Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | NULIDADE DE SENTENÇA EXCESSO DE PRONÚNCIA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS PROPRIEDADE DA ÁGUA DIREITO AO USO OU ABASTECIMENTO DE ÁGUA SERVIDÕES VOLUNTÁRIAS USUCAPIÃO SERVIDÕES COATIVAS SERVIDÃO DE PRESA E DE AQUEDUTO | ||
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Data do Acordão: | 03/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – FUNDÃO – JUÍZO LOCAL CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 1547.º, N.º 1, 1550.º, 1559.º, 1561.º, 1563.º DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGO 615º, Nº 1, E), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. | ||
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Sumário: | 1- Não se verifica nulidade da sentença, à sombra do art. 615º, nº 1, e), do NCPC, se os AA ao longo da sua p.i. puseram sempre o acento tónico no uso, utilização, usufruição ou abastecimento de água, mas depois qualificaram juridicamente mal, concluindo serem proprietários, quando não estão a mover-se no âmbito das servidões voluntárias, por via da usucapião (do art. 1547º, nº 1, do CC), antes estão a mover-se no campo das servidões coactivas (denominadas legais, que vão dos arts. 1550º a 1563º), concretamente nas dos arts. 1559º (servidão de presa) e 1561º (servidão de aqueduto), do CC, que não pressupõem legalmente para o preenchimento da sua previsão a propriedade da água, bastando-se com a utilização da mesma;
2- Nessa situação, se o que realmente os AA pretendem é o reconhecimento do direito ao uso/abastecimento de água, represada e encanada para a sua propriedade nos dias e períodos de tempo indicados, percebe-se perfeitamente a sua pretensão, embora qualificassem mal o seu pedido, podendo, assim, o tribunal conceder em termos menores – a titularidade do direito de utilização da água - do que o termo maior – a propriedade da água, sem cometer nulidade ultra petitum. 3- As servidões legais (ou coactivas) de presa e de aqueduto não se confundem com as servidões de presa e de aqueduto constituídas por usucapião; 4- Apenas é pressuposto das servidões legais (coactiva) de presa e de aqueduto e não também das servidões de presa e de aqueduto constituídas por usucapião, a demonstração da titularidade do direito ao uso da água pelo requerente, não havendo possibilidade de se reconhecer tais servidões sem esse direito ao uso da água; 5- O direito ao uso das águas cuja verificação se exige para o reconhecimento da servidão de presa e de aqueduto não se confunde com o direito à propriedade e servidão das próprias águas objecto de presa e aqueduto. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | *
I – Relatório
1. AA e mulher, BB, residentes no ..., intentaram acção declarativa contra CC, residente no ..., pedindo se condene o réu: a) - reconhecer os AA. como donos e legítimos proprietários do prédio rústico identificado no art.º 1º desta peça. b) - reconhecer que os AA. são proprietários, em exclusivo, de uma fracção, correspondente a 15 hrs. de água semanais, desde as 21.00 hrs de Sábado até às 12.00 hrs de Domingo, água essa que brota e é armazenada no tanque cuja localização se mostra assinalada no “croquis” junto como doc. n.º 4, direito este constituído por usucapião. c) - reconhecer que está constituída por usucapião uma servidão de presa (tanque existente no prédio do réu a que se alude, designadamente, nos art.ºs 7º e 11º desta peça) que onera o seu prédio. d) reconhecer que está constituída por usucapião uma servidão de aqueduto que onera o seu prédio, sendo esta exercida nos termos descritos nos art.ºs 11º e 12º (também identificada no doc. n.º 4). e) – a reconhecer que está constituída por usucapião uma servidão de passagem, nos termos descritos nos art.ºs 13º e 14º desta peça e assinalada no doc. n.º 4. f) a não praticar actos que impeçam, diminuam ou perturbem os AA. do exercício de tais servidões, designadamente de usarem, fruírem e encaminharem, nas horas a que têm direito, a água que brota e se encontra no tanque referido nos art.ºs 7º e 11º deste articulado e a não fechar o portão referido no art.º 11º ou, pelo menos, a não trancá-lo com chave. g) - a pagar aos autores uma indemnização pelos danos não patrimoniais por estes sofridos, na quantia de € 1.500,00. h) – a pagar juros de mora sobre tal quantia, computados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral Para tanto, e em síntese, alegam que no prédio do réu, que identificam, nasce e é represada, num tanque, água a que os autores têm direito para regar o seu prédio, que identificam, desde as 21 h de Sábado até às 12 h de Domingo, todos os fins-de-semana. Tal água represada era daí encaminhada por um alvanel, e depois por um rego a céu aberto até uma linha de água (ribeiro), de onde era conduzida por outros prédios para o prédio dos autores, através de outro rego a céu aberto. Desde há mais de 40, 50, 60 anos, o único acesso ao tanque, para proceder à