Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1251/12.0TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
PRESUNÇÃO LEGAL
COMISSÃO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Data do Acordão: 01/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 5
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.483, 496, 500, 503, 563, 564, 566 CC
Sumário: 1. A existência de uma relação de comissão, encarada no sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, pressupondo uma relação de dependência entre o comitente e o comissário que autorize aquele a dar instruções a este, faz presumir a culpa do condutor de veículo por conta de outrem (art.º 503º, n.º 3, 1ª parte, do CC).

2. As situações de incapacidade permanente parcial representam um dano patrimonial indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços, que se repercutirá em diminuição da condição e capacidade física e da resistência para a realização de certas actividades e correspondente necessidade de um esforço suplementar.

3. É adequada a compensação de € 40 000 para lesado que sofreu traumatismos vários com fractura da diáfise do fémur esquerdo, foi sujeito a múltiplos tratamentos e intervenções cirúrgicas, sofreu dores de grau 6 (escala de 1 a 7) no momento do acidente e na sequência dessas intervenções, ficou com cicatrizes que correspondem a um dano estético permanente de grau 5 (escala de 1 a 7) e sequelas que lhe conferem um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 35 pontos (consolidação viciosa do fémur esquerdo, anquilose do joelho esquerdo em flexo de 15º e dismetria do membro inferior esquerdo de 29 mm), impeditivas do exercício da actividade profissional à data do acidente e de qualquer outra da sua área de preparação técnico-profissional, sendo exclusiva a culpa do lesante.

4. É adequada a indemnização pelo dano patrimonial futuro da afectação de capacidade de ganho no montante de € 110 000 relativamente ao mesmo lesado, com 41 anos de idade (à data da subsequente reforma por invalidez) e que auferia mensalmente € 1 069,25.

Decisão Texto Integral:          



  
            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. C (…) instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, a presente acção ordinária contra Companhia de Seguros (…) S. A., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 141 799,28 a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 250 000 a título de compensação por danos não patrimoniais e a quantia «a liquidar em execução de sentença» relativamente a danos patrimoniais e não patrimoniais que eventualmente venham a ser apurados.

            Alegou, em síntese: no dia 02.8.2007, cerca das 15 horas, na rua de Leiria, Embra, Marinha Grande, ocorreu um embate entre o motociclo de matrícula LX (...), propriedade do A. e na ocasião por ele conduzido, e o veículo ligeiro de mercadorias matrícula (...)FI, pertencente a F (…)Lda., conduzido por J (…) por conta e sob a responsabilidade da aludida sociedade, seguro na Ré, o que se deveu à actuação do condutor deste veículo; em consequência do dito evento, sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que pretende ver ressarcidos.

            A Ré contestou invocando a excepção da prescrição e referindo que o acidente se deveu à conduta do A., tendo concluído pela improcedência da acção.

            Replicou o A. pugnando pela improcedência da excepção e como na petição inicial.

            O Instituto da Segurança Social I. P. - Centro Distrital de Leiria deduziu pedido de reembolso dos montantes pagos ao A. em consequência do acidente nos autos, no valor global de € 45 121,59, acrescido de juros moratórios desde a data da notificação do pedido.

            Foi proferido despacho saneador, relegando-se para final a apreciação da excepção da prescrição, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 18.4.2016, julgou improcedente a excepção da prescrição e julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu condenar a Ré a pagar, ao A., a título de danos não patrimoniais a quantia de € 40 000 e a título de danos patrimoniais a quantia de € 110 000, bem como as quantias despendidas com a reparação do veículo LX (...) até ao limite de € 1 765 e a título de despesas médicas comprovadamente efectuadas para tratamento das lesões e sequelas resultantes do acidente até ao limite de € 1676,72 (a liquidar) [a)] e, ao Instituto de Segurança Social IP- Centro Distrital de Leiria, a quantia de 45 121,59 acrescida de juros à taxa de 4 % desde a notificação do pedido até integral pagamento [b)].
Inconformada, a Ré apelou formulando as seguintes conclusões:

            (…)

            O A. respondeu à alegação concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) responsabilidade pela produção do sinistro; b) valores a atribuir a título de compensação pelos danos não patrimoniais e de indemnização por danos patrimoniais futuros.    


