Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
771/09.9TBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIEIRA MARINHO
Descritores: RESÍDUOS
ABANDONO
DESCARGA
Data do Acordão: 09/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3º, AL. A) 5º,1 E 3 9º, 3 E 67º, 1 AL. A) DO D.L. 178/06
Sumário: 1. Não preenche o conceito de “abandono”previsto no artº 3º, al. a) do D.L. 178/06 o depósito de resíduos com vista a posterior destino a uma empresa de reciclagem.
2. Preenche o conceito de “descarga” o depósitos de resíduos num terreno rústico particular não licenciado para o efeito, violando o disposto no artº 5º,1 e 3 9º, 3 e 67º, 1 al. a) do D.L. 178/06 de 5/9
Decisão Texto Integral: 1. Relatório:


Na sentença proferida, em 08.03.2010, no processo de recurso de contra-ordenação com o número em epígrafe, foi decidido julgar totalmente improcedente o recurso interposto, pelo arguido J..., aí devidamente identificado, da decisão proferida contra o mesmo pela Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, mantendo-se a coima que lhe foi aplicada, no montante de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), pela prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 5º, n.ºs 1 e 3, 9º, n.º 3 e 67º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro.

Como questão prévia suscitada, pelo mesmo recorrente, foi ainda decidido, na mesma sentença, que “não se verifica a existência de qualquer nulidade, nomeadamente, por desrespeito ao art.º 58º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 ou por violação ao disposto nos art.ºs 358º, 359º e 379º, do C. Proc. Penal”, sendo, por isso, indeferida a questão suscitada.

Inconformado com tal decisão, o arguido J... interpôs recurso daquela sentença, finalizando a respectiva motivação, com as seguintes
Conclusões:









Da questão prévia - do indeferimento da nulidade invocada em sede de impugnação judicial e da nulidade da decisão por omissão de pronúncia

1 -- O Recorrente, em sede de impugnação judicial, invocou a nulidade não só do Auto de Notícia levantado pela autoridade policial que deu início ao procedimento de contra-ordenação, como da decisão proferida pelo I.G.A.O.T..

2 -- A decisão do Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a nulidade do auto de notícia invocada pelo Recorrente em sede de impugnação judicial pelo que está a mesma ferida de NULIDADE ao abrigo do disposto na al. c), do nº 1, do artigo 379º, do C.P.P., aplicável por força do disposto no nº 1, do artigo 41º, do R.G.C.O., com as legais consequências.

3 -- Efectivamente, invocou o Recorrente, na defesa escrita por si apresentada e reproduzida em sede de impugnação judicial, que desconhecia, porque não constava do auto de notícia levantado, quais os factos de onde se inferem as conclusões de perigosidade contidas no mesmo, uma vez que não constam descritas as condições e/ou características que permitem formar o apontado juízo de perigosidade.

4 -- Alegou ainda que, não obstante da notificação do referido auto de notícia pela l.G.A.O.T. constar que a infracção é imputada a título de dolo, também não constam do mesmo quaisquer factos que permitam apurar o elemento subjectivo da prática da contra-ordenação que lhe era imputada.

5 -- Assim, uma vez que do auto de notícia devem constar todos os factos que constituem a infracção e quais as circunstâncias em que a mesma foi cometida ou detectada, conforme exigem as als. a) e b) do n.º 1, do artigo 46º, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, e não tendo o auto de notícia em causa satisfeito tais exigências, está o mesmo ferido de NULIDADE,

6 -- Nulidade essa que se considera insanável uma vez que compromete seriamente o exercício do seu direito de defesa (vide Assento n.º 1/2003, de 16 de Outubro de 2002, do S.T.J., aclarado e rectificado em 28 de Novembro de 2002).

7 - Assim, e em conformidade, deve ora ser efectuada a apreciação da referida nulidade pelo tribunal de recurso, atento o disposto no artigo 75º, n.º 2, al. a), do R.G.C.O..

8 -- Por outro lado, no que concerne à nulidade da decisão administrativa proferida, igualmente invocada em sede de impugnação judicial, foi a mesma apreciada como questão prévia, tendo sido indeferida pelo Tribunal “a quo”, pelos motivos nela indicados.

9 -- Não pode o Recorrente conformar-se com a decisão proferida no que a ela concerne e muito menos acatar a fundamentação apresentada.

10 -- Efectivamente, como ressalta da análise da decisão proferida pela autoridade administrativa, não obstante o teor da prova testemunhal indicada pelo Arguido suportar o alegado na defesa apresentada pelo mesmo, a I.G.A.O.T. deu como provados os factos constantes do Auto de Notícia, reproduzidos no ponto III daquela.





11 -- Não foram sequer indicados quais os factos não dados como provados, nem foi feita uma análise crítica à prova constante dos autos, por forma a demonstrar como se formou a convicção do órgão decisor; além disso há factos que se dão como provados sem qualquer suporte probatório.