abertura da água, era feito inicialmente por uma vereda até atingir um portão situado junto a uma casa antiga do réu, e depois, por outra vereda até ao tanque. Desde então e até início de Julho de 2019, os autores têm exercido posse ininterrupta e exclusiva sobre tal água, alvanel e rego, utilizando-os na convicção de que têm esses direitos com exclusão de outrem, à vista de toda a gente, de boa-fé e sem oposição ou estorvo de ninguém, designadamente do réu e dos seus antepossuidores, o mesmo sucedendo com o acesso ao tanque. Sucede que nessa data o réu impediu o autor marido de utilizar a água, o que fez fechando o portão supra referido, e negando-se a abri-lo, impossibilitando, por isso, que os autores pudessem aceder ao tanque para abrir a água nos períodos a que têm direito. Tal situação causou e continua a causar-lhes inúmeros incómodos, aborrecimentos, arrelias e transtornos, além dos prejuízos decorrentes, nomeadamente, das regas insuficientes da horta e das árvores de fruto que existem no seu prédio e por não poderem plantar e tratar da horta (porque carecem de água) da qual retiravam grande parte dos legumes e hortaliças para a sua alimentação. O réu contestou, e em suma, negando que a água em causa nasça no seu prédio e que os autores sejam dela consortes, que os autores utilizaram a água represada no seu prédio apenas e tão-somente por mero favor e tolerância do réu. Que em 2019 fechou o portão para salvaguardar a necessária privacidade da sua habitação e o respectivo logradouro, direito que lhe assiste, porquanto os autores não são proprietários da água nem adquiriram o direito à mesma por usucapião. * A final foi proferida sentença que julgar totalmente procedente a acção e, em consequência, condenou o R.: a) a reconhecer que os AA são donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito no Sítio denominado ..., freguesia ..., composto de terra de cultivo com oliveiras e árvores de fruto, com a área de 2000 m2, inscrito na respectiva matriz predial da União de freguesias ..., ..., ..., ... e ... sob o art. 181º; b) a reconhecer que os AA têm direito à utilização, em exclusivo, de uma fracção da água que é armazenada no tanque existente no prédio do R., correspondente a 15 h de água semanais, desde as 21 h de Sábado até às 12 h de Domingo; c) a reconhecer que está constituída, por usucapião, uma servidão de presa (tanque existente no prédio do R.), que onera o seu prédio; d) a reconhecer que está constituída, por usucapião, uma servidão de aqueduto que onera o prédio do R., exercida nos termos descritos nos pontos 11) a 13) dos Factos Provados; e) a reconhecer que está constituída, por usucapião, uma servidão de passagem, nos termos descritos nos pontos 14) a 16) dos Factos Provados; f) a não praticar actos que impeçam, diminuam ou perturbem os AA do exercício de tais servidões, designadamente de usarem, fruírem e encaminharem, nas horas a que têm direito, a água que se encontra no tanque existente no prédio do R. e a não fechar o portão referido no ponto 14) dos factos Provados ou, pelo menos, a não o trancar com chave; g) a pagar aos AA uma indemnização pelos danos não patrimoniais por estes sofridos, no valor de 1.000 €, acrescida de juros de mora, computados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento. Mais se decidiu absolver o R. do demais peticionado nos autos. * 2. O R. apelou, formulando as seguintes conclusões: 1ª – O Tribunal a quo condenou por sentença o Réu/Apelante nos seguintes pedidos: “a) a reconhecer os AA, AA e mulher, BB, são donos e legítimos proprietários do prédio rústico sito no Sítio denominado ..., freguesia ..., composto de terra de cultivo com oliveiras e árvores de fruto, com a área de 2000 m2, inscrito na respectiva matriz predial da União de freguesias ..., ..., ..., ... e ... sob o art.º 181º; b) a reconhecer que os AA têm direito à utilização, em exclusivo, de uma fracção da água que é armazenada no tanque existente no prédio do R, correspondente a 15 hrs. de água semanais, desde as 21.00 hrs de Sábado até às 12.00 hrs de Domingo; c) a reconhecer que está constituída, por usucapião, uma servidão de presa (tanque existente no prédio do R), que onera o seu prédio; d) a reconhecer que está constituída, por usucapião, uma servidão de aqueduto que onera o prédio do R, exercida nos termos descritos nos pontos 11) a 13) dos Factos Provados; e) a reconhecer que está constituída, por usucapião, uma servidão de passagem, nos termos descritos nos pontos 14) a 16) dos Factos Provados; f) a não praticar actos que impeçam, diminuam ou perturbem os AA do exercício de tais servidões, designadamente de usarem, fruírem e encaminharem, nas horas a que têm direito, a água que se encontra no tanque existente no prédio do R e a não fechar o portão referido no ponto 14) dos factos Provados ou, pelo menos, a não o trancar com chave; g) a pagar aos AA uma indemnização pelos danos não patrimoniais por estes sofridos, no valor de € 1.000,00, acrescida de juros de mora, computados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.” 