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            a) No dia 02.8.2007, pelas 15 horas, ocorreu um acidente de viação, na Rua de Leiria, Embra, Marinha Grande onde intervieram o motociclo de matrícula LX (...), marca Susuki, propriedade do A. e na ocasião por si conduzido, e o ligeiro de mercadorias de matrícula (...)FI, marca Opel, conduzido na ocasião por J (…) por conta e ao serviço da sua proprietária, a sociedade F (…) Lda., segurada da Ré.

            b) O local do acidente configura uma recta com boa visibilidade, ladeada de casas de habitação e comércio, o piso é asfaltado e em bom estado de conservação, dispondo a faixa de rodagem de 6,30 metros de largura, permitindo dois sentidos de marcha, sendo a velocidade máxima permitida para o local de 50 Km/h.

            c) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em II. 1. a), o veículo FI provinha das instalações da empresa F (...), que confinam com a faixa de rodagem e se localizam do lado direito, atento o sentido Leiria-Marinha Grande, pretendendo o seu condutor efectuar uma manobra de mudança de direcção à esquerda, para passar a seguir na direcção de Leiria.

            d) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o autor seguia no sentido de marcha Leiria-Marinha Grande e pretendia dirigir-se a uma oficina sita do lado esquerdo, atento o dito sentido de marcha, localizada em frente das instalações da empresa F (...).

            e) Na faixa de rodagem mencionada em II. 1. b), os sentidos de marcha Leiria-Marinha Grande, Marinha Grande-Leiria encontravam-se delimitados por uma linha longitudinal contínua, a qual em frente da empresa F (...) e da oficina referida em II. 1. d) se apresentava descontínua.

            f) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em II. 1. a), o trânsito no sentido Leiria-Marinha Grande processava-se de forma lenta, tendo um dos veículos que seguia nesse sentido de marcha facultado ao condutor do FI, que havia accionado o sinal luminoso indicativo da manobra, a entrada na faixa de rodagem a fim de efectuar a manobra de mudança à esquerda mencionada em II. 1. c).

            g) Quando o veículo FI já se encontrava com a frente na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito Marinha Grande-Leiria e o veículo LX se encontrava na mesma hemi-faixa, a efectuar a manobra para a esquerda, a fim de se dirigir à oficina mencionada em II. 1. d), os dois veículos embateram.

            h) O embate referido em II. 1. g) deu-se na hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito Marinha Grande-Leiria, a cerca de 60 cm de um local de estacionamento localizado perto da oficina referida em II. 1. d).

            i) E deu-se entre a parte da frente do lado esquerdo do veículo FI e a parte da frente sobre a direita do veículo LX.

            j) Em consequência do acidente o veículo LX ficou danificado pelo menos na parte lateral direita.

            k) O autor nasceu no dia 17.3.1969.

            l) O autor actualmente vive em união de facto e tem um filho de um casamento anterior, dissolvido por divórcio, nascido a 03.3.2005.

            m) À data do acidente o autor trabalhava como electricista na sociedade S (…), S. A., e auferia o vencimento base de € 1 069,25.

            n) Em consequência do acidente referido em II. 1. a), o autor teve traumatismo da bacia, ombro direito e fémur esquerdo, do qual resultou fractura da diáfise do fémur esquerdo.

            o) Em consequência da referida fractura esteve internado no serviço de ortopedia do Hospital de Santo André de 02.8.2007 até 12.8.2007, tendo sido submetido no dia 04.8.2007 a tratamento cirúrgico de osteossíntese com placa.

            p) Em 03.5.2009 voltou a ser internado no serviço de ortopedia do Hospital de Santo André com diagnóstico de união de fractura da diáfise do fémur esquerdo, tendo sido submetido a tratamento cirúrgico de extracção de prótese de fixação interna do fémur e redução de fractura com fixação interna-fémur no dia 04.5.2009, com alta em 14.5.2009, orientado para consulta externa.

            q) Em 16.6.2010 foi novamente internado no serviço de ortopedia do Hospital de Santo André com diagnóstico de pseudoartrose da fractura do fémur esquerdo, anteriormente submetida a osteossíntese com cavilha e procedeu-se a extracção cirúrgica de um parafuso para dinamização da cavilha, com alta no dia 18.6.2010.

