Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5157/24.2T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO À RELAÇÃO DE CRÉDITOS RECONHECIDOS E NÃO RECONHECIDOS
FINALIDADE
CASO JULGADO
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 129.º, 130.º, 154.º A 156.º DO CIRE, 615.º E 620.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: A impugnação à relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, apresentado pelo administrador da insolvência para dar lugar ao apenso de verificação e graduação de créditos do insolvente, deve ser aí apresentada, nos termos do art. 130.º CIRE, e não se confunde, nem visa a mesma finalidade que a impugnação da lista provisória de créditos apresentada ao abrigo do disposto nos arts. 154.º e 156.º CIRE.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Relator: Fernanda Almeida
Adjuntos: Catarina Gonçalves
Chandra Gracias
*

Acordam os juízes abaixo-assinados da 1.ª secção, cível, do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

           Por apenso aos autos de insolvência em que, por sentença de 11.3.2025, foi declarada a insolvência de A..., LDA, NIF ...71, com sede na Rua ..., ..., loja ..., ..., ..., foi constituído o presente apenso B, relativo à reclamação de créditos.

           Neste apenso B, foi proferida sentença a 7.7.2025, onde se consignou, além do mais:

“Nos termos do artigo 130.º, n.º 3, do CIRE, não havendo impugnações, deve homologar-se a lista de credores reconhecidos e efetuar-se a correspondente graduação em atenção ao que dela conste.

Como in casu não foram apresentadas quaisquer impugnações, homologo a lista apresentada pelo senhor Administrador de insolvência, que aqui se dá por integralmente reproduzida”.

            Acrescentou-se que:

“O pagamento deverá começar a ser feito pelo produto da venda dos bens garantidos e privilegiados e só depois pelo produto da venda dos bens sobre os quais não recaia qualquer garantia ou privilégio e de acordo com os seguintes critérios:

- os créditos garantidos e privilegiados são pagos até ao valor da garantia respetiva ou ao valor do bem objeto do privilégio, com respeito pela prioridade que caiba a cada um desses créditos, sendo que os que não fiquem integralmente pagos passam a ter a natureza de créditos comuns (artigos 174.º, n.ºs 1 e 2, e 175.º, n.º 2, ambos do CIRE);

- os créditos comuns são pagos na respetiva proporção, se a massa for insuficiente para a sua satisfação integral (artigo 176.º do CIRE);

- o pagamento aos credores subordinados só tem lugar depois de integralmente pagos os créditos comuns e na ordem a que alude o artigo 48.º do CIRE (cf. artigo 177.º do CIRE).

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No caso vertente, de acordo com a lista de créditos apresentada nos autos, existem créditos privilegiados e comuns:

a)- Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação. A graduação dos créditos laborais faz-se pela seguinte ordem: o crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes do crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil (alínea a)); o crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes do crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social (alínea b)).

b) os créditos de IRC, relativos aos últimos 3 anos, gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral sobre os bens existentes no património do devedor à data da penhora ou ato equivalente. Na insolvência, e de acordo com o artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, o pagamento dos créditos IRC constituídos dentro dos 12 meses até à data do início do processo é garantido pelos bens móveis e imóveis existentes na massa falida, extinguindo-se os demais.

c) - O IVA constituído dentro dos 12 meses antes do início do processo de insolvência, mais os respetivos juros, beneficia do privilégio creditório mobiliário geral, de acordo com o disposto no artigo 97º, nº 1, a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, juntamente com os juros dos dois últimos anos (cf. artigos 735.º, n.º 1, e 734.º do Código Civil).

d) - Conforme decorre do artigo 204.º do Decreto-Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora mantiveram o privilégio mobiliário geral, passando, no entanto, a ser graduados nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil, ou seja, a par com a Fazenda Nacional.

Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 11.º, «Os créditos pelas contribuições, independentemente da data da sua constituição, e os respetivos juros de mora gozam de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo, graduando-se logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil».

e) - O artigo 98.º, n.º 1, do CIRE prevê que o crédito não subordinado do credor a requerimento de quem a situação de insolvência tenha sido declarada (no caso, o crédito do credor B..., Companhia de Seguro de Créditos, S.A.) beneficia de privilégio creditório geral, graduado em último lugar, sobre todos os bens móveis integrantes da massa insolvente, relativamente a um quarto do seu montante, num máximo correspondente a 500 unidades de conta.

f)  - Por último, para satisfação do imposto e das coimas resultantes da violação ao disposto no Código do Imposto Único de Circulação (Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho), bem como das despesas de remoção e armazenagem do veículo, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário especial sobre o veículo tributável - cf. artigo 22.º, n.º 3, do aludido diploma legal -, sendo que, no caso dos autos, verifica-se que foi reconhecido IUC incidente sobre veículos que ainda não foram apreendidos para a massa insolvente.

