Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
467/13.7TBSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
RENDAS
OBRAS
IMPOSSIBILIDADE
PRIVAÇÃO DO LOCADO
EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO
DANOS
Data do Acordão: 06/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JC CÍVEL E CRIMINAL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.428, 762, 790, 1031, 1038, 1074, 1111 CC
Sumário: 1. - Sendo o contrato de arrendamento urbano oneroso e sinalagmático e podendo a exceção de não cumprimento do contrato operar no âmbito do cumprimento defeituoso de obrigação locatícia, cabe ao excecionante o ónus de alegação – em sede de contestação – e de prova da respetiva factualidade, sob pena de improcedência dessa defesa.

2. - Há contradição entre a posição da parte que defende não ter o contrato iniciado a sua vigência e, simultaneamente, ter ocorrido cumprimento defeituoso pela contraparte, posto que este pressupõe execução contratual, ao menos parcial, o que é incompatível com a não produção de efeitos do negócio.

3. - Se as partes convencionaram expressamente o início de vigência contratual em certa data, clausulando ainda que o senhorio devia proceder a determinadas obras até ao início do arrendamento, tal não permite concluir pela existência de condição suspensiva (realização das obras) de que dependesse o início de vigência do contrato.

4. - Ocorrendo impossibilidade de gozo do locado, para o fim contratado, por omissão de obras a cargo do senhorio, ficaria o locatário em posição de total sacrifício do seu interesse contratual, pelo que não lhe seria exigível, enquanto a situação se mantivesse, o pagamento das rendas.

5. - Porém, se não ocorrer tal impossibilidade – limitações do locado que, podendo causar prejuízos, não são impeditivas da realização do fim contratual, permitindo, no caso de arrendamento para atividade comercial, o seu exercício, com um efetivo gozo, lucrativo e continuado –, falta aquele total sacrifício do interesse contratual da parte, que não fica dispensada do pagamento da totalidade das rendas.

6. - Sendo admissível a suspensão parcial e proporcional do pagamento da renda em caso de privação parcial do gozo do locado imputável ao senhorio, tal tem de ser alegado na 1.ª instância, para prova da necessária factualidade de suporte, sem o que seria inviável determinar o quantum da suspensão da prestação de renda.

7. - Não demonstrado o dano patrimonial do locatário, afastada fica a indemnização respetiva, de nada servindo o apelo à equidade, que não prescinde da prova dos prejuízos.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – RELATÓRIO

J (…) e esposa, M (…), com os sinais dos autos,

intentaram ([1]) a presente ação declarativa comum contra

U (…), Ld.ª”, também com os sinais dos autos,

pedindo que seja a R. “condenada a ver resolvido o contrato de arrendamento e a consequente condenação, desocupação e entrega das duas fracções arrendadas aos Autores” e, bem assim, “a pagar as rendas vencidas desde Maio de 2013 a Setembro de 2013 no montante de 4.250,00 €, bem como as vincendas, custas e encargos”.

Alegaram para tanto, em síntese, que, sendo os AA. o senhorio e a R. a arrendatária de duas frações de um imóvel que identificam, destinadas ao exercício de atividade comercial da R., esta deixou de pagar as rendas respetivas, encontrando-se em dívida as relativas aos meses de maio a setembro de 2013, no valor de € 4.250,00, o que constitui incumprimento, dando causa à resolução do contrato pelo senhorio.

A R. contestou, defendendo-se por impugnação e exceção, e deduziu reconvenção, peticionando a condenação dos AA. a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização por danos morais, bem como quantia a liquidar em execução de sentença, por danos patrimoniais, em montante não inferior a € 100.000,00, acrescidos de juros.

Alegou nada dever, por o locado não ter aptidão para o fim contratual, apresentando defeito grave (mormente, entrada de águas pluviais no interior do arrendado), não executando os AA. as obras necessárias, assim incorrendo em responsabilidade contratual e consequente dever de indemnizar, por danos emergentes e lucros cessantes (alude ao declínio do nome da R., aos danos morais da gerência e à perda de notoriedade, reclamando o aludido montante de € 15.000,00, bem como às perdas nas vendas).

Os AA., pronunciando-se, concluíram pela improcedência da reconvenção e procedência da ação.

Na audiência prévia, admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador, seguido de enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova.

Realizada audiência final, foi proferida sentença (datada de 05/07/2016), com decisão da matéria de facto e de direito, julgando:

a) A ação parcialmente procedente, com a consequente condenação da R. “a pagar as rendas vencidas desde Maio de 2013 a Setembro de 2013 no montante de 4.250,00 €, bem como as vincendas, no mais julgando caducada, nos termos do art.º 1084.º, n.º 3 do Código Civil, por depósito liberatório, a pretensão de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas”;

b) A reconvenção improcedente, com a consequente absolvição total dos AA./Reconvindos.

Da sentença veio a R./Reconvinte, inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([2])

(…)

Contra-alegaram os AA./Reconvindos, pugnando pela manutenção, por bem fundada, da sentença recorrida.


***

O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo ([3]).

Ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.


***

II – ÂMBITO DO RECURSO

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte apelante – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([4]) –, importa saber:

a) Se ocorre causa de nulidade da sentença (contradição);

b) Se é admissível a impugnação da decisão de facto, ante os moldes em que empreendida, e, caso o seja, se ocorre erro de julgamento de facto da 1.ª instância;

c) Se há incumprimento pelo senhorio (ou cumprimento defeituoso) quanto à realização de obras a seu cargo;

d) Se tal legitimava a invocação da exceção de não cumprimento por retenção da renda, mesmo permanecendo a locatária na posse do locado;

e) Se, invocada a exceptio, como fundamento de retenção total de rendas, cabe ao Tribunal proceder a convolação para retenção parcial das rendas, a entender que só a esta a parte tem direito;

f) Se assiste à R. direito indemnizatório.


***

III – FUNDAMENTAÇÃO

A) Nulidade da sentença

Da contradição entre fundamentos e decisão

Invoca a R./Apelante, no seu pedido recursivo, que a sentença recorrida incorreu em “contradição” e consequente violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., pelo que deve ser julgada nula, tratando-se, assim, do vício de oposição entre os fundamentos e a decisão.

Cabia, por isso, a tal Apelante, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontra consubstanciado na sentença apelada aquele vício gerador de nulidade da mesma, o que devia ser feito nas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe à parte recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

Em seguida se verá se o fez.

Defende a Recorrente, como já visto (conclusões 1.ª a 3.ª), que haverá contradição entre fundamentos e decisão se, apreciando os factos, eles deviam levar a outra aplicação legal, como no caso de, ao elaborar a sentença, se deixar de fundamentar os elementos relativos a requisitos em matéria de arrendamento. Reforça que existe contradição ao confundir-se entrega da chave e considerar-se para efeitos de gozo que “obras de reparação de humidades e infiltrações”, se podem enquadrar, como “obras estruturais para solucionar o problema das humidades” (cfr. motivação da matéria de facto)”, concluindo-se depois que não são graves nem reiterados os defeitos ou vícios.

Pensa-se – perante este exercício pouco claro de argumentação da Apelante – que aludirá a contradição entre a parte fáctica da sentença e a respetiva fundamentação de direito, o que poderia traduzir erro de julgamento de direito (ou entre os factos e a respetiva fundamentação da convicção, o que teria a ver ainda com o julgamento da matéria de facto), fazendo-o – isso é inequívoco – sob invocação da norma da al.ª c) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv., que se refere à oposição entre fundamentos e decisão (ou existência de ambiguidade ou obscuridade geradoras de ininteligibilidade).

Com efeito, dispõe este preceito legal, desde logo, que é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Trata-se, por isso, de contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto ou direção diferente ([5]), inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.ºs 667.º e 668.º do anterior CPCiv. ([6]) – hoje art.ºs 614.º e seg. do NCPCiv. –, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.

Cabia, pois, a tal Apelante sinalizar/sintetizar, nas suas conclusões, onde se encontra tal oposição/contradição, por forma a evidenciar o vício invocado.

