Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | PROVA TESTEMUNHAL ALTERAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 07/14/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.467 Nº2, 508-A Nº2, 512 Nº1, 512-A Nº1 CPC | ||
Sumário: | 1. Não é possível oferecer prova testemunhal, nos termos do art.º 512º-A, n.º 1, do CPC, quando nenhuma testemunha haja sido indicada anteriormente para prova dos fundamentos da acção. 2. Entendimento contrário equivaleria, afinal, a estabelecer como prazo normal para a indicação de testemunhas o do referido normativo, situação legitimamente não pretendida pelo legislador. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Na acção emergente de acidente de viação sob a forma ordinária que J (…)e mulher, A (…), movem contra Companhia de Seguros (…), S.A., a correr termos pelo 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, a demandada interpôs recurso de apelação, a subir em separado, do despacho proferido a 23.02.2010 que admitiu “o aditamento ao rol de testemunhas dos autores – art. 512º-A, n.º 1 do CPC” e ordenou a notificação da parte contrária “para, querendo, usar de igual faculdade”, tendo concluindo: 1ª - O douto despacho recorrido violou o disposto no n.° 1 do art.° 512°-A do C. P. Civil, na medida em que admitiu uma prova inadmissível. 2ª - Os AA. não apresentaram nos autos qualquer rol de testemunhas, nem com a petição inicial, nem em data anterior à prolação do douto despacho saneador, nem nos 15 dias subsequentes a terem sido notificados do dito despacho saneador. 3ª - Tendo ficado precludido o seu direito de apresentarem rol de testemunhas não podem, consequentemente, vir aditar testemunhas a um rol que não apresentaram. 4ª - O douto despacho recorrido deve, pois, ser revogado e substituído por outro que não admita as testemunhas apresentadas pelos AA. no seu requerimento de 18.02.2010. Não houve contra-alegação. Cumpre assim decidir se é possível oferecer prova testemunhal, nos termos do art.º 512º-A do CPC[1], ainda que nenhuma testemunha haja sido indicada anteriormente para prova dos fundamentos da acção. * II. 1. Para a decisão importa considerar a seguinte factualidade: a) Com a petição inicial da acção em apreço os AA. juntaram diversos documentos e pediram a requisição de um documento, não tendo oferecido outros meios de prova. b) Proferido o despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, foram as partes notificadas, por carta de 07.7.2009, nos termos e para os efeitos do art.º 512º, n.º 1, do CPC. c) Apenas a demandada decidiu apresentar a sua prova - arrolou três testemunhas e requereu a gravação da audiência e a notificação dos AA. para juntarem aos autos determinados documentos -, requerimento sobre o qual recaiu o despacho de 07.9.2009. d) Designada data para a audiência de discussão e julgamento, vieram então os AA., por requerimento de 18.02.2010 e invocando o disposto no art.º 512º-A, n.º 1, do CPC, “aditar à sua prova” (sic) uma cópia de um termo de transacção e respectiva sentença homologatória do foro laboral e duas testemunhas. e) Por despacho de 23.02.2010, o Mm.º Juiz a quo admitiu a junção aos autos dos referidos documentos e “o aditamento ao rol de testemunhas dos autores” (sic). 2. Dispõe o n.° 1 do art.° 512°-A do CPC (na redacção conferida pelo DL n.º 180/96, de 25.9) que “o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de 5 dias”. No referido normativo estabelece-se a possibilidade de o rol de testemunhas, apresentado nos articulados, na audiência preliminar ou na sequência da notificação a que alude o art.º 512º, ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize efectivamente a audiência de julgamento,[2] sendo que o sistema anteriormente vigente, assentando numa tendencial imutabilidade dos requerimentos probatórios, mesmo nos casos em que decorriam largos meses ou anos entre a indicação das testemunhas e a realização da audiência, configurava-se como excessivamente restritivo, «amarrando», sem justificação plausível, a parte a provas indicadas com enorme antecedência.[3] No sistema actualmente vigente, instituído pela reforma da lei processual civil de 1995-96, a indicação de testemunhas no processo ordinário de declaração deve ser feita na audiência preliminar [art.º 508º-A, n.º 2, alínea a)], ou no prazo de 15 dias após a notificação prevista no n.º 1 do art.º 512º, quando o processo deva prosseguir e se não tenha efectuado a audiência preliminar, sendo que nada impede a apresentação do rol de testemunhas nos próprios articulados (art.º 467º, n.º 2), mas é naquela audiência ou naquele prazo que essa apresentação deve ter lugar. Após a apresentação do rol de testemunhas na audiência preliminar ou no prazo previsto no art.º 512º, n.º 1, é permitido alterá-lo ou aditá-lo até 20 dias antes da audiência de discussão e julgamento, nos termos do art.º 512º-A; no entanto, findo aquele prazo de 20 dias previsto no art.º 512º-A, n.º 1, é ainda possível às partes substituir testemunhas, nos termos e casos previstos no art.º 629º (e art.º 631º). Decorre do mencionado quadro normativo, por um lado, que o art.