2ª – O Réu/Apelante não se conforma com tal sentença, entendendo que a M.ma Juiz a quo interpretou e aplicou a lei erradamente, salvo o devido respeito. 3ª – Os Autores alegam nos artigos 7º e 17º da PI que são proprietários da água, propriedade esta adquirida pela via da usucapião e formulam o pedido de reconhecimento da propriedade da água por usucapião. 4ª – O Tribunal a quo condenou o Réu/Apelante em objecto diverso, verificando-se, deste modo, uma nulidade da sentença, nos termos do artigo 609º n.º 1 in fine do Cód. Proc. Civil, devendo ser decretada a sentença nula ao abrigo do artigo 615º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Civil. 5ª – Foi dado como provado, no facto ínsito sob o n.º 8 da matéria de facto na sentença pelo Tribunal a quo, a expressão “os AA: tinham direito à água”, por se tratar de um facto de natureza conclusiva e conter em si uma resposta a uma questão de direito a decidir na causa, deve esta expressão ser dada como não escrita. 6ª – Os Autores alegam que são proprietários da água e que a mesma foi adquirida por usucapião formulando o pedido de reconhecimento dessa mesma propriedade, sendo que o Autor contestou tal propriedade sobre a água. 7ª – Os Autores para adquirirem este direito de propriedade por usucapião estão sujeitos ao ónus da prova dos requisitos definidos pelo artigo 1390º n.º 2 do Código Civil que dispõe que “A usucapião só é atendida quando for acompanhada da construção e obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio.”. 8ª – Os Autores não lograram provar tais requisitos, nem sequer foram alegados factos sobre a construção e obras que revelem a captação e a posse da água no prédio onde existe a nascente. 9ª – Constituindo a servidão de presa e de aqueduto um acessório do direito de propriedade da água e não tendo este ficado provado, dada a insuficiência da matéria factual, é suficiente para que a acção seja julgada improcedente, o que deve ser decretado! 10ª – Consequentemente, o pedido de indemnização cível pelos danos não patrimoniais tem de ser considerado improcedente, face à improcedência dos pedidos de reconhecimento de propriedade da água, da servidão de presa e de aqueduto. 11ª – Pelo que, deve a sentença do Tribunal a quo ser substituída por outra que absolva o Réu/Apelante de todos os pedidos formulados pelos Autores, com excepção do pedido de reconhecimento de legítimos proprietários do prédio rústico identificado no artigo 1º da PI, pois assim se fará, mais uma vez, JUSTIÇA! 3. Os AA contra-alegaram, concluindo que: 1ª - A sentença recorrida, na qual nos louvamos inteiramente, é bastante rigorosa e fundamenta de forma cristalina a apreciação de toda a prova produzida, sendo-o também no que tange à aplicação do direito, 2ª - não existindo, por conseguinte, qualquer razão ou fundamento para a almejada alteração da resposta à matéria de facto, como razão ou fundamento não existe para assacar qualquer critica ou censura à forma como o direito foi aplicado. 3ª - Neste conspecto, não podemos perder o ensejo de chamar à colação o teor do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/06/2021, proferido no Processo n.º 178/16.1T8TND.C1.S1 “in” https://WWW.dgsi.pt/jstj.nsf, porque bastante esclarecedor sobre questão similar. 4ª - Em suma, não há qualquer motivo para alterar a sentença recorrida, devendo, assim, o presente recurso ser julgado improcedente Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve o recurso interposto pelo réu ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA
II - Factos Provados
1) o prédio rústico sito no Sítio denominado ..., freguesia ..., composto de terra de cultivo com oliveiras e árvores de fruto, com a área de 2000 m2, inscrito na respectiva matriz predial da União de freguesias ..., ..., ..., ... e ... sob o art.º 181º, mostra-se inscrito no Serviço de Finanças ... em nome do A (doravante, o “prédio dos AA”), conforme resulta da certidão matricial que se mostra junto à p.i. como doc. n.º 1, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 2) o R é tido como dono e legítimo proprietário do prédio misto onde reside, o qual se situa a sudoeste do prédio dos AA. a cerca de 500 mtrs (doravante, o “prédio do R”); 3) os AA adquiriram o prédio referido em 1) a DD e EE e mulher, FF, através das escrituras públicas celebradas no Cartório Notarial ... em 02.10.1987 e 29.04.1988, conforme resulta dos documentos juntos à p.i. como docs. n.