Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE ESBULHO VIOLÊNCIA CONVOLAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 04/11/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - M.BEIRA - JUÍZO C. GENÉRICA - JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 362, 368, 377, 378, 379 CPC, 255, 1261, 1277, 1279 CC | ||
Sumário: | 1. Para deferir a restituição provisória da posse, a violência, caracterizadora do esbulho, poderá ser exercida sobre pessoas e/ou sobre coisas, mas neste caso desde que ela se repercuta nas pessoas em termos de intimidá-las ou coagi-las. 2. Se a acção recair sobre coisas e não directamente sobre pessoas, esta só poderá ser havida como violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois apenas assim estará em causa a liberdade de determinação humana. 3. Não verificados todos os requisitos para aquele procedimento especificado, a pessoa desapossada pode recorrer ao procedimento cautelar comum, nos termos previstos no art.º 379° do CPC, para obter uma intervenção urgente do poder judicial, desde que a manutenção dessa situação ilícita lhe cause prejuízos graves e de difícil reparação. 4. Não estão reunidos os requisitos do esbulho violento nem se justifica a convolação dita em 3., se se demonstrar, apenas, que determinada parcela de terreno foi ocupada e acrescentada à via pública adjacente pela Junta de Freguesia (com o intuito, que foi consumado, de alargar a via pública confinante pelo lado nascente) privando assim a herança-requerente de, através dos respectivos herdeiros, aceder à mesma e de a usar como alegada proprietária e possuidora, indiciando-se, ainda, que a questão da propriedade da parcela integrada na via pública irá constituir o objecto central do litígio na acção declarativa comum. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. 1. Em 17.01.2019, Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito E (…) representada pela respectiva cabeça-de-casal M (…) intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu (Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira), o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra Freguesia de (...) , pedindo que lhe seja restituída a posse de uma parcela de terreno com a área de cerca de 230 m2, que faz parte do prédio inscrito na matriz sob o art.º (...) da freguesia de (...) , do Concelho de (...) e que a requerida ocupou e integrou na via pública adjacente.[1] 2. Alegou, nomeadamente: a) A herança é proprietária do prédio constituído por terra de vinha com oliveiras, sito no lugar de (...) , na povoação e freguesia de (...) , concelho de (...) , que confronta do norte e do poente com o caminho, do sul com (…) e de nascente com a estrada[2], inscrito na respectiva matriz sob o art.º (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) de (...) sob o n.º 1997 daquela freguesia; b) A propriedade deste imóvel está inscrita definitivamente na dita Conservatória a favor dos referidos herdeiros em comum e sem determinação de parte ou direito, pelo que eles gozam, e também a herança, da presunção se serem os respectivos proprietários; c) Sendo os proprietários, na qualidade de herdeiros, deste terreno, também estão a possuí-lo desde há mais de um ano e granjeiam-no ao longo de todo o ano, por si ou por trabalhadores que contratam, e na época própria colhem os respectivos frutos que fazem seus, e nele se recreiam numa parte afecta a logradouro do seu prédio urbano confinante, actos que praticam à vista e com o conhecimento de todas as pessoas de (...) e da Requerida; d) Este terreno[3] tem uma parcela com a área de cerca de 460 m2, que também serve e completa o logradouro da casa de habitação de dois pavimentos, propriedade da requerente, sita na Rua (...) , na dita (...) , que confronta de nascente com a estrada nacional n.º 222, inscrita na respectiva matriz sob o art.º (...) e descrita na CRP de (...) sob o n.