º 512º-A permite que, até uma data muito próxima da audiência final, as partes substituam testemunhas constantes do rol que apresentaram no momento próprio, ou aditem testemunhas a esse mesmo rol, mas já não lhes permite apresentar o rol pela primeira vez; por outro lado, o art.º 512º-A não exige qualquer justificação para a substituição ou para o aditamento que prevê, contrariamente ao art.º 629º, que apenas permite a substituição de testemunha em certos casos pontuais (por exemplo, impossibilidade definitiva da testemunha para depor ou falta injustificada da testemunha à audiência e desconhecimento do seu paradeiro). As regras constantes dos art.ºs 508º-A, n.º 2, alínea a), e 512º, n.º 1, não têm carácter indicativo: estabelecem verdadeiros ónus para as partes, nos termos expostos - a maleabilização que a reforma de 1995-96 introduziu quanto ao oferecimento da prova testemunhal não significou qualquer alteração substancial no que diz respeito ao prazo normal para o oferecimento da prova testemunhal, apenas se tendo deixado de condicionar a alteração do rol aos termos apertados do art.º 629º. E se o legislador concedesse à parte que não indicou tempestivamente as testemunhas a possibilidade de, através do mecanismo do art.º 512º-A, o fazer pela primeira vez, desvirtuaria totalmente o sentido das normas que, visando a disciplina da actividade probatória e o regular andamento da causa, estabelecem momentos próprios para a sua apresentação (o da audiência preliminar, ou o previsto no n.º 1 do art.º 512º). Ficariam, pois, sem utilidade prática as normas que impõem a sua apresentação em momentos processuais prévios, de resto, perfeitamente razoáveis – e, como tal, perfeitamente coadunáveis com o direito de acção, já que o acesso aos tribunais não se traduz na justiça sem regras –, dado não ser concebível que as partes, após a dedução de factos nos articulados, não estejam em condições de indicar as provas em que, afinal, esses factos se sustentavam. Assim sendo, justifica-se plenamente que à parte que não indicou as testemunhas nos momentos processuais próprios seja vedado lançar mão do mecanismo do art.º 512º-A para as indicar pela primeira vez, pois que entender diversamente equivaleria, afinal, a estabelecer como prazo normal para a indicação de testemunhas o do art.º 512º-A, situação legitimamente não pretendida pelo legislador[4]. Finalmente, a circunstância de o art.º 512º-A não exigir qualquer justificação para a substituição de testemunhas, ou para o aditamento do rol, e, portanto, poder permitir "fraudes processuais, pois bastaria que uma das partes introduzisse em juízo, mesmo nos articulados, um rol com nomes de pessoas inexistentes, como testemunhas, para que posteriormente lhe fosse permitido aditar testemunhas reais a esse rol de testemunhas virtuais, com vista à prova em audiência", consubstancia um argumento totalmente improcedente para a resolução da questão em análise. Efectivamente, a permissão contida no art.º 512º-A tem em vista, como aliás decorre da leitura do preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12.12, maleabilizar o oferecimento da prova testemunhal, não podendo extrair-se de uma eventual utilização distorcida ou patológica de tal mecanismo uma permissão para apresentar, no prazo ali previsto, o rol de testemunhas pela primeira vez, e, portanto, um qualquer termo de comparação com a situação sub judice.[5] 3. A jurisprudência das Relações tem vindo a considerar que não é possível “aditar” o rol de testemunhas se não tiver sido, anterior e tempestivamente, apresentado outro - sob pena de se permitir suprir a falta de cumprimento oportuno do prescrito no n.º 1 do art.º 512º -, entendimento considerado conforme à Constituição da República.[6] É neste mesmo sentido o expendido na alegação de recurso. E esta Relação, atento o actual quadro normativo e os contributos da doutrina[7] e da jurisprudência, não vê a menor razão para divergir de tal entendimento – introduzir alterações ou aditamentos a um rol de testemunhas pressupõe necessária e naturalmente que esse rol já fora apresentado; no contexto em que se insere a mencionada norma, alterar significa precisamente substituir (ou excluir) testemunha ou testemunhas já indicadas, tal como aditar tem o significado de acrescentar o rol que já anteriormente tenha sido apresentado.[8] 4. É hoje indiscutível a supremacia relativa do direito substantivo sobre os puros ritos do direito adjectivo[9], afirmando-se a prevalência da substância sobre a forma. Contudo, ainda não é tempo, e porventura nunca o será, de ignorar o ensinamento de Rudolf Von Jhering, segundo o qual “a forma é inimiga jurada do arbítrio e irmã gémea da liberdade”. * III. Pelo exposto, julga-se procedente o recurso de apelação e, em consequência, revoga-se o despacho proferido a 23.02.2010 na parte em que admitiu “o aditamento ao rol de testemunhas dos autores”, que deverá ser substituído por outro que não admita a prova testemunhal apresentada pelos AA. no seu requerimento de 18.02.2010. Custas pelos AA.. |