Ora, a Recorrente limita-se a invocar a dita contradição, aliás, de forma não clara, sem demonstrar onde concretamente se situa e em que se traduz (não esclarece onde, na concreta sentença proferida, pode encontrar-se qualquer oposição/contradição lógica, entre fundamentação, que apontasse num sentido, e decisão/dispositivo, que seguisse caminho diverso).

E o mesmo se diga quanto a qualquer ambiguidade ou obscuridade de que padecesse a decisão, que não vem sinalizada nas conclusões.

E ainda que se considerasse haver contradição entre as provas produzidas e os factos dados como provados (ou não provados), designadamente no tocante à fundamentação da convicção probatória, tal traduziria erro de julgamento de facto, a ser objeto de impugnação recursória da decisão da matéria de facto, e não qualquer causa de nulidade da sentença.

Estar-se-ia, então, como é patente, em face de discordância perante o sentido da decisão, no concernente ao julgamento da matéria de facto, e não qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade da sentença.

No mais, deve dizer-se que a sentença se apresenta fundamentada, sendo consabidas as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos – em termos de fundamentos de facto e de direito respetivos –, a que se reporta o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. (tal como o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007), e cuja violação, uma vez verificada, é causa de nulidade da sentença ([7]), cabendo naturalmente ao Recorrente clarificar onde pudesse ter faltado a decisão à fundamentação devida/exigível, em termos de omissão absoluta de fundamentos, o que in casu não ocorreu.

Com efeito, este Tribunal não logra descortinar onde se pretendesse ocorrer falta de fundamentação da sentença, ou outra causa de nulidade da mesma, sendo que não se trata de matéria de conhecimento oficioso do Tribunal ([8]).

Donde que seja de concluir pela não verificação do vício de nulidade da sentença, antes parecendo que a Apelante não aceita o sentido da decisão proferida, matéria que, por traduzir discordância quanto ao sentido decisório (de facto ou de direito), já se prende com o mérito da sentença e não com quaisquer causas de nulidade da mesma.

Improcedem, pois, as conclusões da apelação em contrário.

B) Impugnação da decisão da matéria de facto

Da admissibilidade da impugnação

Não se conforma a R./Apelante com a decisão de facto proferida, pugnando pela sua alteração e concluindo, simplesmente, que, para poder avaliar a gravidade de defeitos, um juiz teria sempre que considerar referências concretas como circunstâncias de modo, tempo e lugar, não podendo incluir apreciações como aquelas que se encontram nos factos indicados em 67 (conclusão 13.ª).

Por se limitar a Recorrente, nesta parte, a este arrazoado conclusivo, deve, desde logo, colocar-se a questão da (in)admissibilidade da empreendida impugnação da decisão de facto.

Com efeito, esperava-se que a Apelante esclarecesse devidamente, não só quais os factos que, na sua ótica, foram julgados erradamente, como ainda quais as concretas provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito probatório da impugnação de facto, devendo, ademais, indicar com exatidão, baseando-se em prova gravada, as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição ([9]), sem prescindir, em qualquer caso, da expressa indicação do sentido decisório pretendido (a decisão que, a seu ver, deve ser proferida sobre cada uma das questões de facto impugnadas, como tudo resulta do disposto no art.º 640.º do NCPCiv., que dispõe quanto aos obrigatórios ónus a cargo do recorrente impugnante da decisão de facto).

É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados, necessariamente no plano conclusivo –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos indicados pela parte recorrente.

Como bem explicita Abrantes Geraldes ([10]):

“(…) a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

(…) d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)”.

Para depois concluir que a rejeição do recurso quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, nas situações de falta “de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, tal como de falta “de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, constituindo, aliás, exigências que “devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida …” ([11]).

Ante este quadro referencial, parece notório – salvo o devido respeito por diverso entendimento – que a Apelante não observou os ónus, a seu cargo, estabelecidos pelo art.º 640.º do NCPCiv., nas al.ªs  a) e c) do respetivo n.º 1 – em conjugação com o art.º 639.º do mesmo Cód. –, pois que omitiu, nas conclusões oferecidas, a necessária indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, do mesmo modo, a concreta decisão a dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Na verdade, deve a parte recorrente apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1, do NCPCiv.), donde que, ao ónus de alegar, sempre acresça o ónus de concluir – sendo as conclusões que definem o objeto e delimitam o âmbito recursivo ([12]) –, com os fundamentos a terem de ser, primeiramente, expostos e desenvolvidos no corpo da alegação, para, depois, serem enunciados e resumidos, em jeito conclusivo, de molde a fundamentar a pretensão recursória (de alteração ou a anulação da decisão).

            Assim, como vem sendo entendido ([13]), o Tribunal ad quem tem de cingir-se às conclusões recursórias para determinar o objeto do recurso: só deve conhecer das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objetiva dada ao recurso no antecedente corpo alegatório, sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no corpo alegatório prévio.

No acervo conclusivo da aqui Apelante não são indicados factos que sejam objeto de impugnação recursória, apenas se referindo, vagamente, na conclusão 13.ª que, para poder avaliar a gravidade de defeitos, um juiz teria sempre que considerar referências concretas como circunstâncias de modo, tempo e lugar, não podendo incluir apreciações como aquelas que se encontram nos factos indicados em 67 ([14]).

Assim, nem é indicado, em sede conclusiva, o objeto fáctico da impugnação (respostas fácticas com que não se concorda), nem o objeto probatório (quais as provas a atender por referencia a concretos factos julgados provados ou não provados), nem sequer, minimamente, quais as respostas pretendidas (o sentido da decisão fáctica por que se bate a parte).

Donde que a impugnação de facto não possa, salvo o devido respeito, ser admitida, por incumprimento, mormente na obrigatória sede conclusiva, dos ónus a cargo da Recorrente, não se vendo, por outro lado, que aquele ponto 67 contenha matéria vaga, conclusiva ou de direito.

Vício este determinante da “imediata rejeição do recurso na respetiva parte”, como dispõe aquele preceito imperativo do n.º 2, al.ª a), do art.º 640.º do NCPCiv. ([15]).

Especificamente sobre os ónus legais aqui inobservados e consequências da respetiva omissão, veja-se ainda o Ac. STJ de 19/02/2015 ([16]), em cujo sumário pode ler-se:

«1. Para efeitos do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objeto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada.

2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.

(…)

4. É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.

5. Nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações (…)».

Em suma, tendo de ser rejeitada a impugnação da decisão de facto, permanece inalterado o quadro fáctico fixado pela 1.ª instância.

C) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada (que se mantém):

«1. Os Autores são donos e legítimos proprietários de 11 fracções do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, composto por Cave (destinada a arrumos), r/c com três lojas para comércio e 1.º, 2.º e 3.º andares, destinados a habitação, inscrito na matriz urbana sob o artigo 4459 de (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2428, que compraram por escritura notarial de 16 de Abril de 2013 a S (…). (artigo 1º da petição inicial)

2. Os Autores são os titulares inscritos das frações B e C nas respetivas descrições prediais. (artigo 2º da petição inicial)

3. Através de contrato que denominaram “de arrendamento de Prazo Certo Para Comércio”, celebrado por escrito, o anterior proprietário das fracções B e C e do r/c, S (…), deu de arrendamento as frações referidas B e C e que a representante da Ré – M (…) – aceitou. (cfr. doc. de fls. 11 vs. a 13, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) (artigo 3º da petição inicial)

4. O arrendamento das duas frações, com os respectivos arrumos na cave, destina-se ao exercício da actividade comercial da Ré. (artigo 4º da petição inicial)

5. As partes acordaram no ponto 4. daquele documento que o “contrato tem o seu início no dia 01 de Junho de 2012 e é feito pelo prazo de dez anos, automaticamente renovado por mais cinco”. (artigo 5º da petição inicial)

6. A renda anual acordada foi de 10.200,00€, sendo pagável mensalmente no montante de 850,00€. (artigo 6º da petição inicial)

7. Essa renda devia ser paga até dia 08 de mês a que disser respeito na morada do arrendado. (artigo 7º da petição inicial)

8. Através da adenda de 15 de Maio de 2013, foi consignado que, por virtude da venda das duas frações aos ora Autores, os mesmos passaram a ser reconhecidos Senhorios pela Ré, em vez do S (…) e mulher. (cfr. doc. de fls. 12 vs., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) (artigo 8º da petição inicial)

9. Adenda essa assinada pela Ré, que passou a saber e reconhecer como donos e senhorios os Autores. (artigo 9º da petição inicial).