12 -- Na respectiva fundamentação, a entidade administrativa apenas se limitou a considerar provados os factos constantes do Auto de Notícia, e outros que lá não constavam, como é o caso dos factos que suportam o elemento subjectivo da contra-ordenação que é imputada ao recorrente,

13 -- considerando que o mesmo não fez prova suficiente que contrariasse os factos indicados pelos GIPS (elementos que levantaram o auto de notícia), sem contudo explicar porquê situação que também não foi esclarecida pelo Tribunal “a quo”.

14 -- A autoridade administrativa também não indica qual o critério utilizado para reconhecer mais autoridade ao teor do auto de notícia em detrimento do depoimento das testemunhas apresentadas pelo Recorrente que confirmaram a versão por si apresentada na defesa escrita que deduziu.

15 -- Assim, e em conformidade, a decisão proferida pelo I.GAOT. não cumpre o disposto no artigo 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações, no seu n.º 1, al. c), aplicável por força do disposto no artigo da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

16 -- Quanto à consequência processual da falta desses requisitos, ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, tal como foi alegado em sede de impugnação judicial pelo ora Recorrente, por força do disposto no artigo 412º, n.º 1, do R.G.C.O., constitui uma nulidade da decisão, de harmonia com o preceituado nos art.ºs, 374º, n°s 2 e 3 e 379º, n.º 1, al., a), do C.P.P..

17 -- Mas caso assim não se entendesse, o que só por mera hipótese académica se admite, entendendo, diversamente, que constitui mera irregularidade, estaria comprometido o direito de defesa do recorrente, por violação do artigo 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que, nos termos do disposto no artigo 123º, do C.P.P., teria de ser invocada a irregularidade no prazo de 3 dias a contar da data em que tivesse sido notificado, o que não lhe teria sido possível atento o facto de não ter sido notificada da decisão proferida a sua mandatária constituída, como o deveria ter sido, ao abrigo do disposto no artigo 44º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

Da decisão condenatória

18 - Apesar de tal não constar da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, o certo é que a impugnação judicial do recorrente deveria ter sido julgada procedente já que no que concerne à matéria de que vinha acusado logrou provar que os factos que lhe foram imputados e pelos quais foi condenado pela autoridade administrativa eram falsos e não correspondiam à verdade.

19 -- Efectivamente, logrou provar que não estava a abandonar os resíduos em causa a céu aberto, em condições que ofereciam perigosidade para as pessoas e para o ambiente e que fossem produtos por si produzidos, com excepção das placas de zinco.









20 - Contudo, e para espanto do Recorrente, ao invés de tal lhe merecer o arquivamento dos autos, foi o mesmo condenado numa nova decisão pela descarga que efectuava, por ter entendido o Tribunal “a quo” que se subsumia nos mesmos normativos pelos quais vinha acusado.

21 - Salvo o devido respeito por melhor entendimento, não assiste razão ao Tribunal “a quo”, pelos motivos que se passarão a indicar.

a) Da existência de erro notório na apreciação da prova

22 -- Desde logo, foi considerado provado que numa acção de patrulhamento de prevenção de incêndios levada a cabo pelo Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro da GNR. foi verificado que num terreno composto por matos, nas coordenadas indicadas, encontravam-se 3 indivíduos a fazer descargas de resíduos em local não autorizado.

23 -- Contudo, foi igualmente dado como provado que esse mesmo terreno é um terreno rústico, que não obstante estar localizado numa zona relativamente próxima da floresta, é um terreno amplo, de terra batida, com pouca vegetação e sem árvores, sendo um terreno particular vedado, sem acesso público, afastado da população e da circulação de pessoas, pelo qual só se tem acesso por uma estrada de terra batida, pertença do Sr. L... a quem o recorrente havia pedido autorização e este lhe concedeu para temporariamente aí depositar alguns resíduos.

24 -- Salvo melhor entendimento, carece de legitimidade a autoridade policial em causa para proceder a qualquer operação de patrulhamento em terrenos particulares, sob pena de invasão de propriedade privada, pelo que nunca poderia ter levantado o auto de notícia que deu origem aos presentes autos, questão esta que apesar de não ter sido submetida à apreciação do tribunal recorrido, atento o disposto na al. a), do n.º 2, do artigo 75º, do R.G.C.O. pode ser apreciada pelo tribunal de recurso.

25 -- Por outro lado, a descarga foi autorizada pelo proprietário do terreno, portanto, não foi efectuada em local não autorizado.

26 -- Questão diferente seria a de se ter provado que o mesmo não possuía licença para realização de operação de resíduos, não tendo sequer sido matéria apreciada em sede de audiência de discussão e julgamento nem resulta dos factos provados.

