Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
527/13.4T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
CONCORRÊNCIA DE RESPONSABILIDADES
CULPA
RISCO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/07/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JGIC - AVEIRO - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 483, 499, 503, 575, 570 CC, 640 NCPC
Sumário: 1. Uma interpretação do art.º 505º, do CC, que admita a concorrência entre a responsabilidade pelo risco e a imputação do acidente ao lesado, sujeitando a indemnização à ponderação prevista no art.º 570º, do CC, fica necessariamente afastada quando o acidente seja exclusivamente devido ao sinistrado, sem qualquer contribuição causalmente adequada dos riscos próprios do veículo.

2. A própria doutrina que vem defendendo uma interpretação actualista das normas que, no Código Civil, regulam a matéria da responsabilidade pelo risco no domínio dos acidentes de viação (em particular, os art.ºs 503º, 505º e 570º), continua a admitir que a responsabilidade objectiva deve ser excluída quando o acidente for imputável unicamente ao próprio lesado ou a terceiro ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, e que, se em caso de dúvida deve prevalecer a concorrência entre risco do veículo e facto do lesado, existindo prova certa e segura do facto da vítima ou de terceiro (ou de força maior) como causa única e exclusiva do acidente, já não haverá lugar ao dito concurso (culpa/risco).

3. É de rejeitar a impugnação da decisão relativa à matéria de facto quando o recorrente não especifica os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida (art.º 640º, do CPC de 2013).

Decisão Texto Integral:       Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. ME (…) intentou a presente acção ordinária, na Comarca do Baixo Vouga, contra M (…), S. A., pedindo, com fundamento num acidente de viação provocado por uma viatura segurada na Ré, do qual resultou o falecimento do seu filho J (…) que a demandada fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 86 243, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento.

A Ré contestou, impugnando parte da factualidade alegada pela A. e sustentando que o sinistro se deveu, apenas, à actuação do sinistrado.

Foi proferido despacho saneador (tabelar) e seleccionada a matéria de facto, desatendendo-se a reclamação da Ré de fls. 69.

Realizada a audiência de discussão e julgamento (iniciada a 28.11.2013/fls. 111), o Tribunal a quo julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformada, a A. interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões:

1ª - A A./recorrente, não só não se conforma com a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que concerne às respostas positivas aos n.ºs 26º, 27º, e 28º, e negativas aos n.ºs 1º e 4º, da base instrutória (b. i.), como não pode deixar de discordar, com a sua fundamentação, por se afigurar que a análise dos documentos juntos aos autos, conjugada com os depoimentos das testemunhas, impunha, necessariamente, outro tipo de conclusões.

2ª - Sem prescindir entende a recorrente que mesmo tendo em consideração os factos que foram considerados provados, a decisão de direito deve ser alterada.

3ª - Mesmo a admitir-se, em parte, uma actuação imprudente do sinistrado, sempre o condutor do veículo – a quem se exige, como a um condutor médio, que seja avisado, prudente e cuidadoso – ao ver uma pessoa a atravessar a rua podia e devia – querendo – afrouxar e evitar o embate.

4ª - A culpa do condutor do veículo é consideravelmente superior, porque não é pelo facto de um peão não observar rigorosamente o dever prévio de cautela, no atravessamento de uma via, que ele fica dispensado dos cuidados exigíveis na condução, nomeadamente controlando a velocidade de modo a que, atentas as respectivas condições físicas e as características do veículo, o pudesse imobilizar antes de embater no sinistrado.

5ª - Não pode concluir-se que o acidente é unicamente ou exclusivamente imputável ao peão, e que o veículo automóvel foi para ele indiferente, isto é, que a sua típica aptidão para a criação de riscos não contribuiu para a eclosão do acidente.

6ª - A ilicitude não se confunde nem se identifica com a culpa, devendo, em cada caso, ser interpretada e analisada consoante as circunstâncias de tempo, modo, lugar e dinâmica dos veículos, tal como o grau de exigência a cada um dos intervenientes no acidente.

7ª - Tudo ponderado é equilibrado estarmos perante um caso em que é aplicável o disposto no art.º 570º, do Código Civil.

8ª - Na fixação da indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, depois de determinado o seu valor, de acordo com a equidade, deve fazer-se funcionar o critério da repartição do dano, nos termos do mesmo art.º.

9ª - Por erro de interpretação e/ou aplicação não foram correctamente observados e aplicados, e mostram-se, por isso, violados, os art.ºs 570º, 487º, 494º, 496º, 499º e 562º, do Código Civil, e os art.ºs 13º/1, 24º/1 e 25º/1, alíneas c) e f), do Código da Estrada.

Conclui depois pela revogação da sentença e a condenação da recorrida no pedido, ainda que parcialmente.

