Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
648/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: UNIÃO DE FACTO
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
REQUISITOS
Data do Acordão: 05/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 2020º, Nº 1, DO C. CIV. E LEI 7/01, DE 11/05
Sumário: I – Seguindo a orientação do Ac. do STJ de 20/04/2004, entende-se que os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo da união de facto, para que possa aceder às prestações sociais decorrentes do óbito de um beneficiário de um qualquer regime público de segurança social, reconduzem-se, apenas, à prova relativa ao estado civil do beneficiário e à circunstância de o respectivo interessado ter vivido desde há mais de dois anos com o falecido .
II – A Lei nº 7/01, de 11/05, ao dispor no seu artº 6º, nº 1, que beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artº 3º, no caso das uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artº 2020º do C. Civ., decorrendo a acção perante os tribunais cíveis, apenas está a exigir que esteja preenchida a condição de união de facto – comunhão de vida por mais de dois anos entre duas pessoas em condições análogas às dos cônjuges – e a prova relativa ao estado civil do beneficiário falecido .
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - RELATÓRIO
I.1- A..., divorciada, intentou em 24.10.02 a presente acção sob a forma ordinária contra o «Centro Nacional de Pensões» (actual Instituto de Solidariedade e Segurança Social), pedindo, além do mais, e mediante a alegação de que viveu consecutivamente em união de facto com B..., beneficiário da segurança social, desde 1991 e até à morte deste ocorrida em 2002, a herança do falecido não tem bens, a A. não tem ascendentes nem irmãos e a sua única filha não dispõe de meios para lhe prestar alimentos, que lhe seja reconhecido o direito ás prestações sociais devidas pela morte do falecido.
A ré contestou impugnando os factos alegados pela A., referindo ainda que esta deveria ter articulado que não tem familiares em condições de lhe prestar alimentos nos termos dos arts.2009º e 2020º do C.C..
Saneada, condensada e instruída a causa, veio, após julgamento no qual se aditaram à base instrutória dois quesitos, a ser proferida em 16.5.05 sentença na qual se julgou improcedente a acção, não se reconhecendo à A. o direito a prestações da segurança social por morte de B....
I.2- Inconformada, apelou a A., que concluiu assim as suas alegações de recurso:
1ª- O objectivo da Lei 7/01 foi a equiparação da situação de união de facto ao casamento;
2ª- Por isso são devidas as pensões de sobrevivência ao sobrevivo de uma união de facto, desde que prove a situação de união de facto pelo período superior a dois anos;
3ª- A recorrente fez prova daquele requisito;
4ª- Existe nos autos prova de que os irmãos da recorrente não têm possibilidade de lhe prestar alimentos;
5ª- Por outro lado, a existir carência de factos pertinentes à procedência da acção deveria o Mmº Juiz a quo proferir despacho a convidar a recorrente a corrigir a p.i., o que não foi feito, pelo que foi cometida uma nulidade insanável;
6ª- Deve ser revogada a sentença ou anulado o julgamento.
I.3- Contra-alegou a ré em defesa do julgado.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
II.1 - de facto
A 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade não posta em causa pela recorrente:
1-B..., beneficiário da segurança social n.º 111051363, faleceu no dia 18 de Fevereiro de 2002, no estado civil de divorciado (A).
2-C... nasceu em 3 de Novembro de 1963 e é filha de B.... e de A... (B).
3-C... trabalha como enfermeira no Hospital de Leiria (1º).
4-Aufere a quantia mensal ilíquida de 1 094,70 euros, paga de água, luz, gás e telefone cerca de 100 euros por mês (4º). Paga, por mês, para a Ordem dos enfermeiros a quantia de € 52,36 (5º).
5-C... gasta quantia não apurada em gasolina para se deslocar para o emprego (6º).
6-No ano de 2002 pagou pelo seguro automóvel e pelo seguro de ocupantes 559,49 euros (7º).
7-Gasta em alimentação cerca de 300 euros por mês (8º), e quantia não apurada para se vestir e calçar (9º).
8-A autora desde o ano de 1991 até à data do óbito de B... comia à mesma mesa que o falecido (11º).
9-Dormia na mesma cama (12º), mantinha com ele relações sexuais (13º).
10-Lavava e passava a ferro a roupa de ambos (14º), confeccionava as refeições (15º), limpava e tratava da casa (16º).
11-Passeava com B... (17º), recebia em casa os amigos de ambos (18º).
12-A autora tem irmãos (20º).
13-Os irmãos da autora são reformados e que um nasceu em 24 de Outubro de 1916, outro em 19 de Agosto de 1929, e outro nasceu em 28 de Maio de 1932 (21º).
14-Os ascendentes da autora já faleceram (documentos fls. 54 e 55)
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II.2 - de direito
Para ditar a improcedência da acção, considerou-se na sentença que a A. não logrou demonstrar que carece de alimentos e que os seus irmãos não têm meios para lhos prestar. Entendimento diferente tem a apelante para quem a lei de protecção das uniões de facto (nº7/01, de 11.5) apenas exige, para o peticionado direito ao recebimento das prestações sociais a prova de união de facto pelo período superior a dois anos.
A questão a decidir está, pois, em saber se para efeitos de atribuição das prestações por morte do regime da segurança social mediante a propositura de acção contra a instituição de segurança social competente pelo membro sobrevivo da união de facto, e em face da citada Lei 7/01, é exigível o requisito previsto na parte final do nº1 do art.2020º/C.C.. Isto é, se no caso em presença a demandante necessita também de alegar e provar que carece de alimentos e que não os pode obter pelos rendimentos da herança do falecido nem das pessoas prevista no art.2009º do mesmo diploma.
