Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
136/10.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO
FALTA
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
DEPENDÊNCIA ECONÓMICA
TRABALHADOR
Data do Acordão: 10/27/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 6º, Nº 2, AL. B) DA LAT DE 1997 (LEI Nº 100/97, DE 13/09); ARTº 12º, Nº 3 DO DL Nº 143/99 DE 30/04.
Sumário: Para que um sinistrado beneficie do regime de reparabilidade previsto na LAT de 1997, com fundamento na al. b) do nº 2 do artº 6º deste diploma, cabe-lhe alegar e provar que executou espontaneamente serviços em benefícios da sua empregadora (proveito económico), sendo que estava na dependência económica desta (bastando-lhe, nesta situação, provar a verificação dos pressupostos da presunção juris tantum prevista no artº 12º, nº 3 do Dec. Lei nº 143/99, de 30/04).
Decisão Texto Integral:





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho, frustrada a tentativa de conciliação realizada sob a égide do Ministério Público, deu-se início à fase contenciosa do processo, através da apresentação da petição inicial pelo autor A... contra a ré B... .

Em breve síntese, alegou o demandante que sofreu um acidente de trabalho, em 15-08-2009, quando se encontrava a exercer funções de fogueteiro, por conta e direção da ré. Não tendo a demandada transferido a responsabilidade emergente de acidente de trabalho para qualquer entidade seguradora, é a mesma responsável pela reparação do acidente que vitimou o autor. Peticiona a condenação da ré: a) a reconhecer que o acidente sofrido é qualificável como acidente de trabalho; b) a assumir a responsabilidade pelo referido acidente e reparação dos danos emergentes do mesmo; c) a proceder ao pagamento do montante total de € 10.430,66, acrescido de juros de mora, à taxa legal, pelas despesas de transporte e estada, pela indemnização pela incapacidade temporária absoluta, pela pensão anual e vitalícia com base na incapacidade parcial permanente que afeta o autor e pelo subsídio de elevada incapacidade.

Contestou a ré, invocando a exceção da caducidade do direito de ação e impugnando as alegadas circunstâncias da ocorrência do acidente e a existência de qualquer contrato de trabalho entre os intervenientes processuais.

Foi proferido despacho saneador, tendo-se conhecido da exceção da caducidade invocada que se julgou improcedente.

Selecionou-se a matéria de facto assente e organizou-se a base instrutória.

Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, tendo absolvido a ré de todos os pedidos.

Inconformado com esta decisão, veio o autor interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

[…]

Não foram apresentadas contra-alegações.

Admitido o recurso pelo tribunal de 1.ª Instância, os autos subiram à Relação, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Não foi oferecida resposta a tal parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*

            II. Objeto do Recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

            Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso e que importa apreciar e decidir são:

            1.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

            2ª Saber se ao acidente que vitimou o autor, se aplica o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.

 


*

            III. Matéria de Facto

O tribunal de 1ª Instância deu como provados, os seguintes factos:

[…]


*

IV. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

O recorrente não se conforma com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª Instância, considerando que se verificou um claro erro de julgamento.

            De harmonia com o normativo inserto no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Este dever consagrado no preceito abrange, naturalmente, situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

Em tal situação, deve o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil.

Preceitua este dispositivo legal o seguinte:

«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Vejamos então se o apelante cumpriu o ónus de impugnação do qual depende a admissão do recurso.

E o que se constata é que, nas conclusões do recurso, o apelante não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados nem qual a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões factuais impugnadas. Limita-se a referir genericamente um quadro factual que considera que foi mal julgado.

Pode ler-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 07-07-2016[1]:

«I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorretamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.

II- Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre.»

Ora, não tendo o apelante observado, nas conclusões do recurso o preceituado nas alíneas a) e c) do n.º 1 do referido artigo 640.º, rejeita-se o recurso, no que respeita à visada reapreciação da prova.


*

V. Enquadramento jurídico

Pretende o apelante que seja reconhecido que se encontra abrangido na categoria de trabalhadores protegidos pela Lei dos Acidentes de Trabalho, tendo, assim, direito à reparação prevista neste regime legal.

Apreciemos.

