extraordinária da Ré de 22.01.2021 são anuláveis, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 58º, nº1, al. a) e 347, nº1, do CSC (doc. nº 19 junto com a petição inicial).

38)- Na sequência da decisão referida em 37), a R. intentou contra o A. a acção que corre termos neste Juízo de Comércio com o nº 2187/21.....

39) - Por carta datada de 14.10.2021, recebida pelo A. a 19.10.2021, a Ré notificou o A. a conceder-lhe o prazo de noventa dias para sanação da situação de arresto das acções, nos termos e para os efeitos do artigo 7º, nº1, do Contrato de Sociedade da Ré (documento 23 e 25, junto com a petição inicial).

40) - Por carta datada de 22.12.2021, recebida pelo A., a R. comunicou-lhe o seguinte: “Na sequência da comunicação enviada a V.Ex.ª por este Conselho de Administração, por carta datada de 14 de outubro de 2021, para sanar, no prazo de noventa dias, a arresto que permite a amortização das ações da A..., S.A., vimos por este meio, na qualidade de membros do Conselho de Administração e em cumprimento do disposto no n.º2 do artigo 105.º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável ex vi Artigo Sétimo, n.º6, dos Estatutos da C..., solicitar que V.Ex.ª proponha, no prazo de 10 dias, a contar da receção da presente carta, um Revisor Oficial de Contas independente para o cálculo da contrapartida a pagar pela C... na sequência da amortização das ações detidas por V.Ex.ª (documento 24, junto com a petição inicial).

41)- Com data de 06.01.2022 o A. respondeu à missiva enviada, e indicou como ROC “S..., S.A.” (documento 25, junto com a petição inicial).

42) - Com data de 11.01.2022, a Ré respondeu à missiva, comunicando a não aceitação do ROC indicado (por existência de conflito de interesses), mais comunicando que em cumprimento do disposto no artigo n. º2 do artigo 105.º, do CSC, aplicável ex vi Artigo Sétimo, n.º6, dos Estatutos da C..., o Conselho de Administração da C... diligenciaria por solicitar à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas a indicação de ROC independente para o cálculo da contrapartida a pagar pela C... na sequência da amortização das acções (documento 26, junto com a petição inicial).

43) - A R. convocou uma Assembleia Geral, a realizar-se no dia 28.02.2022 ou em 16.03.2022, caso não se realize na primeira data, com vista a:

“Ponto Um: Deliberar sobre a renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a amortização das ações representativas do capital social da Sociedade detidas por AA, com fundamento no seu arresto, e sobre a consequente redução do capital social da Sociedade – redução de finalidade especial – de EUR 23.885.510,00 para EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) e do artigo 7.º dos Estatutos da Sociedade (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações);

Ponto Dois: Deliberar sobre a renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de Abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, que passou a ter a seguinte redação: “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 11.942.755,00, e encontra-se dividido em 2.388.511 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma” (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações);

Ponto Três: Deliberar sobre a renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a constituição de uma reserva sujeita ao regime da reserva legal, no montante equivalente a EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações).” (documento 27, junto com a petição inicial).

44) - Tal Assembleia Geral foi convocada pelo Sr. Dr. FF, na qualidade de Presidente Interino da Mesa da Assembleia Geral, e em tal convocatória constava nos elementos identificativos da sociedade Ré, para além do mais, como capital social o valor de € 23.885.510,00. (documento 27, junto com a petição inicial).

45) - A referida Assembleia Geral veio a realizar-se no dia 16 de Março de 2022, na qual compareceram: Sr. Dr. LL, em representação da B..., SGPS, S.A.; as Sras. Dras. MM e NN, em representação do Sr. AA; encontrando-se igualmente presente o administrador da Sociedade, Dr. DD. (Acta da Assembleia Geral junta como documento nº 3, da petição inicial).

