Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
574/10.8 TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA
Data do Acordão: 06/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 280º Nº 1 B) DA CRP
Sumário: 1.- A arguida que no seu recurso se limita a reagir contra a medida da coima, com base na violação de preceitos constitucionais por parte da decisão judicial, não consubstancia a invocação da inconstitucionalidade da norma com base na qual foi sancionada.
2.- Não há sentenças inconstitucionais. O que pode haver é normas interpretadas nas sentenças que em determinadas situações violem disposições constitucionais, mas para tal a recorrente tem de expressamente invocar a inconstitucionalidade da norma de que a decisão recorrida tenha feito aplicação.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.
1.1. Após haver sido administrativamente sancionada por decisão do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional – Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, no pagamento de uma coima única de € 15.000,00, adveniente da prática respectiva de uma contra ordenação prevista e punida através das disposições conjugadas dos artigos 11.º, alínea b) e 18.º, n º 2, alínea f); 22.º, n.º 3, alínea b), todos do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 29 de Agosto, e redacção resultante das Leis n.ºs 50/2006, de 29 de Agosto, bem como 89/2009, de 31 de Agosto, impugnou-a judicialmente a arguida VVV…, Lda., com sede na Rua 5 de Outubro, n º 18, r/c F, 2330-094, Entroncamento.
Porém, sem ganho de causa o fez, pois que foi tal impugnação julgada totalmente improcedente, por meio de despacho, mantendo-se na íntegra a dita decisão da autoridade administrativa.
1.2. Porque subsiste todavia irresignada, recorre agora para este Tribunal, extraindo da minuta que acompanhou a peça respectiva, as seguintes conclusões:
1.2.1. A ora recorrente invocou a inconstitucionalidade da aplicação das coimas previstas no artigo 22.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
1.2.2. Entendia e entende a recorrente que o legislador desconsiderou, relativamente às contra-ordenações ambientais, as enormes diferenças quanto à ofensividade e necessidade de tutela existentes entre o direito penal e o direito de mera ordenação social, conferindo à tutela contra-ordenacional, no que tange àquelas contra­ ordenações ambientais, uma eficácia preventiva muito superior à tutela penal, o que não é admissível no nosso ordenamento jurídico pois configura uma drástica e distorcida alteração da hierarquia de ofensividade dos bens jurídicos, sendo contrário à constituição.
1.2.3. Pelo que, e no que ao caso concreto diz respeito, entendia e entende a ora recorrente que não devem ser aplicadas as coimas previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º da mencionada Lei n.º 50/2006 de 29/08, porquanto atentatórias da Lei Fundamental.
1.2.4. A sentença recorrida nada refere a tal respeito, não se tendo sequer pronunciado sobre tal matéria, o que significa que deixou o douto Tribunal a quo de se pronunciar sobre questão que se lhe impunha apreciar.
1.2.5. Tal omissão determina a respectiva nulidade dessa peça processual, atento o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, nulidade essa que ora expressamente invoca para todos os devidos e legais efeitos.
1.2.6. Por outro lado, o facto dado como provado no ponto n.º 4) da Factualidade Assente é, salvo o devido respeito, incompatível com os factos dados como provados nos pontos 5), 6) e 8) da mesma Factualidade Assente.
1.2.7. Com efeito, se a arguida entregava o papel e o plástico no X..., se reutilizava os restos de cimento e tijolos (entulho), incorporando-os na obra, designadamente nos pavimentos anexos à mesma, se retirou da obra paletes vazias e em 15 de Outubro de 2008 entregou RCD na empresa W..., S.A., como está dado como provado, tal mais não significa do que a existência na obra de um sistema de acondicionamento dos resíduos, sistema esse que permitia e permitiu a sua separação e posterior reutilização ou entrega os RCD a operador licenciado.
1.2.8. Mesmo que se entendesse – o que não se aceita de todo em todo e apenas por mera hipótese de trabalho se aflora – que a ora recorrente praticou a contra ordenação por que foi condenada, ainda assim foi demasiado gravosa a coima aplicada.