            r) O autor frequentou 15 sessões de fisioterapia no Hospital de Santo André entre 08.11.2010 e 26.11.2010 e 18 sessões no Centro Hospitalar de S. Francisco entre 01.9.2011 e 28.9.2011.

            s) O autor foi observado em diversas consultas da especialidade de Fisiatria no Centro Hospitalar N.ª Sr.ª da Conceição desde 12.01.2011, tendo realizado 70 sessões de fisioterapia.

            t) No dia 07.02.2011, no Centro Hospitalar N.ª Sr.ª da Conceição, realizou radiografia do joelho esquerdo que revelou redução da densidade óssea, redução da amplitude do espaço articular femuro-rotuliano com discreto padrão esclerótico do bordo superior e posterior da rótula, haste de sustentação diafisária do fémur com parafuso obliquado, ausência de consolidação da fractura femoral e amplitude do espaço articular femuro-tibial no limite da normalidade.

            u) Em 15.4.2012 voltou a ser internado no serviço de ortopedia do Hospital de Santo André por complicação não especificada devida a dispositivo, implante ou enxerto articular interno e não união da fractura, tendo sido submetido a cirurgia de remoção de prótese de fixação interna do fémur em 16.4.2012, com alta em 21.4.2012.

            v) No dia 20.5.2012 recorreu ao serviço de urgência do Hospital de Santo André por sinais inflamatórios da coxa esquerda, com dor, entumecimento e supuração discreta pelos orifícios de entrada dos cravos de Schanz, tendo sido efectuada desinfecção dos fios do fixador e antibioterapia, com alta em 21.5.2012.

            w) Foi novamente internado no serviço de urgência do Hospital de Santo André em 07.6.2012, onde foi efectuada revisão cirúrgica dos fixadores, com alta em 10.6.2012, voltando a ser internado em 23.8.2012 pelos mesmos motivos de que teve alta no dia seguinte.

            x) Em 14.10.2012 voltou a ser internado no serviço de ortopedia do Hospital de Santo André, onde foi submetido a cirurgia para mudança do fixador externo, com alta em 16.10.2012, com indicação para fazer marcha com carga parcial.

            y) Em 09.11.2012 voltou a ser internado no serviço de ortopedia do Hospital de Santo André, tendo sido submetido a procedimento cirúrgico para mudança de pins de Ilizarov, tendo alta em 11.11.2012.

            z) Em 28.02.2013 é novamente internado no mesmo serviço por rotura de fios K, tendo sido operado para substituição cirúrgica dos fios do fixador, com alta em 01.3.2013.

            aa) Voltou a ser internado no mesmo serviço em 09.5.2013 para adaptação do fixador, tendo tido alta no dia seguinte com indicação para fazer marcha com carga total.

            bb) É internado, novamente no serviço de ortopedia do Hospital de Santo André, no dia 26.9.2013 onde foi efectuada extracção cirúrgica do fixador externo do Ilizarov, tendo alta no dia 27.9.2013, com indicação para fazer marcha com canadianas medicado e orientado para consulta externa.

            cc) Em consequência das lesões decorrentes do acidente e tratamentos a que o autor foi sujeito, este apresenta:

            - Na região correspondente à crista ilíaca esquerda, cicatriz rosada com vestígios de pontos, oblíqua ínfero-anteriormente, medindo 9 cm de comprimento por 0,5 de largura;

            - No membro inferior esquerdo, na face lateral da coxa, cicatriz nacarada longitudinal de características operatórias, com zonas violáceas e acastanhadas e áreas deprimidas, medindo 49 cm de comprimento por 2 cm na zona de maior largura; na face antero-lateral da coxa, oito cicatrizes nacaradas com zonas violáceas deprimidas, a maior medindo 4,5 cm de maior eixo por 3,0 cm de menor eixo e a menor medindo 1,5 cm de diâmetro; no terço inferior da face anterior da coxa, cicatriz de características operatórias, longitudinal, medindo 4 cm de comprimento por 1 cm de largura; na face medial do joelho, cinco cicatrizes rosadas e acastanhadas, a maior medindo 5 cm de comprimento por 0,5 cm de largura e a menor medindo 0,7 cm de diâmetro; na face antero-medial do joelho quatro cicatrizes de características semelhantes, a maior medindo 4 cm de comprimento por 0,3 cm de largura e a menor medindo 0,3 cm de diâmetro; na face antero-lateral do joelho, seis cicatrizes de características idênticas a maior medindo 3,5 cm de maior eixo por 0,5 cm de menor eixo e a menor medindo 1 cm de comprimento; engrossamento da coxa e do joelho.