27 - O facto de constar do auto de notícia que a descarga estava a ser efectuada em local não autorizado é uma ilação que consta do teor do mesmo e foi transposta para a sentença ora recorrida.

28 -- Ora, de acordo com o disposto no artigo 128º, n.º 1, do C.P.P., aplicável por força do disposto no n.º 1, do artigo 41º, do R.G.C.O., as testemunhas são inquiridas sobre factos que possuam conhecimento directo.










29 -- O conhecimento directo de um facto só se verifica em relação a factos que foram apreendidos através da percepção sensorial, isto é, através da visão ou audição e não abrange juízos de valor a efectuar sobre os factos que se apreenderam.

30 -- Não resulta dos factos provados que o local onde o recorrente procedia à descarga dos resíduos estava ou não licenciado para tal, pelo que igualmente o tribunal não poderia concluir, na fundamentação da decisão que «o arguido procedia à descarga num terreno rústico, particular, o qual não estava licenciado para receber os mencionados resíduos».

31 - E essa situação, para se considerar provada, teria de ser obtida apenas de duas formas: ou através de prova documento, que não foi apresentada, ou através de confissão do proprietário do terreno, que também não sucedeu.

32 -- Por outro lado, também resultou provado que um dos resíduos que o recorrente estaria a descarregar era uma caixa aberta de automóvel (CER 16 01) quando foi igualmente considerado provado que o recorrente estava a colocar a sucata recolhida dentro da mesma caixa aberta, que havia previamente colocado no local.

33 - Por último, refira-se ainda que tendo sido provado que o recorrente estava a colocar a sucata por si recolhida no referido terreno, depósito de resíduos esse meramente temporário, enquanto os não encaminhasse, como era seu hábito e pretendia fazer daí a dois dias, para o destinatário final, a empresa de reciclagem de sucata “J. S…, Lda”, o que só não sucedeu em virtude de ser fim-de-semana e a mesma se encontrar encerrada,

34 -- Que tais resíduos, com excepção das placas de zinco, não resultam da actividade a que se dedica o recorrente (serralharia), mas sim da recolha que este faz esporadicamente às pessoas que o solicitam para transportar aquilo que já não tem utilização para elas, com destino à reciclagem.

35 - Não é possível que se considere igualmente provado que o mesmo não assegurou a gestão dos resíduos por si produzidos e detidos, não agindo com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.

b) Da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão

36 - No seguimento do raciocínio que o recorrente vem desenvolvendo, fácil se torna chegar à conclusão que há uma incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos que foram considerados provados e entre a fundamentação e a decisão.

37 - Efectivamente, se o tribunal recorrido entendeu que a operação de descarga de resíduos que o recorrente estava a praticar no dia, hora e local indicados era meramente transitória,

38 - Então nunca poderia ter concluído, dessa situação, que o recorrente não assegurou a gestão dos resíduos por si produzidos e detidos.








39 - Efectivamente, a gestão dos resíduos contempla várias operações, indicadas no artigo 2º, n.º 1, do DL n.º 178/2006, de 05/09, com sendo: a recolha, o transporte, a armazenagem, a triagem, o tratamento, a valorização e a sua eliminação.

40 -- O recorrente apenas procedeu à sua recolha e transporte, com destino à sua entrega em curto espaço de tempo (2 dias), na empresa de sucata.

41 -- Ficou foi impedido de o fazer logo que procedeu à sua recolha e transporte, em virtude da empresa de sucata para onde os mesmos seriam encaminhados estar encerrada por ser fim-de-semana, por motivo que não lhe é imputável.

42 -- O comportamento do recorrente, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, não pode ser subsumido ao conceito de “descarga” presente na al. g), do n.º 3, do DL n.º 178/2006 de 05/09, uma vez que tal conceito refere-se à operação de deposição de resíduos definitiva e não temporária/transitória.

43 -- Pelo que não se poderia subsumir o comportamento do recorrente no estatuído no n.º 3, do artigo 9º, do mesmo diploma, não só por não corresponder a uma descarga definitiva, como se desconhecer se o local estava ou não licenciado para o efeito por não ter resultado provado como supra se aludiu.

44 -- Além disso, a al. a), do artigo 67º, do mesmo diploma, apenas faz corresponder uma sanção pecuniária ao incumprimento do dever de assegurar a gestão de resíduos, a quem, nos termos previstos no artigo 5º caiba essa responsabilidade.

45 -- Ora, pelo exposto, é facilmente verificável que o recorrente não incumpriu com o dever de assegurar a gestão de resíduos, quando muito cumpriu-o de forma incorrecta, o que é substancialmente diferente.

c) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro na legislação aplicada para determinação da verificação da contra-ordenação imputada e da medida da sanção aplicável

46 - Ao contrário do que resulta do texto da decisão recorrida, na determinação da verificação de comportamento que constitui contra-ordenação ambiental não é aplicável o R.G.C.O., nomeadamente, o seu artigo 1º, e muito menos a medida da coima é determinada com base no artigo 18º, do mesmo diploma legal.