A Ré respondeu à alegação da recorrente e concluiu pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir, primeiro, se a recorrente cumpriu os requisitos da impugnação da decisão de facto; depois, se outra poderá ser a decisão de mérito.

*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

a) A A. é mãe do falecido J (…) e é a sua única herdeira. (A)

b) No dia 21.5.2011, cerca das 15.30 horas, na Rua do Paçô, em Válega, Ovar, ocorreu um acidente de viação, que se traduziu num atropelamento, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, marca Ford, matrícula (...)SE e o falecido J (...). (B)

c) O veículo pertencia a M (…) e era conduzido por este, no momento do acidente. (C)  

d) O (...)SE circulava no sentido poente/nascente, pela hemifaixa direita da faixa de rodagem. (D)  

e) Na faixa contrária, e também em sentido contrário circulava um outro veículo. (E)  

f) O local em que se deu o acidente situa-se dentro de uma localidade. (F)

g) Nesse local não existem bermas, passeios nem passadeira para peões. (G)

h) O proprietário do (...)SE transferiu a responsabilidade civil decorrente de acidentes causados com o referido veículo para a Ré, através da apólice n.º 4101160000056/6. (H)  

i) Correram termos na Comarca do Baixo Vouga, nos serviços do Ministério Público de Ovar, sob o n.º 8313/11.0TDPRT, uns autos de inquérito nos quais foi proferido o despacho de arquivamento cuja cópia se encontra junta de fls. 45 a 51. (I)

j) O falecido J (…), proveniente da residência com o n.º 579, do lado direito do (...)SE, foi atropelado por este. (resposta ao art.º 1º)

k) O embate ocorreu na faixa de rodagem do (...)SE e foi de tal forma violento que projectou o J (…) numa distância de 12,30 metros (onde ficou uma poça de sangue). (2º)

l) A faixa de rodagem tem 5,50 metros de largura e a visibilidade é boa. (resposta ao art.º 3º)[1]

m) Em virtude da gravidade dos ferimentos do J (…) foi o mesmo transportado pela viatura médica de emergência (VMER) do Hospital S. Sebastião para o Hospital de Santo António no Porto. (8º)

n) O J (…) deu entrada no Hospital no dia 21.5.2011, politraumatizado, e ficou internado no serviço de cuidados intensivos. (9º)

o) O J (…) foi transportado ao Serviço de Urgência do Hospital de Santo António e aí deu entrada no dia 21.5.2011, sendo dado como falecido no dia 31.5.2011. (resposta ao art.º 10º)[2]

p) Falecimento que ocorreu em virtude de ter sofrido, na sequência do acidente, um traumatismo craneoencefálico grave. (11º)

q) Tendo sido submetido a intervenção neurocirúrgica no Hospital de São João. (13º)

r) A A. despendeu com o funeral, flores, coroas e luto a importância de € 1 243. (15º)

s) A A., mãe do J (…) sentiu-se muito mal quando teve conhecimento do acidente e posterior morte do filho. (16º)

t) Este, sendo solteiro, residia com a mãe, viúva, e contribuía para o seu sustento e era o seu amparo. (17º)

u) A morte do J (...) lançou esta, irmãos e restantes familiares em grande consternação e profunda mágoa, ficando extremamente angustiados. (18º)

v) O falecido era um homem educado, filho “bom e amigo”, tendo a A. sofrido profunda dor com a sua perda. (19º)

w) Esta família sempre foi muito unida e o relacionamento entre a vítima e a mãe muito bom. (20º)

x) A via rodoviária onde ocorreu o sinistro é de traçado recto, com ligeira inclinação ascendente, atento o sentido de marcha do veículo automóvel. (21º)

y) A faixa de rodagem é constituída por duas vias de trânsito, uma em cada sentido de tráfego, com a largura global de 5,50 metros, sem qualquer tipo de sinalização vertical e horizontal e sem marcas rodoviárias no piso. (resposta ao art.º 22º) [3]

z) O piso é betuminoso e encontrava-se em regular estado de conservação. (23º)

aa) Fazia bom tempo e a superfície da estrada encontrava-se seca e limpa. (24º)

bb) Nas sobreditas circunstâncias de lugar e tempo, o (...)SE circulava a cerca de 50 cm da berma direita, atento o seu sentido de marcha. (25º)

cc) Seguia a uma velocidade aproximada de 40/50 km/h. (26º)

dd) Quando, subitamente, o falecido, proveniente da residência n.º 579, invadiu a faixa de rodagem da referida artéria, realizando o seu atravessamento a passo de corrida, da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do veículo automóvel, com destino a um veículo automóvel de caixa aberta que aguardava na faixa de rodagem, no sentido nascente/poente. (27º)

ee) Sem previamente se deter e olhar para a sua esquerda e direita para verificar se nenhum veículo se aproximava do local. (28º)

ff) Indo embater na lateral esquerda do veículo segurado. (29º)

gg) O condutor do veículo ligeiro de passageiros, accionou de imediato os órgãos de travagem, deixando assinalados na faixa de rodagem um rasto de travagem de 2,90 metros de extensão, de um dos rodados (resposta ao art.º 30º)[4]

hh) Não obstante, não conseguiu evitar o embate com a parte da frente do veículo automóvel na vítima em virtude de não poder efectuar manobras evasivas por, naquele momento, e no sentido contrário ao dele, se encontrar parada a viatura referida em II. 1. dd). (resposta ao art.º 31º) [5]