Na referida Assembleia Geral da R., e com o voto favorável da B... SGPS, S.A., foi deliberado:

a. A renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de Janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a amortização das ações representativas do capital social da Sociedade detidas por AA, com fundamento no seu arresto, e sobre a consequente redução do capital social da Sociedade – redução de finalidade especial – de EUR 23.885.510,00 para EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347º do Código das Sociedades Comerciais e do artigo 7º dos Estatutos da Sociedade (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações);

b. A renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de Janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, que passou a ter a seguinte redação: “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 11.942.755,00, e encontra-se dividido em 2.388.511 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma” (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações);

c. A renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de Janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a constituição de uma reserva sujeita ao regime da reserva legal, no montante equivalente a EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações).” (Acta da Assembleia Geral junta como documento nº 3, da petição inicial).

46)- Em Assembleia Geral da Ré de 22.04.2016 foram eleitos para os cargos de Presidente e Secretário da Mesa da Assembleia Geral da Ré para o triénio de 2016/2018: o Sr. Dr. OO – para o cargo de Presidente e o Sr. Dr. FF – para o cargo de Secretário (documento 43, junto com a contestação).

47) - Por carta datada do dia 02.11.2017 o Sr. Dr. OO renunciou ao cargo de Presidente da Mesa da Assembleia Geral (documento 44, junto com a contestação).

48)- Nos termos do artigo Décimo dos Estatutos da Ré “A Mesa da Assembleia Geral é composta por um Presidente e um Secretário, podendo qualquer um deles ser accionista ou não” (documento 28, junto com a petição inicial).

49) - Nos autos de procedimento cautelar que correu termos no Juízo de Comércio ... sob o nº 3685/18.... e acção de processo comum que correu termos no mesmo Juízo de Comércio sob o nº 3685/18...., foi decidido, com trânsito em julgado, que FF tinha legitimidade, enquanto Presidente da Mesa da Assembleia Geral Interino da Sociedade para exercer tais funções (documentos 45 e 46 juntos com a contestação).

50)- Nos referidos autos de procedimento cautelar foi entendido, para além do mais, que “Assim, na falta do presidente da mesa da assembleia geral da Requerida (que havia renunciado ao cargo) e não existindo – porque não havia sido eleito – vice-presidente, cabia, efetivamente, ao secretário da mesa (eleito) assumir as funções de presidente da mesa. E cabendo ao secretário assumir e exercer as funções de presidente da mesa da assembleia geral, também tinha competência, nessa qualidade, para convocar a assembleia geral (cfr. artigo 377.º, n. º1, do C.S.C.) Assim, porque o Apelante foi convocado para a Assembleia por carta subscrita pelo secretário da mesa, na qualidade de presidente interino da mesa da assembleia geral, impõe-se concluir que o Apelante foi regularmente convocado para a aludida Assembleia (a convocatória foi subscrita por quem detinha, naquele momento, a competência para o efeito e não foi invocada qualquer outra circunstância que seja suscetível de afetar a regularidade dessa convocatória).

51)- Nos autos principais de acção comum identificados em 49) foi, para além do mais, entendido que “(…) No caso em apreço, o contrato social não contém nenhuma previsão sobre a falta do presidente eleito da mesa da assembleia geral. O pacto social não prevê a existência de um vice-presidente, mas prevê a existência de um secretário da mesa. O secretário foi eleito para o triénio de 2016 a 2018 e exercia funções quando o presidente da mesa renunciou ao cargo em novembro de 2017. Aquele passou, por isso, a assumir funções de presidente interino da mesa da assembleia a partir dessa data. (…) A convocatória não tem qualquer vício que a invalide e foi emitida no uso de um poder próprio do presidente em exercício (mesmo que interinamente) da mesa da assembleia geral (artigo 377.º, n.º1)”

52)-Tais acções, identificadas em 49), foram intentadas pelo A., AA contra a aqui sociedade Ré.

A. Se inexiste prazo para a renovação de uma deliberação social anulável.

No que a esta questão concerne, alega a recorrente que uma deliberação renovadora não se encontra assujeita a qualquer prazo de caducidade, porque não se pode confundir o exercício originário do direito de amortização, com o direito de renovar a deliberação de amortização.