47 -- Efectivamente, de acordo com o princípio que lei especial derroga lei geral, só se aplica o R.G.C.O. quando não exista diploma específico que estabeleça regime aplicável à situação em apreço.

48 -- Ora, no caso das contra-ordenações ambientais existe precisamente a Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto - lei quadro das contra-ordenações ambientais - que, de acordo com o seu artigo 1º, n.º 1, estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais,







49 -- O n.º 2, do referido normativo, por sua vez, refere o que constitui contra-ordenação ambiental e o artigo 9º, do mesmo diploma estabelece que as contra-ordenações ambientais, puníveis a título de dolo ou negligência, são sempre puníveis a título de negligência salvo disposição expressa em contrário.

50 -- O referido normativo refere ainda, no seu n.º 3, que o erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente exclui o dolo.

51 -- Referindo igualmente o artigo 12º, do mesmo diploma, que age sem culpa quem actua sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.

52 -- Ora, no que concerne à sanção aplicável e à sua determinação, estatui o artigo 20º do mesmo diploma, no seu n.º 1, que «a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto».

53 -- De acordo com o seu n.º 2, «são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção».

54 -- Não foram estes os critérios utilizados pelo tribunal recorrido para determinar a verificação da existência de comportamento que consubstanciasse a prática da contra-ordenação ambiental de que vinha acusado o recorrente e muito menos para determinar a coima que lhe aplicou, pelo que existiu erro na determinação da legislação aplicável.

55 -- Efectivamente, para determinação da coima aplicável e tendo em conta a
relevância dos direitos e interesses violados, de acordo com o estatuído no artigo 21º,
da lei quadro em referência, as contra-ordenações classificam-se de leves, graves e
muito graves.

56 -- Nos termos do artigo 22º, do mesmo diploma, o seu n.º 1 estabelece que a cada escalão classificativo de gravidade das contra-ordenações ambientais corresponde uma coima variável consoante seja aplicada a uma pessoa singular ou colectiva e em função do grau da culpa, salvo o disposto seu número seguinte, o qual, por sua vez, classifica como contra-ordenações leves as praticadas por pessoas singulares a que corresponda uma coima, de 500 € a 2.500 € em caso de negligência e de 1.500 € a 5.000 € em caso de dolo.

57 -- No que concerne ao caso em apreço, tendo em conta a moldura da coima estatuída na al. a), do n.º 1 e artigo 3º, do artigo 67º, do DL n.º 178/2006, de 05/09, aplicada pelo tribunal recorrido, sempre teríamos de concluir que a contra-ordenação cuja prática foi imputada ao recorrente é uma contra-ordenação leve.

58 -- No que concerne à culpa do agente, e não obstante o recorrente entender que não praticou a contra-ordenação que lhe foi imputada, pelo que dela deve ser absolvido, sempre se dirá que atentos os factos provados, na eventualidade de se verificar na sua conduta o preenchimento de algum tipo legal correspondente à violação das disposições legais e regulamentares relativas ao ambiente que consagrem direitos ou imponham deveres, para o qual se comine uma coima, o que só por mera hipótese se concede, sempre se dirá que o seu comportamento não é ilícito e censurável,







59 -- pois não teve consciência da violação de qualquer imposição legal, antes pelo contrário, o mesmo desconhecia que, eventualmente, a sua conduta pudesse consubstanciar a violação de quaisquer normas de protecção ambiental,

60 -- avaliando o seu comportamento como lícito, de carácter preventivo em matéria de afastamento de resíduos do meio ambiente e promotor da qualidade do mesmo.

61 -- Não foram apuradas igualmente pelo tribunal recorrido, qual o benefício económico que poderia ter retirado da prática da contra-ordenação que lhe era imputada e qual a conduta anterior e posterior ao facto, bem como as exigências de prevenção.

62 -- Pelo que, salvo o devido respeito por melhor entendimento, não dispunha o tribunal de todos os elementos necessários para verificar a prática da contra-ordenação que imputou ao recorrente e muito menos para determinar a sanção aplicável.

63 -- Contudo, se tal assim não se entender, sempre se dirá que não corresponde igualmente à verdade que, na eventualidade de se ter verificado a prática da contra-ordenação que a mesma lhe foi imputada, a única sanção aplicável fosse a coima.

64 -- Efectivamente, está igualmente prevista, na fase administrativa do processo de contra-ordenação ambiental, a aplicação de mera admoestação, quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifiquem, nos casos de infracções classificadas de graves - vide artigo 56º, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.

65 -- De igual modo, também o artigo 51º, do R.G.C.O. estatui a aplicação dessa sanção quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique.