2. E deu como não provado:

a) Que o veículo ligeiro de passageiros surgiu de forma repentina, quando o peão já se encontrava a atravessar a rua. (parte do art.º 1º)

b) O referido veículo circulava a pelo menos 60 km/h. (4º)

c) O veículo circulava a uma velocidade aproximada de 90/100 km/h. (5º)

d) E o respectivo condutor conduzia completamente desatento. (6º)

e) O condutor reconheceu mesmo a familiares da vítima a sua responsabilidade/culpa no acidente. (7º)

f) O J (...) manteve-se consciente após o acidente. (12º)

g) No período decorrido entre o momento do acidente e o falecimento o J (...) sentiu a angústia da morte. (14º)

3. Seguiu-se a “motivação” de fls. 129 a 131.

4. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1, do Código Processo Civil/CPC de 2013[6]), ou seja, ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir, indicando quais os fundamentos do recurso – as razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, importando que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso (a alteração ou a anulação da decisão).

E o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objectiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação[7], sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada na respectiva fundamentação.[8]

Assim, perante o aludido enquadramento normativo, esta Relação considerará, apenas, as concretas questões agora suscitadas que respeitem aquelas exigências e relevem para a (re)ponderação e o desfecho da lide.

5. A A./recorrente, na “conclusão 1ª” da alegação de recurso (ponto I, supra), diz, apenas, que “não só não se conforma com a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que concerne às respostas positivas aos n.ºs 26º, 27º, e 28º, e negativas aos n.ºs 1º e 4º, da base instrutória, como não pode deixar de discordar, com a sua fundamentação, por se afigurar que a análise dos documentos juntos aos autos, conjugada com os depoimentos das testemunhas, impunha, necessariamente, outro tipo de conclusões.

Foram assim referidos os art.ºs da b. i. que, segundo a A., devem ser alterados mas, no corpo e nas conclusões da alegação de recurso, nada se refere quanto ao teor da decisão a proferir sobre os ditos dois últimos art.ºs da matéria de facto e não se indicam os meios de prova que, na perspectiva da recorrente, sustentam a pretendida modificação da decisão de facto.

Na verdade, resulta da fundamentação/corpo da alegação de recurso:

- O teor daquela “conclusão” é a transcrição do que se refere na parte final do ponto “II/Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto” (fls. 149/152);

- Consta apenas (e sucessivamente): a) Que o Tribunal a quo, “em face da prova produzida, não poderia deixar de dar como não provada, na íntegra, a factualidade constante dos pontos 26, 27 e 28 da Base Instrutória” (fls. 148); b) Que “não pode deixar de se pretender que seja apreciado e analisado o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela autora e pela ré, conjugados com a prova documental junta aos autos, e com o critério de apreciação que foi seguido na sua apreciação, e sindicado se o Tribunal de 1.ª Instância, à luz das regras da lógica e da experiência, poderia ter concluído, como concluiu” (fls. 149); c) Extractos do depoimento prestado pela testemunha (comum) (…) afirmando-se, tão-somente, que o Tribunal recorrido “não poderia ter valorado, como valorou” tal depoimento “atento o seu particular conhecimento do acidente aqui em causa, uma vez que foi esta testemunha quem o presenciou” (fls. 151 e 152).

Nada mais se diz ou indica/concretiza, em particular, os (demais) meios de prova (pessoal e/ou documental) e também não se especifica a decisão que, no entender da recorrente, deveria ser proferida relativamente à factualidade mencionada em II. 2. alíneas a) e b), supra.

6. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art.º 640º, n.º 1).

No caso previsto na citada alínea b), quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso (…) (nessa parte), indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [n.º 2, alínea a)].

Tais requisitos da impugnação da decisão de facto justificam-se pela simples razão de que importa alegar o porquê da discordância, isto é, em que é que os depoimentos, de per si ou conjugados com a restante prova, contrariam a conclusão factual do Tribunal recorrido.