ºs 2 e 3, e cujos teores se dão por integralmente reproduzidos; 4) desde a data destas escrituras os AA, por si e pelos seus antepossuidores, têm amanhado, semeado e usufruindo do prédio referido em 1); 5) de forma exclusiva e ininterrupta, à vista de toda a gente, de boa fé, e sem oposição ou estorvo de ninguém, designadamente do R; 6) na convicção de que o mesmo lhes pertence, com exclusão de outrem; 7) no prédio do R é represada água, num tanque; 8) desde há mais de 40, 50, 60 anos, os AA (tinham direito) à água ali represada desde as 21.00 hrs de Sábado até às 12.00 hrs de Domingo, todos os fins-de-semana, para regar o seu prédio; 9) durante todo esse tempo os AA vêm usufruindo e utilizando tal água, em nome próprio, livremente, de forma exclusiva e ininterrupta, vista de toda a gente, de boa-fé e sem oposição ou estorvo de ninguém, designadamente do R e dos seus antepossuidores; 10) na convicção de que lhes pertence naquela proporção, com exclusão de outrem; 11) desde há mais de 40, 50, 60 anos, a água represada no prédio do R, no tanque/presa nele existente era daí encaminhada por um alvanel, numa distância aproximada de 15 mtrs, no sentido nascente/noroeste, e depois por um rego a céu aberto, sensivelmente numa distância de 15 mtrs no mesmo sentido nascente/noroeste, até à linha de água (ribeiro) situado na estrema poente do mesmo, de onde era conduzida mais a jusante, por outros prédios, para o prédio dos AA, através de outro rego a céu aberto no sentido norte; 12) durante todo esse tempo os AA e os seus antepossuidores têm utilizado aquele alvanel e rego, utilizando-os para conduzir a água represada para o seu prédio, de forma exclusiva e ininterrupta, à vista de toda a gente, de boa-fé e sem oposição ou estorvo de ninguém, designadamente do R e dos seus antepossuidores; 13) na convicção de que têm esses direitos, com exclusão de outrem; 14) desde há mais de 40, 50, 60 anos, o único acesso ao tanque para proceder à abertura da água era feito inicialmente por uma vereda com cerca de 80 cms de largura que se iniciava na extrema nordeste do prédio do R, numa distância de cerca de 50 mtrs até atingir um portão situado junto a uma casa antiga do R, na estrema poente do prédio deste, e depois, sempre dentro do prédio do mesmo, por uma vereda com 80 cms de largura até ao tanque, no sentido poente/sudoeste, numa distância de cerca de 50 mtrs., encontrando-se a restante parte do prédio vedada; 15) durante todo esse tempo os AA e os seus antepossuidores acederam a esse tanque, à vista de toda a gente, de boa-fé e sem oposição ou estorvo de ninguém, designadamente do R e dos seus antepossuidores; 16) na convicção de estarem a exercer um direito próprio, com exclusão de outrem; 17) em início de Julho de 2019, o R fechou (apondo uma fechadura com chave) o portão a que se alude no ponto 14) e nega-se a abri-lo; 18) impossibilitando, assim, os AA de acederem ao tanque, para abrir a água nos períodos a que têm direito; 19) tal situação causou e continua a causar prejuízos decorrentes, nomeadamente, das regas insuficientes da horta e das árvores de fruto que existem no seu prédio; 20) e incómodos e aborrecimentos aos AA que ficaram e continuam bastante irritados e aborrecidos pelo facto de terem sido esbulhados, sem qualquer motivo atendível, de direitos que exerceram livremente durante dezenas de anos, vendo-se obrigados a contratar advogados, contactar testemunhas, obter documentação, com as deslocações daí resultantes; 21) e perturbados e ansiosos, com muitas noites mal dormidas, por não poderem plantar e tratar da horta (porque carecem de água) da qual retiravam grande parte dos legumes e hortaliças para a sua alimentação; 22) o prédio referido em 2) é o prédio misto, sito no ..., freguesia ..., actualmente União de freguesias ..., ..., ..., ... e ..., composto de cultura arvense, pomar de cerejeiras e olival, a confrontar do norte e nascente com caminho público, do sul com A..., L.da e do poente com Ribeiro ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo ...21º, na matriz urbana sob o artigo ...95º e descrito sob o n.º ...9 na Conservatória do Registo Predial ... e têm a propriedade inscrita a seu favor pela apresentação n.º 9 de 1989/07/03, conforme resulta do teor dos documentos juntos à contestação sob os n.º s 1, 2 e 3, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos; 23) o R e sua esposa, GG adquiriram-no por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial do ... do Notário Dr. HH em 14/06/1989, conforme resulta do teor do documento junto à contestação sob o n.º 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 24) há mais de 20 anos que, quer o R e esposa, quer os antecessores, entram e saem deste prédio quando querem e entendem, cultivam-no, colhem as árvores de fruto, amanham a terra, sempre com o conhecimento e à vista de todos, continuamente e sem hiatos ou interrupções temporais, 25) convictos de estarem a exercer um direito próprio, sem lesar direitos ou interesses de quem quer que seja; 26) os AA têm um furo artesiano no seu prédio;
III - De Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC). Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes. - Nulidade da sentença. - Alteração da decisão de facto. - Não aquisição por usucapião da água e servidões de presa, aqueduto e passagem. - Não condenação em indemnização por danos não patrimoniais.