1.2.9. A lei cuja infracção está a ser assacada à ora recorrente entrou em vigor no dia 10 de Junho de 2008, apenas quatro meses antes da inspecção em causa nos presentes autos, sendo que, volvidos quase três anos de aplicação da lei, continuamos sem saber exactamente o que é um “sistema de acondicionamento de resíduos”, por a lei o não especificar.
1.2.10. Se é certo que o desconhecimento da lei não obsta à sua aplicação, não menos certo é que o tempo e a prática vai muitas vezes ensinando as pessoas e as empresas a “apurar” o cumprimento dos seus deveres, para o que, aliás, devem os senhores agentes fiscalizadores contribuir, ensinando antes de multar.
1.2.11. No caso concreto dos autos, a ora recorrente efectuava, como continua hoje a efectuar, a separação e selecção dos resíduos que produz, dando a cada um o tratamento adequado, ou incorporando-os nas obras, ou os encaminhando para operador licenciado, esforçando-se para manter os resíduos que produz o mínimo de tempo possível na mesma.
1.1.12. É, pois, manifesta e absolutamente desproporcional condenar a ora recorrente na coima de € 15.000,00, correspondente a mais do dobro do lucro tributável de todo um ano de trabalho, por os senhores agentes fiscalizadores não terem identificado o tal contentor XPTO, apesar de reconhecerem o encaminhamento, pela ora recorrente, dos seus resíduos para locais adequados, o que demonstra a inexistência de dano ou perigo, em concreto, para o meio ambiente – o mesmo é dizer que, a existir culpa da ora recorrente (o que se não aceita) esta sempre teria de ser considerada diminuta e reduzida a gravidade da contra-ordenação, podendo e devendo ter-lhe sido aplicada uma admoestação: assim o impunha a Equidade.
1.2.13. Ao decidir como o fez, a sentença proferida violou, entre outros, os artigos 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal; 11.º, alínea b) e 18.º, n.º 2, alínea f), ambos do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março; 1.º, 2.º, 3.º, 9.º e 22.º, n.º 3, alínea b), todos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto; 15.º, do Código Penal e 18.º, da Constituição da República Portuguesa, bem como, ainda, os princípios contra-ordenacional, penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade, da nulla poena sine culpa, da adequação e da proporcionalidade.
Terminou pedindo que no provimento do recurso seja decretada a nulidade da sentença recorrida, ou, concedendo, a sua absolvição.
1.3. Notificado ao efeito, respondeu o Ministério Público sustentando a manutenção do decidido.
1.4. Proferido despacho a admitir o recurso, foram os autos remetidos a esta instância.
1.5. Aqui, com vista dos autos, atento o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, o Ministério Público emitiu parecer conducente, igualmente, à sua improcedência.
Cumpriu-se com o disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se nada impor a apreciação sumária da impugnação, e, igualmente, nada também obstar ao conhecimento de meritis, donde que devessem prosseguir os autos seus termos, o que se ordenou, com recolha de vistos, e submissão à presente conferência.
Urge agora ponderar e decidir.
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II – Fundamentação de facto.
2.1. A decisão recorrida teve por provada a seguinte factualidade:
1. No dia 9 de Outubro de 2008, pelas 12.24 horas, foi realizada uma acção de patrulhamento levada a cabo pelo Serviço de Protecção à Natureza e Ambiente da GNR – Destacamento Territorial de Santa Comba, no âmbito da qual foi fiscalizada a construção de um prédio, sito na Rua …, em Tondela, onde era possível observar resíduos espalhados na área envolvente à construção.
2. Que os resíduos eram constituídos essencialmente por sacos de cimento em papel, cartão, esferovite, plásticos diversos, restos de cimento bem como tijolos.
3. Que a responsável pela obra era a sociedade ora arguida VVV… .
4. Que não existia no local nenhum sistema de acondicionamento dos resíduos.
5. Que a arguida procedia à queima dos resíduos de papel e plásticos ou entregava os mesmos no X... e utilizava o entulho, resultante da obra para fazer pavimentos anexos à mesma.
6. Que a arguida preencheu a guia de transporte n.º 10702 referente ao transporte de paletes vazias em 16 de Setembro de 2008.