Trata-se da imposição de um ónus perfeitamente lógico e necessário atendendo, por um lado, a que ninguém está em melhor posição do que o recorrente para indicar os concretos pontos da sua discordância relativamente ao apuramento da matéria de facto, indicando os concretos meios de prova constantes do registo sonoro que, em seu entendimento, fundamentam tal discordância e qual a concreta divergência detectada, e, por outro lado, para permitir que a parte contrária conheça os argumentos concretos e devidamente delimitados do impugnante, para os poder contrariar, assim se garantindo o efectivo cumprimento do princípio do contraditório [art.ºs 638º, n.º 5 e 640º, n.º 2, alínea b)].[9]

As referidas exigências compreendem-se à luz do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.[10]

 7. No caso em análise, a prova pessoal produzida em 1ª instância foi gravada e era possível a identificação precisa e separada dos depoimentos (fls. 111).

            Porém, a A./recorrente, na sua impugnação da decisão sobre a matéria de facto, além de pugnar por decisão diversa da referida em II. 1. e 2., supra, e mencionar a factualidade que em seu entender deveria ser dada como não provada (o dito primeiro conjunto de art.ºs da b. i.), não indica com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso [e a transcrição – facultativa – que decidiu efectuar revela-se esparsa, descontextualizada e claramente insuficiente, confinada a cerca de “dez linhas” de um dos depoimentos…/fls. 112] e os documentos que, no seu entender, implicam decisão diversa da recorrida; consequentemente, nenhuma conjugação ou confronto em concreto se efectua entre os diversos meios de prova e inexiste qualquer análise crítica (inclusive, do depoimento que se decidiu evidenciar e que se prolongou por cerca de 30 minutos, sendo que o Mm.º Juiz a quo não deixou de questionar a testemunha a respeito da dita factualidade…).

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, ante o descrito regime jurídico, verifica-se ostensivo desrespeito pelas exigências claramente estabelecidas na lei sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, na medida em que a recorrente diz discordar do decidido mas não concretiza os meios probatórios (não refere os concretos excertos dos depoimentos produzidos em audiência de discussão e julgamento e não identifica quaisquer dos documentos juntos aos autos) susceptíveis de demonstrar os pretensos erros na decisão da matéria de facto, ou seja, os elementos que, no seu entender, teriam sido objecto de errada apreciação, além de que também desrespeitou o ónus de especificar a decisão que considera dever ser proferida (sobre parte da matéria de facto impugnada).   

Por conseguinte, não resta alternativa à total rejeição do recurso da decisão relativa à matéria de facto, pelo que importa atender à factualidade dada como provada em 1ª instância.

8. Diz a recorrente que “mesmo a admitir-se, em parte, uma actuação imprudente do sinistrado, sempre o condutor do veículo – a quem se exige, como a um condutor médio, que seja avisado, prudente e cuidadoso – ao ver uma pessoa a atravessar a rua podia e devia – querendo – afrouxar e evitar o embate”, sendo a culpa do condutor do veículo “consideravelmente superior” - “não pode concluir-se que o acidente é unicamente ou exclusivamente imputável ao peão, e que o veículo automóvel foi para ele indiferente, isto é, que a sua típica aptidão para a criação de riscos não contribuiu para a eclosão do acidente”.

Ficou provado, nomeadamente:

                - A via rodoviária onde ocorreu o sinistro, dentro de uma localidade, é de traçado recto, com ligeira inclinação ascendente, atento o sentido de marcha do veículo automóvel; Nesse local não existem bermas, passeios nem passadeira para peões; A faixa de rodagem é constituída por duas vias de trânsito, uma em cada sentido de tráfego, com a largura global de 5,50 metros, sem qualquer tipo de sinalização vertical e horizontal e sem marcas rodoviárias no piso; O piso é betuminoso e encontrava-se em regular estado de conservação; Fazia bom tempo e a superfície da estrada encontrava-se seca e limpa [cf. II. 1. alíneas f), g) e x) a aa), supra].

- Nas sobreditas circunstâncias de lugar e tempo, o (...)SE circulava a cerca de 50 cm da berma direita, atento o seu sentido de marcha, a uma velocidade aproximada de 40/50 km/hora; Quando, subitamente, o falecido, proveniente da residência n.º 579, invadiu a faixa de rodagem da referida artéria, realizando o seu atravessamento a passo de corrida, da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do veículo automóvel, com destino a um veículo automóvel de caixa aberta que aguardava na faixa de rodagem, no sentido nascente/poente, sem previamente se deter e olhar para a sua esquerda e direita para verificar se nenhum veículo se aproximava do local, indo embater na lateral esquerda do veículo segurado [cf. II. 1. bb) a ff), supra].

- O condutor do veículo ligeiro de passageiros, accionou de imediato os órgãos de travagem, deixando assinalados na faixa de rodagem um rasto de travagem de 2,90 metros de extensão, de um dos rodados; Não obstante, não conseguiu evitar o embate com a parte da frente do veículo automóvel na vítima em virtude de não poder efectuar manobras evasivas por, naquele momento, e no sentido contrário ao dele, se encontrar parada a viatura referida em II. 1. dd); O embate ocorreu na faixa de rodagem do (...)SE e foi de tal forma violento que projectou o J (...) numa distância de 12,30 metros (onde ficou uma poça de sangue) [cf. II. 1. alíneas k), gg) e hh), supra].