2. O recorrente argui a nulidade da sentença, porque os AA tinham alegado nos arts. 7º e 17º da PI que são proprietários da água, pela via da usucapião, tendo formulado o pedido de reconhecimento da propriedade da água por usucapião, e o tribunal a quo condenou em objecto diverso, nos termos dos arts. 609º, nº 1 in fine, e 615º, nº 1, e), do NCPC (cfr. conclusões de recurso 3ª e 4ª). Efectivamente, este último preceito comina de nulidade a sentença se o juiz condenar em objecto diverso do pedido. Isso podia acontecer, por ex. no caso de se pedir a entrega de uma coisa e o juiz condenar diversamente no pagamento de uma indemnização ou pede-se tão-só a declaração de validade de um contrato e o juiz declara-a, mas vai mais além, condenando o réu a realizar a prestação devida. Não há dúvida que nestes casos temos uma condenação ultra petitum. Cremos, porém, que no caso concreto não o terá feito. Vejamos, então. Na p.i., os AA tinham alegado que “…no prédio do Réus nasce e é represada num tanque situado junto à estrema nascente do prédio daquele água de que os AA. são condóminos e a que têm direito para regar o seu prédio.” - no art. 7º, que “Com efeito, desde há mais de 40, 50, 60 anos, tinham direito à água represada desde as 21.00 hrs de Sábado até às 12.00 hrs de Domingo, todos os fins-de-semana” – no art. 8º, “sendo que durante todo esse tempo têm exercido posse ininterrupta e exclusiva sobre tal água, usufruindo e utilizando a mesma na convicção de que lhes pertence naquela proporção com exclusão de outrém, à vista de toda a gente, de boa-fé e sem oposição ou estorvo de ninguém, designadamente do réu e dos seus antepossuidores” – no art. 9º, “Assim e como se disse, os AA. são condóminos de tal água, direito que adquiriram por usucapião, a qual se invoca para todos os efeitos legais, porquanto são titulares de um direito de propriedade exclusivo sobre uma parte delimitada da água, traduzida num determinado tempo de utilização” – no art. 10º, “… reitera-se que os antepossuidores do prédio dos AA. e os próprios sempre usufruíram livremente da água nascida e represada no prédio do réu, para os fins que acharam convenientes e nos dias e horas a que tinham direito, de boa-fé, pública e continuamente, na convicção que exerciam um direito próprio e sem lesar o direito ou interesse de quem quer que fosse” – no art. 15º, e “Até ao início do mês de Julho de 2019, os AA. sempre possuíram de boa fé e em nome próprio a água, utilizando-a livremente sem qualquer oposição de quem quer que fosse, designadamente do réu, convencidos que não lesavam o interesse de outrem” – no art. 16º (os sublinhados são todos da nossa autoria). Concluindo no 17º que o direito de propriedade exclusivo dos autores sobre a referida água se constituiu por usucapião, e assim peticionando. Ou seja, puseram sempre o acento tónico no uso, utilização, usufruição ou abastecimento de água, mas depois qualificaram juridicamente mal, concluindo serem proprietários. Qualificação jurídica errada que é aceitável, pois os AA não estão a mover-se no âmbito das servidões voluntárias, por via da usucapião, do art. 1547º, nº 1, do CC, antes estão a mover-se no campo das servidões coactivas (denominadas legais, que vão dos arts. 1550º a 1563º), concretamente nas dos arts. 1559º (servidão de presa) e 1561º (servidão de aqueduto), do CC, que não pressupõem legalmente para o preenchimento da sua previsão a propriedade da água, bastando-se com a utilização da mesma. Ora, o que realmente os AA pretendem é o reconhecimento do direito ao uso/abastecimento de água, represada e encanada para a sua propriedade nos dias e períodos de tempo indicados. Percebe-se perfeitamente a sua pretensão, mas qualificaram mal o seu pedido, podendo o tribunal conceder em termos menores – a titularidade do direito de utilização da água - do que o termo maior – a propriedade da água. Entendemos, pois, não se verificar a apontada nulidade. 3. Na motivação da decisão de facto, a julgadora exarou que: “Para decidir quanto à matéria supra enunciada, o tribunal formou a sua convicção com base na posição assumida pelas partes, nos documentos juntos aos autos, e nos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, tendo, sempre tendo presente as regras do ónus da prova e critérios de experiência comum. (…) Quanto à matéria levada aos pontos 8) a 16), a convicção do Tribunal resultou, essencialmente, dos depoimentos das testemunhas II, JJ e KK e até mesmo do da testemunha LL, sendo que esta, por ser bastante mais jovem que as outras, apenas revelou um conhecimento dos factos em apreço mais recente. Todas, no essencial, confirmaram a matéria outra em causa, com maior ou menor pormenor, mas sempre demonstrando um conhecimento directo dos factos, por serem proprietários e/ou arrendatários de terrenos próximos do prédio dos AA e do prédio do R, e por terem também eles usufruído da água a que o A se refere, em moldes idênticos a este, com excepção dos períodos de tempo em que cada um tinha direito à água, todas tendo afirmado que o A tem o seu prédio identificado nos autos há mais de 40 anos, data a remonta a utilização da água por este, nos moldes por si descritos nos autos. O conhecimento da testemunha II quanto à matéria relativa à utilização da água remonta há mais de 18 anos, o das testemunhas JJ e KK há mais de 34 anos (veja-se que estas ainda conheceram o antepossuidor do prédio do R e que este adquiriu o seu prédio em 1989), altura em que já usavam a água em questão. De resto, os seus depoimentos foram prestados de forma clara, objectiva e que reputamos de suficientemente isenta, razão pela qual lograram convencer quento à sua veracidade.”