Como tal, e caso a apreensão dos aludidos veículos se concretize, deve o respetivo crédito de IUC sobre cada um dos veículos apreendidos ser graduado para ser pago sobre o produto destes bens com preferência sobre os demais créditos que não beneficiem de garantia ou privilégio especial.

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Os restantes créditos reclamados são créditos comuns, devendo ser pagos rateadamente pelo remanescente do produto dos bens apreendidos».

Desta sentença, apresentou recurso a própria insolvente, A..., visando a sua nulidade:

(…).

Apresentaram contra-alegações os credores AA e BB, dizendo:

(…).

            Objeto do recurso:

           Se é admissível no apenso de reclamação, verificação e graduação de créditos a impugnação à lista provisória de credores apresentada no apenso de insolvência, onde já foi decidido não ser de a conhecer, por despacho transitado em julgado.

            FUNDAMENTAÇÃO

            Fundamentação de facto

            Factos provados

            Extraídos dos autos de insolvência:           
1- Nos autos principais (de insolvência), a 26.5.2025, foi apresentada pelo AI a lista provisória de credores, nos termos do art. 154.º CIRE.
2- A 9.6.2025, diz a insolvente, entre o mais, o seguinte:
“2. A título de exemplo, a Insolvente tem pago todas as prestações dos financiamentos bancários já identificados no presente processo. 3. Foram também integralmente pagos todos os créditos dos credores CC e DD, conforme se comprovará, em termos que se exporão infra. 4. Já os créditos apresentados por BB e marido AA e por EE e marido FF estão presentemente a ser objeto de ações judiciais que, a colherem decisões favoráveis à Insolvente, implicarão que esta nada deve. 5. É intenção da Insolvente apresentar plano de recuperação, nos termos do artº 192º, nº 3 do CIRE, com prazo de pagamento de todo o capital efetivamente devido (incluindo a dívida à Segurança Social), bem como a manutenção do cumprimento dos pagamentos dos financiamentos bancários. 6. Mas tenciona a Insolvente nesse mesmo plano propor continuar com a exploração do seu estabelecimento e atividade. (…) 10. O contabilista atual da Insolvente está presentemente a elaborar o balancete do início do presente ano. 11. Este é, na perspectiva da Insolvente e salvo melhor opinião, um documento essencial para os Credores e o Sr. Administrador Judicial aferirem da viabilidade do plano de recuperação, pois demonstrará que a atividade da Insolvente lhe permitirá rendimentos suficientes para o cumprimento do mesmo. 12. Com esse documento, poderá também a Insolvente impugnar a lista de credores (o que, adiante-se, será integrado no plano de recuperação)”.
3 - A 13.6.2025, a insolvente apresentou requerimento, nos termos do art. 130.º CIRE, impugnando a lista provisória de credores, aceitando os créditos dos seguintes credores, sem prejuízo de eventual atualização dos valores devidos:
- Banco 1..., S.A.;
- Banco 2..., S.A.;
- Fazenda Nacional;
- C..., Ldª;
- Instituto da Segurança Social, IP.
- A B... não goza de privilégio creditório mobiliário geral porque não são conhecidos bens móveis à insolvente, o crédito é comum.
- Os créditos reclamados por BB e AA encontram-se incorretamente relacionados porque BB e o GG são cônjuges entre si e partes no Processo n.º 3550/22.... que corre os seus termos no Juízo Central Cível de Coimbra (Juiz 1). Pelo que se trata de um único crédito, titulado por ambos, existindo duplicação do crédito na lista de credores, devendo um dos créditos ser eliminado. Por outro lado, uma vez que se trata de crédito em discussão em litígio judicial pendente, pelo que este crédito é um crédito condicional, por condição suspensiva, nos termos do art. 50.º, n.º 1 do CIRE.
- deverá ser feita a ponderação quanto aos direitos de voto, nos termos do art. 73.º, n.º 2 do CIRE, devendo os devedores juntar cópia integral dos articulados para tal decisão.
- Também os credores EE e FF são casados entre si, pelo que também ocorre duplicação do crédito reclamado que resulta do mesmo contrato e factos. Acresce que a Insolvente não aceita os fundamentos de resolução do contrato de empreitada apresentados pelos putativos credores, aguardando pela instauração da ação que demonstrará inequivocamente a inexistência de tal crédito. Pelo que devem os créditos reclamados por estes credores ser eliminados.