Acrescentando que o artigo 347.º, n.º 6, do CSC e o artigo 7.º dos Estatutos da recorrente se referem apenas ao prazo para a tomada da deliberação de amortização e não ao prazo da deliberação renovatória.

Sendo que este é regulado pelo disposto no artigo 62.º, do CSC, que não prevê qualquer prazo.

Defende, ainda, que o legislador não quis sujeitar a renovação de uma deliberação social inválida a qualquer prazo de caducidade, muito menos para o exercício do direito de amortização, do que, conclui, ser válida e eficaz a deliberação de 16 de Março de 2022.

O recorrido, defende a bondade da decisão recorrida, com o fundamento em que a deliberação que renova uma deliberação de amortização é, ela própria uma deliberação de amortização, encontrando-se sujeita aos mesmos requisitos de validade da deliberação que se pretende renovar, designadamente em matéria de caducidade, pelo que sempre teria de ser cumprido dentro do prazo concedido para o direito originário de amortização, sob pena de isso ser feito em qualquer altura, com os graves inconvenientes daí decorrentes para a segurança e certeza na esfera da vida societária e dos sócios.

Atendendo a que as deliberações de 22/01/2021 e de 13/03/2022, foram tomadas sem efeitos retroactivos à data da deliberação renovada de 15/04/2019, é patente que foram tomadas para além do prazo de 6 meses e/ou de um ano, consentido pelo artigo 347.º, n.º 6, do CSC.

Na sentença recorrida, decidiu-se que à data da deliberação renovatória de 16 de março de 2022, o direito de amortização das quotas do autor, com fundamento no arresto, que foi decretado em 20 de Fevereiro de 2018, já se mostrava caducado.

Vejamos.

A recorrente não põe em causa que as deliberações renovatórias de 16 de Março de 2022 e de 22/1/2021 (sendo que é a 1.ª que está em causa nos presentes autos), foram tomadas para além dos prazos estabelecidos no artigo 7.º dos Estatutos (acima reproduzido no item 8.º dos factos dados como provados) e no artigo 347.º, n.º 6, do CSC, de acordo com o qual:

“Sendo a amortização permitida pelo contrato de sociedade, pode este fixar um prazo, não superior a um ano, para a deliberação ser tomada; na falta de disposição contratual, esse prazo será de seis meses a contar da ocorrência do facto que fundamenta a amortização”.

Como acima já referido, no caso em apreço, o facto em que a recorrente fundamenta o direito de amortização é o arresto, decretado em 20 de Fevereiro de 2018 (cf. item 11.º).

Como vimos, a recorrente afasta a verificação da caducidade com o fundamento em que o prazo de caducidade previsto no artigo 347.º, n.º 6, do CSC e 7.º dos Estatutos, se refere apenas à tomada de deliberação de amortização e não para a tomada da deliberação renovatória.

Será assim? Cremos que não.

Efectivamente, como defende o recorrido e foi a solução seguida na sentença recorrida, a deliberação renovatória não se pode cindir do direito originário de amortização, tendo, ao invés, de obedecer aos mesmos critérios/requisitos de validade do que a deliberação que se pretende renovar, sob pena de, como na sentença recorrida se afirma, a mesma ficar apenas sujeita ao prazo ordinário de prescrição, de 20 anos, o que não se pode aceitar, sob pena de se subverter toda a segurança e certeza da vida das sociedades e por inerência, dos seus sócios, se se permitisse que decorridos 5, 10 ou mais anos, se viesse permitir a tomada de deliberação renovatória de uma deliberação cujo objecto havia sido a amortização de acções, para além do prazo que a lei estipula para que seja permitida a própria amortização originária.

Efectivamente, terá de se exigir que a deliberação renovatória obedeça aos mesmos critérios e requisitos da deliberação renovada, o que mais se reforça no âmbito da definição dos prazos de caducidade, que têm em vista, precisamente, a definição de certas situações, regulando-as juridicamente, com vista a obstar a situações de incerteza e/ou insegurança jurídica.