10. A Ré não pagou as rendas das duas frações arrendadas aos Autores desde que este adquiriu o imóvel, apesar de o Autor se ter apresentado para as receber. (artigo 10º da petição inicial)

11. À data de entrada da petição, e não obstante ter sido avisada, estava em falta o pagamento das rendas relativas aos duodécimos de Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2013. (artigos 11º e 13º da petição inicial)

12. Estas mesmas rendas, até Abril de 2013, também se encontram por pagar, relativamente a vários meses, ao anterior proprietário. (artigo 14º da petição inicial)

13. S (…)executou, ainda, algumas obras, instalou equipamento e fez uma intervenção pelo exterior ao nível da cércea do edifício, para satisfazer a arrendatária. (artigo 15º da petição inicial)

14. Os Autores queriam fazer um outro contrato que minutaram e entregaram à Ré. (artigo 12º da contestação/reconvenção)

15. A Ré condicionalmente depositou o montante de rendas acrescido de 50%, nos termos de fls. 27 e 28 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (artigo 13º da contestação/reconvenção)

16. Foi contratualizado que “O senhorio autoriza a que, até Dezembro de 2012, a segunda retenha o valor mensal de trezentos e cinquenta euros, que até final do ano perfaz o valor de dois mil quatrocentos e cinquenta euros, como comparticipação sua nas obras que cabem à segunda executar nos termos da cláusula décima” (cláusula 7ª). (artigo 22º da contestação/reconvenção)

17. E que “A segunda assume o local tal como ele se encontra, sendo que, em conformidade à cláusula sétima, a segunda deverá proceder, sem qualquer outro encargo para o senhorio, a não ser o desconto mencionado nessa cláusula, a obras como pequenas reparações, pintura e outras que considere convenientes. (cláusula 10ª, nº1). (artigo 23º da contestação/reconvenção)

18. E que: “Por sua vez, até que se inicie o arrendamento, o senhorio deverá proceder a:

a) Colocação de caleiras na parte frontal da loja e desvio do escoamento das águas das mesmas da entrada traseira da loja.

b) Colocação de uma placa de estacionamento privativo às lojas no espaço à frente das mesmas.

c) Reparação do estacionamento em paralelos na frente das lojas.

d) Finalização de todos os trabalhos na parte eléctrica e canalização

e) Colocação de uma borracha na porta da entrada.

f) Colocação de sistema de detecção de incêndios quando e se o mesmo for solicitado pelas entidades competentes. (artigo 24º da contestação/reconvenção)

19. Obrigando-se ele, senhorio, a obter consentimento de condóminos a autorizar: “Se para a execução e manutenção das obras anteriores, bem como a afixação de painéis publicitários na frente do imóvel, for necessário obter consentimento / autorização dos proprietários ou do condomínio, se este estiver ou vier a ser constituído, o senhorio obriga-se a conseguir aquele(s) ”. cláusula 12ª . (artigo 25º da contestação/reconvenção)

20. Obrigando-se a Ré a perder o valor das obras findo o contrato: “Todas as obras que forem feitas pela segunda serão da inteira responsabilidade e custo dela, segunda outorgante, mesmo para além do valor autorizado reter pelo senhorio, e ficarão a fazer parte do local arrendado, não podendo o arrendatário ou sublocatário pedir sobre elas quaisquer indemnizações ou valores ou alegar direito de retenção.” (cláusula 13ª). (artigo 26º da contestação/reconvenção)

21. A Ré ficou com a chave. (artigo 28º da contestação/reconvenção)

22. O Autor foi interpelado nos termos constantes de fls. 28vs a 30 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), carta datada de 08/05/2013. (artigo 30º da contestação/reconvenção)

23. E recebeu a carta a 13 desse mês. (artigo 31º da contestação/reconvenção)

24. Respondeu com uma carta de adenda a contrato, e invocava que a e ele não assinaram qualquer contrato, que na verdade fora assinado pelo senhorio que outorgou contrato inicial. (artigos 32º e 33º da contestação/reconvenção)

25. Recusou a Ré o novo contrato dos senhorios. (artigo 36º da contestação/reconvenção)

26. Estes remeteram à Ré carta, a que ela respondeu nos termos do documento n.º 6, que se junta, em 17 de Maio último:

“Em resposta à V/ carta, anexamos a adenda contratual devidamente assinada por nós.

Pedem ainda V. Exas. os originais do contrato para serem cumpridas obrigações fiscais. Ora, nos termos legais, a obrigação de imposto de selo é da responsabilidade do senhorio, pelo que será de admitir que o anterior senhorio possua o respetivo original.

Reiteramos, quanto ao demais, todo o restante conteúdo do da nossa anterior carta, e que se aproxima o termo do prazo sem ter sido cumprida qualquer das solicitações/obrigações por nós invocadas, estando-nos a ser causados prejuízos de forma grave e contínua.”. (artigo 37º da contestação/reconvenção)

27. Apresentando o imóvel algumas das vicissitudes constantes do relatório junto de fls. 50 a 61. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida), nomeadamente as relacionadas com deficiente encaminhamento das águas pluviais, humidades, falta de isolante e falta de proteção de paredes. (artigo 47º da contestação/reconvenção)

28. A obra tinha humidades tais que nem a tinta pegava em todas as superfícies, apenas em algumas. (artigo 48º da contestação/reconvenção)

29. A Ré é uma sociedade por quotas nos termos da certidão permanente com o código de acesso 8665-6334-1456, que se encontra registada pela AP. 16/20010727. (artigos 54º e 55º da contestação/reconvenção)

30. Existindo e comercializando há 12 anos, como sociedade, mas a gerente já era comerciante no ramo desde 1994. (artigo 56º da contestação/reconvenção)

31. Tem como objecto comercial o comércio de utilidades doméstica e outros artigos de decoração para o lar. (artigo 57º da contestação/reconvenção)

32. Ocupa presentemente um espaço arrendado numa artéria da cidade de (...) , com 190 m2. (artigo 58º da contestação/reconvenção)

33. E ao fazer o arrendamento, no específico local, negociou o espaço por entender ser o mais adequado à expansão do negócio, tendo em conta a área e localização. (artigo 59º da contestação/reconvenção)

34. Querendo fazer face quer às atuais condições de mercado, quer a dar sequência a anos acumulados de gestão e venda de produtos de qualidade. (artigo 60º da contestação/reconvenção)

35. Por isso, com um comércio na Rua da L (...) , com a dita área de 190 m2, a Ré, em função do mercado e das condições deste, queria potenciar comércio, escolhendo a loja arrendada, que se encontra junto da entrada comercial de (...) , e num conjunto de imóveis e comércio adjacente. (artigos 62º e 63º da contestação/reconvenção)

36. Área que se distribui por um rés do chão e cave, quer para comércio quer para área adjacente de depósito de mercadorias e artigos do comércio da Ré. (artigo 64º da contestação/reconvenção)

37. Sendo que a Ré vende e negoceia artigos específicos de marcas quer como representação com marcas de prestígio como é o caso de A (...) , V (...) , T (...) quer como outros artigos não especificados e genéricos. (artigo 65º da contestação/reconvenção)

38. No que a marcas se refere, a Ré contratualizou com as suas supra citadas marcas condições específicas de comercialização. (artigo 66º da contestação/reconvenção)

39. Que a Ré se obrigou a deter, por forma a ter a representação na área ou até mesmo região. (artigo 67º da contestação/reconvenção)