66 -- Também poderia o tribunal, por força do disposto no artigo 32º, do R.G.C.O. ter aplicado a mera admoestação oral, prevista no artigo 60º, n.º 4, do C.P..

67 -- Ora, atento o supra exposto, na eventualidade de se considerar que o recorrente violou qualquer dever ou comportamento imposto por lei que consubstancie a prática de contra-ordenação ambiental, então a pena a aplicar deveria corresponder à mera admoestação, sendo manifestamente exagerada, atentos os factos provados, a sua sanção com uma coima.”

Termos em que o recorrente pugna no sentido de que “deve ser concedido
provimento ao presente recurso, julgando-se procedentes as nulidades e os vícios invocados, com o consequente arquivamento dos autos.
Caso assim não se entenda, deve o recorrente ser absolvido da
prática da contra-ordenação em que foi condenado, com as legais consequências.
Por último, se se entender que praticou a contra-ordenação em
que foi condenado, deve ser substituída a coima aplicada por mera admoestação.


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Respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do Tribunal “a quo”, concluindo que, em sua opinião, “a decisão recorrida não merece qualquer censura”, devendo, por isso, ser negado provimento ao recurso.

E a Exm.ª Senhora Procuradora-Geral Adjunta, nesta sede, emitiu o respectivo Parecer, também no sentido de que o recurso não merece provimento.

Colhidos os vistos legais e realizada a Conferência prevista no art.º 419º, n.º 3, al. c), do C. Proc. Penal, cumpre decidir.


2. Fundamentação:


Como é sabido, o âmbito do recurso é dado pelo teor das conclusões extraídas, pelo recorrente, da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso.

No caso, os poderes de cognição do Tribunal da Relação limitam-se à decisão em matéria de direito, em conformidade com o preceituado no art.º 75º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

E as questões suscitadas, pelo recorrente, podem assim resumir-se:

a) Da questão prévia – do indeferimento da nulidade invocada em sede de impugnação judicial e da nulidade da decisão por omissão de pronúncia;

b) Da existência de erro notório na apreciação da prova;

c) Da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão;

d) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro na legislação aplicada para determinação da verificação da contra-ordenação imputada e da medida da sanção aplicável.

Sabe-se também que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”, cfr. art.º 660º, n.º 2, do C. Proc. Civil, aqui aplicável “ex vi” art.ºs 4º, do C. Proc. Penal e 41º, n.º 1, do referido Decreto-Lei n.º 433/82..







A significar que, no caso em apreciação, sendo várias as questões suscitadas, pelo arguido, ora recorrente, deverão as mesmas ser conhecidas segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, conhecendo-se, por isso, em primeiro lugar, da questão respeitante à aplicação do direito aos factos julgados provados, na decisão recorrida, sendo certo que o conhecimento, desde já, desta questão acarreta, sem dúvida, a desnecessidade da apreciação das demais questões que vêm suscitadas (cfr. também art.º 75º, n.º 2, al. a), do citado Decreto-Lei n.º 433/82, no sentido de que “a decisão do recurso poderá alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72º-A).

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Ora, no âmbito do conhecimento da referida questão que se nos afigura ser a prioritária, cumpre salientar, antes de mais, que, na sentença recorrida, no que tange à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente, quanto à enumeração dos factos provados e não provados, consta o seguinte:

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1 – Em 27 de Outubro de 2007, pelas 16h15m, numa acção de patrulhamento de prevenção de incêndios levada a cabo pelo Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro da Guarda Nacional Republicana (Regimento de Infantaria – CMA Lousã) foi verificado que num terreno composto por matos, nas coordenadas WGS84 UTM 29564351 Este e 4449022 Norte, encontravam-se três indivíduos a fazer descargas de materiais diversos (resíduos) em local não autorizado.
2 – Os mesmos foram transportados num veículo ligeiro de mercadorias, marca Toyota, modelo Dyna, matrícula … .
3 – O arguido J..., residente em …, Vila Nova de Poiares, acompanhado de dois outros indivíduos – F... e D…, eram os autores da descarga.
4 – Os resíduos que o arguido estava a descarregar, estavam descritos na Lista Europeia de Resíduos (Portaria nº 209/2004 de 3 Março): 15 chapas de zinco (CER 17 04 04); 3 armações de colchões (metais ferrosos) (CER 19 12 02); 1 pára-choques de automóvel (CER 16 01 19); 2 andaimes (CER 19 12 02); 1 balde de metal (CER 15 01 04); 1 pneu usado (CER 16 01 03); 1 armação de metal de uma cadeira (CER 20 01 40); 2 tubos de metal (metais ferrosos) (CER 19 12 02); 1 banco de automóvel (CER 16 01); 1 componente electrónico (CER 20 01 36); 2 borrachas (CER 19 12 04); 2 caixas de papelão (CER 15 01 01); 2 fogões inutilizáveis (monstros) (CER 20 03 07); 1 frigorifico inutilizável (monstros) (CER 20 03 07); 2 portas de arcas frigorificas (monstros) (CER 20 03 07); 1 caixa aberta de automóvel (CER 16 01).