E, para tal, não vemos melhor fundamentação do que a expendida no Acórdão deste Tribunal da Relação, proferido no Processo 1458/22...., de 22 de Novembro de 2022, que apreciou, entre outras, esta questão e, com a devida vénia, passamos a reproduzir, com a menção de que quando ali se refere a “penhora de acções”, nos presentes autos, como acima já referido, o fundamento para a amortização, consiste no arresto decretado em 20 de Fevereiro de 2018, cuja decisão se mostra transitada em julgado desde o dia 02 de Julho de 2019:

“A amortização de acções está prevista nos artigos 346.º e 347.º do Código das Sociedades Comerciais. Para o caso interessa-nos o artigo 347.º (amortização de acções com redução de capital), pois a amortização das acções do ora recorrente foi feita com redução do capital e, dentro deste preceito, interessa-nos, para a resposta à questão da caducidade do direito de amortização, o n.º 6, pois a amortização em causa é uma amortização permitida pelo contrato de sociedade, concretamente pelo artigo 7.º dos estatutos.

Nos termos deste número, “sendo a amortização permitida pelo contrato de sociedade, pode este fixar um prazo, não superior a um ano, para a deliberação ser tomada; na falta de disposição contratual, esse prazo será de seis meses, a contar da ocorrência do facto que fundamenta a amortização”.

Resulta deste preceito que a amortização das acções, cuja competência cabe à assembleia geral (n.º 5 do artigo 347.º do CSC), está obrigatoriamente sujeita a um prazo. Socorrendo-nos das palavras de Carolina Cunha, em comentário ao artigo 347.º do Código das Sociedades Comerciais, “… razões de segurança e certeza determinam a fixação de um prazo de caducidade para que a sociedade exerça a faculdade de amortizar, prazo em princípio mais dilatado do que o vigente para a amortização imposta…” [Código das Sociedades Comerciais Em Comentário, Almedina, página 873]. Segue-se daqui que o n.º 6 do artigo 347.º, na parte em que se refere ao prazo para amortização das acções, tem natureza imperativa. Os sócios não podem estipular no contrato de sociedade que a amortização das acções não está sujeita a qualquer prazo. Se incluíssem uma cláusula com este conteúdo ela seria nula (1.ª parte do artigo 294.º do Código Civil).

 Em matéria de prazo, resulta do preceito acima indicado o seguinte:
· O contrato pode prever um prazo para a deliberação de amortização ser tomada, mas tal prazo não pode ser superior a um ano a contar da ocorrência do facto que fundamenta a amortização;
· Na hipótese de o contrato não fixar prazo para a amortização das acções, vale a regra supletiva da 2.ª parte do n.º 6 do artigo 347.º: esse prazo é de seis meses a contar da ocorrência do facto que fundamenta a amortização.

Examinado o contrato de sociedade, designadamente a sua cláusula sétima, onde está prevista a amortização das acções, vê-se que ele compreende um número (o n.º 4) onde está estabelecido um prazo para a assembleia deliberar a amortização das acções, concretamente: “A Assembleia Geral deverá exercer aquele direito no prazo de sessenta dias contados do final do prazo referido no número 1 do presente artigo”.

Como se vê pela transcrição que se acaba de fazer, o facto a partir do qual se contam os 60 dias não é o que serve de referência ao prazo de caducidade previsto no n.º 6 do artigo 347.º Enquanto a este serve de referência “o facto que fundamenta a amortização”, o prazo de 60 dias previsto no n.º 4 do artigo 7.º dos estatutos conta-se a partir do “final do prazo referido no número um de tal artigo”. E este prazo é aquele por que se deve manter a situação que fundamenta a amortização das acções, após tal situação ter sido comunicada ao accionista pelo conselho de administração. Pode dizer-se que este é um prazo especial de caducidade previsto no contrato, que não altera a disciplina constante do n.º 6 do artigo 347.º do CSC.  

E, assim, para efeitos do n.º 6 do artigo 347.º do CSC, os estatutos da requerida não fixam prazo para a deliberação de amortização ser tomada. Em consequência, aplica-se ao caso a regra enunciada na 2.ª parte do n.º 6: a deliberação deveria ser tomada no prazo máximo de 6 meses a contar do facto que fundamentava a amortização. Por força dos estatutos, dentro destes seis meses, a deliberação devia ser tomada no prazo de 60 dias contados do final do prazo referido no número 1 do presente artigo.