40. As marcas e artigos que venderia na loja e que aliás já vende na dita artéria são:

a) T (...) – Utilidades domésticas.

b) V (...) e A (...) – (...) . (artigo 68º da contestação/reconvenção)

41. Com esta última marca com a qual começou a desenvolver o projeto para a nova loja em Junho de 2012, a Ré assumiu-se, por contrato com aquela, como loja Corner V (...) A (...) em (...) . (artigo 69º da contestação/reconvenção)

42. Neste caso teve a Ré que mandar produzir mobiliário específico para a exposição dos seus produtos. (artigo 70º da contestação/reconvenção)

43. Adjudicou a Ré o mobiliário em Fevereiro de 2013. (artigo 71º da contestação/reconvenção)

44. Foi considerado no investimento as insuficiências do local, tendo sido ponderadas as que se detetaram e acordaram resolver antes por obras indicadas em 18.. (artigo 88º da contestação/reconvenção)

45. Acreditando que o senhorio executaria as obras a que estava obrigado, por forma a instalar mobiliário e produtos, em exposição de acordo com o acordado com o fornecedor. (artigo 95º da contestação/reconvenção)

46. A Ré recebeu informação de fornecedor de mobiliário, em 08/04/2013, a dizer que tinha os móveis prontos. (artigo 96º da contestação/reconvenção)

47. E[m] 11 de Junho de 2013 recebeu novo email repetindo que os móveis destinados à exposição da V (...) estavam prontos e deviam ser removidos. (artigo 97º da contestação/reconvenção)

48. Informam que querem a liquidação da fatura no valor de 6597,47 € e que “Caso não pretenda a montagem dos móveis brevemente vamos proceder a uma taxa de aluguer”. (artigo 98º da contestação/reconvenção)

49. A Ré entre os anos 2010, 2011 e 2012 apresentou os seguintes resultados contabilísticos, respetivamente:

a) Volume de negócios: 142460,43 €, 105.644,57 €, 107625,58€;

b) Rendimentos: 144131,00€, 106627,11€, 109180,57 €. (artigo 107º da contestação/reconvenção)

50. Todos estes artigos que se vendem e pretendem vender no espaço em questão são louças, cristais, estanhos, faqueiros, têxteis lar, quadros, pequenos electrodomésticos, utilidades domésticas, artigos decorativos, etc… (artigo 111º da contestação/reconvenção)

51. Os anteriores venderam o espaço aos novos senhorios, que são praticamente donos da quase totalidade do imóvel existindo apenas um apartamento de terceiro. (artigo 125º da contestação/reconvenção)

52. Senhorios que tinham assim efetivas condições de obter autorização dos condóminos para poder exe[c]u[t]ar obras na fachada e nas partes comuns do prédio, para além das obras que ficaram de fazer dentro do espaço arrendado, nos termos do contrato. (artigos 126º e 127º da contestação/reconvenção)

53. “Colocação de caleiras na parte frontal da loja” foram terminadas em Agosto. (artigo 128º da contestação/reconvenção)

54. Mas não fizeram obras adicionais para o “desvio do escoamento das águas das mesmas da entrada traseira da loja”. (artigo 130º da contestação/reconvenção)

55. Como não conseguiram até hoje estancar as humidades e infiltrações pelas paredes que são exteriores do prédio e interiores ao arrendado, na quase totalidade na parte traseira e lateral da parte da cave. (artigo 131º da contestação/reconvenção)

56. Isto é, o senhorio anterior ainda e executou obra para desviar essas águas mas não resolveu o problema. (artigo 132º da contestação/reconvenção)

57. A Ré mandou fazer obras de eletricidade faturadas em 15 Setembro de 2013, gastando 123 €. (artigos 134º e 135º da contestação/reconvenção)

58. A Ré mandou fazer trabalhos de reparação interior e pintura de paredes e tetos, em que gastou 870€, depois de obtidos orçamentos. (artigo 136º da contestação/reconvenção)

59. A Ré contratou a terceiro a borracha da porta e sua colocação, em 29/10/2013, que importou em 33,83 €. (artigo 137º da contestação/reconvenção)

60. Os senhorios e inquilino conheciam ou suponham a possibilidade entrada de água desde a rampa. (artigo 139º da contestação/reconvenção)

61. Só depois do contrato, uns e outros, ficaram a saber das infiltrações que se geravam nas paredes. (artigo 149º da contestação/reconvenção)

62. O anterior senhorio e proprietário do edifício e a Ré acordaram o arrendamento em Março de 2012, datando e assinando o contrato em 30 de Março de 2012 para se iniciar, apenas, em 01 de Junho o pagamento das rendas. (artigo 5º da “primeira” réplica)

63. A redacção das cláusulas do contrato foi da autoria da Ré. (artigo 7º da “primeira” r plica)

64. Essas negociações, sobretudo aquelas que ainda houve e os compromissos, foram só de quem assinou o documento de 30 de Março de 2012. (artigo 15º da “primeira” r plica)

65. As frações dispõem de licença de utilização emitida pela Câmara Municipal (Alvará n.o 57/2205 . (artigo 18º da “primeira” r plica)

66. A Câmara Municipal, entidade competente, certificou a conformidade dos espaços B e C para o exercício do comércio e que os mesmos dispunham das condições legais exigidas. (artigo 19º da “primeira” r plica)

67. O primeiro proprietário e ex-senhorio, que o foi até ao início de Abril de 2013, assumiu que:

Colocava as caleiras (o que aconteceu);

Colocaria uma placa de estacionamento (a qual foi fornecida e entregue à Ré);

Reparava o estacionamento em paralelos (reparação executada e a rampa de acesso para deficientes feita);

Colocação de uma borracha na porta da entrada (que foi fornecida)

Finalização de todos os trabalhos da instalação eléctrica e canalização (que foram realizadas);

Colocação do sistema de detecção de incêndios (foi instalado). (artigo 26º da “primeira” réplica)

68. Ademais, os locados em causa foram, sempre, utilizados na atividade comercial. (artigo 27º da “primeira” réplica)

69. E também foram objecto de conservação quando foram arrendados à Ré, tendo ainda sido pintado todo o edifício exterior e colocadas as caleiras para recolha das águas do telhado e feitas outras obras. (artigo 28º da “primeira” réplica)

70. O anterior proprietário/senhorio mandou fazer trabalhos de isolamento, nomeadamente uma parede dupla na cave. (artigo 31º da “primeira” réplica)

71. Em condições normais as águas da chuva escorrem pela rampa exterior e são recolhidas por duas grelhas paralelas e conduzidas para uma caixa de onde são retiradas. (artigo 34º da “primeira” réplica)

72. Em condições normais estas chuvas e suas águas nada interferem com a utilização das lojas das frações comerciais B e C. (artigo 35º da “primeira” réplica)

73. A Ré tem instalado, e aberto ao público o seu estabelecimento comercial numa das principais artérias do centro da cidade e também exerce actividade comercial nas frações arrendadas, desde Novembro de 2013. (artigo 36º da “primeira” réplica)

74. A Ré é uma loja de referência do concelho, conhecida pela gama, variedade de produtos e qualidade há muitos anos. (artigos 13º e 14º da resposta ao segundo convite de aperfeiçoamento da reconvenção)».