Perante a descrita factualidade, dir-se-á, desde já, que a decisão recorrida não merece qualquer censura, porquanto, como bem refere o Mm.º Juiz a quo, os elementos disponíveis convergem no sentido da atribuição da culpa exclusiva ao sinistrado pela ocorrência do acidente.

9. A questão principal do litígio, e do recurso, prende-se, assim, com a determinação da responsabilidade pela produção do acidente, em toda a sua dinâmica e consequências, sendo que a seguradora demandada, na qualidade de entidade responsável em razão do correspondente contrato de seguro, apenas deveria suportar os danos causados pela conduta culposa do condutor do veículo SE ou derivados dos riscos próprios da circulação desse mesmo veículo nas circunstâncias concretas do evento.

Vejamos, de seguida, algumas das normas que interessam à boa apreciação do presente caso.

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (art.º 483º, n.º 1, do Código Civil/CC).

Constituem, assim, requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Além da responsabilidade por facto ilícito, as regras de responsabilidade civil admitem a responsabilidade pelo risco, verificados que se mostrem os respectivos pressupostos, sendo extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos (art.ºs 483º, n.º 2 e 499º e seguintes, do CC).
Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação; aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1 (art.º 503º, n.ºs 1 e 3, do CC).
Sem prejuízo do disposto no art.º 570º[11], a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do art.º 503º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (art.º 505º).

As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias (art.º 3º, n.º 2, do Código da Estrada/CE, aprovado pelo DL n.º 114/94, de 03.5, e com as alterações introduzidas pelo DL n.º 44/2005, de 23.02, versão aplicável ao caso em análise).

O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes (art.º 13º, n.º 1, do CE).
O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (art.º 24º, n.º 1, do CE).
Sem prejuízo deste princípio geral e quando circulam nas localidades, os condutores de automóveis ligeiros não podem exceder a velocidade instantânea de cinquenta quilómetros por hora (art.º 27º, do CE), sendo que a velocidade deve ser especialmente moderada, designadamente, nas localidades ou vias marginadas por edificações (art.º 25º, n.º 1, alínea c), do CE).
No que se refere ao trânsito de peões, estes devem transitar pelos passeios, pistas ou passagens a eles destinados ou, na sua falta, pelas bermas, podendo transitar pela faixa de rodagem, com prudência e por forma a não prejudicar o trânsito de veículos, nomeadamente, quando efectuem o seu atravessamento ou na falta dos locais supra referidos ou na impossibilidade de os utilizar (art.º 99º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do CE).

Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que, tendo em conta a distância que os separa dos veículos que nela transitam e a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente (­art.º 101º, n.º 1, do CE).

10. Tendo presente a factualidade descrita em II. 1. e 8., supra, não vemos como seja possível imputar ao condutor do veículo SE a responsabilidade pela produção do acidente em apreço e que se consubstanciou no atropelamento de um peão.