º (...) ; e) No dia 10.12.2018, a Junta de Freguesia, agindo na qualidade de órgão executivo da Requerida, ordenou, através do seu Presidente, o despejo de grande quantidade de terra para dentro desta parcela de terreno, sem o consentimento e o conhecimento da Requerente, o que efectivamente foi feito com o intuito, que foi consumado, de alargar a via publica confinante pelo lado nascente, sendo que, em consequência desta actuação foram ocupados cerca de 230 m2 de terreno, integrando toda a área que estava delimitada a partir do muro que separava esta parcela do empedrado da via pública, e foram integrados nesse caminho adjacente (tendo até derrubado uma árvore - tília - que estava implantada no terreno e também ficou coberta a boca dum poço de água que lá existe); f) Tal situação ainda se mantém, com circulação de pessoas e veículos sobre o terreno da Requerente que foi acrescentado à via pública com a ocupação, e privando a Requerente de, através dos respectivos herdeiros, aceder e usar tereno que lhe pertence como proprietária e possuidora que é. 3. Por decisão de 21.01.2019, a Mm.ª Juíza a quo fixou o valor da causa em € 1 500 e indeferiu liminarmente o procedimento cautelar. Inconformada, a requerente apelou, terminando a alegação com as seguintes conclusões: 1ª - A Requerente/Recorrente atribuiu a este procedimento o valor de € 15 000 e por considerar que os 230 m2 do seu terreno ocupado por acção da Requerida têm hoje esse valor e vista a sua afectação a logradouro de casa de habitação situada no perímetro urbano de (...) . 2ª - A Mm.ª discordou daquele valor e fixou-o em € 1 500, tomando por base o valor patrimonial inscrito na matriz rústica e situações que disse idênticas. 3ª - Mas aquele valor matricial (€ 475,05 para todo o prédio rustico) reporta-se a 1989, ou seja, é o valor calculado há 30 anos, acrescendo que a Mm.ª não especificou quais os casos idênticos em que baseou a sua decisão. 4ª - Face a esta débil (com o respeito devido) fundamentação, o valor fixado pela Requerente/Recorrente, ou seja o de € 15 000 deve ser mantido e revogado o despacho que o alterou. 5ª - Está alegado que o terreno da Requerente/Recorrente se situa em plano inferior à via publica que o limita pelo lado nascente e que no mesmo foi despejada, por ordem da Requerida, grande quantidade de terra com o intuito, que foi consumado, de alargar a via pública confinante pelo lado nascente. 6ª - Com esta actuação da Requerida e por via daquele aterro foram ocupados 230 m2 do terreno da Requerente e esta área foi integrada na via publica adjacente. 7ª - Actuação desenvolvida sem o consentimento e o conhecimento da Requerente e, em consequência, a Requerente está impedida de, através dos respectivos herdeiros, aceder e usar terreno que lhe pertence como proprietária e possuidora. 8ª - O que configura um esbulho violento nos termos e para os efeitos dos art.ºs 1279º, 1261º-2 e 255º-2 do Código Civil (CC) e na interpretação prevalecente que lhes é dada pela jurisprudência do STJ, e também nos termos e para os efeitos do art.º 377º do Código de Processo Civil (CPC). 9ª - Não existe fundamento para o indeferimento liminar decretado o qual teve por base uma má interpretação dos factos alegados e, por esse motivo, a não aplicação aos mesmos daquelas normas legais, pelo que o mesmo deve ser revogado. Remata dizendo que deverão ser revogados “os dois despachos recorridos”, mantendo o valor da causa em € 15 000 e ordenando que a “providência” siga os seus demais termos. A requerida não foi citada (cf. os art.ºs 378º e 641º, n.º 7 do CPC). Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) valor do procedimento cautelar; b) se os factos invocados pela requerente permitem a utilização do procedimento cautelar de restituição provisória de posse (sendo a questão essencial a apreciar a da existência ou não de violência no esbulho) ou a sua convolação para procedimento cautelar comum. * II. 1. Para a decisão do recurso releva o que se descreve no antecedente relatório. 2. Cumpra apreciar e decidir com a necessária concisão. Preceitua o art.º 304º, n.º 1 do CPC que o valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores; e dispõe o n.º 3, alínea b) do mesmo art.º que o valor do procedimento cautelar de restituição provisória de posse é determinado pelo valor da coisa esbulhada. A Mm.ª Juíza a quo, considerando que a requerente pede a restituição provisória de posse contra a requerida, de parte de um prédio cujo valor patrimonial que consta da matriz predial é de € 475,05, determinado no ano de 1989 (cf. o “documento n.º 2” junto com a p. i.), decidiu, nos termos e para os efeitos do art.º 306.º, nºs 1 e 2 do CPC, “e tendo por base a localização do prédio, e situações idênticas às dos autos” (sic), fixar “à causa o valor de 1 500€ (mil e quinhentos euros)”. Se é certo que a questão em apreço não influi na admissibilidade e no conhecimento do presente recurso (art.