Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4000/14.5T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
PRESTAÇÃO DE FACTO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Data do Acordão: 06/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, COIMBRA, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 236º E 237º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Para determinar o conteúdo das cláusulas da transação, de acordo com as regras sobre a interpretação da declaração negocial, importa distinguir se estamos perante um caso de indagação da vontade real ou antes perante uma interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos.

2. Sendo imperfeita a exteriorização da declaração, a vontade real do declarante só prevalece sobre a impressão do declaratário se estiverem reunidos os factos que revelem tal vontade real.

3. Tendo os executados sido, por diversas vezes, impedidos de realizarem as obras em causa, pelos próprios exequentes, sem razão válida para tal, a falta de cumprimento não procede de culpa sua, em função do que não podem ser sancionados/responsabilizados por isso.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            No decurso da acção, então, com processo ordinário, que correu termos na Vara Mista de Coimbra, com o n.º 603/07.2TTCBR, em que figuravam como autores A... e mulher B... e como réus C... e mulher D... , já todos identificados nos autos, foi, no dia 04 de Março de 2009, lavrada e homologada por sentença, já transitada em julgado, a transacção que passa a transcrever-se (cf. fl.s 11 a 13):

            CLÁUSULA 1ª

Os réus assumem os custos da reparação referidos nas als. a) a f) do ponto nº 2 do relatório pericial de folhas 256 a 262, incluindo a pintura dos muros;

CLÁUSULA 2ª

Quanto à al. g), do ponto 2, do mesmo relatório, os réus comprometem-se a retirar as terras nos termos aí preconizado pelos Srs. Peritos;

CLÁUSULA 3ª

Quanto à al. h) do ponto 2, do mesmo relatório, o réu C... compromete-se a depor como testemunha sobre tal factualidade em acção judicial que os autores venham eventualmente a intentar contra terceiro, proprietário do prédio confinante;

CLÁUSULA 4ª

Quanto à al. i) do, ponto 2, do relatório pericial, os réus comprometem-se a suportar o custo da realização da obra aludida na 2.ª parte do 1.º parágrafo, tratando-se esta da execução de nova parede interior em alvenaria cerâmica, dotada de meia cana a executar entre a parede existente, a manter, e esta nova, caso tal se venha a mostrar necessário;

CLÁUSULA 5ª

A solução alternativa fica dependente do decurso do prazo de um ano e após um inverno de normal pluviosidade, subsequente à realização da obra, devendo para esta obra em causa ser feita uma avaliação dos trabalhos e meios a serem empregues para a boa solução do problema em causa;

CLÁUSULA 6ª

As partes aceitam a estimativa de custos que consta de folhas 262, sem prejuízo dos orçamentos a obter;

CLÁUSULA 7ª

Os autores comprometem-se a permitir a entrada dos réus e pessoal necessário à realização das obras a efectuar, sendo estes avisados com 30 dias de antecedência;

CLÁUSULA 8ª

As partes diligenciarão no sentido de obterem junto de terceiros, pelo menos, três orçamentos para a realização das obras atrás referidas, escolhendo-se de entre eles o orçamento mais económico, mediante a escolha final dos réus.

CLÁUSULA 9ª

Os réus comprometem-se a obter a realização das obras no corrente ano, durante o mês de Maio, se a condições climatéricas o permitirem.

CLÁUSULA 10ª

Os autores, no mais, desistem do pedido

CLÁUSULA 11ª

Custas em divida a juízo na proporção de 1/2 sem prejuízo do disposto nos artºs. 19º, nº 1, al. a), e 26º do DL 34/08 de 26 de Fevereiro na redacção dada pelo DL 181/08, de 28/08.”.                                              

           

            Conforme requerimento executivo, que deu entrada em juízo no dia 07 de Janeiro de 2010 (cf. fl.s 2), vieram os exequentes e aqui recorrentes, os supra identificados A... e mulher B... , expor/requerer o seguinte (cf. fl.s 2 a 4):

“Objecto da Execução:

Título Executivo:

Ref. de autoliquidação:

Nº Processo:

Factos:

Coimbra - Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra

Prestação de facto [Vara Cível]

Auto de conciliação

702080005948592

603/07.2TBCBR

A presente execução destina-se a "Execução Para Prestação de Facto" nos termos do disposto legal do art.º 933.º do Código de Processo Civil.

Ora, do título executivo - da Acta de Audiência Preliminar (Documento n.º 1/fls. 1 a 3 - documento que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos), homologada por sentença do dia 4 de Março de 2009 -, e conforme consta dela, no que aproveita aos presentes autos e requerimento, o que os Réus e aqui Executados obrigaram-se a realizar ás suas inteiras e exclusivas custas, temos que:

"Cláusula 1.ª: Os réus assumem os custos da reparação referido nas als. a) a f) do ponto 2.º do Relatório Pericial de folhas 256 a 262 (Documento n.º 2/fls. 1 a 7 que se junta - que se dá aqui por reproduzido para todos os devidos legais efeitos), incluindo a pintura dos muros;"

"Cláusula 2.ª: Quanto à al. g), do ponto 2, do mesmo relatório, os réus comprometem-se a retirar as terras nos termos aí preconizados pelos Srs. peritos;"

"Cláusula 4.ª: Quanto à al. i), do ponto 2, do relatório pericial, os réus comprometem-se a suportar o custo da realização da obra aludida na 2.ª parte do 1.º parágrafo, tratando-se esta da execução de nova parede interior em alvenaria cerâmica, dotada de meia cana a executar entre a parede existente, a manter, e esta nova, caso tal se venha a mostrar necessário;"

"Cláusula 6.ª: As partes aceitam a estimativa de custos de folhas 262, sem prejuízo dos orçamento a obter;"

"Cláusula 7.ª: Os autores comprometem-se a permitir a entrada dos réus e pessoal necessário à realização das obras a efectuar, sendo estes avisados com 30 dias de antecedência;"

"Cláusula 8.ª: As partes diligenciarão no sentido de obterem junto de terceiros, pelo menos, três orçamentos para a realização das obras atrás referidas, escolhendo-se de entre eles o orçamento mais económico, mediante escolha final dos réus;"

"Cláusula 9.ª: Os réus comprometem-se a obter a realização das obras no corrente ano, durante o mês de Maio, se as condições climatéricas o permitirem;"

"..."