7. Que em 3 de Outubro de 2008 a W... informou a arguida que teria a decorrer na CCDRC um processo de autorização para a gestão de resíduos de RCD.
8. Que em 15 de Outubro de 2008 a arguida entregou RDC na empresa W..., S.A. acompanhados da respectiva guia de transporte de RCD.
9. Que a arguida declarou em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2007, um lucro tributável de € 6.671,91.
10. Que ao não proceder à implementação de um sistema de acondicionamento de resíduos de construção e demolição na obra a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada por se encontrar a laborar e de que era capaz.
2.2. Já a motivação probatória constante da mesma decisão refere:
A factualidade dada como provada foi extraída do teor do auto de noticia de fls. 5, a reportagem fotográfica de fls. 6 e 7 cujo teor não foi impugnado, bem como nos documentos de fls. 23 a 35 dos autos.
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III – Fundamentação de Direito.
3.1. Como decorre do artigo 75.º, n.º 1 do RGCO Aprovado através do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e, sucessivamente alterado, por intermédio dos Decretos-Lei n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro., «Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito,...».
Acresce, de harmonia com o disposto no artigo 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 74.º, n.º 4 do mesmo RGCO, “Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.”
Daqui a predominância do entendimento segundo o qual no tipo de processo como o em causa é, então, admissível a revista alargada (a matéria de facto) decorrente da aplicação do regime desse mesmo artigo 410.º, n.º 2.
Ainda de relembrar serem as conclusões da motivação do recurso o que baliza o respectivo objecto Disposições conjugadas dos artigos 402.º; 403.º e 412.º, todos do Código de Processo Penal..
Da consideração dos mencionados normativos e das conclusões apresentadas pela recorrente decorre, assim, que o thema decidendum – já que se não vislumbra a existência de um qualquer dos vícios ou nulidades considerado/as pelo indicado artigo 410.º [seus n.ºs 2 e 3] –, consiste em aquilatarmos 1) se a decisão recorrida padece da cominada nulidade de omissão de pronúncia; 2) se acaso se verifica incompatibilidade entre os factos dados como provados em 4), face aos dados como não provados em 5), 6) e 8) da decisão recorrida e, por fim, 3) se o sancionamento que lhe foi imposto se mostrou em medida excessiva, devendo antes ser-lhe aplicada a medida de admoestação.
Vejamos de todas elas, salvo emergência de qualquer prejudicialidade de uma relativamente às subsequentes.
3.2. Nas cinco primeiras conclusões, a recorrente sustenta haver impugnado (na anterior sede de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa), de forma expressa, a inconstitucionalidade da aplicação das coimas previstas no artigo 22.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, pois que o legislador desconsiderou, relativamente às contra-ordenações ambientais, as enormes diferenças quanto à ofensividade e necessidade de tutela existentes entre o direito penal e o direito de mera ordenação social, conferindo à tutela contra-ordenacional, no que tange àquelas contra­ ordenações ambientais, uma eficácia preventiva muito superior à tutela penal, o que não é admissível no nosso ordenamento jurídico pois configura uma drástica e distorcida alteração da hierarquia de ofensividade dos bens jurídicos, sendo contrário à constituição, e daí que não devessem ser aplicadas as coimas previstas na alínea b) do n.º 3 do art.º 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, porquanto violadoras da Lei Fundamental.
Ora, continua, a decisão nada referiu a tal respeito, não se tendo sequer pronunciado sobre tal matéria, donde que a respectiva nulidade, atento o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
Comecemos por relembrar o que, a propósito, a recorrente invocou aquando da impugnação judicial. Mencionou:
2) Tal coima é manifestamente desproporcional não só face à suposta infracção em causa, mas também porque perfeitamente infundada.
3) Com efeito, o legislador desconsiderou, quanto às contra-ordenações ambientais, as diferenças quanto à ofensividade e verificação de necessidade de tutela que existem entre o direito penal e o direito de mera ordenação social, tal como não teve em conta a variável dimensão das pessoas colectivas (a sua pequena ou média dimensão, os resultados modestos, os períodos durante os quais laboram por ano e a difícil situação que o sector atravessa).