Sobre esta matéria, pronunciou-se o Tribunal de 1. ª Instância, nos seguintes termos:

«A problemática e enfoque a discutir no âmbito destes autos é precisamente a questão de saber se o A., se pode considerar ou não trabalhador por conta de outrem, e desta forma ver salvaguardado o direito à reparação infortunística.

O A. entende que sim e, a R. “ B... ”, defende posição inversa e oposta.

Como se sabe, no art. 1.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro (LAT – diploma legal a que iremos fazendo referência ao longo da sentença sem menção diversa), diz-se que, os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei e legislação regulamentar.

Tal conceito de “trabalhador” é densificado no art. 2.º n.º 1, que estipula que se trata do trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade seja ou não explorada com fins lucrativos. Esta norma interpretativa parece, à primeira vista reportar-se apenas ao trabalhador subordinado, ou seja àquele que presta trabalho a outrem no âmbito de contrato de trabalho.

O certo é porém que, na delimitação do conceito de acidente de trabalho é relevante a determinação do lesado.

O n.º 1 do art. 2.º define o princípio a que obedece esse direito: a legislação específica dos acidentes de trabalho aplica-se aos trabalhadores por conta de outrem, seja qual for a atividade desenvolvida, lucrativa ou não. Prescindindo o legislador nos n.’ 2 e 3 do art. 2 de qualquer noção que a doutrina ou outra legislação dê de trabalhador por conta de outrem, para ele mesmo dizer quem assume essa condição, porém, apenas para os efeitos da presente lei.

O legislador nos n.’s 2 e 3 do art. 2.º utiliza a técnica da ficção: considera que há contrato de trabalho apesar de não o haver.

Com efeito, o art. 2.º n.º 2 alarga o conceito de acidente de trabalho aos infortúnios que ocorram com quem não seja trabalhador por conta de outrem, de modo a abranger os praticantes, aprendizes, estagiários e demais situações que devam considerar-se de formação prática e, ainda, os que considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço – veja-se ainda o art. 12.º n.º 2 do diploma regulamentar (Lei n.º 143/99, de 30 de abril).

Sendo que, nos termos do n.º 3 do art. 12.º da Lei n.º 143/99, de 30 de abril, quando a lei ou esta regulamentação não impuserem entendimento diferente, presumir-se-á que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito da qual prestam serviços.

Assim, esta disposição legal, deve interpretar-se com conjugação com o disposto no art. 4.º, n.º 1, al. c) da lei preambular do CT (Lei 7/2009 de 12/02), a qual estabelece que “o regime relativo a acidentes de trabalho e doenças profissionais, previsto nos artigos 283.º e 284.º do Código do Trabalho” se aplica “com as necessárias adaptações” “a prestador de trabalho, sem subordinação jurídica, que desenvolve a sua atividade na dependência económica, nos termos do artigo 10.º do Código do Trabalho“.

Na verdade, no art. 10.º do CT sob a epígrafe situações equiparadas prescreve-se o seguinte:

“As normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho são aplicáveis a situações em que ocorra prestação de trabalho por uma pessoa a outra, sem subordinação jurídica, sempre que o prestador de trabalho deva considerar-se na dependência económica do beneficiário da atividade”.

Daqui decorre que o regime de reparação e acidentes de trabalho e doenças profissionais abrange os profissionais prestadores de serviços, sempre que estes se encontrem na dependência económica da entidade a quem tais serviços são prestados, e que tal dependência económica se presume. E porque assim é, a menos que essa entidade ilida a presunção, ficará obrigada a reparar os danos decorrentes do acidente de trabalho ou doença profissional, nos exatos termos em que responderia se estivesse vinculada ao profissional por contrato de trabalho.

Com efeito, o n.º 3 do art. 12 do DL n.º 143/99, de 30 de abril, estabelece uma presunção legal da situação destes trabalhadores como sendo trabalhadores por conta de outrem, presumindo que os trabalhadores estão na dependência económica da pessoa em proveito da qual prestam serviços, incumbindo à pessoa servida (que não é entidade empregadora, no sentido normal do termo), provar que assim não é. Ou seja, na dúvida em relação a dada atividade, presume-se que o trabalhador se encontra na dependência económica da pessoa em proveito da qual o serviço é prestado.

Questionamos assim a possibilidade de o A. ser enquadrado nesta categoria de trabalhadores?