Ora, segundo o Relatório dos Senhores Peritos foram identificas as seguintes anomalias, ou vícios ou defeitos na moradia em causa, devendo ser levados a efeito para a sua respectiva eliminação os seguintes trabalhos:

Da Cláusula 1.ª:

Da alínea A): Muros exteriores: foram identificadas as fissuras e a pintura degradada.

As fissuras resultantes da inexistência de juntas de dilatação e deficiente estrutura de travamento, a degradação da pintura resultado, principalmente da existência de canteiros/floreiras com terras encostadas aos muros sem qualquer isolamento, mas também com menos expressão um pouco generalizadas.

Devendo os trabalhos para a resolução dos problemas serem os seguintes:

A correcta repintura dos muros exteriores, com prévia preparação das superfícies, aplicando produtos de boa qualidade, incluindo eliminação das fissura com produtos e técnicas adequadas, e a execução de isolamento na base do muro onde se verifique encosto de terras.

Da alínea B): algumas lajetas no pavimento de acesso à cave a descolar, em resultado da sua aplicação deficiente.

Sendo os respectivos trabalhos os seguintes: reaplicação das lajetas de pavimento no acesso à cave, com materiais adequados.

Da alínea C): Descolagem da escada térrea de acesso entre a garagem e o anexo, resultado do assentamento excessivo da base.

Sendo os respectivos trabalhos os seguintes: respectiva reparação.

Da alínea D): Falta de cantaria em remate da zona da caixa de estore dum vão do alçado lateral direito e descolagem doutra num vão de janela do alçado posterior;

Sendo os respectivos trabalhos os seguintes: Aplicação da peça em falta na cantaria à caixa de estore e reaplicação da descolada.

Da alínea E): Infiltrações na zona da cantaria de um vão de iluminação da escada interior devido ao deficiente remate de cantaria;

Sendo os respectivos trabalhos os seguintes: A eliminação dos vestígios resultantes do assentamento excessivo da base.

Sendo os respectivos trabalhos os seguintes: respectiva reparação.

Da alínea D): Falta de cantaria em remate da zona da caixa de estore dum vão do alçado lateral direito e descolagem doutra num vão de janela do alçado posterior;

Sendo os respectivos trabalhos os seguintes: Aplicação da peça em falta na cantaria à caixa de estore e reaplicação da descolada.

Da alínea E): Infiltrações na zona da cantaria de um vão de iluminação da escada interior devido ao deficiente remate de cantaria;

Sendo os respectivos trabalhos os seguintes: A eliminação dos vestígios resultantes da infiltração e remate das cantarias na janela do alçado sul, com materiais e técnicas adequadas.

Impermeabilização das paredes exteriores do anexo em contacto com o terreno.

Da alínea F): Existência de pintura degradada em alguma zonas de cimalha da cobertura.

Sendo os respectivos trabalhos os seguintes: Reparação da cimalha.

Da Cláusula 2.ª:

Da alínea G): Verifica-se que o anexo tem um encosto de terra na face posterior das paredes, a cota superior ao pavimento interior, sem que se verifique qualquer isolamento exterior.

Sendo os respectivos trabalhos os seguintes: a retirada das terras aí em causa.

Da Cláusula 4.ª:

Da alínea I): Existência de humidade na parede norte da cave e no seu pavimento. Por outro lado, o pavimento do logradouro, adjacente aquela parede, encontra-se revestido a mosaico, ao nível do rés-do-chão, com inclinação voltada para a mesma.

Sendo os respectivos trabalhos os seguintes: Feitura de uma inclinação que permita o afastamento das águas pluviais das paredes da parede norte da cave e no seu pavimento, para o que deve ser executada, o mais próxima possível daquela parede, uma meia cana dotada de grelha para recolha e condução destas águas para fora da influência da moradia.

Após salvaguardar a correcta recolha e encaminhamento das águas pluviais, no pavimento exterior ao nível do rés do chão e de forma a eliminar as deficiências da parede da cave, será executada uma nova parede interior em alvenaria de tijolo cerâmico, dotada de me cana a executar entre a parede existente, a manter, e esta nova.

E reaplicação das lajetas de pavimento no acesso à cave.

E reparação da parede interior da cave, junto ás escadas de acesso aos pisos superiores.

Da Cláusula 6.ª:

Aceitação da estimativa de custos: ver folha 262 do documento n.º 2 agora junto - o Relatório

Pericial.

"..."

Durante todo o mês de Maio de 2009, apesar de ter estado sempre bom tempo, ou seja boas condições climatéricas, os Réus e aqui Executados nunca deram quaisquer notícias aos Autores e aqui Exequentes para quando se prontificavam a cumprir com a sua obrigação de reparação do dito imóvel.

O Réu e aqui Executado C... a 9 de Junho de 2009 endereça uma comunicação aos AA. e aqui Exequentes, para, segundo o que escreveu "consintam a entrada na vossa propriedade para orçamento e respectivas reparações a que me foram empossadas pelo Tribunal de Coimbra mais digo que os trabalhos serão na parte posterior da moradia por isso e se entenderem não faz falta a bossa presença mas sim a vossa autorização...".

Na verdade, a seguir, nem este Réu nem qualquer pessoa a seu mando ou sob suas instruções, de dignaram a ir à moradia objecto dos presentes autos e assim não cumpriram devidamente os trabalhos e obras a que se obrigou conjuntamente com a Ré e Executada D... (Documento n.º 3/fls. 1 e 2 - documento que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos).

A 30 de Junho de 2009 os AA. e aqui Exequentes, respondem aos Réus e aqui Executados dispondo-se a receberem os Réus e Executados e as pessoas que os acompanhassem para entrarem no local da moradia dos dias 6 a 10 e 13 a 15 de Junho de 2009, no horários das 9.00 horas ás

12.30 horas e das 14.00 horas ás 17.00 horas (Documento n.º 4/fls. 1 a 3 - documento que aqui

se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos), e dentro da propriedade procederem, primeiro, à realização dos orçamentos de obras, e depois a preparação e execução dos respectivos trabalhos.