            dd) Em consequência das lesões decorrentes do acidente o autor ficou a padecer das seguintes sequelas: Consolidação viciosa do fémur esquerdo; Anquilose do joelho esquerdo em flexo de 15º; Dismetria do membro inferior esquerdo de 29 mm.

            ee) As sequelas referidas em II. 1. dd) correspondem a um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 35 pontos, sendo impeditivas do exercício da actividade profissional desenvolvida à data do acidente pelo autor, bem como qualquer outra da sua área de preparação técnico-profissional.

            ff) O autor no momento do acidente sofreu muitas dores, a que acrescem as dores sofridas para tratamento das lesões decorrentes do acidente, as quais correspondem a um quantum doloris de grau 6 numa escala de 7.

            gg) As sequelas de que o autor ficou a padecer em consequência das lesões decorrentes do acidente correspondem a um dano estético permanente de grau 5 numa escala de 7.

            hh) Antes do acidente referido em II. 1. a), o autor era pessoa saudável e activa.

            ii) Em consequência das sequelas resultantes do acidente o autor continua a ter dores e tem limitações na sua vida diária, essencialmente quando se trata de andar e subir e descer escadas, uma vez que continua a usar, pelo menos uma canadiana.

            jj) Actualmente, o autor encontra-se reformado por invalidez desde 2010, auferindo uma reforma no valor de € 589,38, passa grande parte do seu tempo em casa e sofre com a incerteza referente à sua completa e definitiva cura, tendo despendido e continuando a despender quantias em medicamentos e consultas médicas.

            kk) Em consequência do mencionado acidente, o Centro Distrital de Segurança de Leiria pagou ao autor a quantia global de € 45 121,59 referentes a subsídio por doença correspondente aos períodos de 02.8.2007 a 03.8.2010 e às prestações compensatórias do subsídio de Natal referentes aos anos de 2007 a 2010 e prestações compensatórias do subsídio de férias referentes aos anos de 2009 e 2010.

            ll) A proprietária do veículo (...)FI havia transferido a responsabilidade civil obrigatória decorrente da circulação de tal veículo para a ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 8242925.

            2. E deu como não provado:

            a) No local referido em II. 1. a) não existe qualquer tipo de sinalização vertical;

            b) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em II. 1. a), o condutor do LX imprimia ao seu veículo uma velocidade superior a 50 Km/h;

            c) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o condutor do LX imprimia ao seu veículo uma velocidade superior a 70 Km/h;

            d) Antes do embate referido em II. 1. g), o condutor do LX ultrapassara, transpondo a linha contínua referida em II. 1. e), uma fila compacta de veículos que seguia no sentido Leiria-Marinha Grande;

            e) A fila referida em II. 2. d) encontrava-se parada em consequência do veículo, cujo condutor havia cedido a passagem ao veículo FI pela forma referida em II. 1. f);

            f) Antes do embate, o veículo LX seguia pela hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de marcha em que seguia;

            g) Antes do embate o condutor do veículo LX travou bruscamente;

            h) Do dito embate resultaram danos para o veículo LX também na parte traseira;

            i) Em consequência do acidente referido em II. 1. a), o autor inutilizou umas calças no valor de € 20, uma mochila no valor de € 25, uma camisola no valor de € 15 e um capacete no valor de € 100;

            j) Em consequência das sequelas de que padece o autor tem vergonha de sair de casa, o que lhe causa enorme revolta, desgosto e depressão, perdendo noites de sono;

            k) Em consequência das sequelas de que padece o autor sente-se afastado do seu grupo de amigos;

            l) O autor actualmente é obrigado diariamente a usar calças e botas para disfarçar a ortótese do joelho e a palmilha de compensação interna de 5 cm;

            m) O autor despendeu até 2012 a quantia global de € 1 672,72 em medicamentos e consultas para tratamento das sequelas resultantes do acidente;

            n) A reparação dos danos referidos em II. 1. j) importará a quantia de € 1 765.