4) Trata-se de um desequilíbrio patente, que confere à tutela contra-ordenacional uma eficácia preventiva muito superior à tutela penal, não permitindo uma correspondência com a hierarquia de ofensividade aos bens jurídicos, o que viola manifestamente o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º da C.R.P., não podendo assim ser aplicadas as coimas que se prevêem no n.º 3, alínea b), do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006 de 29/08.”
Acto contínuo, vejamos dos termos em que se mostra admissível proceder-se à fiscalização concreta da constitucionalidade ou ilegalidade normativas.
Sedimentadamente, e em linha com o consignado pelo artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República, refere o Tribunal Constitucional que tal objecto se mostra constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não podendo sindicar-se, nessa sede, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito infra constitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Na verdade, é sempre forçoso que, em concreto, se questione a (in) constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe apurar e sindicar da bondade e do mérito do julgamento efectuado in concreto por um qualquer tribunal, mas antes e apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas.
A este propósito, aliás, escreve Carlos Lopes do Rego In «O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3, pág. 8. que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos – embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […].
Ora, a arguida, no presente caso concreto, na impugnação judicial apresentada não invocou nestes moldes qualquer inconstitucionalidade, antes se limitou a afirmar que a coima que lhe foi aplicada pela autoridade administrativa era “desproporcional” face “à infracção em causa” e era “perfeitamente infundada”.
Impugnar-se uma coima porque se sustenta ser desproporcional, é coisa distinta do que reagir contra a aplicação de uma norma que se entende ferir mandamento constitucional. A arguida limitou-se a reagir contra a medida da coima, que não contra a inconstitucionalidade da norma com base na qual foi sancionada; neste último particular, cingiu-se a tecer comentários sobre a desconsideração por parte do legislador da diferença de ofensividade e necessidade de tutela entre o direito penal e o direito contra-ordenacional, para rematar que “não podem ser aplicadas as coimas que se prevêem no n.º 3, alínea b), do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006 de 29/08.
Donde a conclusão de que não emerge a nulidade oposta, pois que não tendo sido suscitada a questão, nenhuma incumbência recaía sobre o tribunal a quo em a apreciar.
Em todo o caso, e embora sob uma forma sintética, sempre a decisão recorrida a abordou sob a epígrafe “Da nulidade da decisão administrativa”.
Por fim, ainda de anotarmos que a mencionada norma não fere o invocado princípio da proporcionalidade.
Um aresto do Tribunal Constitucional Acórdão n.º 132/2011, de 3 de Março., pronunciando-se sob a pretensa inconstitucionalidade de uma outra norma [conjugação dos artigos 2.º, n.º 1; 3.º, n.º 1; n.º 1, alínea b), n.º 4 e 9.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, todos do Decreto-Lei n.º 156/05, de 15 de Setembro], que igualmente sancionava pessoas colectivas com a coima mínima de € 15.000,00, teceu considerações que achamos por pertinentes no sentido de fundamentar essa afirmação.
Escreveu-se, então:
5. A decisão recorrida fundamenta o juízo de inconstitucionalidade, que motiva a recusa de aplicação da norma, na violação do princípio da proporcionalidade.
Porém, como tem este Tribunal entendido, a fixação da dosimetria sancionatória, maxime, em sede contra-ordenacional, encontra-se no âmbito de um amplo espaço de conformação do legislador, só devendo ser censuradas “as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal proíbe o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição” (cfr. Acórdão n.º 574/95, disponível no mesmo sítio da internet).
Tal asserção é sobretudo significativa no domínio do ilícito de mera ordenação social, porquanto – pode ler-se no mesmo aresto – “as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais – para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social”.
Como se refere no acórdão n.º 67/2011:
“ (…) o legislador ordinário goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, desde que respeitados os limites fixados pelo regime geral do ilícito contra-ordenacional e que as sanções aplicadas sejam “efectivas”, “proporcionadas” e “dissuasoras”, de modo a garantir o efeito preventivo daquelas, sob pena de os destinatários das normas não se sentirem compelidos a cumpri-las (com efeito, a fixação de coimas com montantes irrisórios face ao benefício colhido da prática do ilícito contra-ordenacional tende a enfraquecer o próprio cumprimento da lei; assim, ver Paulo Otero / Fernanda Palma, Revisão do Regime Legal do Ilícito de Mera Ordenação Social, in «RFDUL» (Separata), 1996, n.º 2, pp. 562 e 563).