Os Réus e Executados nunca aparecerem nem se dignaram a dar qualquer justificação para a sua ausência.

Os Autores e aqui Exequentes a 5 de Novembro de 2009 recebem uma comunicação, de pessoa que não identificam, que lhes comunica que pretende ir à moradia objecto dos presentes autos para aí levar a efeito alegadamente obras, mas que não se encontrava assinada nem tão-pouco datada

(Documento n.º 5/fls. 1 e 2 - documento que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos).

Como aquela última comunicação não aparentasse, com certeza elevada ser da autoria dos Réus e aqui Executados, os AA. e aqui Exequentes, por meio do seu mandatário forense, endereçaram a 11 de Novembro de 2009 uma comunicação tendo em vista saber se aquela comunicação anterior era pertença dos RR. e aqui Executados (Documento n.º 6/fls. 1 a 4 - documento que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos).

Ora, os AA. em face da demora não justificada dos Réus e Executados em cumprirem com a sua obrigação de reparação e eliminação dos defeitos e vícios da moradia logo trataram em inícios de Julho de 2009 de conseguir os orçamentos, junto de três diferentes empreiteiros/construtores para o fim da realização as ditas obras de reparação (conforme a cláusula 8.ª da Acta de Audiência Preliminar).

O que lhes foi primeiro fornecido por meio da Orçamento lhes entregue a 25 de Julho de 2009, da autoria do construtor civil E... (Documento n.º 7/fls. 1 e 2 - documento que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos), no montante de € 14.975,00, acrescido de IVA legal à taxa de 20%.

E a 12 de Novembro de 2009 é fornecido aos AA. e aqui Exequentes um novo Orçamento, da autoria do construtor civil K..., Lda. (Documento n.º 8/fls. 1 a 3 – documento que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos), no montante de € 14.020,00, acrescido de IVA legal à taxa de 20%.

O Réu e Executado C... endereça nova comunicação aos AA. e Exequentes a 19 de Novembro de 2009 comunicando aos AA. e aqui Exequentes que pretende "... que me autorizem a entrada na vossa propriedade para orçamentos e reparações a que me foram empossadas pelo € 14.975,00, acrescido de IVA legal à taxa de 20%.

E a 12 de Novembro de 2009 é fornecido aos AA. e aqui Exequentes um novo Orçamento, da autoria do construtor civil K... , Lda. (Documento n.º 8/fls. 1 a 3 – documento que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos), no montante de € 14.020,00, acrescido de IVA legal à taxa de 20%.

O Réu e Executado C... endereça nova comunicação aos AA. e Exequentes a 19 de Novembro de 2009 comunicando aos AA. e aqui Exequentes que pretende "... que me autorizem a entrada na vossa propriedade para orçamentos e reparações a que me foram empossadas pelo tribunal de Coimbra..." (Documento n.º 9 - documento que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos), sem justificar a sua continuada ausência para cumprir a sua obrigação de trazer ao local as pessoas necessárias para levarem a efeito os orçamentos para a reparação da moradia.

Na verdade, a seguir, nem este Réu nem qualquer pessoa a seu mando ou sob suas instruções, de dignaram a ir à moradia objecto dos presentes autos e assim não cumpriram devidamente os trabalhos e obras a que se obrigou conjuntamente com a Ré e Executada D...

A 30 de Novembro de 2009 os AA. e aqui Exequentes obtêm um terceiro orçamento da firma F... , Lda. (Documento n.º 10/fls. 1 a 14 - documento que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos), no montante de € 13.942,74, acrescido de IVA legal à taxa de 20%.

A 4 de Dezembro de 2009 os AA. e aqui Exequentes endereçam uma comunicação aos Réus e Executados respondendo à última comunicação do Réu e Executado C... , enviando-lhes os acima identificados e mencionados 3 orçamentos obtidos para a reparação em causa e pedido que os Executados se pronunciem sobre os orçamentos e se disponham efectiva e finalmente a cumprirem com a sua obrigação (Documento n.º 11/fls. 1 a 3 - documento que aqui se dá por reproduzido para todos os devidos legais efeitos).

Até ao dia de hoje os Réus e aqui Executados não mais reponderam aos AA. e aqui Exequentes.

Os Réus e Executados até hoje, em conjunto ou individualmente, não se dispuseram de modo verdadeiro, efectivo e com respeito para o que se obrigaram a cumprir integralmente, sem reservas, em tempo e com respeito de procedimento a obrigação de reparação da moradia em causa: primeiro levando os construtores ou técnicos que façam os orçamentos em causa e para esse fim e depois, para os fins e efeitos da sua concretização, organizarem, planearem e executarem, por acção do construtor que a final fosse escolhido para esse efeito, como se escrevia, a realizar finalmente a dita obra.

Ora, face à actuação dos Réus e aqui Executados do não reiterado e não cumprimento em definitivo da obrigação judicial que estão obrigados, mas que não cumprem, antes actuando e agindo com evasivas, negligência e não respeitando as suas obrigações, não resta outra alternativa aos AA. e aqui Exequentes, que se vêm prejudicados no uso e gozo da sua casa de morada de família, que não seja apresentar neste Tribunal, e apensando ao processo principal, a Execução Para Prestação de Facto.

Os exequentes optam, para os fins e efeitos da realização da obra em causa, nos termos da cláusula 8.ª da Audiência Preliminar, pelo acima mencionada pelo orçamento mais económico, que se encontra orçado no valor total final, incluído o IVA legal à taxa de 20%, de € 16.731,28 (Dezasseis mil, setecentos e trinta e um euros, vinte e oito cêntimos), da autoria da firma F... Lda (Doc. n.º 10).

Considerando que no título executivo não foi fixado o prazo para a prestação de facto, os Exequentes reputam por suficiente, o que os Orçamentos agora juntos confirmam, por suficiente para a realização dos trabalhos em causa, o prazo de 30 dias.

Os Exequentes requerem ainda a aplicação de sanção pecuniária compulsória, de quantia não inferior a 1 UC por dia de incumprimento, a fixar na presente execução, nos termos do disposto dos artigos 939.º, n.º 1 e 933, n.º 1, 2.ª parte, ambos do Código de Processo Civil.”.