Na verdade, no tocante à circulação da viatura SE, a materialidade apurada permite concluir que seguia dentro do limite máximo de velocidade permitido no local e, ainda, que a velocidade imprimida não era inadequada/excessiva atentas as características da via e do local e demais circunstâncias do trânsito.
            Inexistindo qualquer passadeira para peões, e podendo-se assim concluir pela possibilidade/licitude do atravessamento da faixa de rodagem naquele local, o mesmo só poderia ter lugar respeitando as prescrições e os cuidados supra referidos, nomeadamente, fazendo-o depois de se certificar de que tendo em conta a distância que o separava do veículo e a respectiva velocidade, o podia fazer sem perigo de acidente (art.º 101º, n.º 1, do CE).
No caso em análise, verificamos que o peão se lançou no atravessamento da via a correr e sem se ter previamente certificado da presença de qualquer veículo a circular no local, violando assim de forma ostensiva algumas das regras elementares atrás mencionadas, não dando ao condutor do SE qualquer possibilidade de evitar o embate - a actuação do peão tornou inevitável o atropelamento, que ocorreu nas demais circunstâncias supra referidas, sem que se possa atribuir ao condutor do veículo SE ou às condições ou circunstâncias da circulação da viatura qualquer quota-parte para a produção do acidente (designadamente, que tenha infringido qualquer preceito legal causal do sinistro).
 11. Sabemos que o princípio da incompatibilidade da culpa com o risco tem vindo a ser abalado, sobretudo, pela mais recente doutrina e jurisprudência, que procura afastar a interpretação, tida por não actual, que exclui do âmbito do art.º 505º, do CC, a responsabilidade pelo risco.[12]
Admitindo-se o concurso do facto do lesado ou de terceiro, já não com a culpa do dono ou do condutor, mas com o risco do veículo, a interrogação que se suscita é a de saber como se preenche ou densifica agora, para efeitos de exclusão da responsabilidade pelo risco, a expressão “quando o acidente for imputável ao próprio lesado” (art.º 505º, do CC).
O significado desta expressão era entendida no sentido de que não é só o facto culposo do lesado ou de terceiro a excluir a responsabilidade do dono do veículo, considerando-se a mesma equivalente a “acidente devido a facto do lesado ou de terceiro”; o que importa é que o facto do lesado ou de terceiro (ainda que inimputável) seja a única causa do acidente; “para que o acidente deva considerar-se imputável ao próprio lesado ou a terceiro, não é necessário que o facto por estes praticado seja censurável ou reprovável. A lei quer abranger todos os casos em que o acidente é devido a facto do lesado ou de terceiro, ainda que qualquer deles seja inimputável (…) ou tenha agido sem culpa; basta, noutros termos, que o acidente tenha sido causado por facto da autoria de um ou outro, posto que sem culpa do autor”.[13]
 Para a exacta compreensão do preceito, importa considerar que não é um problema de culpa que está posto no art.º 505º, do CC, mas apenas um problema de causalidade: trata-se de saber se os danos verificados no acidente devem ser juridicamente considerados, não como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como uma consequência do facto praticado pela vítima ou por terceiro.[14]
E mesmo no entendimento de que aquele preceito não exclui o concurso da culpa do lesado com o risco - a leitura actualizada do preceito no entendimento de Calvão da Silva é esta: “sem prejuízo do disposto no artigo 570.º (leia-se, sem prejuízo do concurso da culpa do lesado e, ‘a fortiori’, sem prejuízo do concurso de facto não culposo do lesado), a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido (com culpa ou sem culpa) unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo[15] - sempre importará analisar a sequência naturalística do próprio acidente de modo a verificar se dela resulta, não obstante a actuação da vítima, a intervenção, no processo causal do acidente, dos riscos próprios do veículo, i. é,  sempre será necessário analisar o processo causal do acidente, para apurar qual a intervenção dos riscos próprios do veículo.[16]
12. Se em determinados sinistros rodoviários é constatável um risco próprio concretizado, em muitos outros, e na sua maioria, o risco susceptível de ser considerado não é senão o risco próprio da actividade de circulação de veículos automóveis, pelo que o processo causal do acidente parece dever ser analisado, quando há culpa do lesado e não se provou a culpa do lesante condutor do veículo, de modo a constatar se o risco de circulação do veículo deve ser excluído em razão da gravidade da culpa do sinistrado projectada no processo causal.[17]
Daí que também se perfilhe a orientação contrária “à tese clássica” - segundo a qual toda e qualquer culpa (mesmo a culpa leve ou levíssima) do lesado exclui a responsabilidade objectiva do detentor do veículo - e, numa interpretação progressista ou actualista dos citados preceitos da lei civil substantiva, se propenda para “a aceitação do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, permitindo ao juiz sopesar suas gravidades e contributos causais e assim moldar o an e o quantum respondeatur”.[18]
À luz do actual quadro normativo não se enjeita, assim, a possibilidade de concorrência de risco com culpa, que aquele deve considerar-se verificado quando se evidencia um risco próprio concretizado a concorrer com o facto causal do lesado ou quando a actuação culposa do lesado projectada no próprio acidente não permite dizer que o acidente foi exclusivamente causado pelo lesado.
Porém, considerar que o risco imanente à circulação rodoviária gera uma culpa mitigada em cada acidente, seja qual for a culpa que efectivamente ocorreu determinativa do processo causal concreto, traduzir-se-ia na introdução de uma presunção juris et de jure de ocorrência de risco, o que a lei não consente - tal interpretação que considere beneficiarem os sinistrados não motorizados de uma presunção juris et de jure de culpa mitigada e que, por tal motivo, deva sempre considerar-se que o acidente não foi unicamente devido à sua actuação culposa ainda que se prove exactamente o contrário, não é, pois, defensável.[19]
Assim, se, como sucede no caso vertente, ficar provado que o peão se atravessou à frente do veículo cortando (a curta distância) a sua linha de marcha, impossibilitando-lhe qualquer manobra de recurso, então está preenchida a previsão constante do art.º 505º, 2ª parte, do CC, pois o acidente resultou de uma conduta culposa que, no âmbito do processo causal, foi unicamente devida ao sinistrado.
Por conseguinte, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não se afigura defensável concluir que para a ocorrência da colisão com a culpa do peão concorreu o risco próprio do veículo segurado pela ré, com as consequências legais daí decorrentes, inclusive, no tocante à requerida reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sobrevindos.[20]
13. E também nada ficou apurado no sentido de imputar ao condutor do veículo SE qualquer contributo para a potenciação do risco inerente à circulação automóvel ou, dito de outra forma, qualquer facto com efectiva ou potencial repercussão, em sede de causalidade, no processo dinâmico que levou à eclosão do evento lesivo, sendo que, como ficou explanado, o acidente é imputável exclusivamente ao sinistrado (que pretendeu atravessar a estrada sem o menor cuidado, porquanto, e decisivamente, não se certificou do trânsito que aí se fazia).
Ademais, como vimos, a própria doutrina que vem defendendo uma interpretação actualista das normas que, no Código Civil, regulam a matéria da responsabilidade pelo risco no domínio dos acidentes de viação (em particular, os art.ºs 503º, 505º e 570º), continua a admitir que a responsabilidade objectiva deve ser excluída quando o acidente for imputável unicamente ao próprio lesado ou a terceiro ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, e que, se em caso de dúvida deve prevalecer a concorrência entre risco do veículo e facto do lesado, existindo prova certa e segura do facto da vítima ou de terceiro (ou de força maior) como causa única e exclusiva do acidente, já não haverá lugar ao dito concurso (culpa/risco).[21]
14. O acidente é explicado pela actuação do peão - que o determinou/causou -, sem que se possa atribuir ao condutor do veículo SE (não se demonstrando que haja desrespeitado/infringido qualquer preceito legal causal do sinistro) ou às condições ou circunstâncias da circulação da viatura qualquer quota-parte para a sua produção.