º 629º, n.º 3, alínea c) do CPC), afigura-se, contudo, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que a Mm.ª Juíza a quo não concretizou/especificou o critério subjacente à fixação do valor do procedimento cautelar (maxime, os casos idênticos em que baseou a sua decisão), sendo de admitir que a situação dos autos reclamará, porventura, a adopção das diligências previstas nos art.ºs 308º e 309º do CPC. Assim, por ora, e face aos elementos dos autos, não resta alternativa à manutenção do valor indicado pela requerente na petição inicial (€ 15 000 - referindo a requerente que traduzirá o valor de mercado da parcela ocupada “vista a sua afectação a logradouro de casa de habitação situada no perímetro urbano de (...) ”), naturalmente, sujeito a eventual correcção em sede de acção principal. 3. No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência (art.º 377º do CPC). O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do artigo 336º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse (art.º 1277º do CC). O possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador (art.º 1279º do CC). 4. A restituição provisória de posse tem natureza antecipatória, assegurando a satisfação provisória do possuidor e deverá ter lugar quando o juiz se convença da séria probabilidade da verificação dos requisitos da posse e do esbulho violento (cf. os art.ºs 368º, n.º 1 e 378º do CPC), dependendo, pois, da verificação cumulativa de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência. É possuidor esbulhado quem foi privado da posse (enquanto poder de disponibilidade fáctica ou empírica de determinado bem) que tinha e que é impedido de continuar a exercer (foi colocado em condições de não poder continuar a exercer a posse; o possuidor ficou privado do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes correspondentes à sua posse), e, em regra, o Réu/requerido/esbulhador terá de restituir a coisa, fazendo cessar a posse iniciada com o esbulho.[4] Para que o esbulho possa servir de fundamento ao pedido de restituição provisória de posse é ainda necessário que este seja violento e, A coacção moral, na hipótese de esbulho, ocorre quando o possuidor da coisa é forçado à sua privação pelo receio de um mal de que foi ilicitamente ameaçado, mal esse que tanto pode respeitar à sua pessoa como à sua honra ou fazenda ou de terceiro (art.º 255º do CC), enquanto a coacção física supõe a completa ausência de vontade por parte daquele a quem a posse foi usurpada.[6] 5. Não suscita qualquer dúvida que o uso de violência sobre as pessoas, quer seja pelo uso da força física, quer seja através da coacção moral, pelas formas da intimação e da ameaça, é relevante para, caracterizando o esbulho como violento, fundamentar o deferimento do procedimento cautelar de restituição provisória de posse. Considerando-se que a violência a que se refere o art.º 1261º do CC tem de exercer-se sobre as pessoas, e não apenas sobre as coisas que constituem um obstáculo à privação da posse (e a ameaça pode respeitar às pessoas ou aos bens, mas há-de exercer-se sobre a pessoa do coacto), as dúvidas podem-se colocar no tocante à violência sobre as coisas. Embora estejamos perante questão não isenta de dificuldades (algumas das quais, cremos, poderão ser ultrapassadas se tivermos uma real/adequada configuração da situação controvertida), afigura-se defensável, como regra, o entendimento de que a violência contra as coisas só é relevante se com ela se pretende intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros actos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de influenciar psicologicamente o possuidor - a violência sobre as coisas que estorvam a privação apenas relevará para este fim quando o agente usou, pelo menos de dolo eventual, quando previu, como normal consequência da sua conduta, que iria constranger psicologicamente o possuidor e, todavia, não se absteve de a assumir, conformando-se com o resultado.[7] Assim, para deferir a restituição provisória da posse, a violência sobre as coisas só releva se tiver por fim intimidar o possuidor, limitando a sua liberdade de determinação, i. é, se a acção recair sobre coisas e não directamente sobre pessoas, esta só poderá ser havida como violenta se, indirectamente, coagir o possuidor a permitir o desapossamento, pois apenas assim estará em causa a liberdade de determinação humana.[8]