            Conforme decisão de fl.s 62 a 64, em 12 de Novembro de 20/11/2012, fixou-se em 30 dias, o prazo para os executados prestarem o facto que lhes foi determinado pela sentença judicial de homologação de transacção que serve de título executivo à presente execução e julgou-se improcedente o pedido de fixação de uma sanção pecuniária compulsória, a cargo dos executados.

            Após o que, cf. requerimento de fl.s 67 e seg.s, entrado em juízo no dia 21 de Dezembro de 2012, os executados vieram alegar que, em 11 desse mês, remeteram carta registada aos exequentes, a solicitar a autorização para a entrada na residência destes, a fim de realizar as obras a que se obrigaram, no dia 14 do mesmo mês, mas ali chegados, neste dia, o exequente não lhes permitiu tal acesso, alegando que os trabalhadores chegaram atrasados, não tendo havido consenso para a entrada dos trabalhadores dos executados.

            Respondendo, os exequentes, cf. requerimento de fl.s 81 e seg.s, entrado em juízo, no dia 07 de Janeiro de 2013, vieram alegar que os executados os deveriam avisar com maior antecedência para a realização das obras, atentas as suas ocupações profissionais e que são os executados que não querem cumprir ao que se obrigaram, pelo que deve isso ser declarado e prosseguirem os autos com a nomeação de um perito pelo Tribunal, para avaliar o custo das obras.

Foi produzida testemunhal acerca do alegado por cada uma das partes, cf. respectiva acta de fl.s 108 a 113, seguida da fixação da matéria dada como provada e não provada (cf. fl.s 116 a 118) e em que, em resumo, se deu por demonstrado que os exequentes impediram o acesso dos executados à residência para a realização das obras em causa.

Após o que foi proferida a decisão de fl.s 122 a 126, datada de 24 de Abril de 2013, já transitada em julgado, na qual se decidiu o seguinte:

“Tudo visto, julga-se procedente o presente incidente da instância, e, em consequência, reconhece-se que os executados/requerentes não prestaram o facto a que estão obrigados, no prazo judicialmente fixado, por causa imputável, exclusivamente aos exequentes/requeridos, que injustificadamente, não aceitaram a prestação que lhe foi oferecida nos termos legais e não praticaram os actos necessários ao cumprimento da obrigação.

Concomitantemente, concede-se novo prazo de 30 dias para os executados, aqui requerentes, prestarem o facto a que estão judicialmente obrigados, ficando os exequentes advertidos no sentido de que, caso voltem a obstar, culposa e injustificadamente, a que os executados prestem o facto nos termos legais, a sua conduta será entendida, para efeitos processuais, como perda de interesse na prossecução da presente execução para prestação de facto, o que equivale a desistência da instância.”.

            Cf. requerimento de fl.s 186 a 188, entrado em juízo no dia 08 de Julho de 2013, os executados, vieram informar que, no seguimento da decisão ora transcrita, remeteram aos exequentes, no dia 2 desse mês, carta registada com a.r., indicando o dia 9 do mesmo mês, pelas 8 h e 30 m passa se iniciarem as obras ou noutra data se assim fosse conveniente, a que não foi dada resposta.

            Chegados ao local, foram impedidos de entrar pelos exequentes, com o fundamento em que a supra referida decisão de fl.s 122 a 128, ainda não havia transitado em julgado.

            Em função do que os executados enviaram nova carta, em 17 de Maio, indicando nova data para a realização das obras em 24 desse mês.

            Neste dia, também, os exequentes não lhes permitiram a entrada, alegando que “haveriam de receber uma resposta”.

            Em consequência do que pedem fosse declarado que a obrigação não foi cumprida por culpa dos exequentes e exonerando-se os executados de qualquer responsabilidade e absolvidos do pedido.

            Respondendo, os exequentes, cf. requerimento de fl.s 202 a 208, entrado em juízo no dia 29 de Agosto de 2013, mantendo que os executados é que não querem cumprir aquilo a que se obrigaram e que não é a eles, de acordo com a transacção efectuada, que incumbe a realização das obras mas sim ao empreiteiro que apresentasse o orçamento mais baixo, ou seja, que a execução das obras pertence a terceiros que não aos executados, insistindo em que se declare o incumprimento dos executados; se nomeie perito para avaliar as obras; sejam os executados condenados no pagamento de uma indemnização e se proceda à penhora em bens dos executados suficientes para custear as obras.        

            Conclusos os autos à M.ma Juiz, cf. despacho de fl.s 219 e 220, datado de 12 de Setembro de 2013, no qual, se julgaram improcedentes os requerimentos a que ora se fêz referência se se determinou que:

- os exequentes, em 5 dias, viessem ao autos indicar um período de 15 dias úteis, dos meses de Outubro a final de Dezembro, para serem realizadas as obras;

- que nos 5 dias subsequentes, os executados indicassem, os dias em concreto para a feitura das obras;

- que cabia ao Agente de Execução a verificação do cumprimento e eventual mora do credor.

Mais se determinou que se os exequentes não procedessem à referida indicação, se entendia em definitivo “verificada perda de interesse na prossecução da presente execução para prestação de facto, equivalendo a desistência da instância.”.

            Os exequentes vieram indicar datas (cf. fl.s 222 e 223), o mesmo fazendo os executados (cf. fl.s 226).

            Na sequência do que foi proferido o despacho de fl.s 229, datado de 10 de Outubro de 2013, com o seguinte teor:

            “Dê-se cumprimento à prestação de facto de acordo com o antecedentemente exposto, devendo ser disponibilizados pelos exequentes o acesso dos executados ao imóvel, nos dias especificamente indicados pelos executados, entre as 8.00 hm e as 18.00 hm.”.        

            Em 31 de Outubro de 2013, cf. requerimento de fl.s 231 e 232, os executados vieram informar que se deslocaram à residência dos exequentes, no dia anterior, para realizar as obras e que estes os impediram de entrar, com o fundamento em que deveriam fazer-se acompanhar do Agente de Execução, como determinado no despacho ora transcrito.

            Responderam os exequentes em 04 de Novembro, cf. requerimento de fl.s 235 a 239, negando o referido pelos executados e estes é que não querem cumprir, face ao que, mais uma vez, requerem que as obras sejam feitas por iniciativa e responsabilidade dos exequentes, reiterando, para tanto, a nomeação de perito que avalie o seu custo e se condenem os executados a pagarem-lhe uma indemnização.