O problema reside em saber quando se deve considerar que existe dependência económica nos termos de tal preceito legal. Por um lado, a dependência económica pressupõe a integração do prestador da atividade no processo empresarial e produtivo de outrem e, por outro, o facto de a atividade desenvolvida não poder ser aproveitada por terceiro – vide, Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, pág. 747.º

Entende tal autor que a integração no processo produtivo da empresa beneficiária, pode ser coadjuvada com a continuidade no exercício da atividade, pois, por via de regra, não haverá integração num processo produtivo empresarial se a atividade é desenvolvida de forma esporádica.

Por outro lado, a dependência económica pressupõe que a atividade desenvolvida por quem presta o serviço só aproveite ao seu beneficiário, de molde a não poder conferir quaisquer vantagens a terceiros. Será o que ocorre no caso de o trabalhador autónomo realizar certa atividade, cujo resultado, sendo rejeitado pelo beneficiário, não poderá ser aproveitado por outrem.

Na clarificação de tal conceito, os tribunais superiores quando interpelados sobre tal matéria, colocam a tónica no seguinte aspeto que, a dependência económica que leva à reparação de acidentes laborais, exige um regime de prestação de serviços, se não de forma exclusiva, pelo menos com uma regularidade e importância tais, que se possa afirmar que o prestador dos serviços faz face às suas necessidades económicas (e do seu agregado familiar, se o tiver) essencialmente com as quantias que percebe da entidade para quem por norma trabalha – vide, o Ac. da RC de 24.06.2004, in CJ 2004, 3.º- 62.

Por seu turno, no Ac. do STJ de 09.05.2007, in www.dgsi.pt pode ler-se que, o conceito de trabalhador por conta de outrem, definido no n.º 2 do art. 2.º da LAT, aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13-9, é mais abrangente do que a noção dada pelo art. 1152.º do CC e a do contrato “equiparado” que consta do art. 2.º da LCT, e que verifica-se a dependência económica (art. 2.º n.º 2 da LAT) quando a remuneração auferida pelo trabalhador constitui a totalidade ou a parte principal dos seus meios de subsistência e a respetiva atividade é utilizada integral e regularmente por quem o remunera, mostrando-se o prestador da atividade integrado no processo empresarial de outrem e, que a equiparação estabelecida no art. 2.º n.º 2 da LAT, entre o contrato de trabalho e as situações de prestação de serviço em dependência económica, para os efeitos previstos nesse diploma, tem uma função meramente residual (sublinhado nosso), destinando-se a prevenir que situações que se não encontrem juridicamente bem definidas possam igualmente ser enquadradas no regime indemnizatório revisto nessa lei – vide, ainda, nesse sentido, os Acs. do STJ de 2.07.2008, Rec. N.º 1327/08-4.ª, sumários, junho/2008 e, de 18.12.2008, Rec. N.º 2268/08-4.ª, sumários, dezembro/2008.

Mais recentemente, no Ac. do STJ datado de 22.01.2015, in www.dgsi.pt pode ler-se que, a inserção do sinistrado no complexo organizativo do destinatário do seu trabalho tem uma profundidade e um inerente relevo na determinação da respetiva dependência económica e, que não tendo os rendimentos auferidos nesta atividade potencialidade objetiva para servirem de base económica à satisfação das suas necessidades, não pode afirmar-se que o sinistrado dependia economicamente dos RR.

Reportando-nos ao caso em apreço:

Com arrimo nos factos dados como provados, apenas se provou que, quando o A. lançava fogo da R., recebia 10% do valor total do fogo utilizado e, que o A. foi credenciado pela R. com a credencial n.º 005615, atestando que “o mesmo” se encontra tecnicamente habilitado para o lançamento de foguetes ou queima de outros fogos de artifícios, com data de 10.11.2008. Acresce que, a resposta ao quesitado em 14) mereceu resposta negativa, ou seja, nem se fez prova de ter sido a R. quem procedeu à venda do fogo-de-artifício ou outro manancial pirotécnico para as festas de Nossa Senhora da Conceição – Venda da Luísa, Sebal, Condeixa, no ano de 2009.