-Relativamente aos créditos reclamados pelo credor CC, o mesmo foi integralmente pago, devendo em consequência ser eliminado.
4 – A 18.6.2025, a B... respondeu à impugnação, nos autos principais.
5 – A 23.6.2025, responderam os credores AA e BB.
6- A 7.7.2025, nos autos de insolvência, foi proferido despacho onde, entre o mais, foi dito o seguinte:
«Ref.ª 9803883 (13.06.2025):
Notificada do relatório do artigo 155.º do CIRE e da lista provisória de credores aí anexada, apresentada pelo senhor AI, veio a devedora insolvente impugnar o reconhecimento de créditos que indica. Vejamos. Tal como deixado expresso no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12.09.2019, publicado em www.dgsi.pt, a lista provisória de credores prevista no artigo 154.º CIRE integra (como anexo) o relatório apresentado pelo Administrador da Insolvência e vai servir de base à definição da participação e votação dos credores nas deliberações que à Assembleia de Credores compete tomar (ou, caso a Assembleia tenha sido prescindida, à possibilidade dos credores se pronunciarem por escrito quanto ao teor do relatório apresentado nos termos do artigo 155.º do CIRE). Uma impugnação apresentada àquela lista não é atendível no âmbito do apenso de reclamação de créditos, não desobrigando o interessado de apresentar nos termos e no prazo previstos no artigo 130.º do CIRE a impugnação que tenha por conveniente à lista de credores reconhecidos e não reconhecidos que vier a ser apresentada pelo Administrador da Insolvência em cumprimento do artigo 129.º do CIRE. «A relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o art.º 129.º do CIRE constitui um documento autónomo da lista provisória de credores anexa ao relatório e é ela que vai dar origem à tramitação judicial do incidente de verificação e graduação de créditos, que corre termos por apenso ao processo de insolvência enquanto incidente que se apresenta com uma tramitação própria e diferenciada daquele processo principal», pode ler-se no citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto. No caso dos autos, e pese embora se mencione o artigo 130.º do CIRE, a devedora impugnou a lista provisória de créditos e não a lista definitiva de créditos apresentada nos termos do artigo 129.º, a qual apenas veio a ser apresentada em data posterior (16.06.2025). Assim sendo, e uma vez que os credores concretamente impugnados não se pronunciaram quanto ao relatório apresentado nos termos do artigo 155.º do CIRE, nem manifestaram o seu sentido de voto quanto à proposta de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, não se mostra relevante conhecer da impugnação deduzida pela devedora insolvente. Termos em que não se conhece da impugnação apresentada.»
7 – A 12.8.2025, foi efetuada, assembleia de credores, onde se decidiu:
“a) – administração da massa insolvente passa a ser assegurada pela devedora, ao abrigo do disposto no artº 224.º, nº3, do CIRE, com supervisão e fiscalização pelo Sr. Administrador de Insolvência, nos termos do artº. 226º do CIRE.
Publicite.
b) – a sociedade insolvente tem o prazo de 40 (quarenta dias) para a apresentação de plano de insolvência.
Notifique.”
8- A proposta veio a ser apresentada pela insolvente e aprovada por despacho de 14.10.2025, tendo vindo a ser designada, por despacho de 12.11.2025, a realização da assembleia de credores para discussão e votação da proposta de Plano da Insolvência, para o próximo dia 8 de janeiro de 2026.

            Extraídos dos autos de verificação de créditos:
9 – O presente apenso B, relativo à reclamação, verificação e graduação de créditos, teve início por requerimento apresentado pelo AI, a 16.6.2025, indicando como credores os seguintes:
- BB;
- EE;
- Banco 3..., SA;
- Banco 1..., SA;
- Banco 2..., S.A.;
- B... - Companhia de Seguro de Créditos, SA.;
- Fazenda Nacional;
- C..., Lda;
- Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital ...;
- AA;
- CC;
- HH;
- II;
- FF.

10 – Esta lista não impugnada, nos termos do art. 130.º/1. CIRE.