            Face ao que, em 07 de Novembro de 2013, foi proferido o despacho de fl.s 241 e 242, em que se esclareceu que a intervenção do Agente de Execução se destina a “aferir da mora de alguma das partes no cumprimento da obrigação, sendo essencial a sua presença no decurso dos trabalhos” e se determinou que os exequentes viessem indicar um período de 15 dias úteis para a realização dos trabalhos, que deveriam ser iniciados em 5 dias, cabendo ao Agente de Execução proceder à verificação do cumprimento, relativamente a ambas as partes e desenrolar dos trabalhos.

            Concluindo-se, mais uma vez, que se os exequentes assim não procedessem, se entenderia “verificada perda de interesse na prossecução da presente execução, equivalendo a desistência da instância”.

            Em 18 de Novembro de 2013, os exequentes, cf. requerimento de fl.s 253 a 255, vieram reiterar que “não aceitam, de nenhum modo, que a prestação de facto venha a ser levada a efeito por parte e autoria direta dos executados, ou por meio dos seus empregados ou funcionários, o que a fazer-se seria em flagrante desrespeito da douta Sentença Judicial quer serve de título executivo aos presentes autos e logo incorrendo em manifesta ilegalidade”.

            Reiterando que cf. cláusula 8.ª da transacção, os trabalhos devem ser feitos por terceiros que não os executados, não se podendo decidir em contrário do fixado no título executivo (transacção).

            Ao que responderam os executados, em 25 de Novembro de 2013, cf. fl.s 258 a 260, em que refutam o alegado por aqueles, designadamente, a “leitura” que nele fazem da transacção em causa.

            Em 06 de Janeiro de 2014, cf. fl.s 268, os executados vieram reiterar a sua disponibilidade para a realização das obras, logo que determinado.

            A fl.s 270, em 27 de Janeiro de 2014, proferiu-se despacho a ordenar que os autos ficavam a aguardar o impulso dos exequentes, sem prejuízo da deserção da instância, nos termos do artigo 281.º CPC, o que se reiterou a fl.s 287 (depois de os exequentes apresentarem mais um requerimento – fl.s 271 e 272 – a dizerem que não aceitam que as obras sejam feitas pelos executados) e 297.

            Este despacho foi proferido na sequência de informação prestada pelo Agente de Execução, a fl.s 293, que, em 06 de Maio de 2014, quando se encontrava na residência dos exequentes, na companhia de um empreiteiro e de um funcionário dos executados, foi informado pelo Mandatário dos exequentes que “só permitem a entrada na propriedade para fazer orçamentos de obras a realizar, remetendo para os termos das sentenças proferidas”.

            A fl.s 299, vieram os exequentes, requerer, mais uma vez, que se decrete o incumprimento dos executados, o que estes refutam a fl.s 302.

            Após o que, conclusos os autos, à M.ma Juiz, por esta, em 10 de Julho de 2015, foi proferida a decisão de fl.s 304 e v.º (aqui recorrida), que se passa a transcrever:

Nos presentes autos encontra-se dada à execução a sentença homologatória de transacção por força da qual os executados (ali réus) se obrigaram a realizar as obras ali melhor descritas.

Na decisão do incidente de incumprimento da prestação de facto de fls. 122 e ss. (datada de 24.2.2013), devidamente transitada, foi explicitado, de forma claríssima que “do titulo que serve de base à execução não resulta que o facto exequendo deva ser prestado exclusivamente por terceira pessoa, com exclusão dos executados, ao invés, do mesmo extrai-se (..) que a execução/prestação de facto deve ser levada a cabo mediatamente por terceiro, mas sob a alçada e directa responsabilidade dos executados, que terão de custear as reparações a efectuar e, bem assim, diligenciar pelo acesso à moradia de um terceiro executante oferecedor do melhor orçamento, cabendo-lhe a eles, e não aos exequentes, a escolha desse melhor orçamento” – o que tudo resulta das cláusulas 7º a 9º da transacção.

Conforme resulta do auto de diligência de 6.5.2014 (fls. 292 e 293) os exequentes, através do seu I. Mandatário, declararam que “apenas permitiram a entrada na sua propriedade para fazer orçamentos de obras a realizar.”

A questão dos orçamentos encontra-se ultrapassada – foram juntos em 18.2.2013 – para além de que era aos executados que cabia reuni-los e escolher o mais barato (nos termos da cláusula 8º).

A obrigação dos exequentes é a de permitirem a entrada dos executados (e pessoal) na sua propriedade para a realização das obras – o que os executados tentaram e disso foram impedidos pelos exequentes.

Assim e conforme já anteriormente decidido, tendo os exequentes persistido na conduta de obstaculizar, injustificadamente, a realização das obras por parte dos executados e correspondente prestação do facto, considero terem os mesmos perdido interesse na prossecução da presente instância, o que equivale a desistência da instância.

Razão pela qual julgo extinta a presente execução para prestação de facto, nos termos do disposto no art. 283º e 285º, n.º 2, do nCPC.

Custas pelos exequentes, porque desistentes.”.                    

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso, os exequentes, A... e mulher B... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cf. despacho de fl.s 360), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1ª: A sentença em recurso incorre em violação do artigo 653º, n.º 2 do “Antigo” Código de Processo Civil, ou seja, em VIOLAÇÃO DE CASO JULGADO, porquanto, ao arrepio e atropelo do que foi anteriormente decidido, devendo os Executados cumprirem nos termos da sentença declarativa, o que nos autos de execução é grosseiramente desrespeitado!

2ª: São os Executados, com a ilegítima protecção do Tribunal, quem se furtam a cumprir com aquilo a que se comprometeram fazer e o que ficou judicialmente decidido.

3ª: Decidindo o Tribunal recorrido pela condenação dos Exequentes incorre em violação do disposto legal do artigo 659º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, sendo antes sim os verdadeiros faltosos os Executados no cumprimento do que anteriormente havia sido judicialmente decidido.

4ª: A sentença alvo de recurso incorre em grosseira violação de caso julgado, desrespeitando um título executivo judicial anterior, cometendo a violação do artigo 661º, n.º 1 do “Antigo” Código de Processo Civil.