E foi julgado não provado:

«a) O contrato foi celebrado em 30 de Março, por forma a permitir que nos meses de Abril e Maio AA. e Ré fizessem o que lhes competia (artigo 44º da contestação/reconvenção);

b) Mas os AA nada fizeram (artigo 45º da contestação/reconvenção);

c) O imóvel está exatamente nos termos constantes do relatório junto de fls. 50 a 61 (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), (artigo 46º da contestação/reconvenção);

d) Apresentando o imóvel todas as vicissitudes nele constantes, cuja correção é aliás profundamente difícil, obrigando-se a obras estruturais profundas (artigo 47º da contestação/reconvenção);

e) O referido em 28. levou a Ré a modificar encomenda inicial dessa tinta por esse fato (artigo 48º da contestação/reconvenção);

f) O referido em 33. fosse para atender a exigências que o fornecedor coloca para poder ser obtidas melhores condições de fornecimento e aumentar quer a margem de lucro, quer o comércio (artigo 61º da contestação/reconvenção);

g) O referido em 39. o fosse por forma a Ré ter o exclusivo na área ou até mesmo região (artigo 67º da contestação/reconvenção);

h) A partir de Janeiro de 2013 a V(...) não permitia vender os seus produtos sem ser nas condições referidas em 42. (artigo 70º da contestação/reconvenção);

i) O mobiliário referido em 43. não pode ser colocado na loja devido a todos os problemas que lá existiam na altura (artigo 71º da contestação/reconvenção);

j) Devido a esta situação só nesta marca a Ré tem, em relação ao ano de 2012, quebras nas vendas que se situam em cerca de 75% na A (...) e 80% na (...) (artigo 72º da contestação/reconvenção);

k) É da falta das condições referidas em 44., incluindo da conduta dos senhorios que sabendo disso as olvidaram não as criando, que resultou o prejuízo (artigo 89º da contestação/reconvenção);

l) A Ré tenha sido informada de que se os móveis referidos em 46. não forem montados pagar-se-á aluguer (artigo 98º da contestação/reconvenção);

m) A entrada de água junto à porta do r/ch e na cave, esta por trás, é abundante e praticamente impossível de travar em grande chuva (artigo 99º da contestação/reconvenção);

n) As condições da loja e a entrada da água condicionam totalmente a circulação de pessoas e a exposição de artigos e produtos (artigo 101º da contestação/reconvenção);

o) Os fornecedores nem sequer deram aval à instalação nas supra citadas condições, por porem em causa produtos e sua garantia de qualidade (artigo 102º da contestação/reconvenção);

p) Deixou de poder comercializar, por cálculo e projeção, artigos que equivaleriam ao grosso das encomendas e fornecimentos naqueles montantes percentuais (artigo 103º da contestação/reconvenção);

q) Perdendo a correspondente margem de lucro de muitas dezenas de milhares de euros (artigo 104º da contestação/reconvenção);

r) A não consolidação da loja causa prejuízo que não ainda possível de estimar até que se reponham condições (artigo 113º da contestação/reconvenção);

s) Causa profundo desgosto e abalo moral e psíquico nos gerentes, que andam perturbados e sem saber se arrendam outro espaço (artigo 114º da contestação/reconvenção);

t) Sem saberem se as marcas mantêm a confiança abalada (artigo 115º da contestação/reconvenção);

u) Marcas que reclamam porque não foi isso que contrataram, diminuindo também elas a sua notoriedade e resultados (artigo 116º da contestação/reconvenção);

v) As perdas nas vendas estimam-se em mais de 50000€ (artigo 118º da contestação/reconvenção);

w) A ampliação do valor do comércio e o valor em que a empresa se viu diminuída nunca é inferior a 50000€ (artigo 119º da contestação/reconvenção);

x) O próprio material publicitário teve que ser modificado e destruído na conceção e design. (artigo 120º da contestação/reconvenção);

y) O trabalho que se perdeu em conceção e publicidade tem valor de pelo menos 2000€, que não se pode afixar nem deve (artigo 121º da contestação/reconvenção);

z) A colocação de caleiras foi terminada apenas em Setembro, parte final (artigo 128º da contestação/reconvenção);

aa) E deixaram águas a pingar ainda sobre a entrada do espaço (artigo 129º da contestação/reconvenção);

ab) A rampa traseira e as infiltrações geram pantanal no interior da loja, isto é, a rampa de acesso ao local, com um portão de garagem, direcionado do r/Ch à cave, na parte de trás do imóvel, mistura-se com lama e muita água a entrar em dias de chuva, criando uma espécie de pantanal. (artigo 133º da contestação/reconvenção);

ac) As reparações elétricas referidas em 57. mais não eram do que acabamentos elétricos para poder instalar-se no espaço qualquer contratante que fosse (artigo 134º da contestação/reconvenção);

ad) Ao montante referido em 58. tenha acrescido IVA (artigo 136º da contestação/reconvenção);

ae) Que a Ré tenha contratado a borracha da porta nos termos referidos em 59., por omissão do senhorio (artigo 137º da contestação/reconvenção);

af) O sistema de deteção de incêndios não opera como deveria (artigo 138º da contestação/reconvenção);

ag) O anterior proprietário/senhorio mandou escavar à volta das paredes exteriores, até ao nível do pavimento da cave e garagem e isolou todas as paredes por fora e por dentro (artigo 31º da “primeira” r plica);

ah) As obras adicionais ao escoamento das águas pluviais da cave traseira foi efectuado (artigo 40º da “primeira” r plica);

ai) Este estabelecimento iniciou, recentemente, atividade e ele concorrencial de outro, também propriedade da Ré, existente no centro da cidade de (...) (artigo 11º da “segunda” réplica);

aj) A Ré é conhecida pelo preço dos seus produtos há muitos anos (artigo 13º da resposta ao segundo convite de aperfeiçoamento da reconvenção);

ak) No “passa palavra” a Ré deixou de ser vista e projetada como loja de referência, variedade e qualidade (artigo º da resposta ao segundo convite de aperfeiçoamento da reconvenção).».


***

D) Substância jurídica do recurso

1. - Se há inadimplemento (ou cumprimento defeituoso) pelo senhorio quanto a obras

Invoca a Apelante ocorrer violação de deveres do senhorio, geradora de incumprimento ou defeituoso cumprimento contratual, por falta de realização das obras necessárias (reparação quanto a humidades e infiltrações) à colocação do locado em estado que permitisse o adequado gozo respetivo para os fins convencionados – finalidade comercial, comprometida perante defeito, não corrigido, imputável a conduta culposa do locador.

Assim, conclui a Recorrente que ocorre (in)cumprimento defeituoso perante o que resulta da factualidade provada sob o ponto 18 (cfr. conclusão 37.ª).

Não, porém, sem que antes volte à questão do início de vigência do contrato, afirmando (conclusão 12.ª) que, não realizando o senhorio as obras, ou executando-as “tardiamente, mesmo após interpelação, não se pode considerar que por efeito da entrega da chave o contrato se inicie”.

Ora, quanto a este ponto prévio, dir-se-á, sumariamente, que, para além de – como salientado, aliás, na decisão recorrida – ocorrer contradição entre a posição que defende o não início de vigência contratual e, por outro lado, o cumprimento defeituoso do contrato (pelo senhorio), posto que este pressupõe, logicamente, a execução contratual, ao menos parcial, o que é incompatível com a não produção de efeitos do contrato, com a ausência de vigência do mesmo ([17]), também resulta claro que a questão foi adequadamente decidida pelo Tribunal a quo, sem que a Apelante apresente, salvo o devido respeito, argumentos que logrem pôr em causa os fundamentos da 1.ª instância.

Com efeito, a factualidade provada não permite sustentar a existência de uma qualquer condição suspensiva de que dependesse o início de vigência contratual, designadamente quanto a obras a cargo do senhorio, situação que justificasse o não pagamento de rendas.

Como, pois, referido na sentença recorrida:

«Assim, da factualidade provada em 21.; 50.; 62.; 63. e 73. (…) resulta claro que não só tal espaço tem vindo a ser utilizado para a atividade contratada para o efeito, como “O anterior senhorio e proprietário do edifício e a Ré acordaram o arrendamento em Março de 2012, datando e assinando o contrato em 0 de Março de 2012 para se iniciar, apenas, em 01 de Junho o pagamento das rendas”.

Resulta ainda assente que, nos termos da cláusula 4., “O presente contrato tem o seu início no dia 01 de Junho de 2012” (cfr. facto 3.)».

De facto, o ponto 5. da factualidade provada não deixa dúvidas sobre esta matéria, dele resultando que as parte acordaram (cláusula 4.ª do contrato de arrendamento) que o contrato tem o seu início no dia 01 de Junho de 2012” (cfr. também o documento de fls. 12 dos autos em suporte de papel), tanto mais que nada se prova em contrário.