6. A referida perspectiva quanto à utilização do procedimento cautelar de restituição provisória de posse, numa interpretação restritiva dos preceitos que o prevêem, justifica-se pela diminuição das garantias de defesa do requerido, que não é chamado a defender-se e a contraditar os factos e as provas do requerente previamente à decisão e pela desnecessidade da existência de qualquer prejuízo do requerente - a utilização do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, pela diminuição de garantias de defesa do requerido e pela desnecessidade de existência de qualquer prejuízo do requerente, só deve ser permitida em casos em que a violência atingiu pessoas, e não quando apenas se exerceu sobre coisas, pois só aquelas situações revestem uma gravidade que justifica a utilização daquele meio de intervenção draconiano.[9] Daí que só deva ser permitido nos casos em que a violência, mesmo quando apenas incida directamente sobre coisas, atinja a pessoa do desapossado. E se tal não ocorre, a restituição provisória da posse não deve ser decretada, sem prejuízo da defesa da posse mediante providência não especificada, verificados os respectivos requisitos - nas situações em que só coisas foram violentadas, sem qualquer constrangimento de pessoas, revela-se suficiente a possibilidade de utilizar o procedimento cautelar comum, para se obter a restituição provisória do bem ocupado (cf. os art.ºs 362º, n.º 1 e 379º do CPC[10]).[11] 7. Atendendo à factualidade alegada na p. i. é irrecusável que a requerente (sua representante e demais herdeiros) ficou impedida/impossibilitada de aceder à parcela de terreno em causa, admitindo-se, pois, a posse e o esbulho. Porém, não vemos configurado um esbulho violento, uma vez que o desapossamento foi obtido através de uma acção que não incidiu sobre a requerente, representada pela cabeça-de-casal e/ou restantes herdeiros, já que não se verificou directamente qualquer ofensa física à pessoa destes, nem se verificou, directa ou reflexamente, qualquer ofensa psicológica à sua liberdade de determinação, colocando-os na impossibilidade material de agir, ou inibindo-lhes qualquer capacidade de reacção, por receio de algum mal. Não ocorrendo esbulho violento, é de concluir pelo não preenchimento de todos os pressupostos de que depende o deferimento do procedimento cautelar de restituição provisória de posse. Daí que se concorde com a posição assumida na decisão recorrida de que os factos alegados na p. i. não justificavam a utilização do procedimento cautelar de restituição provisória de posse. 8. Na ausência de prova dos pressupostos do deferimento da providência concretamente requerida pela recorrente, e na impossibilidade de convolação para a providência cautelar comum, por inexistência dos pressupostos de que dependia o seu decretamento - manifestamente improcedente, porquanto, além do mais, a recorrente nada alegou susceptível de caracterizar o periculum in mora, ou seja, o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito até à sua definição na acção declarativa correspondente (susceptível de determinar uma intervenção urgente do poder judicial) -, nada será de objectar ao decretado indeferimento liminar do procedimento cautelar.[12] 9. Na verdade, a mencionada parcela de terreno foi acrescentada à via pública adjacente (situada a nascente) com a ocupação [e refere-se na “conclusão 5ª”/ponto I. 3., supra: “(…) com o intuito, que foi consumado, de alargar a via pública confinante pelo lado nascente”], privando assim a herança-Requerente de, através dos respectivos herdeiros, aceder à mesma e de a usar como alegada proprietária e possuidora. Todavia, não se verificou esbulho violento no apontado sentido [cf. II. 5., supra] e não vemos invocado perigo de lesão grave e dificilmente reparável do direito até à sua definição na acção declarativa. Ademais, indicia-se que a questão da propriedade do terreno integrado na via pública irá constituir, por certo, o objecto central do litígio das partes na acção declarativa comum, sendo que na versão apresentada na p. i. deste procedimento já se entrevê e evidencia tal problemática, envolta nalguma dúvida… [veja-se, principalmente, o ponto I. 2. e), supra]. 10. Soçobram, desta forma, as demais “conclusões” da alegação de recurso (“5ª a 9ª”, ponto I, supra). * III. Pelo exposto, revoga-se o decidido quanto à fixação do valor do procedimento cautelar, como se indica em II. 2., supra, e mantém-se a decisão de indeferimento liminar. Custas do recurso pela requerente/apelante, sendo estas posteriormente atendidas na acção principal, nos termos do art.º 539..) º do CPC. * 11.4.2019 Fonte Ramos ( Relator ) Maria João Areias Alberto Ruço