. O recorrente defende que no facto provado 8) a expressão “os AA tinham direito à água”, por ter natureza conclusiva e conter em si uma resposta a uma questão de direito a decidir na causa, deve ser dada como não escrita (cfr. conclusão de recurso 5ª). Concorda-se com o recorrente, pois só depois de apurados determinados factos se poderá concluir de direito. Isto é, apurar de que forma foi adquirido esse direito à água e se foi adquirido tal direito. Ora, na resposta a tal facto o tribunal dá logo de imediato a resposta de direito à pretensão dos AA. Assim, por ser uma conclusão de direito, tem de ser eliminada tal parte, pois o tribunal nos termos do art. 607º, nº 3 e 4, do NCPC, só deverá selecionar factos e não conclusões de direito. O que se fará ficando a parte conclusiva entre aspas, em letra minúscula. 4. Na fundamentação jurídica da sentença recorrida escreveu-se que: “Isto posto, importa passar à análise dos 2.º a 6.º pedidos formulados pelos AA: a condenação do R a reconhecer que a reconhecer que eles, AA, são proprietários, em exclusivo, de uma fracção, correspondente a 15 hrs. de água semanais, desde as 21.00 hrs de Sábado até às 12.00 hrs de Domingo, da água que brota e é armazenada no tanque existente no prédio do R, bem ainda a reconhecer que está constituída, por usucapião, - uma servidão de presa (tanque existente no prédio do R), - uma servidão de aqueduto, exercida nos termos descritos nos art.ºs 11º e 12º da p.i., e - uma servidão de passagem, nos termos descritos nos art.ºs 13º e 14º da p.i., todas a onerar o prédio do R, abstendo-se da prática de actos que impeçam, diminuam ou perturbem os AA do exercício de tais servidões, designadamente de usarem, fruírem e encaminharem, nas horas a que têm direito, a água que brota e se encontra no tanque e a não fechar o portão referido no art.º 11º da p. i. ou, pelo menos, a não trancá-lo com chave. Os AA fundamentam este seu pedido no facto de, desde há mais de 40, 50, 60 anos, terem direito à água represada no prédio do R desde as 21.00 hrs de Sábado até às 12.00 hrs de Domingo, todos os fins-de-semana e de, durante todo esse tempo, terem exercido posse ininterrupta e exclusiva sobre tal água, usufruindo e utilizando a mesma na convicção de que lhes pertence naquela proporção com exclusão de outrém, à vista de toda a gente, de boa-fé e sem oposição ou estorvo de ninguém, designadamente do réu e dos seus antepossuidores, bem ainda no facto de, desde então, terem exercido posse ininterrupta e exclusiva sobre tal água, alvanel e rego por onde a mesma é encaminhada, utilizando-os na convicção de que têm esses direitos com exclusão de outrém, à vista de toda a gente, de boa-fé e sem oposição ou estorvo de ninguém, designadamente do R e dos seus antepossuidores, o mesmo sucedendo com o acesso ao tanque, acesso esse feito nos termos que descrevem. De acordo com as regras do ónus da prova, impendia sobre os AA o ónus de demonstrar estes factos, tudo com vista a obterem o efeito jurídico pretendido – a condenação dos RR nos termos peticionados (cfr. art. 342º do Código Civil). (…) Entre as referidas servidões contam-se as de presa e aqueduto, cuja utilidade imediata é o aproveitamento da água de que se é proprietário ou titular do direito de utilização, estabelecendo o art. 1559 nº 1 do CC (quanto à servidão de presa) que o proprietário que tenha direito ao uso de águas particulares existentes em prédio alheio, pode fazer neste prédio as obras necessárias ao represamento e derivação da respectiva água. Por sua vez (quanto à servidão de aqueduto) o art. 1561 dispõe que a todos é permitido encanar subterraneamente ou a descoberto as águas particulares a que tenham direito através de prédios rústicos alheios. Ou seja, esta servidão de aqueduto consiste na “faculdade de conduzir através de prédio alheio as águas” particulares “a cujo aproveitamento tenha direito” – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, Coimbra, 2ª ed., reimp, 1987, pág. 657). Na leitura dos normativos, a primeira nota de referência quanto à servidão de presa do art. 1559, é a de que esta pressupõe necessariamente um prévio direito à água de que é acessória e, sem esse direito à água, não há a possibilidade de se constituir ou ser reconhecida a servidão de presa nem ela subsistirá se tal direito, tendo existido, vier a ser extinto. - vd. João Cândido Pinho, in As águas no Código Civil, 2ª ed. pág. 238. O direito às águas do prédio alheio é, assim, elemento da