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão, sendo que o objecto do recurso cinge-se à reapreciação do enquadramento da matéria dada como provada.

            Atenta a data dos factos, importa atender ao regime estabelecido pelo Código da Estrada, aprovado pelo DL n.º 114/94, de 03.5, na redacção conferida pelo DL n.º 44/2005, de 23.02[1].

             As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias (art.º 3º, n.º 2). O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes (art.º 13º, n.º 1). Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção (n.º 2).

            O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste (art.º 29º, n.º 1). O condutor com prioridade de passagem deve observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito (n.º 2).

            Deve sempre ceder a passagem o condutor que saia de um parque de estacionamento, de uma zona de abastecimento de combustível ou de qualquer prédio ou caminho particular (art.º 31º, n.º 1, alínea a)).

            O condutor só pode efectuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direcção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito (art.º 35º, n.º 1). O condutor que pretenda mudar de direcção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afecta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação (art.º 44º, n.º 1).

            A existência de uma linha contínua no pavimento significa para o condutor a proibição de a pisar ou transpor e, bem assim o dever de transitar à sua direita, quando aquela fizer a separação de sentidos de trânsito, sendo que a linha descontínua significa para o condutor o dever de se manter na via de trânsito que ela delimita, só podendo ser pisada ou transposta para efectuar manobras (art.º 60º n.º 1 do Regulamento da Sinalização do Trânsito/Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 01.10).   

            Dispõe o art.º 503º, n.º 3 (1ª parte), do Código Civil (CC) que aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte.

            4. Em matéria de acidentes de viação, a jurisprudência tem considerado que a culpa emerge, em princípio, da violação de regras legais que disciplinam a circulação rodoviária, presumindo-se (juris tantum) a negligência do condutor que, por conduzir em infracção daquelas normas, dá causa ao acidente, sem prejuízo, naturalmente, de o condutor infractor poder provar a concorrência de circunstâncias concretas que justifiquem a infracção cometida e/ou excluam a sua culpa.

            Por conseguinte, a inobservância de leis e regulamentos, e em especial, a prova da violação de normas de perigo abstracto, tendentes a proteger determinados interesses, como são as regras do Código da Estrada, definidoras de infracções em matéria de trânsito rodoviário, faz presumir a culpa na produção dos danos daí decorrentes.[2]

            5. Ficou provado, nomeadamente: o veículo seguro (matrícula (...)FI) era conduzido na ocasião por conta e ao serviço da sua proprietária, a sociedade F (…), Lda.; o local do embate configura uma recta com boa visibilidade, dispondo a faixa de rodagem de 6,30 metros de largura, permitindo dois sentidos de marcha; o veículo FI provinha das instalações da empresa F (...), que confinam com a faixa de rodagem e se localizam do lado direito, atento o sentido de marcha Leiria-Marinha Grande, pretendendo o seu condutor efectuar uma manobra de mudança de direcção à esquerda, para passar a seguir na direcção de Leiria; o A. seguia no sentido de marcha Leiria-Marinha Grande e pretendia dirigir-se a uma oficina sita do lado esquerdo, atento o sentido de marcha em que seguia, e localizada em frente das instalações da empresa F (...); na referida faixa de rodagem, os sentidos de marcha (Leiria-Marinha Grande, Marinha Grande-Leiria) encontravam-se delimitados por uma linha longitudinal contínua, a qual em frente da empresa F (…) e da mencionada oficina se apresentava descontínua; o trânsito no sentido de marcha Leiria-Marinha Grande processava-se de forma lenta, tendo um dos veículos que seguia nesse sentido de marcha facultado ao condutor do FI, que havia accionado o sinal luminoso indicativo da manobra, a entrada na faixa de rodagem a fim de efectuar a dita manobra de mudança à esquerda; quando o veículo FI já se encontrava com a frente na hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito Marinha Grande-Leiria e o veículo LX se encontrava na mesma hemi-faixa, a efectuar a manobra para a esquerda, a fim de se dirigir à aludida oficina, os dois veículos embateram; o embate deu-se na hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de trânsito Marinha Grande-Leiria, a cerca de 60 cm de um local de estacionamento localizado perto da mencionada oficina, entre a parte da frente do lado esquerdo do veículo FI e a parte da frente sobre a direita do veículo LX [cf. II. 1. alíneas a) a i), supra].