[7] Vide Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ, ano 122º, pág. 293. Nesta perspectiva, exigindo que a violência, mesmo quando exercida sobre coisas, tenha um efeito de constrangimento sobre pessoas, vide, ainda, nomeadamente, J. Dias Marques, Prescrição aquisitiva, 1º vol., edição de 1960, pág. 277 e J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, vol. 2º, cit. págs. 72 e seguintes. Dando-nos uma perspectiva da evolução da jurisprudência e da dificuldade em concretizar o conceito de “esbulho violento”, cf., também, A. Abrantes Geraldes, Temas da reforma do processo civil, vol. IV, 3ª edição, Almedina, 2006, págs. 45 e seguintes. Apontando para um entendimento porventura mais alargado do conceito de “violência” no esbulho, cf., designadamente, os acórdãos do STJ de 07.7.1999, da RG de 03.11.2011-processo 69/11.2TBGMR-B.G1 [tendo-se concluído: «II- Na acção cautelar de restituição provisória de posse, quando a actuação do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento; III- A violência no esbulho pode traduzir-se numa acção física exercida sobre as coisas como meio de coagir o esbulhado a suportar uma situação contra a sua vontade.»], da RP de 28.10.2013-processo 1880/13.5TBSTS.P1 [assim sumariado: «I - Efectuando-se o acesso ao prédio da requerente desde há mais de 30 anos, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, por uma faixa de terreno no início da qual se encontrava um portão fechado à chave, e tendo os requeridos, donos do prédio confinante, retirado o portão e construído um muro, tapando a entrada e apropriando-se da referida faixa, encontram-se reunidos os requisitos enunciados no n.º 1 do artigo 393º do CPC [de 1961]. II - A constituição de um obstáculo físico que impede o possuidor de aceder ao objecto da sua posse, e, consequentemente, inviabiliza totalmente a sua fruição, integra o requisito da violência exigido no normativo citado.»] e da RC 25.5.2010-processo 1230/09.5T2AVR-A.C1 [com o seguinte sumário: «III - Para efeitos de restituição provisória de posse, a violência sobre a coisa é relevante quando a coisa violada pela actuação do esbulhador constituía um obstáculo ao esbulho que teve de ser vencido. IV - A violência sobre coisas pode abranger, nomeadamente, os actos consistentes na mudança de fechaduras de portas do próprio prédio objecto de esbulho. »] - aresto subscrito pelo aqui relator e pelo relator do anterior acórdão (como 1º adjunto) -, publicados, o primeiro, no BMJ 489º, 338 e, os restantes, no “site” da dgsi. Aludindo às dificuldades que a matéria tem suscitado, inclusive, no nosso mais alto Tribunal, e adoptando entendimento porventura mais ecléctico e alargado, cf. o acórdão do STJ de 19.10.2016-processo 487/14.4T2STC.E2.S1 [tendo-se sumariado: «IV - A respeito do requisito da “violência”, a jurisprudência firmada no STJ oscilou ao longo dos anos entre a tese do acórdão recorrido - que considerou violência relevante aquela que é exercida contra a pessoa do possuidor - e a tese do acórdão-fundamento - que considerou bastante para integrar o requisito em causa a violência exercida sobre a coisa. (…) VI - A violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia – pelo que se sufraga a acepção mais lata de esbulho violento. VII - A interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, actuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa. VIII - Não pode deixar de se considerar esbulho violento a vedação com estacas de madeira e rede com uma altura de 1,50 m executada pelos requeridos como um obstáculo que constrange, de forma reiterada, a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam, merecendo, por conseguinte, tutela possessória cautelar no âmbito do procedimento de restituição provisória de posse.»], também citado pela requerente, publicado no “site” da dgsi. [11] Cf., entre outros, os citados acórdãos da RP de 12.11.2013-processo 1213/13.0TBVRL-C.P1 e da RC de 20.5.2014-processo 84/14.4TBNLS.C1. |