5ª: “O tipo de ação executiva é sempre determinado em face do título executivo”, “o processo executivo visa um resultado de direito substantivo: a satisfação do direito do exequente”.

- A Acção Executiva”, in págs. 14, 15 e 16 de José Lebre de Freitas. -

6ª: O título executivo de sentença judicial dado à Execução, pelo qual os Executados se encontram obrigados a cumprir, tem de ser aferido nos termos e segundo as cláusula 1ª a 11ª da sentença homologatória de transacção, de referência do CITIUS com o n.º 1942480 da Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra - Vara Competência Mista-1ª Secção.

7ª: A obrigação decorrente do título executivo é bem clara: serão terceiros, os “empreiteiros a elaborar os 3 orçamentos”, para a “escolha do mais económico deles todos” e depois, por fim “serem levadas a efeito as respectivas obras” por (um d)estes empreiteiros, ou seja o cumprimento da obrigação dos Executados da obrigação de “facere” da presente Execução Para Prestação de Facto. – vid. Sentença dos Autos B Apensos, de Oposição à Execução, deverá ser cumprido por terceiros e nunca pelos próprios Executados.

8ª: Propondo-se os Executados a “… realizar obras…” (cit. da carta) na propriedade dos Exequentes e dando o Tribunal recorrido colhimento a tal pretensão, incorre o Tribunal recorrido numa clara violação do que se encontra anteriormente decidido.

9ª: Da própria sentença dos Autos de Oposição à Execução resultou também para os Executados que: “Donde se infere que os executados até hoje não se dispuseram a cumprir integralmente, sem reservas… e cabia-lhes, em primeiro lugar, levar os construtores ou técnicos que fizessem os orçamentos em causa, para esse fim .”

10ª: Ora, portanto, dúvidas não existem de que “a execução das obras é a efectuar pelos terceiros a quem competia elaborar três orçamentos” – alínea W dos factos provados da na douta Sentença dos Autos de Oposição à Execução.

11ª: Ultrapassado há muito que foi o prazo judicial fixado em 30 dias, ou seja ultrapassado o dia 4 de Janeiro de 2013, o incumprimento dos Executados tem de se entender que é definitivo.

12ª: E os Executados litigam de má-fé ao ousarem em não cumprir, devendo serem sancionados pela respetiva indemnização moratória a favor dos exequentes.

13ª: O incumprimento dos Executados tornado definitivo, segundo o disposto dos art.ºs 808º, n.ºs 1 e 2, 933.º, n.º 1, 935.º, n.ºs 1 e 2, e 936.º, todos do Código Civil, confere aos Exequentes o direito de se substituírem no cumprimento da obrigação dos Executados, e podendo, se o quiserem, o que pretendem efetivamente, serem eles a fazerem as ditas obras.

14ª: E aos Exequentes deve ser concedido, a imediata e urgente nomeação de Perito para a avaliação do custo da prestação, para depois, nos termos e segundo o disposto legal do artigo 936.º, do Código de Processo Civil, levarem por diante a execução, sob sua responsabilidade e direção a realização das obras.

15ª: E aos Exequentes também deve ser concedido o direito de serem pagos pelos Executados de quantia a ser apurada em sede de avaliação do custo dessas obras, e seguindo-se os demais termos do processo para pagamento de quantia certa.

16ª: Finalmente, os Executados deverão ser compensados de um pagamento de indemnização moratória, cujo montante deverá ser calculado em, pelo menos, € 50,00 (Cinquenta Euros) diários, e até ao limite máximo do igual valor da quantia para pagamento das obras a prestar.

17ª: E, o valor da indemnização a pagar pelos Executados aos Exequentes deverá sempre e também tomar em atenção os danos morais.

Nestes termos e nos melhores de Direito, que Vossas Exa. doutamente suprirá, deve o presente Apelação ser recebida e em consequência ser proferido douto Acórdão que, modificando a decisão do Tribunal recorrido, e decretando-se:

(1) o incumprimento definitivo e culposa dos executados e aqui recorridos na obrigação exequenda de prestação de facto,

(2) sendo nomeado um Perito para proceder à avaliação do custo pecuniário das obras a realizar,

3) seja fixada a favor dos Exequentes, portanto sendo os Executados condenados ao respetivo pagamento, de uma indemnização moratória e, finalmente,

(4) logo que seja concluída a avaliação em causa, que seja ordenado e levado a efeito, em apenso aos presentes autos, caso os Executados não paguem a quantia que venha ser arbitrada, deve ser promovida oficiosamente pelo Exmo. Senhor Agente de Execução, a execução para pagamento de quantia certa do capital conjunto do valor da avaliação e da indemnização moratória a favor dos Exequentes,

(5) seguindo os presentes autos os seus legais termos até final.

            Contra-alegando, os executados, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, estribando-se nos fundamentos nesta invocados.

           

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

A. Se a decisão recorrida viola o caso julgado ao permitir que as obras sejam levadas a cabo pelos executados e não por terceiros e;

B. Se se verifica o incumprimento definitivo por parte dos executados na realização das obras em causa e consequências daí decorrentes.

            Os factos a considerar para a decisão do presente recurso são os que constam do relatório que antecede.

A. Se a decisão recorrida viola o caso julgado ao permitir que as obras sejam levadas a cabo pelos executados e não por terceiros.

Como flui do relatório que antecede (mais extenso do que o normal, a fim de que melhor se possa perceber a já longa maratona processual que as partes, não pode deixar de notar-se, kafkianamente, vêm travando) o busílis da questão, traduz-se, apenas e tão só, em averiguar/determinar se, resulta da transacção que constitui o título executivo da presente execução, que as obras a levar a cabo não o poderão ser através dos executados, mas sim por terceiros.

Não oferece dúvidas que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva” – cf. artigo 10.º, n.º 5, do NCPC (anterior 45.º, n.º 1, do CPC).

Assim, importa analisar/interpretar as cláusulas 7.ª a 9.ª da transacção que titula a presente execução.