Diversamente, o que se apura é que a acordada retenção de valor de rendas – até dezembro de 2012 – traduzia a comparticipação do senhorio “nas obras que cabem à segunda [a aqui R.] executar nos termos da cláusula décima” (facto 16. e cláusula 7.ª do contrato), assumindo a locatária (ora R.) “o local tal como ele se encontra, sendo que, em conformidade à cláusula sétima, a segunda deverá proceder, sem qualquer outro encargo para o senhorio, a não ser o desconto mencionado nessa cláusula, a obras como pequenas reparações, pintura e outras que considere convenientes” (cfr. facto 17. e referida cláusula 10.ª do contrato).

E, se na cláusula 11.ª vem prevista a realização de trabalhos a cargo do senhorio, a realizar “até que se inicie o arrendamento” (isto é, até à acordada data de 01/06/2012), nada foi convencionado no sentido de se tratar de condição suspensiva de vigência contratual (cfr. também o facto 18.), mas apenas que o prazo para realização das obras se prolongava até 01/06/2012, sem previsão de consequências contratuais para a inobservância de tal prazo, muito menos no sentido de os efeitos contratuais não se produzirem enquanto tais trabalhos não fossem realizados.

Ao que acresce que acabou provada, no essencial, a realização desses trabalhos (cfr. facto 67.), termos em que não pode acolher-se a argumentação da Apelante em contrário.

O exposto já mostra, por outro lado, que da factualidade provada, mormente a do invocado ponto 18., não poderá concluir-se, a nosso ver, pela verificação de um cumprimento defeituoso, por parte do senhorio, capaz de pôr em causa a subsistência do vínculo contratual, por inexigibilidade – ante desproporcionado sacrifício do interesse contratual de uma das partes, face às utilidades esperadas e normais no âmbito da relação locatícia – de tal subsistência face à locatária.

É que desse convocado ponto 18. consta o seguinte:

«Por sua vez, até que se inicie o arrendamento, o senhorio deverá proceder a:

a) Colocação de caleiras na parte frontal da loja e desvio do escoamento das águas das mesmas da entrada traseira da loja.

b) Colocação de uma placa de estacionamento privativo às lojas no espaço à frente das mesmas.

c) Reparação do estacionamento em paralelos na frente das lojas.

d) Finalização de todos os trabalhos na parte eléctrica e canalização

e) Colocação de uma borracha na porta da entrada.

f) Colocação de sistema de detecção de incêndios quando e se o mesmo for solicitado pelas entidades competentes».

E dos pontos 67. a 70. consta, por seu lado:

«67. O primeiro proprietário e ex-senhorio, que o foi até ao início de Abril de 2013, assumiu que:

Colocava as caleiras (o que aconteceu);

Colocaria uma placa de estacionamento (a qual foi fornecida e entregue à Ré);

Reparava o estacionamento em paralelos (reparação executada e a rampa de acesso para deficientes feita);

Colocação de uma borracha na porta da entrada (que foi fornecida)

Finalização de todos os trabalhos da instalação eléctrica e canalização (que foram realizadas);

Colocação do sistema de detecção de incêndios (foi instalado). (…)

68. Ademais, os locados em causa foram, sempre, utilizados na atividade comercial. (…)

69. E também foram objecto de conservação quando foram arrendados à Ré, tendo ainda sido pintado todo o edifício exterior e colocadas as caleiras para recolha das águas do telhado e feitas outras obras. (…)

70. O anterior proprietário/senhorio mandou fazer trabalhos de isolamento, nomeadamente uma parede dupla na cave. (…)».

Donde que, por falta de substrato fáctico de suporte, não pudesse concluir-se – como não concluiu a decisão recorrida – pela existência da imputada situação de grave inadimplemento lato sensu para o efeito pretendido, designadamente na modalidade de cumprimento defeituoso, mormente pela via da subsistência de “defeito grave e falta de qualidade essencial do locado”, ocupado pela R./locatária, que ali exerce o seu comércio, dele usufruindo/beneficiando, em termos de gozo do espaço arrendado, muito embora não se tenha logrado resolver o problema das humidades e infiltrações de água (cfr. pontos 54. a 56., 60. e 70. a 74.).

Assim, como referido na sentença, se é “certo que o imóvel não se mostra isento de problemas, veja-se a factualidade provada em 27.; 28. e 55.”, não se poderá, todavia, “passar desta situação para um defeito grave”, na perspetiva das condições “do locado para a finalidade contratualizada”, tanto mais que não são nulos ou insignificantes os resultados de exploração (a avaliar pelos resultados contabilísticos apurados sob o ponto 49. dos factos provados).

2. - Se pode operar a exceção de não cumprimento do contrato

Pretende a R./Apelante que está legitimada, pela exceptio, a sua retenção das rendas, mesmo permanecendo, como locatária, na posse do locado e ali exercendo o comércio para que foi celebrado o arrendamento, pelo que não é exigível, a seu ver, o respetivo pagamento, ao menos enquanto não forem feitas as obras em falta.

Situação que, diga-se desde já, a valerem tais argumentos da Apelante, permitiria, no limite, que esta se mantivesse no locado durante vários anos – eventualmente até ao fim do prazo contratual –, explorando ali o seu comércio (com os resultados contabilísticos apurados), sem pagar qualquer renda, o que levaria ao total sacrifício, como tem de constatar-se, do interesse contratual do senhorio, que se veria privado do locado durante uma década, ou mais (cfr. facto 5.), sem auferir qualquer contrapartida contratual (renda).

Para além desta desproporção de resultados, levando ao sacrifício injustificado do interesse contratual do senhorio – inaceitável logo pela sua dimensão, ocasionando um excessivo desequilíbrio de posições contratuais das partes –, haverá de concordar-se, como sinalizado na sentença recorrida, que falta no caso a correspetividade de prestações reciprocas em que tem de assentar a exceptio (cfr. art.º 428.º do CCiv., que alude à nota da bilateralidade do contrato, com o decorrente sinalagma entre as prestações das partes).

Assim, é certo que, no âmbito do contrato de arrendamento, há correspetividade entre as prestações principais das partes: de um lado, o proporcionar o gozo do locado para o fim contratual a que destinado (a cargo do senhorio), e, do outro, o pagamento da renda (pelo arrendatário).

De tal modo que a falta daquela prestação do senhorio (por ex., a privação do locado ou outra conduta que impeça o seu gozo) permite que o locatário invoque a exceptio para evitar pagar a renda, posto que seria excessivo estar a pagar rendas por um locado de que se não tem o gozo, assim ficando parificadas, pela negativa, as posições contratuais das partes (o sacrifício do interesse contratual do locatário legitima correspondente/proporcional sacrifício/frustração do interesse da contraparte, enquanto esta não se apresentar a cumprir).

Mas já não há correspetividade entre a prestação principal do inquilino (pagar as rendas) e a execução de obras pelo senhorio, se este realizou a sua prestação principal, proporcionando o gozo do locado (mesmo que com limitações referentes à omissão de tais obras), a não ser que a falta das obras determine a impossibilidade de gozo do locado para o fim a que contratualmente se destina.

Quer dizer, se ocorresse tal impossibilidade de gozo do locado para o fim contratado, ficaria o inquilino em posição de total sacrifício do seu interesse contratual (no caso, impossibilidade de exercício do comércio a que o locado se destina e que motivou a assunção do vínculo contratual), pelo que não lhe seria exigível, enquanto a situação se mantivesse, o pagamento das rendas. Assim o exigiria o imperativo de justiça contratual e proporcionalidade impostos pelo princípio da boa-fé, a prevalecer ao longo de toda a vida do contrato, mormente no plano da execução contratual (cfr. art.º 762.º, n.º 2, do CCiv.), onde as partes são chamadas a uma postura de honestidade, correção, lealdade e até, em certa medida, cooperação, no escopo da realização possível do interesse contratual de ambas.