Fundamentação de direito
Como bem se percebe, quer do processamento dos presentes autos, quer do CIRE, quer do despacho proferido nos autos principais, a 7.7.2025, o AI apresenta na insolvência duas relações de credores, para duas funcionalidades distintas: uma, ao abrigo do disposto no art. 155.º CIRE que tem em vista as seguintes finalidades:
1 - O administrador da insolvência elabora um relatório contendo:
a) A análise dos elementos incluídos no documento referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º;
b) A análise do estado da contabilidade do devedor e a sua opinião sobre os documentos de prestação de contas e de informação financeira juntos aos autos pelo devedor;
c) A indicação das perspetivas de manutenção da empresa do devedor, no todo ou em parte, da conveniência de se aprovar um plano de insolvência, e das consequências decorrentes para os credores nos diversos cenários figuráveis;
d) Sempre que se lhe afigure conveniente a aprovação de um plano de insolvência, a remuneração que se propõe auferir pela elaboração do mesmo;
e) Todos os elementos que no seu entender possam ser importantes para a tramitação ulterior do processo.

2 - Ao relatório são anexados o inventário e a lista provisória de credores.
3 - O relatório e seus anexos deverão ser juntos aos autos pelo menos oito dias antes da data da assembleia de apreciação do relatório.

A impugnação deste relatório ocorre na assembleia de credores, de apreciação do relatório, como dispõe o art. 156.º CIRE.

Já quanto à relação dos créditos reconhecidos e não reconhecidos que o AI apresenta na secretaria, nos termos do art. 129.º e 130.º do CIRE, nos 15 dias subsequentes ao termo da prazo das reclamações de crédito (prazo esse que é o fixado na sentença), uma vez terminado esse prazo, o AI apresenta outras duas listas: uma com os créditos conhecidos, outra com os créditos não reconhecidos, procedendo à sua qualificação e graduação.
Uma vez terminado o prazo para o AI apresentar a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, começa a correr um prazo de 10 dias para a impugnação pelos interessados, nos termos do art. 130.º/1 CIRE
           Ora os recorrentes confundem processos – o de insolvência e seus apensos – e as respetivas fases de tramitação.
           Ao AI são cometidas diversas funções, como seja a de apresentar a lista provisória de credores de que trata do art. 154.º, anexado ao relatório, e o relatório mencionado no art. 155.º
            Esta lista tem em vista a apreciação pela assembleia de credores.
           Outra das suas funções, já noutro processo, ou seja, já noutro apenso (o atual) é apresentar a lista definitiva com vista à graduação dos créditos, já ao abrigo do disposto no art. 130.º.

           Assim, como se refere no ac. RP., de 19.9.2019, Proc. 213/19.1T8AMT-B.P1 (citado já em despacho nos autos de insolvência):

I - A lista provisória de credores prevista no art. 154.º CIRE, integra como anexo o relatório apresentado pelo Administrador da Insolvência e vai servir de base à definição da participação e votação dos credores nas deliberações que à Assembleia de Credores compete tomar. II - Uma impugnação apresentada àquela lista não é atendível no âmbito do apenso de reclamação de créditos, não desobrigando o interessado de apresentar nos termos e no prazo previstos no art. 130.º do CIRE a impugnação que tenha por conveniente à lista de credores reconhecidos e não reconhecidos que vier ser apresentada pelo Administrador da Insolvência em cumprimento do art. 129.º do CIRE.
III - A relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o art.º 129.º do CIRE constitui um documento autónomo da lista provisória de credores anexa ao relatório e é ela que vai dar origem à tramitação judicial do incidente de verificação e graduação de créditos, que corre termos por apenso ao processo de insolvência enquanto incidente que se apresenta com uma tramitação própria e diferenciada daquele processo principal. previstos no art.º 130.º do CIRE a impugnação que tenha por conveniente à lista de credores reconhecidos e não reconhecidos que vier ser apresentada pelo Administrador da Insolvência em cumprimento do art.º 129.º do CIRE.
III - A relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos a que alude o art. 129.º do CIRE constitui um documento autónomo da lista provisória de credores anexa ao relatório e é ela que vai dar origem à tramitação judicial do incidente de verificação e graduação de créditos, que corre termos por apenso ao processo de insolvência enquanto incidente que se apresenta com uma tramitação própria e diferenciada daquele processo principal.