Daí que, combinando a 2.ª parte do n.º 6 do artigo 347.º do CSC com o n.º 4 do artigo 7.º dos estatutos, podemos afirmar que há um prazo de caducidade geral e um especial e que a faculdade de amortização poderia caducar por um dos seguintes factos: 1) por a deliberação não ser tomada no prazo de 6 meses a contar da ocorrência do facto que fundamenta a amortização; 2) por não ser tomada no prazo de 60 dias contados do final do prazo referido no número 1 do presente artigo.

Precise-se que, quando o facto que fundamenta a amortização das acções consistir na penhora das acções, ele relevará, para efeitos do n.º 6 do artigo 347.º do CSC, como “ocorrência do facto que fundamenta a amortização”, a partir do momento em que deixar de ser processualmente admissível deduzir oposição contra ela ou em que tal oposição é julgada definitivamente improcedente. Por outras palavras, só quando a penhora se tornar insusceptível de impugnação é que ela passará a fundamentar a amortização. Esta interpretação, afirmada na decisão recorrida, não foi contestada pelo recorrente.”.

Acrescentando, que:

“Salvo o devido respeito, contra a caducidade do direito de amortização não vale o argumento de que não se podia confundir o direito potestativo de amortização com o direito de renovação das deliberações sociais, por o prazo de caducidade regulado no artigo 347.º, n.º 6, do CSC, se referir ao direito de amortização e não ao direito de renovação.

É certo que o direito de amortização das acções constitui uma realidade diferente do direito de renovação das deliberações sociais inválidas. E é ainda certo que o prazo de caducidade previsto no n.º 6 do artigo 347.º do CSC diz respeito ao direito de amortização e não ao direito de renovação de deliberação social.

Daqui não segue, no entanto, que as deliberações de amortizações de acções que renovem deliberações de amortização inválidas não estejam sujeitas ao prazo de caducidade previstos no artigo 347.º, n.º 6 do CSC. Na verdade, a deliberação que renova uma deliberação de amortização é ela própria uma deliberação de amortização. E, revestindo esta natureza, está sujeita aos mesmos requisitos de validade da deliberação que pretende renovar, designadamente em matéria de caducidade. Como se observa no parecer do Exm.º Professor Doutor Cassiano Santos, quando se renova um acto sujeito a um prazo de caducidade, ele próprio tem de respeitar o prazo de caducidade previsto para o acto a renovar. Se, como está implícito na sentença recorrida, a deliberação de renovação não estivesse sujeita a prazo de caducidade, então poder-se-ia renovar uma deliberação amortização ainda que ela tivesse sido declarada ilegal com fundamento no facto de ter sido tomada depois de ter caducado o direito de amortização. Afigura-se-nos que esta solução não tem o mais leve amparo no regime da deliberação das renovações.

Assim, é de afirmar que a deliberação de amortização não pode ser renovada se, no momento em que é tomada, já caducou o direito de amortização. O regime não é diferente do que prevê o artigo 202.º do CPC, em matéria de renovação dos actos nulos. Segundo este preceito, o acto nulo não pode ser renovado se já expirou o prazo dentro do qual devia ser praticado; exceptua-se o caso de a renovação aproveitar a quem não tenha responsabilidade na nulidade expirou o prazo dentro do a amortização devia ser feita.  

Salvo o devido respeito, também não vale contra a caducidade do direito de amortização, a afirmação de que lei também não sujeita a qualquer prazo a confirmação dos negócios jurídicos (artigo 288.º do CC). Ao justificar o afastamento da caducidade com esta razão, a sentença argumenta como se a renovação da deliberação social prevista no artigo 62.º do CSC fosse assimilável à figura da confirmação dos negócios jurídicos prevista no artigo 288.º do Código Civil.

Esta assimilação não tem amparo no regime da renovação da deliberação social.

Em primeiro lugar, enquanto a confirmação compete à pessoa a que pertencer o direito de anulação (n.º 2 do artigo 288.º do Código Civil), a renovação compete à assembleia geral.