Porém, quando não ocorra essa impossibilidade de gozo – se as limitações do locado, decorrentes da omissão de realização de obras a cargo do senhorio, podendo embora causar prejuízos, não impedem a efetiva realização do fim contratual, permitindo, no caso de arrendamento para exercício de atividade comercial, que essa atividade seja exercida, com o arrendado a ser efetivamente usado/gozado, de forma lucrativa e continuada, para o efeito –, então não pode dizer-se que ficou o locatário em posição de total sacrifício/frustração do seu interesse contratual, razão pela qual não poderia ter-se o mesmo, sem quebra da imprescindível justiça contratual, como dispensado do pagamento, in totum, das rendas convencionadas.

Na verdade, e como já referido, o gozo do locado pelo aqui inquilino (que dele não abriu mão), com exercício lucrativo e continuado da sua atividade comercial no arrendado, podendo prolongar-se, previsivelmente, por uma década (ou mais), sem pagamento das rendas, seria intolerável para o senhorio, que, privado prolongadamente do espaço locado, nada receberia em contrapartida, o que ofenderia clamorosamente, pelo total sacrifício do seu interesse contratual, as exigências da boa-fé objetiva.

Ora, é esta a situação dos autos, o que sempre impediria, para além de um desproporcionado exercício de posição jurídica – que a boa-fé objetiva não permitiria –, a dedução com êxito da exceptio, por falta, desde logo, de uma verdadeira/integral correspetividade de prestações das partes, havendo de ter-se por demonstrada, ao invés, a inexistência de privação do gozo do locado se o arrendatário ali exerce, lucrativa e continuadamente, o seu comércio, deixando prejudicada também a argumentação da Apelante no sentido da operatividade da exceptio ao menos “até que o tribunal decida” (o que, com o possível esgotamento das virtualidades do nosso sistema recursório, também poderia perdurar por muitos anos) ([18]).

Assim, sendo pacífico que a exceção do não cumprimento do contrato pode ser oposta mesmo no caso de incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso – é a denominada exceptio non rite adimpleti contractus –, bem como que, “quando alguns dos defeitos da prestação efectuada são verdadeiramente irreversíveis, o contraente faltoso só readquire o direito à contraprestação quando prévia ou simultaneamente se oferece para reparar os danos causados à contraparte, repondo a situação dela” ([19]), no caso dos autos, sem necessidade de outras considerações, só pode concluir-se pela improcedência da argumentação da Apelante nesta parte.

3. - Se pode convolar-se a invocada exceção para retenção parcial das rendas

Importa ainda decidir – no mesmo plano da exceptio – se, invocada a exceção como fundamento de retenção total de rendas, devia o Tribunal, por sua iniciativa, proceder a “convolação” para retenção parcial das rendas.

Sendo de admitir, em geral, a suspensão parcial e proporcional do pagamento da renda, no âmbito da relação locatícia, em caso de privação parcial do gozo do locado por via de omissão de realização de obras necessárias a cargo do senhorio, o certo é que no caso não foi invocada – no momento próprio, consabido que toda a defesa deve ser deduzida na contestação (cfr. art.º 573.º do NCPCiv. e, anteriormente, o art.º 489.º do CPCiv. revogado) –, em matéria de defesa por exceção, a faculdade de recusa parcial de pagamento das rendas.

O que só é invocado, tardiamente é certo, por ter ocorrido improcedência da exceptio quanto ao não pagamento das rendas in totum, isto é, em derradeira tentativa da R./Apelante de contrariar a sentença proferida, a qual só lateralmente se pronunciou sobre a questão, por a mesma não lhe ter sido colocada nos moldes agora formulados ([20]).

Assim, se não estamos perante verdadeira questão nova para efeitos recursórios, visto ter sido invocada a exceptio quanto à não entrega da totalidade das rendas e ter havido pronúncia a latere, é certo que, com os contornos agora formulados, a questão não foi colocada ao Tribunal a quo, que, por isso, sobre ela se não pronunciou em termos substanciais.

Tal já deixa compreender que os autos não tenham sido direcionados para a solução desta questão, que nunca foi colocada perante a 1.ª instância, deixando a nu o facto de não haver elementos para determinar qual o montante em que seria admissível a suspensão parcial do pagamento das rendas.

Montante parcial esse, em que operaria a exceptio, que nem a R./Recorrente ousa adiantar.

Mas mesmo que assim não fosse, nem por isso deixaria tal R./Apelante de se ter constituído em mora debitoris quanto à parte restante das rendas, posto que nada pagou e veio pugnar pelo não pagamento in integrum.

Isto é, nem seria possível agora determinar/quantificar a parte em que tal R. estaria dispensada de prestar – por não ter sido suscitada oportunamente a questão, os autos não terem, por isso, sido preparados para tal e não haver elementos fiáveis para tanto –, nem ela deixaria de se ter constituído em mora quanto à parte restante, sendo certo que era seu o ónus alegatório e probatório (cfr. art.º 342.º, n.º 2, do CCiv.).

Donde que também nesta parte não possa ser acolhida a pretensão recursória da Apelante, havendo de confirmar-se a conclusão da 1.ª instância no sentido de proceder a pretensão dos AA. de pagamento das discutidas rendas, não obstante o insucesso da pretensão destes de resolução do contrato.

4. - Se assiste à R. direito indemnizatório

A R./Apelante peticionou, pela via reconvencional, indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a qual lhe foi recusada, na sentença recorrida, desde logo por falta de prova desses danos.

Conclui agora tal Apelante que deve lançar-se mão da equidade, restringindo o recurso à matéria de não concessão de indemnização por danos patrimoniais – conforma-se, assim, com a improcedência do pedido indemnizatório por danos não patrimoniais –, de molde a fixar-se a adequada reparação relativamente à desvalorização sofrida no estabelecimento em consequência dos defeitos não evitados/eliminados, apontando especificamente, neste âmbito, não apenas para “o que se perde e se ganharia”, mas o “que se evitou por ter que se fazer novo investimento ou nova mudança de local, sendo-o sempre aquele que, mesmo não podendo determinar-se resulta, por exemplo de fuga ou saída de clientes do estabelecimento, inundado por água”, dano este que, por falta de elementos nos autos, deve ser relegado “para conhecimento em liquidação em execução de sentença” (cfr. conclusões 45.ª a 47.ª).

Invoca, então, embora difusamente, no essencial o dano da desvalorização do estabelecimento e a fuga ou saída de clientes, isto é, perda de clientela e de vendas, com a consequente diminuição de receitas/lucro.

Importa, pois, saber se os factos provados ilustram este invocado dano, sem o que nunca poderia operar a equidade, que só opera, na determinação do quantum indemnizatório, perante danos verificados, cuja prova cabia no caso à R./Recorrente/Apelante (art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.).

Ora, percorrida a extensa factualidade provada (total de 74 pontos fácticos), e sabendo-se que o início de vigência do contrato foi estabelecido para 01/06/2012, apenas se apurou factualismo quanto a resultados contabilísticos da sociedade R. entre os anos de 2010 e 2012 (facto 49.).

Assim, temos como seguro o seguinte volume de negócios: em 2010, 142.460,43 €; em 2011, 105.644,57 €; e em 2012, 107.625,58 €.

Bem como, respetivamente, os seguintes rendimentos: 144.131,00 €, 106.627,11 € e 109.180,57 €.

Quer dizer, quanto ao ano de 2012 – aquele em que se iniciou o contrato (e somente em junho) – até ocorreu aumento de volume de negócios e de rendimentos face ao ano anterior (2011), desconhecendo-se totalmente os resultados posteriores.

Quer dizer, desconhece-se se ocorreu aumento ou diminuição posterior – nos anos seguintes – de volume de negócios e de rendimentos, termos em que não pode, manifestamente, concluir-se pela existência de um dano patrimonial por reporte às vendas e aos lucros de exploração do estabelecimento instalado no locado.

Não se demonstra, pois, a invocada perda de clientela e de vendas, qualquer diminuição de receitas/lucros, nem qualquer desvalorização do estabelecimento, designadamente como consequência de defeitos existentes no locado que coubesse ao senhorio reparar/eliminar.