Quer isto dizer que, apesar de lapso ostensivo (que dá origem à simples retificação - art. 249.º CC), por o AI ter apresentado nos autos de insolvência lista provisória que fez reportar aos arts. 153.º a 155.º a verdade é que a intitulou expressamente como lista provisória, nestes termos: JJ, Administrador de Insolvência nos autos de Insolvência de: A..., Lda, no processo indicado a correr termos por esse Juízo vem: REQUERER a V. Exªs que se digne ordenar a junção aos autos do Relatório, Lista Provisória de Credores e Inventário.

Além disso, a insolvente veio impugnar essa lista, aceitando uns créditos e não outros, bem como pondo em causa algumas garantias e, logo nessa oportunidade, o tribunal a quo foi claro: não era ali o tempo de apresentar reclamação à lista provisória e que seria a propósito da apresentação da lista a respeito do processo a que alude o art. 129.º que essa impugnação poderia ser apresentada.

Não concordando com o teor deste despacho, a insolvente poderia ter dele recorrido, mas a verdade é que não admitiu a reclamação aí apresentada e isso constitui caso julgado nos autos (art. 620.º CPC).

Ademais, repare-se que nos autos de verificação e graduação de créditos, o AI apresentara a relação dos créditos definitivamente reconhecidos, a 16.6.2025 (do que até terá dado conhecimento a todos os intervenientes por e-mail de 15.6.2025), dispondo o art. 130.º/1 CIRE que os interessados dispõem do prazo de 10 dias para impugnar tais créditos, ou seja, até, pelo menos (contando o prazo extra de 3 dias úteis) 30.6.2025.

Ora, nos autos corretos – apenso B – a devedora não impugnou a lista definitiva dos credores reconhecidos, tendo antes aguardado pela decisão judicial a proferir nos autos de insolvência, sobre a putativa reclamação à lista provisória.

Tendo vindo a ser proferido tal despacho, a 7.7.2025, a devedora com ele se conformou, deixando-o transitar em julgado, numa altura em que sequer já não poderia impugnar os créditos definitivamente reconhecidos neste apenso B.

Assim, de duas, uma das atitudes processuais cabia à recorrente, auxiliada por advogado: impugnar a lista definitiva dos créditos reconhecidos, nos autos respetivos (os atuais); não se conformar, no apenso de insolvência, com o despacho de 7.7.2025 e dele recorrer.

E nem se diga que era inútil nova reclamação no apenso correto porque nem os créditos aqui apresentados têm que coincidir com os provisórios, nem a graduação provisória destes últimos, ao contrário do que sucede no apenso B, por mandamento legal (art. 129.º/1 CIRE), implica igualmente uma proposta do AI de graduação dos credores reconhecidos, que tenha por referência a previsível composição da massa insolvente e respeite o disposto no n.º 2 do artigo 140.º e na alínea d) do n.º 1 do artigo 241.º.

Agora, sobre a sindicância do despacho de 7.7.2025, proferido nos autos apensos, não constitui o mesmo, como é óbvio, objeto do presente recurso, pelo que nada sobre o mesmo se nos impõe decidir.

Não pode é decidir-se que a sentença proferida nestes autos está inquinada de qualquer nulidade, mormente as previstas no art. 615.º/ c) e d) CPC (não à posição entre os fundamentos e a decisão destes autos sendo absolutamente inteligível o dispositivo, tendo sido apreciadas todas as questões colocadas), primeiro porque a argumentação do recorrente é da existência de contradição entre duas decisões que, na sua essência, versam temas distintos; depois porque não era objeto da sentença recorrida conhecer de uma impugnação à lista definitiva que a recorrente nunca apresentou.

Por se não tratar de uma impugnação à lista definitiva de créditos, mas da lista provisória, não cabia ao juiz, no processo apenso, remeter para estes autos aquela reclamação, em nome de qualquer dever de cooperação.

Não concordando com a decisão, o que cabia à devedora era apresentar recurso dessa decisão.

Ademias, diga-se que o putativo relevo da reclamação quanto aos direitos dos credores provisórios deve ser exercido na assembleia de credores e é igualmente matéria que exorbita do recurso à sentença de graduação de créditos, devendo ser conhecida no processo onde tal assembleia terá lugar, como resulta do art. 156.º CIRE, onde o devedor estará presente (ar. 83.º CIRE).

Podia tê-lo feito- renovar a impugnação anterior – na ata de assembleia de credores ocorrida a 12.8.2025, convocada nos termos do art. 75.º CIRE, o que não fez, sendo certo que se acha designada uma nova assembleia de credores.

DISPOSITIVO

Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.


20.1.2025