A 1ª instância entendeu, como se viu, serem tais requisitos essenciais à procedência da acção, na esteira de jurisprudência orientada nesse sentido. Na verdade, tem havido divergências jurisprudenciais à volta da questão em apreço, defendendo uns que o direito ás prestações por morte de beneficiário da segurança social depende, para além da demonstração da situação de união de facto nos termos do disposto no citado art.2020º, ainda da verificação dos pressupostos estabelecidos no nº1 in fine deste preceito; e outros, que defendem que basta para tal efeito a prova dos requisitos legais da eficácia da união de facto previstos nesse mesmo dispositivo sendo desnecessária a prova da carência de alimentos e impossibilidade da sua obtenção.[Conforme arestos citados na sentença recorrida que nos dispensamos de reproduzir]
Pela nossa parte aderimos a esta última posição, seguindo de perto na solução do caso concreto, o acórdão do STJ de 20.4.04 no qual se doutrinou que “os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo da união de facto para que possa aceder ás prestações sociais decorrentes do óbito de um beneficiário de um qualquer regime público de segurança social, reconduzem-se, apenas, à prova relativa ao estado civil do beneficiário (…) e à circunstância de o respectivo interessado ter vivido e há mais de dois anos com o falecido”.[ Cjstj tomo II/2004, pág.30. ]
A Lei 7/01 em referência, no seu art.1º/1 - tal como a anterior Lei 135/99 de 28.8 - não define claramente o que é a união de facto, limitando-se a dizer que “a presente lei regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos”.
O conceito de união de facto extrai-se da 1ª parte do nº1 do art.2020º que vimos citando: é um projecto comum de vida entre duas pessoas, há mais dois anos, em condições análogas ás dos cônjuges.
Através da mesma lei na qual se equiparou a união de facto ao casamento, atribui-se à união de facto uma protecção que passa por diversas áreas, entre elas, e para a situação que ora interessa, no seu art.3º, al.e) - a protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei.
O DL nº322/90, de 18.10, regulamentado pelo Dec.Reg. nº1/94, de 18.1, prevê o acesso ás prestações devidas por morte do beneficiário do regime geral de segurança social, prevendo o seu art.8º a extensão destas prestações aos unidos de facto.
O art.6º da lei 7/01 vem prever o regime de acesso ás prestações por morte, considerando que têm direito a estas prestações aqueles que se encontrem na situação do art.2020º.
O que estes diplomas visam é o direito à pensão de sobrevivência - a ser atribuído através de acção obrigatoriamente a ser instaurada contra a instituição de segurança social - autónomo e independente de um direito de alimentos previsto no art.2020º/1 parte final (em caso de morte, o unido de facto sobrevivo ter o direito de ser alimentado pelos rendimentos dos bens da herança do falecido, provada a impossibilidade de obtenção de alimentos das pessoas previstas no art.2009º).[ Cfr. Ac. Trib. Const. nº88/04. Também, Telma Carvalho, «A união de facto: a sua eficácia jurídica», in «comemorações dos 35 anos do C.C.», Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pág.226-255] Nesta situação, a acção de alimentos é intentada contra a herança.
Portanto, a lei em referência, ao dispor no seu art.6º/1 que beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do art.3º, no caso das uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no art.2020º do C.C., decorrendo a acção perante os tribunais cíveis, apenas está a exigir que esteja preenchida a condição de união de facto – comunhão de vida por mais de dois anos entre duas pessoas em condições análogas ás dos cônjuges – e a prova relativa ao estado civil do beneficiário falecido.
Como se refere no citado Ac.STJ de 20.4.04, apenas nas acções em que seja peticionada à herança uma pensão de alimentos, se terão de provar os últimos indicados requisitos do art.2020º. Mais à frente observa-se que, “(…) se dos enunciados diplomas – L.U.F. (lei das uniões de facto), DL 322/90 e Dec.Reg. 1/94 – decorre uma total equiparação relativamente ás medidas de protecção social que são atribuídas aos membros de um agregado familiar unido pelo vínculo do matrimónio e aos que vivam em união de facto, não será de exigir, em nosso entender, e na falta de disposição em contrário, a prova da verificação de requisitos diversos para a atribuição de prestações sociais análogas, conforme se trate de interessados ligados ao beneficiário pelo casamento ou cuja titularidade aos referidos benefícios resulte da existência de uma situação de união de facto.”.
Revertendo ao caso concreto, estando provado que B... faleceu no estado de divorciado em 18.2.02, e até ao seu falecimento viveu desde 1991 com a autora em condições análogas ás dos cônjuges, tendo a acção sido instaurada contra instituição de segurança social, mostram-se reunidos os requisitos referidos no art.2020º/1-1ª parte, ex vi do art.6º/1 da Lei 7/01, sem necessidade da verificação de outros requisitos, nomeadamente os referidos na sentença recorrida, o que conduz ao acolhimento da pretensão deduzida pela autora.
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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando-se a sentença apelada, julga-se a acção procedente, reconhecendo-se à autora a qualidade de titular do direito ás prestações sociais por morte de B..., condenando-se a ré ao reconhecimento de tal qualidade.
Sem custas em ambas as instâncias, por delas estar isenta a recorrida.
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COIMBRA,