Relembremos o seu teor:

“CLÁUSULA 7ª

Os autores comprometem-se a permitir a entrada dos réus e pessoal necessário à realização das obras a efectuar, sendo estes avisados com 30 dias de antecedência;

CLÁUSULA 8ª

As partes diligenciarão no sentido de obterem junto de terceiros, pelo menos, três orçamentos para a realização das obras atrás referidas, escolhendo-se de entre eles o orçamento mais económico, mediante a escolha final dos réus.

CLÁUSULA 9ª

Os réus comprometem-se a obter a realização das obras no corrente ano, durante o mês de Maio, se a condições climatéricas o permitirem.”.

Em matéria de interpretação dos negócios jurídicos rege o disposto no artigo 236.º do Código Civil, de acordo com o qual (n.º 1):

“A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.”.

Acrescentando-se no seu n.º 2 que:

“Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”.

Como ensinam P. de Lima e A.Varela, in Código Civil, Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág.s 222 e 223, como regra, na interpretação das declarações de vontade “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.”.

Mais acrescentando que “O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.”.

E ainda que, “A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.”.

Ou, como refere Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, a pág. 312 “Na interpretação dos negócios jurídicos prevalece pois – a nosso juízo – aquele sentido objectivo que se obtenha do ponto de vista do declaratário concreto, mas supondo-o uma pessoa razoável (e não mais do que isso).”.

No mesmo sentido se pronunciou Vaz Serra, in RLJ, ano 110, a pág. 351 que ali refere o seguinte:

“O declaratário não pode interpretar, sem mais, a declaração pelo seu sentido literal, devendo ter em atenção todas as circunstâncias por ele conhecidas ou reconhecíveis por um declaratário normal colocado na sua posição que possam esclarecê-lo sobre o que o declarante pretendeu significar.

O declaratário, em face de uma declaração a ele dirigida, deve procurar determinar o que o declarante quis significar com ela; nessa indagação, não é obrigado a toda e qualquer diligência, mas à que teria um declaratário normal, colocado na posição concreta em que ele real declaratário se encontra, devendo ter, assim, em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis por esse declaratário normal.”.

Por outro lado, como refere Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, 1, Parte Geral, Tomo 1, 1999, pág.s 478 e 479:

“A doutrina actual encara a interpretação do negócio jurídico como algo de essencialmente objectivo; o seu ponto de incidência não é a vontade interior: ela recai antes sobre um comportamento significativo” … “tem de ser temperada com o princípio da tutela da confiança…” (…) “entendemos que a interpretação do negócio deve ser assumida como uma operação concreta, integrada em diversas coordenadas.

Embora virada para as declarações concretas, ela deve ter em conta o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi celebrado e vai ser executado, as regras supletivas que ele veio afastar e o regime que dele decorra.”.

Para além de que se deve considerar o disposto no artigo 237.º do Código Civil, de acordo com o qual, nos casos duvidosos sobre o sentido da declaração, deve prevalecer nos negócios onerosos (como in casu), o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Ora, como já referido a fl.s 126 v.º e transcrito na decisão ora em reapreciação, da transacção em causa, de forma alguma resulta que, como pretendem os exequentes, as obras terão de ser feitas por terceiros e não pelos executados.

Se é certo que na cláusula 8.ª se diz que se obteriam junto de terceiros, pelo menos três orçamentos para a realização das obras, escolhendo-se o mais económico, mediante a escolha final dos réus, menos certo não é que nas cláusulas 7.ª e 9.ª se estipula que os autores se comprometem a permitir a entrada dos réus e pessoal necessário à realização das obras a efectuar, sendo estes avisados com trinta dias de antecedência, sem esquecer que (9.ª) são os réus (aqui executados) que se comprometeram à realização das obras no ano que, então corria, durante o mês de Maio.

A redacção de tais cláusulas não prima pela clareza, mas, salvo o devido respeito, das mesmas, não se pode retirar a conclusão de que as partes previram/quiseram que as obras fossem feitas por terceiros.

A única referência aos “terceiros” que ali consta é para a obtenção dos orçamentos, competindo aos ora executados a escolha do orçamento a aplicar e são, ainda, os executados que assumem o compromisso de executar as obras, ali não se referindo, por qualquer meio, expressão ou menção que as mesmas seriam da responsabilidade ou a efectuar por terceiros e acrescentando-se que os autores, ora exequentes, se comprometem a permitir a entrada dos réus e pessoal necessário à realização das obras a efectuar, pelo que, reitera-se, não se vislumbra que daqui resulte a conclusão de que as obras deveriam ser feitas por terceiros.

De resto, como resulta do relatório, só numa ulterior fase dos autos é que os exequentes aludem a tal facto para justificarem, impedirem a entrada dos executados na sua propriedade.

Todavia, não é isto o que releva, mas sim o conteúdo da transacção em causa, e do qual, em nossa opinião e de acordo com as regras legais acima referidas, que regem a interpretação das declarações negociais, não se pode dela extrair a conclusão pretendida pelos exequentes.

Efectivamente, insiste-se, nas referidas cláusulas, não se especifica que as obras seriam a efectuar por terceiros; e quando assim é estamos colocados perante um problema de interpretação da vontade (uma vez que, no fundo, a declaração/título está imperfeitamente exteriorizada).

Mas – recorde-se – para a interpretação da vontade negocial (reflectida imperfeitamente no acordo) não foram reunidos/alinhados quaisquer factos.

A tal propósito, como acima referido – sobre a interpretação da declaração negocial – importa distinguir a indagação da vontade real (236.º/2 do C. Civil) e a interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos (236.º/1 do C. Civil); sendo prevalente a vontade real do declarante, desde que conhecida do declaratário (236.º/2 do C. Civil)[1], e valendo a declaração, se não há acordo dos intervenientes num conteúdo comum, com o sentido com que ela se apresenta objectivamente no tráfico jurídico[2] (“salvo se este/declarante não puder razoavelmente contar com o sentido do declaratário”).

Significa isto que para poder prevalecer a vontade real, quando a exteriorização tenha sido imperfeita (como é o caso), têm que ser reunidos/alinhados os factos que revelem tal vontade real; doutro modo, “prevalece” a impressão do destinatário/declaratário.