servidão e não um direito autónomo de propriedade quando pressupuser a sujeição do prédio em proveito de outro de dono diferente, distinguindo-se da petição do direito da propriedade ou servidão das próprias águas, que só pode ser exercido contra o proprietário do prédio onde as águas se encontrem. O direito às águas exigível para fundar o reconhecimento da servidão de aqueduto e presa não se confunde, pois, com a necessidade de alegação e prova quando a discussão e a declaração decisória têm por objecto a constituição de um direito de propriedade ou servidão sobre as próprias águas. A invocação de se ser titular de um direito de utilização das águas serve apenas, nos casos como os dos autos, para junto de outros que não aquele proprietário do prédio onde se situam as águas, justificar a servidão de presa e aqueduto contra os violadores dos direitos decorrentes da existência dessa servidão, sem que tal seja constitutivo do direito às águas. (…)” – cfr. Ac. STJ, de 17/06/2021, proc. n.º 178/16.1T8TND.C1.S1, disponível em “www.dgsi.pt”. E, como resulta do Ac. STJ, de 17.11.2021, proc. n.º 6704/18.4T8BRG.G1.S1, disponível no mesmo site: “(…) 14.4. Na doutrina nacional mais recente, em especial na obra de Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, UCEditora, 2017, p. 473, há expressa referência à constituição da servidão de aqueduto, distinguindo-se a servidão legal das constituídas por usucapião. Ao se aludir à jurisprudência, nas notas 854 e 855, p. 473, acolhe-se a explicação envolvida no relato do processo do Ac. do TRP, de 3/3/1998, n.º 655/95, seguido pela Relação de Coimbra em 2003 e Porto em 2009: o direito às águas é um pressuposto das servidões de aqueduto legais, sendo irrelevante na servidão constituída por usucapião, porque o adquirente da servidão já vem usando as águas, fazendo a sua condução de prédio alheio para o seu prédio, de forma duradoura. Na doutrina mais antiga as referências no apontado sentido são também inequívocas, destacando-se aqui, para além da já indicadas no acórdão recorrido, Mário Tavarela Lobo, em Manual do Direito de Águas, 2ª ed., vol. II, p. 383, ao defender que não é necessária a prova da titularidade do direito sobre a água para se obter o reconhecimento de uma servidão de aqueduto por usucapião. 14.5. Das citadas decisões – e muito em especial da primeira – e da doutrina resultam as seguintes conclusões: numa acção em que se pede ao tribunal que declare existir uma servidão de aqueduto fundada em usucapião, sem que o titular do prédio dominante se arroje proprietário das águas, mas apenas seu utilizador, é esta utilização apenas que releva na aferição do direito às águas pressuposto nas normas legais relativas às servidões voluntárias constituídas por usucapião que sejam servidões de aqueduto. Nesta acção pretende-se o reconhecimento do direito de servidão de aqueduto e correspondente violação por parte dos RR, bastando a demonstração do direito à utilização da água, e sem que aqui releve se a água é publica ou particular. É esta a orientação que melhor parece ter tradução nas disposições legais, quando analisadas em confronto com as relativas à servidão legal de aqueduto. (…)” (sublinhado nosso), onde a final se concluiu que: I. A servidão legal de aqueduto não se confunde com a servidão de aqueduto constituída por usucapião. II. Apenas é pressuposto da servidão legal de aqueduto e não também da servidão de aqueduto constituída por usucapião, a demonstração da titularidade do direito à água pelo requerente. (…)” (sublinhado nosso). Já quanto à forma como os AA alegam ter adquirido os direitos aqui em causa - a usucapião - trata-se de uma das formas de aquisição originária dos direitos (reais de gozo, e nomeadamente do direito propriedade), cuja verificação depende de dois elementos: a posse (corpus/animus) e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse (cfr., nomeadamente, art.ºs 1251.º e ss., 1256.º e ss., 1287.º e 1294.º e ss.), sendo que, nos termos do art.º 1297.º, se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde cessação da violência ou desde que a posse se torne pública. A posse traduz-se na prática reiterada, de actos materiais correspondentes ao direito que se reclama ou se reivindica, tendo o Código Civil aderido à concepção subjectivista (art.º 1251.º e 1253.º), sendo seus elementos integrantes o corpus, que, como elemento externo, se identifica com a prática de actos materiais sobre a coisa, ou seja, com o exercício de certos poderes de facto sobre o objecto, de modo contínuo e estável, e o animus que, como elemento interno, se traduz na vontade ou intenção do autor da prática de tais actos se comportar como titular ou beneficiário do direito correspondente aos actos realizados. Sendo exigida a presença simultânea desses dois elementos, dada a dificuldade em demonstrar a posse em nome próprio, ou seja, do animus, a lei estabeleceu uma presunção (iuris tantum) do mesmo a favor de quem detém ou exerce os poderes de facto sobre a coisa, ou seja, presume-se que quem tem o corpus tem também o animus (cfr. art.