5 – O arguido e os seus acompanhantes estavam a colocar a sucata recolhida pelo arguido dentro de uma caixa aberta de automóvel que o mesmo havia previamente colocado no terreno propriedade da sociedade que representa o Sr. L..., a quem pediu autorização e este lhe concedeu para temporariamente depositar alguns resíduos, enquanto não os encaminhasse para a sucata, como era seu hábito, o que pretendia fazer daí a dois dias, em virtude de ser fim-de-semana e aquela estar encerrada.
6 – Aqueles materiais destinavam-se a ser reencaminhados, daí a dois dias, para o seu destinatário final, a empresa de reciclagem de sucata “J. S…, Ldª”.
7 – O terreno rústico a que correspondem as coordenadas referidas, não obstante estar localizado numa zona relativamente próxima da floresta, é um terreno amplo, de terra batida, com pouca vegetação e sem árvores.
8 – É um terreno particular vedado, sem acesso público, afastado da população e da circulação de pessoas, pelo qual só se tem acesso por uma estrada de terra batida.
9 – Exceptuando as placas de zinco, os resíduos em causa não resultam da actividade a que se dedica o arguido (serralharia), mas sim da recolha que este faz esporadicamente às pessoas que o solicitam para transportar aquilo que já não tem utilização para elas, com destino à sua reciclagem.
10 – O arguido ao não assegurar a gestão dos resíduos por si produzidos e detidos, não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.
11 – O arguido trabalha como serralheiro, por conta própria, retirando desta actividade cerca de € 500,00 (quinhentos euros) mensais.
12 – Vive em casa própria com a esposa que está desempregada e uma filha com 12 (doze) anos de idade.
13 – Está de baixa médica desde o dia 13 de Fevereiro, data em que sofreu um acidente de trabalho.
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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão, nomeadamente:

- que o arguido estivesse a abandonar os resíduos descritos em 4;
- que os resíduos foram descarregados e abandonados a céu aberto, perto da floresta e, em condições que pelas características do meio envolvente ofereciam perigo para o meio ambiente e a todos os que ali transitariam.”
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E, na fundamentação da mesma sentença, em matéria de direito, consignou-se o seguinte:

“Cumpre, então, analisar se, perante estes factos dados como provados, o arguido incorreu na prática da contra-ordenação pela qual se encontra acusado, ou de qualquer outra.








De acordo com o disposto no artº 3º, alínea a), do Decreto-Lei nº 178/2006, de 05/09, por “abandono” entende-se “a renúncia ao controlo de resíduo sem qualquer beneficiário determinado, impedindo a sua gestão”.
Ora, perante os factos dados como provados, verificamos que o arguido não procedeu ao abandono dos resíduos supra identificados, dado que se tratou de uma mera deposição temporária dos mesmos, com posterior destino a uma empresa de reciclagem.
No entanto, e perante a matéria dada como provada, embora o arguido não tenha procedido ao abandono dos resíduos, tal como descrito no Diploma em causa, verificamos que a sua actuação se integra no conceito de “descarga” de resíduos, esta descrita como “a operação de deposição de resíduos”.
Ora, nos termos do disposto no nº 3, do artº 9º, já citado, é também proibida a descarga de resíduos em locais não licenciados para realização de operações de gestão de resíduos.
De acordo com o disposto no art.º 23º, nº 1 do Decreto-Lei nº 178/2006, de 05/09, as operações de armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação de resíduos estão sujeitas a licenciamento, deste licenciamento se exceptuando as operações de recolha e de transporte de resíduos, bem como a de armazenagem de resíduos que seja feita no próprio local de produção, por período não superior a um ano e, ainda, as de valorização energética de biomassa.
No caso em apreciação, o arguido procedia à descarga num terreno rústico, particular, o qual não estava licenciado para receber os mencionados resíduos, sendo tal comportamento punido pelo disposto nos art.ºs 5º, nºs 1 e 3, 9º, nº 3 e 67º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 178/2006, de 05/09.
Conclui-se, pois, embora com as diferenças assinaladas, que o arguido cometeu a infracção de que se encontra acusado.
Tal comportamento, como já disse, integra a prática, por parte do arguido, da contra-ordenação, prevista nos artºs 5°, nºs 1 e 3, 9° n° 3, e 67°, n° 1, alínea a) do Decreto-Lei n° 178/2006, de 5 de Setembro.”
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Considerando que, como já se referiu, a 2ª Instância só conhece da matéria de direito, temos que partir da matéria de facto dada como provada e que, nesta sede, é imodificável, para apreciar se se mostrarão preenchidos, com tal factualidade, os elementos constitutivos da contra-ordenação por que o arguido foi condenado, na sentença recorrida.