            E não ficou demonstrado, designadamente, que, antes do embate: o condutor do LX ultrapassara, transpondo a linha contínua referida em II. 1. e), uma fila compacta de veículos que seguia no sentido Leiria-Marinha Grande e que se encontrava parada em consequência do veículo, cujo condutor havia cedido a passagem ao veículo FI pela forma referida em II. 1. f); o veículo LX seguia pela hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido de marcha em que seguia; o condutor do veículo LX travou bruscamente [cf. II. 2. alíneas d) a g), supra].

            6. Perante a descrita factualidade, a Mm.ª Juíza a quo afirmou que o condutor do veículo FI “confiou na cedência de passagem que lhe foi concedida, por um condutor que seguia no sentido de marcha Leiria-Marinha Grande, bem como na ausência de trânsito que eventualmente se faria no sentido de marcha contrário, não lhe ocorrendo a manobra que o A. se preparava para efectuar, a qual, dada a linha descontínua existente no local, lhe era permitido fazer”; e, depois, que “ainda que concedamos que a manobra efectuada pelo A., não seria previsível para o condutor do FI, o mesmo ao efectuar a manobra que efectuou (…), deveria ter-se rodeado de maiores cautelas, o que não aconteceu, motivo pelo qual entendemos que a culpa do acidente se deveu a culpa exclusiva do condutor do FI, seguro na Ré”. Concluiu ainda que “sempre a Ré não conseguiu inverter a presunção de culpa decorrente do disposto no art.º 503º n.º 3 (…), o que sempre implicaria a sua responsabilização pelos danos decorrentes do acidente”.

            7. Nada será de objectar ao assim decidido.

            Na verdade, dada a relativa extensão da zona de linha descontínua [extensão que não se vê invocada e/ou apurada mas que se entrevê, v. g., do “croquis” de fls. 15 e., sobretudo, da fotografia reproduzida a fls. 142] é de admitir que o A. haja iniciado a manobra de mudança de direcção à esquerda na zona onde a poderia realizar e, necessariamente, em período temporal coincidente com o da realização da manobra por parte do condutor do veículo FI, desconhecendo-se se houve simultaneidade no iniciar das manobras e se o A. se apercebeu da paragem da viatura que o precedia dita em II. 1. f) (que “cedera” a passagem).

            Conjugados os factos apurados, e ainda que não constem dos autos as dimensões dos veículos intervenientes e quando se tornaram visíveis para os condutores (e, assim, a possibilidade de cada um dos condutores/intervenientes adoptar determinada conduta adequada a evitar o embate), será de concluir que a viatura segura invadiu a hemi-faixa do sentido Marinha Grande/Leiria em cerca de 2,55 metros [cf. II. 1. alíneas b) e h), supra] e o seu condutor, muito provavelmente, apenas terá dirigido a atenção para o trânsito desse sentido, descurando totalmente a possibilidade da manobra que o A. levava a cabo e que aí poderia efectuar.

            Ademais, não ficou demonstrada a violação de qualquer regra por parte do A., designadamente estradal, que permita imputar-lhe, de alguma forma, a produção do acidente.

            Concluindo, nada existe nos autos que permita responsabilizar o A. (condutor do motociclo LX) pela produção do sinistro, evento que se explica, tão-somente, pela descrita actuação do condutor do veículo FI e que, assim, constitui a sua causa/origem, por envolver o desrespeito, designadamente, das regras dos art.ºs 3º, n.º 2 e 35º, n.º 1, do CE.

            Acresce o preenchimento da situação prevista no art.º 503º, n.º 3 (1ª parte), do CC [cf. II. 1. alínea a), supra, e, ainda, os art.ºs 500º, n.º 1 e 503º, n.º1, do CC], e que, manifestamente, a Ré não logrou afastar. Comprovada a relação de comissão [encarada no sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, pressupondo uma relação de dependência entre o comitente e o comissário que autorize aquele a dar instruções a este], podemos estabelecer a presunção legal de culpa sobre o condutor do veículo seguro nos termos do citado normativo - aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte [na interpretação do Assento do STJ de 14.4.1983/trata-se de presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem, pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele, como lesante, e o titular do direito a indemnização[3]].