Em segundo lugar, a renovação da deliberação vale tanto para deliberações nulas, como para deliberações anuláveis, ao passo que a confirmação prevista no artigo 288.º do CC vale apenas para os negócios anuláveis.

Em terceiro lugar, socorrendo-nos das palavras de Pinto Furtado “… o conteúdo do acto de confirmação não é a reprodução do acto confirmado, como acontece basicamente, na renovação da deliberação, mas um acto complementar ou integrativo ou de 2.º grau, uma manifestação de confirmação” [Deliberações de Sócios, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, página 578].

Segue-se do exposto que, quando a requerida renovou a deliberação, já havia decorrido o prazo para amortizar as acções do requerente com fundamento na respectiva penhora. Assiste, assim, razão ao recorrente quando alega que a deliberação é contrária à lei (artigo 347.º, n.º 6, parte final), pois foi tomada num momento em que já tinha caducado o direito de amortizar as acções.

Resulta, pois, do exposto, que, contrariamente ao defendido pela recorrente existe prazo para a tomada de deliberação inovatória de deliberação que decidiu a amortização das acções e tendo transitado a decisão que decretou o arresto em 02 de Julho de 2019, é manifesto que, mesmo o prazo de um ano, já tinha expirado quer em 22/01/21, quer em 16/03/2022.

Idêntico, foi o entendimento acolhido no Acórdão deste Tribunal da Relação, de 13/12/22, Processo 1279/22.2T8LRA.C1, disponível no respectivo sítio do Itij e que versou, sobre deliberações conexas com a mesma aqui em apreço (e em que, inclusive, se refere a de 16/03/2022).

Por último, apenas de referir que o Acórdão da Relação do Porto, de 8 de Julho de 1999, CJ, IV/1999, não abarca uma situação de facto como a ora em apreço, uma vez que, como a própria recorrente refere (cf. fl.s 1862), no caso nele analisado, a amortização da quota verificou-se dentro do prazo para tal legalmente fixado.

Pelo que, sob esta argumentação, não se vislumbram razões para alterar a decisão recorrida.

Consequentemente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

B. Se apesar de anulada, a deliberação de 15/4/2019, mantém a sua aptidão para impedir a caducidade do invocado direito de amortização de quotas.

Relativamente a esta questão, alega a recorrente que embora tenha sido anulada a deliberação de 15/04/2019, esta mantém a sua aptidão para impedir a caducidade anteriormente apreciada.

Argumenta, para tal, que a lei não distingue, para este efeito, entre actos válidos e inválidos, bastando-se com a prática de um acto, que exteriorize a manifestação inequívoca de exercer o direito, ainda que não seja feita de forma válida e eficaz.

Que a Deliberação de 15/04/2019 se traduziu numa “manifestação indiscutível de vontade do direito potestativo de amortização das acções”, o que é suficiente para impedir a caducidade, nos termos do disposto no artigo 331.º, do Código Civil.

Do que retira a conclusão de que, aquando das Deliberações de 22/01/2021 e 16/03/2022, já não se encontrava a correr nenhum prazo de caducidade, mas apenas os gerais de prescrição, do que resulta ser válida a Deliberação de 16/03/2022.

De igual modo, defende que a Deliberação de 22/01/2021, continua a ser válida, por ainda não haver decisão definitiva da questão, nem se encontrava anulada a Deliberação de 15/04/2019, do que resulta que a Deliberação de 16/03/2022, preserva os efeitos da Deliberação de 15/04/2018, por efeito da preservação dos efeitos da Deliberação de 22/01/2021.

Contrapõe o recorrido que só um acto válido produz os seus efeitos, para os termos do artigo 331.º, do Código Civil; que o prazo de caducidade só começa a correr no momento em que o direito puder ser exercido, cf. artigo 329.º, do Código Civil, pelo que a Deliberação de 15/04/2019 foi tomada num momento em que o direito tido em vista ainda não se encontrava consolidado, atento a que o trânsito em julgado da decisão que determinou o arresto, ocorreu apenas em 02 de Julho de 2019.