Daí o dizer-se que constitui matéria de facto, impondo a produção de prova, a determinação/indagação da real intenção/vontade dos contraentes, a que alude o art. 236.º/2 do C. Civil, o que, porém, só ocorre se tiverem sido alegados factos (respeitantes a tal vontade real) que possam servir de objecto à incidência de tal prova; doutro modo, se apenas se esgrimir a partir e com base no estrito conteúdo da declaração, estar-se-á tão só perante a interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos (de harmonia com a teoria da impressão do destinatário, acolhida no 236.º/1 do C. Civil).

Ou seja, só descendo ao concreto – e analisando o que as partes hajam dito com exactidão – é que, em cada caso, podemos dizer se estamos perante um caso de indagação da vontade real ou antes perante uma interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos.

Efectuando tal análise (descendo ao concreto), impõe-se considerar:

 - que as partes, designadamente os exequentes, nos colocaram, claramente, tão só perante uma interpretação da declaração negocial segundo critérios normativos; uma vez nunca saem do estrito conteúdo das cláusulas da transacção em apreço, argumentando a partir do seu estrito conteúdo para imputar aos executados o incumprimento da obrigação de efectuarem as obras em causa, porquanto em violação do acordado, pretendem ser eles próprios a fazê-las, quando se acordou que seria através de terceiros, apenas cabendo aos executados custeá-las;

- e que, por isso, estamos apenas e só perante o texto “nu e cru” das cláusulas em causa e em que, relembra-se, as partes tão só acordaram que, seriam solicitados junto de terceiros, pelo menos, três orçamentos, cabendo, de entre eles e tendo por referência o mais económico, a escolha final dos réus, e que são estes que se comprometem a realizar as obras em causa, naquele ano, o mesmo é dizer estamos circunscritos, na interpretação das declarações (negociais) vertidas em tal segmento, aos critérios normativos da teoria da impressão do destinatário, acolhida no 236.º/1 do C. Civil.

Em síntese – face à míngua factual que resulta da redacção que foi fada às referidas cláusulas – não conseguimos, do ponto de vista dum declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, dizer/concluir que os contraentes tiveram em vista que as obras seriam levadas a cabo por terceiros e que ao pretender fazê-las eles próprios, os executados, estão a violar o acordado.

Se as partes contratantes tivessem em vista, quisessem, que as obras fossem feitas apenas à custa dos executados, mas a realizar por outrem, clara e facilmente poderiam verter tal intenção para a redacção a dar à transacção em que corporizaram o acordo a que chegaram, fazendo isso dela constar, em termos inequívocos.

Mas não o fizeram e, repete-se, a única referência que ali se faz aos “terceiros” é para a obtenção de orçamentos, cabendo aos réus, ora executados, indicar qual deles seria o escolhido e, ao mesmo tempo, se comprometeram a realizar as obras nas condições e no prazo indicado.

Só se compreende este compromisso para o caso de serem eles próprios a fazê-las, não podendo, eficazmente, vincular-se, através ou por intermédio de estranhos, ao cumprimento do contrato/transacção.

Ademais, admitindo-se a dúvida, admitindo-se que estamos perante uma convenção obscura ou ambígua, há que efectuar a interpretação que favoreça a maior liberdade dos executados na forma como as obras deveriam ser levadas a cabo (as convenções devem ser interpretadas mais a favor do devedor do que do credor da obrigação e que conduza a um maior equilíbrio das prestações, já que se trata de um negócio oneroso, como resulta do disposto no artigo 237.º do CC); efectivamente, assumindo os executados o compromisso de realizarem as obras em causa e no prazo referido, é mais compreensível fazer uma interpretação que considere que são eles que têm o poder de direcção sobre as mesmas, que são eles que têm de tomar todas as providências que lhes permita levá-las a cabo e, efectivamente, fazê-las, como acordado entre ambas as partes.

No fundo e em última análise, voltamos sempre ao mesmo: o “título” não especifica, de forma clara, que as obras seriam ou teriam que ser feitas por terceiros; e nada temos, em termos factuais, que permita colmatar tal “falha”, que permita chegar a uma vontade negocial (reflectida imperfeitamente no acordo/título) que dê apoio à generalidade das observações jurídicas constantes das conclusões dos exequentes/apelantes, no sentido de imputarem o incumprimento aos executados, por quererem, eles próprios, fazer as obras.

É quanto basta para concluir, no que a esta questão concerne, pela total improcedência do recurso.

De resto, os exequentes não invocam nenhuma razão (para além da interpretação que fazem das cláusulas da transacção) para que os executados não levem a cabo as obras em causa, nem invocam que, se assim fosse, daí lhes adviria qualquer prejuízo.

Assim sendo e residindo na alegada, que não verificada, violação de caso julgado, por desrespeito do título executivo, a única questão que, nesta sede, nos incumbe conhecer, não se vislumbram razões para alterar/revogar a decisão recorrida.

Pelo que, quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

B. Se se verifica o incumprimento definitivo por parte dos executados na realização das obras em causa e consequências daí decorrentes.

Os exequentes imputam o incumprimento dos executados ao facto de estes não terem efectuado as obras no prazo fixado.

Toda a construção dos recorrentes assenta no pressuposto de que as obras teriam de ser levadas a cabo por terceiros e não pelos executados.

Como se concluiu aquando da apreciação da anterior questão, assim não se entendeu e os executados foram, por diversas vezes (como descrito no relatório), impedidos de as realizarem, pelos próprios exequentes, sem razão válida para tal.

Assim, impõe-se concluir que os executados/devedores, demonstraram que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, em função do que, por isso, não podem ser sancionados/responsabilizados, cf. artigo 799.º do Código Civil.

Pelo que, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

            Coimbra, 07 de Junho de 2016.

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves

[1] Se há acordo entre os contraentes, ainda que a exteriorização tenha sido imperfeita, é aquele que vale (sem prejuízo do disposto no art. 238.º do C. Civil); é a este princípio que se dá tradicionalmente a designação falsa demonstrativo non nocet, segundo o qual o sentido objectivo da declaração pode não ter nenhuma relevância.

[2] Não há negócio jurídico sem, na sua origem, haver uma declaração intencional de conteúdo negocial; simplesmente, o que interessa ao direito é a vontade declarada e quem emite uma declaração negocial com destinatário tem o ónus de exprimir o seu pensamento em termos adequados.