O atropelamento do peão (e suas consequências) que inopinadamente se atravessa à frente de um veículo que, numa localidade, seguia na sua faixa de rodagem, a uma velocidade não superior a 50 km/h, sem que o condutor o pudesse prever, é de imputar em exclusivo àquele (contribuição exclusiva), pois não é exigido aos condutores que contem em cada momento com os obstáculos que surjam inopinadamente ou com a falta de prudência de terceiros[22], sendo que também não ficou demonstrada qualquer concorrência para a respectiva eclosão, em termos de causalidade adequada, decorrente do risco inerente à circulação do veículo envolvido no acidente, antes se devendo concluir que a potencialidade de perigo que encerra a sua circulação foi alheia ao sinistro ou não potenciou o “risco permitido” (inerente à circulação rodoviária).

No descrito enquadramento fáctico e normativo, é irrecusável que sendo o acidente imputável exclusivamente a actuação da vítima (devido unicamente a facto do lesado) e não estando assim reunidos os pressupostos da responsabilidade civil (art.º 483º, n.º 1, do CC), a Ré, na qualidade de seguradora responsável pelo ressarcimento dos danos decorrentes da circulação da viatura SE, não é devedora da reclamada indemnização por danos patrimoniais e danos não patrimoniais.[23]

Soçobram, desta forma, as demais “conclusões” da alegação de recurso.

*

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela A./apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

*

07.10.2014

 

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernando Monteiro

[1] Na base instrutória vinha referenciada a largura de 5,30 m, resultando, no entanto, dos elementos carreados para os autos em sede de audiência – medição efectuada no local – que a dimensão ascende a 5,50m.

[2] Resultou demonstrado que se trata do Hospital de Santo António e não do Hospital de S. João conforme vinha referenciado na base instrutória.

[3] Cf. a “nota 1”.

[4] Na base instrutória era feita alusão a 2 metros, resultando, no entanto, do “croquis” inserido na participação de acidente de viação que o rasto de travagem – só de um rodado – tem a dimensão que se considerou provada.

[5] Resultou da prova produzida em sede de audiência que a viatura parada em sentido contrário – e não um veículo que circulava em sentido contrário - impediu qualquer manobra de recurso.

[6] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem, aplicável ao caso em análise por força do disposto no art.º 5º, n.º 1, da Lei 41/2013, de 26.6.
[7] Vide, entre outros, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 308 e segs. e 358 e segs.; J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33 e os acórdãos do STJ de 21.10.1993 e 12.01.1995, in CJ-STJ, I, 3, 84 e III, 1, 19, respectivamente.
[8] Cf. o citado acórdão do STJ de 12.01.1995.
[9] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 15.09.2011-processo 1079/07.0TVPRT.P1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[10] Vide A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, Almedina, pág. 159.
    De resto, quando o legislador introduziu um efectivo grau de jurisdição em matéria de facto, através do DL n.º 39/95, de 15.02, deixou expresso no preâmbulo deste diploma, nomeadamente:
   “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.
   Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
   A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
(…)
   Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado (…).”
[11] Preceitua o referido art.º: “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que deles resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída (n.º 1). Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar (n.º 2)”.