Do que conclui que a Deliberação de 15/04/2019, tendo sido anulada, não produz quaisquer efeitos, nos termos do artigo 289.º, do Código Civil, sendo impensável que se aplique o prazo ordinário de prescrição, atento os valores da certeza e segurança jurídicas, tidos em vista, com a fixação de um prazo de caducidade.

Nem a tal impede o facto de, neste momento, ainda não ser definitiva a decisão relativa à Deliberação de 22/01/2021, que, enquanto não alterada/revogada, se impõe às partes.

Na sentença recorrida, entendeu-se que só um acto válido tem aptidão para interromper a caducidade, com idêntica fundamentação à expendida pelo recorrido e, ainda, porque, nenhuma das deliberações renovatórias foi tomada com eficácia retroactiva.

Também esta questão, em toda a sua vertente argumentativa aqui utilizada pelas partes, já foi analisada e decidida no Acórdão proferido no processo 1458/22...., acima já referido, pelo que, por se concordar com o ali versado, mais uma vez, se adere, nos termos que se seguem:

“Em primeiro lugar, se é certo que a requerida manifestou, com a deliberação de 5-07-2021, a vontade de exercer o direito de amortização, também é certo que, de acordo com as regras da caducidade constantes do Código Civil, concretamente das enunciadas no artigo 331.º, a caducidade não é impedida pela manifestação de vontade de exercer o direito. De acordo com tais regras, a caducidade é impedida pela prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (n.º 1) ou, no caso dos direitos disponíveis, mediante o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido (n.º 2).

Em segundo lugar, se é certo que resulta do n.º 6 do artigo 347.º do CSC que, no caso, o acto cuja prática impede a caducidade, é a deliberação de amortização das acções, no entender deste tribunal tomada em 5-07-2021 não impediu a caducidade.

Vejamos. Quando no n.º 1 do artigo 331.º do Código Civil se diz que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, tem-se em vista a prática válida do acto.

Esta interpretação, que tem cobertura na letra do preceito, corresponde ao pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade a unidade do sistema jurídico (n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil), ou seja, socorrendo-nos das palavras de Manuel de Andrade, “… cada texto legal deva ser relacionado com aqueles que lhes estão conexos por contiguidade ou por outra causa, tomando o seu lugar no encadeamento de que faz parte”.

Fazendo este exercício, o texto legal com que devemos relacionar o n.º 1 do artigo 331.º do Código Civil é o n.º 1 do artigo 289.º do mesmo diploma, sobre os efeitos da declaração de nulidade e anulação. Nos termos deste preceito – aplicável também aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos, na medida em que a analogia das situações o justifique, por remissão do artigo 295.º do mesmo diploma – “tanto a declaração de nulidade como anulação do negócio tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”. Dele resulta, pois, que tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio ou do acto jurídico fazem com o negócio ou o acto jurídico não produzam os efeitos a que tendiam. A regra do sistema é, pois, a de que um acto inválido não produz os efeitos a que tende.

A regra só não valerá nos casos em que o próprio sistema a afastar. É o que se passa, por exemplo, com o n.º 3 do artigo 323.º do Código Civil ao dispor que “a anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores”. E é ainda o que se passa, em matéria de caducidade, com o n.º 1 do artigo 332.º do Código Civil, combinado com o n.º 3 do artigo 327.º do mesmo diploma, dos quais resulta que, quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, atribui-se eficácia impeditiva à proposição da acção apesar de o réu ser absolvido da instância.  

Porém, fora destes casos e de outros excepcionais, a regra é a de que um acto inválido não produz os efeitos a que tende. Deste modo, quando o acto a que a lei atribui efeito impeditivo da caducidade for uma deliberação social – como sucede no caso - ela não a impedirá se tal deliberação for declarada nula ou anulada. Socorrendo-nos das palavras de J. M. Coutinho de Abreu, em anotação ao artigo 61.º do CSC, “declarada nula ou anulada uma deliberação, em regra tudo deve passar-se, relativamente a cada um dos sócios e aos órgãos sociais, como se ela não tivesse sido tomada, sendo destruídos os efeitos que eventualmente se hajam produzido (cfr. Artigo 289.º do Civ)” [Código das Sociedades Comerciais Em Comentário, páginas 739 e 740].