Este manancial fáctico é manifestamente escasso, não permitindo com solidez chegar à conclusão que o A. se encontrava integrado no processo empresarial da R. (aliás, os factos dados por provados não denotam tal realidade) e, muito menos, afirmar que o A. se encontrava na dependência económica da R., no sentido em que o mesmo conceito tem vindo a ser densificado e sedimentado a nível jurisprudencial – v.g. o A. não alegou nem fez prova que o montante auferido na qualidade de fogueteiro constituía a totalidade ou a parte principal dos seus meios de subsistência, nem que a atividade de fogueteiro por si exercida fosse utilizada integralmente ou regularmente pela R.

Deflui do acima exposto, não mostrar-se preenchido um dos pressupostos da reparação do dano emergente de acidente de trabalho – a categoria de trabalhador protegido -, mostrando-se ilidida a presunção legal contida no n.º 3 do art. 12 do DL n.º 143/99, de 30 de abril.

Impõe-se assim julgar totalmente improcedente a presente ação»

Referimos, desde já, que concordamos e aderimos à consistente apreciação da questão, feita pelo tribunal a quo, bem como à decisão a que se chegou.

O acidente que se discute nos presentes autos ocorreu em 17-08-2009, pelo que lhe é aplicável a Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril.

Prevê o artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 100/97 (que passaremos a designar doravante por LAT):

«Os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei e demais legislação regulamentar.»

Quanto ao conceito de “trabalhador” consagrado neste regime, o mesmo é esclarecido pelo artigo 2.º, com a epígrafe “Âmbito da Lei”. Estipula este normativo:

«1. Têm direito à reparação os trabalhadores por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.

2. Consideram-se trabalhadores por conta de outrem para efeitos do presente diploma os que estejam vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado e os praticantes, aprendizes, estagiários e demais situações que devam considerar-se de formação prática, e, ainda, os que, considerando-se na dependência económica da pessoa servida, prestem, em conjunto ou isoladamente, determinado serviço. (…).»

Resulta deste normativo que a lei qualifica os trabalhadores destinatários do direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho. São eles: (i) os trabalhadores vinculados por contrato de trabalho; (ii) os trabalhadores vinculados por contrato legalmente equiparado (que pressupõe a existência de dependência económica do beneficiário da atividade); (iii) os que estejam vinculados por contrato de formação (aprendizes, estagiários, praticantes e restantes situações de formação prática).

Importa agora salientar que, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, compete àquele que se arroga titular do direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, por alegadamente ser trabalhador por conta de outrem, no sentido alargado previsto na lei, provar tal qualidade.

Na concreta situação dos autos, o autor, ora recorrente, alegou, na petição inicial, que quando sofreu o acidente a que se referem os autos, se encontrava ao serviço da ré, ainda que se tratasse de um serviço meramente ocasional, pelo qual recebia 10% do valor total do fogo utilizado, enquadrando o acidente na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º da LAT (tese jurídica novamente defendida em sede de recurso).

Dispõe o invocado normativo que se considera acidente de trabalho o ocorrido «[n]a execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade empregadora».

Sobre esta norma, escreve Carlos Alegre[2]:

«À primeira vista, parece que o legislador prescinde nesta situação, dos pressupostos da teoria do risco económico ou da autoridade, para considerar, tão somente, o proveito económico que a entidade patronal possa retirar da execução de serviços espontaneamente prestados. Como parece prescindir, igualmente, da verificação dos pressupostos tempo e lugar do trabalho. A única circunstância que deve unir o trabalhador (sinistrado) à entidade patronal, no exato momento de um acidente, nestas circunstâncias, é, precisamente, uma qualquer relação de tipo laboral, ainda que não tenha todas as características de um contrato de trabalho perfeito ou de um equiparado. De facto, a execução dos serviços espontaneamente prestados, não solicitados expressamente (de outro modo não seriam espontâneos), mas, de qualquer modo, consentidos ou aceites, de que possa (não necessariamente de que deva) resultar proveito económico para a entidade empregadora, pressupõe a prévia existência de um vínculo laboral entre sinistrado e beneficiário da ação. De outro modo, o legislador não se referiria a este como entidade…empregadora.