Donde que, não demonstrado o dano – cfr. também o elenco dos factos julgados não provados –, não possa arbitrar-se reparação, de nada servindo, por isso, o apelo à equidade, que não prescinde da prova dos danos (cfr. art.º 566.º, n.º 3, do CCiv.), nem podendo, não apurado o dano/prejuízo, condenar-se em indemnização a liquidar ulteriormente (cfr. art.º 609.º, n.º 2, do NCPCiv.).

Em suma, a apelação tem de improceder, restando manter a decisão em crise.

***

IV – SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Sendo o contrato de arrendamento urbano oneroso e sinalagmático e podendo a exceção de não cumprimento do contrato operar no âmbito do cumprimento defeituoso de obrigação locatícia, cabe ao excecionante o ónus de alegação – em sede de contestação – e de prova da respetiva factualidade, sob pena de improcedência dessa defesa.

2. - Há contradição entre a posição da parte que defende não ter o contrato iniciado a sua vigência e, simultaneamente, ter ocorrido cumprimento defeituoso pela contraparte, posto que este pressupõe execução contratual, ao menos parcial, o que é incompatível com a não produção de efeitos do negócio.

3. - Se as partes convencionaram expressamente o início de vigência contratual em certa data, clausulando ainda que o senhorio devia proceder a determinadas obras até ao início do arrendamento, tal não permite concluir pela existência de condição suspensiva (realização das obras) de que dependesse o início de vigência do contrato.

4. - Ocorrendo impossibilidade de gozo do locado, para o fim contratado, por omissão de obras a cargo do senhorio, ficaria o locatário em posição de total sacrifício do seu interesse contratual, pelo que não lhe seria exigível, enquanto a situação se mantivesse, o pagamento das rendas.

5. - Porém, se não ocorrer tal impossibilidade – limitações do locado que, podendo causar prejuízos, não são impeditivas da realização do fim contratual, permitindo, no caso de arrendamento para atividade comercial, o seu exercício, com um efetivo gozo, lucrativo e continuado –, falta aquele total sacrifício do interesse contratual da parte, que não fica dispensada do pagamento da totalidade das rendas.

6. - Sendo admissível a suspensão parcial e proporcional do pagamento da renda em caso de privação parcial do gozo do locado imputável ao senhorio, tal tem de ser alegado na 1.ª instância, para prova da necessária factualidade de suporte, sem o que seria inviável determinar o quantum da suspensão da prestação de renda.

7. - Não demonstrado o dano patrimonial do locatário, afastada fica a indemnização respetiva, de nada servindo o apelo à equidade, que não prescinde da prova dos prejuízos.

***
V – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da R./Apelante.

Escrito e revisto pelo relator.

Assinaturas eletrónicas.


Coimbra, 06/06/2017

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 30/09/2013 (cfr. fls. 15 dos autos em suporte de papel).
([2]) Que se transcrevem, com sublinhado retirado.
([3]) Considerou-se ainda inexistir nulidade da sentença, mormente contradição entre fundamentos e decisão.
([4]) Processo instaurado após 01/09/2013, data da entrada em vigor do NCPCiv. (cfr. art.ºs 1.º e 8.º, ambos daquela Lei n.º 41/2013).
([5]) Assim o Ac. STJ, de 14/01/2010, Proc. 2299/05.7TBMGR.C1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos), com sumário disponível em www.dgsi.pt.
([6]) Cfr., por todos, o Ac. STJ, de 23/05/2006, Proc. 06A1090 (Cons. Sebastião Póvoas), em www.dgsi.pt.

([7]) É pacífico o entendimento de que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação. Com efeito, a causa de nulidade referida na al. b) do n.º 1 do dito art.º 668.º (atual art.º 615.º do NCPCiv.) ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cfr. art.º 208.º, n.º 1, CRPort., e art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv. aplicável). Como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa – cfr. “Estudos  sobre o Processo Civil”, pág. 221 –, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas – cfr. Código de Processo Civil, pág. 297 – esclarece que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Por sua vez, Alberto dos Reis já ensinava – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140 – que deve distinguir-se “a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
([8]) A nulidade da sentença, não sendo cominada pela lei como insanável, tem de ser invocada pelas partes, não sendo de conhecimento oficioso – assim, por todos, o Ac. STJ, de 07/07/1999, Proc. 99B536 (Cons. Simões Freire), tal como o anterior Ac. STJ, de 07/12/1995, Proc. 086843 (Cons. Sá Couto), ambos com sumário em www.dgsi.pt.
([9]) Cfr. art.º 640.º do NCPCiv., bem como Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 126 e segs., e Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 153, e ainda, no mesmo sentido, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, págs. 253 e segs.. Vide também Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STJ, podendo ver-se, por todos, os Ac. desse Tribunal Superior de 04/05/2010, Proc. 1712/07.3TJLSB.L1.S1 (Cons. Paulo Sá), e de 23/02/2010, Proc. 1718/07.2TVLSB.L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
([10]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 126 e seg., com negrito aditado.
([11]) Cfr. op. cit., ps. 128 e seg., com sublinhado aditado.
                ([12]) Vide, Abrantes Geraldes, op. cit., p. 118.
([13]) Cfr., inter alia, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 1984, ps. 308 e segs. e 358 e segs., e Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 33.
([14]) É o seguinte o teor factual do ponto 67: “O primeiro proprietário e ex-senhorio, que o foi até ao início de Abril de 2013, assumiu que:
Colocava as caleiras (o que aconteceu);
Colocaria uma placa de estacionamento (a qual foi fornecida e entregue à Ré);
Reparava o estacionamento em paralelos (reparação executada e a rampa de acesso para deficientes feita);
Colocação de uma borracha na porta da entrada (que foi fornecida)
Finalização de todos os trabalhos da instalação eléctrica e canalização (que foram realizadas);
Colocação do sistema de detecção de incêndios (foi instalado). (artigo 26º da “primeira” réplica)”.

([15]) Como vem entendendo a jurisprudência dominante do STJ, “no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações” – cfr. Ac. STJ de 09/02/2012, Proc. 1858/06.5TBMFR.L1.S1 (Cons. Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico aditado, bem como demais jurisprudência ali citada. No mesmo sentido, à luz do NCPCiv., cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 127 e seg..
([16]) Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Cons. Tomé Gomes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico e sublinhado aditados.
([17]) Assim, ou o contrato “se iniciou”, produzindo efeitos e obtendo execução, caso em que é concebível incumprimento ou cumprimento defeituoso, ou, ao invés, não assumiu/iniciou vigência, não tendo ocorrido, por isso, começo de execução do programa contratual locativo (mesmo que com entrega da chave), caso em que não pode, obviamente, acontecer inadimplemento contratual, qualquer que ele seja.
([18]) Repare-se que a ação foi instaurada em 2013 e já estamos em meados de 2017.
([19]) Cfr., por todos, o Ac. STJ, de 03/04/2003, Proc. 03B673 (Cons. Sousa Inês), em www.dgsi.pt.
([20]) Consta da fundamentação da decisão recorrida: “Equacionando a possibilidade de fundamento para a redução proporcional oficiosa do montante das rendas em dívida ao abrigo desta exceção, perante o silêncio total da Ré neste particular, a que acresce a inexistência sequer de qualquer pedido reconvencional no sentido dos Autores realizarem obras em concreto no locado, cremos não nos poder substituir à Ré, sem violar de forma ostensiva o princípio do dispositivo e a autonomia das partes. // Com efeito, a Ré na sua contestação e procedimento anterior adotou posição que acredita sustentada, a saber: o não pagamento total das rendas em face do incumprimento que alegou. // Não caberá agora ao Tribunal substituir-se-lhe no exercício da exceção e oficiosamente, de motu proprium e sem qualquer impulso da parte nesse sentido, suspender parcialmente, e na proporção que repute conveniente, o pagamento das sobreditas rendas, vencidas e vincendas”.