No caso não há, é certo, uma decisão judicial definitiva sobre a questão da validade das deliberações tomadas em 5-07-2021. Com efeito, apesar de elas terem sido expressamente anuladas, em sede de inversão do contencioso, no procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais que correu termos no Juízo de Comércio ... do tribunal judicial a comarca de Leiria sob o n.º 2769/21...., por sentença proferida em 7/11/2021, confirmada por acórdão do tribunal da Relação de Coimbra em 17 de Março de 2022, a requerida intentou acção impugnando a existência do direito acautelado, que corre termos sob o n.º 4632/21...., também no Juízo de Comércio ... do tribunal judicial da comarca de Leiria. Ora, resulta da parte final do n.º 1 do artigo 371.º do CPC – aplicável à suspensão de deliberações sociais por remissão do n.º 4 do artigo 376.º do mesmo diploma – que a propositura da acção impede a composição definitiva do litígio. E segundo o n.º 3 do mesmo preceito “a procedência, por decisão transitada em julgada, da acção proposta pelo requerido determina a caducidade da providência decretada.

Segue-se do exposto que a decisão proferida em sede de inversão do contencioso, sobre a questão da validade das deliberações tomadas em 5-07-2021, não se pode ter como definitiva. Tal definitividade só se alcançará com a decisão a proferir na acção proposta pela requerida.

Apesar de ainda não existir uma decisão definitiva sobre a questão da validade deliberações tomadas em 5-07-2021, há, no entanto, uma decisão judicial sobre ela que, enquanto não for substituída pela que for proferida na acção proposta pelo requerido, se impõe às partes e ao tribunal. 

Uma vez que nem as partes nem o tribunal a quo consideraram a acção proposta pela requerida como causa prejudicial do presente procedimento, não requerendo ou ordenando oficiosamente a suspensão deste até que estivesse definitivamente julgada aquela causa (artigos 269.º, n.º 1, c), 276.º, n.º 1 alínea c) e n.º 2, ambos do CPC), impõe-se laborar, na resposta à questão de saber se as deliberações tomadas em 5-07-2021 impediram a caducidade do direito de amortização, com base no pressuposto da invalidade de tais deliberações. E com base nele e na interpretação do artigo 331.º, n.º 1, do Código Civil acima exposta, é de afirmar que tais deliberações não impediram a caducidade do direito de amortização das acções.”.

Este entendimento foi, igualmente, seguido no Acórdão deste Tribunal da Relação, de 13/12/2022, acima já citado.

Como resulta dos autos, à Deliberação de 16 de Março de 2022 não foi atribuída eficácia retroactiva e não obstante a de 22/01/2021, ter tal eficácia, por reporte à data do trânsito em julgado do arresto, o que se verifica é a existência de uma mera sucessão temporal de deliberações e não uma substituição total de deliberações – cf. Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, pág. 855 – do que resulta que os efeitos das deliberações renovatórias não se podem reflectir na deliberação de 15/04/2019 e, decorrentemente, não impedem a caducidade do direito de amortização de acções, visado por esta última deliberação .

Assim, atendendo a que nenhuma das deliberações renovatórias tem efeitos retroactivos, em nada afectam a deliberação de 15/04/2019 e ainda que assim fosse padeceriam do mesmo vício desta – determinação da amortização das acções a um momento temporal, em que esse direito ainda não poderia ser exercido, por, nessa data, ainda não ter transitado a decisão que decretou o arresto.

Consequentemente, como se refere na decisão recorrida, a deliberação de 16 de Março de 2022, foi tomada num momento em que já havia caducado o direito de amortização das acções do ora autor, com fundamento no arresto já referido.

Em suma, soçobram as razões invocadas pela recorrente para que se revogue a decisão recorrida, a qual é, assim, de manter.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, o presente recurso tem de improceder.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Coimbra, 13 de Dezembro de 2023.