Todavia, a relação de autoridade que caracteriza os típicos contratos de trabalho, não ocorre nestes casos: os serviços espontaneamente prestados, durante os quais o acidente se verifica, não são ordenados, nem controlados pela entidade patronal. Esta, contudo, ou, apenas, pode virtualmente retirar deles, proveito económico, daí a justiça da sua responsabilidade objetiva, dentro do conhecido conceito “ubi commodum, ibi incommodum”

Também sobre a norma que se aprecia, pode ler-se no Sumário do Acórdão da Relação do Porto, de 22/10/2012[3]:

«O artigo 6.º, n.º 2, alínea b) da LAT de 1997, ao prescrever que se considera também acidente de trabalho o ocorrido na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade empregadora”, se prescinde de que o acidente em causa se tenha produzido no “tempo” e no “local” de trabalho, já não prescinde de que o acidente se tenha dado na execução de serviços e de que quem destes beneficiou seja a entidade empregadora do sinistrado ou, numa interpretação mais abrangente, seja a pessoa em proveito da qual o serviço é prestado, caso o sinistrado se encontre na sua dependência económica (artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 da LAT).»

Seguindo este entendimento, que se nos afigura correto, considerando a qualificação dos trabalhadores destinatários do direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, temos que na concreta situação dos autos, competia ao autor alegar e provar que executou espontaneamente serviços dos quais poderiam resultar proveitos económicos para a ré, sendo a mesma sua empregadora ou pessoa em cuja dependência económica se encontrava (bastando-lhe, nesta última situação, provar a verificação dos pressupostos da presunção juris tantum prevista no artigo 12.º, n.º 3 do Decreto-lei n.º 143/99, de 30 de abril).

Sucede que a factualidade provada é manifestamente insuficiente para se concluir que o autor cumpriu o seu ónus probatório.

Efetivamente, apenas resultou demonstrado que, no dia 17 de agosto de 2009, o autor se encontrava a executar funções de fogueteiro, na Venda da Luísa, local onde decorriam festejos em honra de Nossa Senhora da Conceição, procedendo o autor ao lançamento de bolonas, candelas e baterias, quando uma das bolonas lhe rebentou nas mãos. Igualmente ficou apurado que quando o autor lançava fogo da ré, recebia 10% do total do fogo utilizado e que a ré havia credenciado o autor, com a credencial n.º 005615, atestando que o mesmo se encontra tecnicamente habilitado para o lançamento de foguetes ou queima de outros fogos de artifícios, com data de 10.11.2008.

Deste acervo factual, é impossível extrair o motivo que levou o autor a executar as funções de fogueteiro nas circunstâncias apuradas. Desconhece-se se alguém o instruiu ou contratou para a prestação de tal serviço ou se foi o autor que, por sua iniciativa, decidiu executá-lo. Também não resulta dos factos assentes que a ré tenha beneficiado ou pudesse beneficiar da atividade que estava a ser exercida pelo autor aquando do acidente. Aliás, nem sequer resultou demonstrado que o fogo que estava a ser lançado pertencia à demandada ou que com tal lançamento a mesma pudesse obter qualquer proveito.

Acresce que a credencial emitida pela ré atestando que o autor se encontrava tecnicamente habilitado para o lançamento de foguetes ou queima de outros fogos de artifícios, não permite estabelecer ou inferir, sem mais, a existência de uma relação de subordinação jurídica ou de dependência económica entre as partes processuais.

Em suma, o autor não logrou demonstrar que estava a executar serviços para a ré quando ocorreu o acidente, ou que tivesse celebrado qualquer contrato de trabalho subordinado com a mesma, ou que a ré pudesse tirar proveito do serviço executado (para poder beneficiar da presunção júris tantum da existência de dependência económica), remetendo-se, nesta matéria, para a douta fundamentação explanada na sentença recorrida, à qual aderimos.

Indemonstrados, pois, os pressupostos do artigo 6.º n.º 2, alínea b) e 2.º, n.ºs. 1 e 2 da LAT, bem andou o tribunal a quo ao considerar que ao autor/recorrente não poderia ser reconhecido o reclamado direito à reparação do dano emergente de acidente de trabalho.

Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.


*

VI. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Notifique.

Coimbra, 27 de outubro de 2016


 (Paula do Paço)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes) 


 


[1] Acórdão do STJ proferido no P. 220/13.8TTBCI.G1.S1 (Conselheiro Gonçalves Rocha), acessível em www.dgsi.pt
[2] Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2. ª edição, págs. 55 e 56
[3] Acórdão proferido no P. 223/08.4TUSTS.P1 [Maria José Costa Pinto], acessível em www.dgsi.pt