Neste sentido, o Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma livre margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/00, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade ou de excessiva amplitude entre os limites mínimo e máximo.
(…)
Na linha da jurisprudência consolidada neste Tribunal, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional deve coibir-se de interferir directamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a actividade judicativa de se tornar um «contra-poder legislativo»” (Fernanda Palma, O legislador negativo e o intérprete da Constituição, in «O Direito», 140º (2008), III, 523)”.
O mesmo Acórdão conclui:
“Ora, a agravação do montante mínimo da coima a suportar pelas pessoas colectivas, em 15.000 €, não pode considerar-se manifestamente desproporcionada, visto que tem por finalidade promover o cumprimento voluntário de um dever legalmente imposto que, por sua vez, visa acautelar os direitos dos consumidores constitucionalmente consagrados (artigo 60º, nº 1, da CRP. Conforme já supra notado, tal cumprimento voluntário apenas é promovido mediante a aplicação de sanções “efectivas” e “dissuasoras”.
(…)
Por estas razões, não se vislumbra que a fixação do montante mínimo da coima em € 15.000,00, relativamente às pessoas colectivas, viole o princípio da proporcionalidade.
(…).
Considerações que perfeitamente colhem ao caso vertente, e no sentido, pois, de sequer se descortinar qualquer desconformidade constitucional no normativo com base em cuja preterição foi a recorrente sancionada.
3.3. Segundo pomo de discórdia oposto pela recorrente o de emergir incompatibilidade entre os factos dados como provados em 4), face aos dados como não provados em 5), 6) e 8), aquele e estes, todos da decisão recorrida.
Os factos mencionados eram os que já constavam sob as alíneas d), e), g) e i) da decisão da autoridade administrativa.
Aquando da impugnação judicial perante a 1.ª instância, a recorrente por forma alguma os controverteu.
Nesta sede recursiva, a recorrente também não retira da alegada “incompatibilidade” a verificação de um eventual “vício” tal como previsto (s) no n.º 2, do artigo 410.º, do Código de Processo Penal.
O objecto da impugnação a que alude o art.º 59.º do RGCO desdobra-se na (im) procedência da acusação em que se traduz a decisão administrativa e na apreciação das questões colocadas pelo recorrente nas suas conclusões de recurso, por forma permitir conhecer da (im) procedência do mesmo.
Ora, assim sendo, temos que se mostra agora extemporânea tal alegação da recorrente.
Todavia, a descrição fáctica constante de tais n.ºs 4), 5), 6) e 8), quando conjugada, em nada demonstra “incompatibilidade”, antes mera prova de factos distintos entre si. Prova de que:
- A arguida não tinha no local nenhum sistema de acondicionamento dos resíduos.
- A arguida procedia à queima dos resíduos de papel e plásticos ou entregava os mesmos no X... e utilizava o entulho, resultante da obra para fazer pavimentos anexos à mesma.
- A arguida preencheu uma guia de transporte referente ao transporte de paletes vazias em 16 de Setembro de 2008.
- A arguida, no dia 15 de Outubro de 2008, entregou RDC na empresa W..., S.A. acompanhados da respectiva guia de transporte de RCD.
Seja, e em conclusão, da improcedência também desta questão suscitada pela recorrente.
3.4. Por fim, urge aquilatar da espécie da sanção a cominar-se-lhe.
E, manifestamente, não colhe a sua pretensão em ser apenas admoestada.
Com efeito, esta espécie de sanção mostra-se possível “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique Cfr. art.º 51.º, n.º 1, do RGCO.. Ora, a infracção por cuja autoria a recorrente se mostra sentenciada consistiu em uma infracção grave.
Por outro lado, a coima mostra-se fixada no seu limite mínimo admissível, donde que nada haja a apontar.
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IV – Decisão.
São termos em que pelos fundamentos expostos, se nega provimento ao recurso interposto.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 3 UCs.
Notifique.
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Coimbra, 1 de Junho de 2011