E dizemos, desde já, que bem se nos afigura que tal situação não se verifica.

Com efeito, preceitua o art.º 9º (sob a epígrafe “Princípio da regulação da gestão de resíduos”), do Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro (sendo também deste Diploma Legal todos os preceitos legais citados de seguida):








“…
3. São igualmente proibidos o abandono de resíduos, a incineração de resíduos no mar e a sua injecção no solo, bem como a descarga de resíduos em locais não licenciados para realização de operações de gestão de resíduos.”

E preceitua o art.º 3º (sob a epígrafe “Definições”), do referido Diploma Legal:

“Para os efeitos do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:

g) «Descarga» a operação de deposição de resíduos.”

E estabelece o art.º 23º (sob a epígrafe “Sujeição a licenciamento”):

“…
4. Não estão sujeitas a licenciamento nos termos do presente capítulo as operações de recolha e de transporte de resíduos, bem como a de armazenamento de resíduos que seja efectuada no próprio local de produção por período não superior a um ano e, ainda, as de valorização energética de biomassa.”


Ora, neste quadro legal, afigura-se-nos não poder censurar-se a conduta do arguido que resultou provada, na sentença recorrida, atentos, nomeadamente, os factos aí dados como provados, nos pontos 5. a 9., atrás transcritos e que aqui se reproduzem:

5 – O arguido e os seus acompanhantes estavam a colocar a sucata recolhida pelo arguido dentro de uma caixa aberta de automóvel que o mesmo havia previamente colocado no terreno propriedade da sociedade que representa o Sr. L..., a quem pediu autorização e este lhe concedeu para temporariamente depositar alguns resíduos, enquanto não os encaminhasse para a sucata, como era seu hábito, o que pretendia fazer daí a dois dias em, virtude de ser fim-de-semana e aquela estar encerrada.

6 – Aqueles materiais destinavam-se a ser reencaminhados, daí a dois dias, para o seu destinatário final, a empresa de reciclagem de sucata “J. S…, Ldª”.

7 – O terreno rústico a que correspondem as coordenadas referidas, não obstante estar localizado numa zona relativamente próxima da floresta, é um terreno amplo, de terra batida, com pouca vegetação e sem árvores.

8 – É um terreno particular vedado, sem acesso público, afastado da população e da circulação de pessoas, pelo qual só se tem acesso por uma estrada de terra batida.

9 – Exceptuando as placas de zinco, os resíduos em causa não resultam da actividade a que se dedica o arguido (serralharia), mas sim da recolha que este faz esporadicamente às pessoas que o solicitam para transportar aquilo que já não tem utilização para elas, com destino à sua reciclagem.

Os factos ocorreram a um Sábado, dia 27.10.2007 (ponto 1. dos factos provados), destinando-se os materiais em causa a ser reencaminhados, daí a dois dias, para o seu destinatário final, uma empresa de reciclagem de sucata, que se encontra encerrada ao fim de semana (pontos 5. e 6.).





E trata-se de material que, em parte, nem sequer resulta da actividade de serralharia a que se dedica o arguido, mas sim da recolha que este faz esporadicamente às pessoas que lhe solicitam para transportar aquilo que já não tem utilização, para elas, com destino à sua reciclagem (ponto 9.).

A significar que, no nosso entendimento, a conduta do arguido, que se deu como provada, não se insere no conceito da “descarga” a que se reporta o citado art.º 3º, al. g), que sempre deverá supor uma situação definitiva ou mais ou menos duradoura e não apenas meramente transitória, por um período de dois dias (em terreno com as características provadas nos pontos 7. e 8.), aguardando a abertura da referida empresa de reciclagem, para onde seriam, então, reencaminhados os resíduos, pelo arguido, como se provou.

Neste contexto, bem se nos afigura, que não se justifica, de facto, qualquer censura à conduta do arguido, nos termos em que resultou provada.

Com efeito, não pode olvidar-se que a decisão proferida pela autoridade administrativa – Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional – que foi objecto da impugnação judicial em causa, fundamentava-se, essencialmente, no seguinte:

“…
A necessidade de minimizar a produção de resíduos e de assegurar a sua gestão sustentável transformou-se, entretanto, numa questão de cidadania. Existe uma consciência cada vez mais clara de que a responsabilidade pela gestão dos resíduos deve ser partilhada pelo todo da colectividade: do produtor de um bem ao cidadão consumidor, do produtor do resíduo ao detentor, dos operadores de gestão às autoridades administrativas reguladoras. No que diz respeito aos custos inerentes à gestão de resíduos, a afirmação crescente do princípio do «poluidor-pagador» tem vindo a determinar a responsabilização prioritária dos produtores de bens de consumo, dos produtores de resíduos ou dos detentores.
Assim foi aprovado o Decreto-Lei n.° 178/2006, de 5 de Setembro, que estabelece o regime geral da gestão de resíduos, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.° 2006/l2/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril e a Directiva n.° 91/689/CEE, do Conselho, de 12 de Dezembro.
Decorre desde logo deste diploma a consagração do princípio da responsabilidade pela gestão dos resíduos, estando o seu produtor determinado como primeiro responsável, definindo o artigo 5°, n.° 1 do Decreto-Lei n° 178/2006, de 5 de Setembro, que «A gestão do resíduo constitui parte integrante do seu ciclo de vida, sendo da responsabilidade do respectivo produtor» e o n° 3, do mesmo artigo «Em caso de impossibilidade de determinação do produtor do resíduo, a responsabilidade pela respectiva gestão recai sobre o seu detentor.»
De acordo com o artigo 67°, n.° 1, alínea a), do mesmo diploma, sob a epígrafe Contra-ordenações prevê-se que «O incumprimento do dever de assegurar a gestão de resíduos a quem, nos termos do artigo 5º caiba essa responsabilidade (…) constitui contra-ordenação punível …».

Conforme resulta da letra da lei o produtor de resíduos tem o dever jurídico de assegurar a sua gestão, constituindo contra-ordenação o incumprimento de tal dever.
Ou seja, no caso concreto em apreço, o arguido estava obrigado a observar uma determinada conduta ou comportamento, impostos pela ordem jurídica, pelo direito objectivo: providenciar pelo destino final adequado dos resíduos por si produzidos, para tutela de um interesse geral da comunidade (e logo, dele próprio) de preservação do ambiente e da saúde pública.






Não o tendo feito, o arguido não demonstrou estar a dar um destino final adequado aos resíduos por si produzidos / detidos, os quais foram abandonados num local não autorizado para o efeito, tendo praticado efectivamente a contra-ordenação de que ora vem acusado, prevista e punida nos termos das supra identificadas disposições legais.

Ora, tendo sido impugnada judicialmente esta decisão da autoridade administrativa, o caso veio a ser decidido, pelo Tribunal “a quo”, mediante audiência de julgamento e o certo é que, na respectiva sentença, ora recorrida, não foram dados como provados os factos em que se baseava a referida decisão da autoridade administrativa, nomeadamente, que “o arguido estivesse a abandonar os resíduos descritos” e que “os resíduos foram descarregados e abandonados a céu aberto, perto da floresta e, em condições que pelas características do meio envolvente ofereciam perigo para o meio ambiente e a todos os que ali transitariam”, como se constata da fundamentação da sentença recorrida, no que respeita à decisão sobre a matéria de facto (enumeração dos factos não provados).

E, pese embora não tenha resultado provado que “o arguido estivesse a abandonar os resíduos descritos”, considerou a Exm.ª Juíza “a quo” que a “descarga” de resíduos efectuada pelo mesmo integrava a mesma contra-ordenação, por aquela estar igualmente prevista no citado art.º 9º, n.º 3.

Porém, salvo o devido respeito, não podemos concordar com tal entendimento, face às circunstâncias em que tal “descarga” se verificou ou, pelo menos, assim foram dadas como provadas, na sentença recorrida, ou seja, num contexto em que o arguido pretendia assegurar a gestão dos resíduos em causa, providenciando pelo respectivo reencaminhamento, a prazo muito curto, para destino final adequado, não se tratando, no caso, de uma verdadeira “operação de deposição de resíduos(tal como a lei define a “descarga”), que sempre suporá, assim o entendemos, como se referiu, um carácter definitivo ou mais ou menos duradouro.

Ora, dadas as circunstâncias que resultaram provadas em que decorreu a conduta do arguido, bem pode dizer-se que se tratou, no caso, de uma “descarga”, porém, meramente transitória e susceptível de ser enquadrada no âmbito das “operações de recolha e transporte de resíduos”, que “não estão sujeitas a licenciamento”, nos termos do citado art.º 23º, n.º 4.

A significar que, no caso, ponderando a matéria de facto provada, entendemos não se verificarem os elementos objectivos que constituem a contra-ordenação por que o arguido foi condenado e que, por isso, o recurso sempre terá que proceder.

E a apreciação e decisão sobre esta questão jurídica prejudica, sem dúvida, a apreciação das demais questões suscitadas pelo recorrente.

Sempre se dirá, porém, que não se vislumbra fundamento para a procedência das nulidades arguidas pelo recorrente e os vícios da sentença invocados pelo mesmo também não se verificam, por deverem resultar e, no caso, não resultam do texto da decisão recorrida.







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3. Decisão:


Por todo o exposto e sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes desta Secção Criminal em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se o arguido J..., ora recorrente, da contra-ordenação em causa.

Sem tributação.


Coimbra, 29.09.2010
(Doc. elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário)



(Vieira Marinho)



(Cacilda Sena)