[12] Cf., sobretudo, o acórdão do STJ de 04.10.2007-processo 07B1710, publicado no “site” da dgsi, na CJ-STJ, ano XV, 3, 82 e na RLJ, ano 137º, pág. 35 e aí anotado pelo Prof. Calvão da Silva, a págs. 49 e seguintes.
[13] Vide, entre outros, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 490; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª edição, Almedina, pág. 600 e o acórdão do STJ de 10.01.2012-processo 189/04.0TBMAI.P1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[14] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e vol. cits., págs. 490 e seguinte.
[15] Vide RLJ, 137º, pág. 152.
[16] Cf., ainda, de entre vários, o acórdão da RL de 25.02.2010-processo 71/07.9TBVFC.L1-2, publicado no “site” da dgsi.

[17] Cf. o acórdão do STJ de 20.01.2009-processo 08A3807, publicado no “site” da dgsi e na CJ-STJ, XVII, 1, 62.
[18] Vide Calvão da Silva, RLJ, 134º, págs. 116 e seguinte.
[19] Cf. o citado acórdão do STJ de 20.01.2009-processo 08A3807.

[20] Não será assim de aplicar, in casu, a orientação seguida no citado acórdão do STJ de 04.10.2007 (cf., supra, “nota 12”), em que foi produzida prova da intervenção no processo causal do acidente de um concretizado risco próprio do veículo – art.º 503º, n.º 1, do CC.

    Entre outras conclusões firmadas no aludido acórdão, destacam-se as seguintes:

    - De acordo com a jurisprudência e a doutrina tradicionais, inspiradas no ensinamento de Antunes Varela, em matéria de acidentes de viação, a verificação de qualquer das circunstâncias referidas no art.º 505º do CC – maxime, ser o acidente imputável a facto, culposo ou não, do lesado – exclui a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, não se admitindo o concurso do perigo especial do veículo com o facto da vítima, de modo a conduzir a uma repartição da responsabilidade: a responsabilidade pelo risco é afastada pelo facto do lesado.

    - Mostra-se também insensível ao alargamento crescente, por influência do direito comunitário, do âmbito da responsabilidade pelo risco, e da expressa consagração da hipótese da concorrência entre o risco da actividade do agente e um facto culposo do lesado, que tem tido tradução em recentes diplomas legais, que exigem, como circunstância exoneratória, a culpa exclusiva do lesado, bem como à filosofia que dimana do regime estabelecido no Cód. do Trabalho para a infortunística laboral.
    -
O texto do art.º 505º do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja, que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

    - A este resultado conduz uma interpretação progressista ou actualista do art.º 505º, que tenha em conta a unidade do sistema jurídico e as condições do tempo em que tal norma é aplicada, em que a responsabilidade pelo risco é enfocada a uma nova luz, iluminada por novas concepções, de solidariedade e justiça.
[21] Vide Calvão da Silva, RLJ, 134º, pág. 115 e 137º, págs. 58 e seguinte e 62.
[22] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 17.5.2012-processo 1272/04.7TBGDM.P1.S1 e 11.7.2013-processo 97/05.7TBPVL.G2.S1, publicados no “site” da dgsi.
[23] Neste sentido, cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 17.5.2012-processo 1272/04.7TBGDM.P1.S1, cit., e da RC de 07.02.2012 (publicado na CJ, XXXVII, 1, 32), o primeiro, assim sumariado: “1. O atropelamento de um peão - menor de 4 anos de idade - que inopinadamente se atravessou à frente de um veículo que, numa localidade, seguia na sua faixa de rodagem, a uma velocidade não superior a 20 km/h, sem que o condutor o pudesse prever, é de imputar em exclusivo ao lesado, tornando irrelevante o risco genérico decorrente do facto de o veículo se encontrar a circular numa via pública. 2. Uma interpretação do art.º 505º do CC que admita a concorrência entre a responsabilidade pelo risco inerente ao veículo automóvel e a imputação do acidente ao lesado, sujeitando a quantificação da indemnização à ponderação prevista no art.º 570º do CC, fica necessariamente afastada quando o acidente seja exclusivamente devido ao sinistrado, sem qualquer contribuição causalmente adequada dos riscos próprios do veículo. 3. Em tais circunstâncias, não é imposta pelas Directivas Europeias em matéria de Seguro Automóvel a responsabilidade da seguradora com quem o proprietário e condutor do veículo outorgou contrato de seguro obrigatório, já que, como decidiu o Tribunal de Justiça, no Acórdão de 9-6-11, no âmbito do processo de reenvio prejudicial nº C-409/09, tais Directivas “devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a disposições nacionais do domínio do direito da responsabilidade civil que permitem excluir ou limitar o direito da vítima de um acidente de exigir uma indemnização a título do seguro de responsabilidade civil do veículo automóvel envolvido no acidente, com base numa apreciação individual da contribuição exclusiva ou parcial dessa vítima para a produção do seu próprio dano”.