º 1252.º, n.º 2, e Assento, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, do STJ de 14.05.96, DR, II Série, de 24/6/96, e ainda acórdãos do STJ de 09.01.97 e de 02.05.99, respectivamente, CJ/STJ, Tomo I, pág. 37” e Tomo II, pág. 126”). No caso concreto da constituição das servidões, dispõe o art.º 1547.º, n.º 1, do Código Civil, que “As servidões prediais pode ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família”. Isto posto, analisando a factualidade apurada nos autos, logo se conclui que os AA lograram, como lhes competia, demonstrar toda a factualidade por si alegada – cfr. pontos 7) a 16) dos Factos Provados. Assim, e considerando concretamente a matéria constante dos pontos 8) a 16) dos Factos Provados, forçoso se torna concluir que demonstrado ficou, por um lado, o direito à utilização de uma fracção - correspondente a 15 hrs. de água semanais, desde as 21.00 hrs de Sábado até às 12.00 hrs de Domingo - da água que é armazenada no tanque existente no prédio do R, nos termos e para os efeitos acima expostos, e, por outro, que, efectivamente, sobre o prédio do R e a favor do prédio dos AA se constituiu: - uma servidão de presa (tanque existente no prédio do R), - uma servidão de aqueduto, exercida nos termos descritos nos pontos 11) a 13) dos Factos Provados, e - uma servidão de passagem, nos termos descritos nos pontos 14) a 16) dos Factos Provados. Por outro lado, dúvidas não restam quanto ao modo de aquisição destes direitos, porquanto o mesmo resultou de toda uma actuação, por parte dos AA, consentânea com a existência de tal direito, isto é, do facto de estes terem actuado, por certo lapso de tempo, como tendo a posse desses direitos de captar e derivar a água existente no tanque do prédio do R e de a conduzir para o seu prédio e, ainda, de aceder ao dito tanque, para abrir e fechar a água, nos termos descritos nos pontos 14) a 16) dos Factos Provados. De referir que, considerando disposto no art.º 1296.º do Código Civil, dúvidas também não se colocam quanto ao facto de ter já decorrido o lapso de tempo legalmente exigido. E, reconhecida a existência dos supra referidos direitos à utilização da fracção da água, nos termos acima mencionados, e de servidão de presa, aqueduto e passagem, deverá o R ser condenado a reconhecê-los, bem a abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam, diminuam ou perturbem os AA do exercício de tais servidões, designadamente de usarem, fruírem e encaminharem, nas horas a que têm direito, a água que se encontra no tanque existente no prédio do R e a não fechar o portão referido no ponto 14) dos Factos Provados ou, pelo menos, a não o trancar.”. O apelante discorda, como se percebe das suas conclusões de recurso (as 6ª a 9ª). Defende que os AA não adquiriram o direito de propriedade das águas por usucapião, estando sujeitos ao ónus da prova dos requisitos definidos pelo art. 1390º nº 2, do CC, que dispõe que “A usucapião só é atendida quando for acompanhada da construção e obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio”, requisitos não provados nem alegados pelos AA, e logicamente concluem que constituindo a servidão de presa e de aqueduto um acessório do direito de propriedade da água e não tendo este ficado provado, a acção deve ser julgada improcedente. O recorrente com esta argumentação situa-se noutro plano, no da propriedade das águas, e como se vê, quer a sentença recorrida quer nós no ponto 2. supra situamo-nos no plano da titularidade do direito a usar as águas. Ora, como já salientou a sentença recorrida, os factos provados 7) a 13), incluindo o 8) despido da parte eliminada, demonstram, por um lado, o direito à utilização de uma fracção - correspondente a 15 h de água semanais, desde as 21 h de Sábado até às 12 h de Domingo - da água que é armazenada no tanque existente no prédio do R., e, por outro, que, sobre o prédio do R. e a favor do prédio dos AA se constituiu uma servidão de presa (tanque existente no prédio do R.) e uma servidão de aqueduto, exercida nos termos descritos nos pontos 11) a 13). Sendo de trazer, outra vez, à colação a jurisprudência emanada do referido acórdão do STJ de 17.6.2021, em caso com similitude com o presente. Nada havendo, por isso, a censurar à decisão apelada. 5. O R. objecta que face à improcedência dos pedidos de reconhecimento de propriedade da água, da servidão de presa e de aqueduto, consequentemente, o pedido de indemnização cível pelos danos não patrimoniais tem de ser considerado improcedente (conclusão de recurso 10ª). Já no ponto anterior vimos que não é assim, ou seja, aos AA foi reconhecido o direito ao uso das águas, servidão de presa e de aqueduto. Como o recorrente nada mais questiona, torna-se desnecessário analisar a questão da indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais. 6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso do R., assim se confirmando a decisão recorrida. * Custas pelo R./recorrente. * Coimbra, 11.3.2025
Moreira do Carmo
Fernando Monteiro
Alberto Ruço
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