            Em razão do contrato de seguro dito em II. 1. ll), a Ré é assim responsável pelo ressarcimento dos danos sobrevindos.

            8. A obrigação de indemnizar tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado.

            Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do CC), obrigação que apenas existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do CC).

            Têm a natureza de dano não só o prejuízo causado (dano emergente) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo atendíveis danos futuros, desde que previsíveis (art.º 564º do CC).

            O nosso legislador acolheu prioritariamente a via da reconstituição natural (art.º 566º, n.º 1, do CC) e, sempre que a indemnização é fixada em dinheiro, determina que se fixe por referência à medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art.º 566º, n.º 2, do CC).

            Se não puder ser averiguado o valor exacto do dano, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3, do mesmo art.º).

            São compensáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, n.º 1, do CC).

            Os danos não patrimoniais não são por sua própria natureza passíveis de reconstituição natural e, em rigor, não são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente, compensação que não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento ou “que contrabalance o mal sofrido”.  

            A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo (art.º 496°, n.º 3, 1ª parte, do CC[4]), tendo em atenção os factores referidos no art.º 494°, do CC.

            9. Desde há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc.[5]

            Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.

            A indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida.[6]

            Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a dialéctica comparativa das situações económicas do lesante/responsável e do lesado[7] e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.[8]

            Ademais, na fixação do montante compensatório dos danos não patrimoniais associados à violação de certos tipos de bens pessoais (v. g., vida, integridade física, honra, personalidade moral), os ditames da equidade devem sobrepor-se à necessidade de salvaguarda da segurança jurídica.[9]

            10. Relativamente à problemática da reparação dos danos patrimoniais derivados de uma situação de incapacidade permanente tem vindo a ser entendido, maioritariamente, que há lugar ao arbitramento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP que sofreu, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho, considerando-se, designadamente, que a IPP é um dano patrimonial indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços; a IPP produz um dano patrimonial, traduzido no agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas próprias e habituais da actividade profissional do lesado, que se repercutirá em diminuição da condição e capacidade física e da resistência para a realização de certas actividades e correspondente necessidade de um esforço suplementar, o que em última análise representa uma deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades humanas em geral e um maior dispêndio e desgaste físico e psíquico.[10]

11. Como critérios de determinação do valor dos danos correspondentes à perda de ganho tem-se lançado mão de vários métodos e tabelas de cálculo, de pendor matemático e financeiro, que a jurisprudência, depois de uma fase de progressiva aceitação, embora sempre sem perder de vista que elas não representam mais que métodos de cálculo, vem acentuando que, apesar da sua reconhecida utilidade, assumem natureza meramente indicativa em vista da justa e equilibrada, e tanto quanto possível uniforme, aplicação dos princípios legalmente acolhidos, mas não dispensam a intervenção do prudente arbítrio do julgador com recurso à equidade, o que, de resto, deve suceder com qualquer outro critério abstracto que, decerto por isso, o legislador não adoptou; assim se afirma progressivamente a preferência pela avaliação equitativa, sendo aqueles métodos de cálculo tabelas meramente referenciais ou indiciárias, só revelando como meros instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade (art.ºs 564º, n.º 2 e 566º, n.º 3).[11]

            12. O Tribunal recorrido, consideradas as lesões, o longo processo de tratamento e as sequelas decorrentes do acidente [designadamente: traumatismo da bacia, ombro direito e fémur esquerdo, do qual resultou fractura da diáfise do fémur esquerdo; por causa desta fractura o A. foi sujeito a múltiplos tratamentos e intervenções cirúrgicas, tendo ainda ficado com cicatrizes que correspondem a um dano estético permanente de grau 5 numa escala de 7 e com as sequelas permanentes referidas em II. 1. dd) e ee), supra; o A. sofreu dores no momento do acidente e na sequência das intervenções a que foi sujeito, correspondendo as mesmas a um quantum doloris de grau 6 numa escala de 7; em consequência de tais sequelas continua a ter dores e limitações da sua vida diária, essencialmente quando se trata de subir e descer escadas, continua a usar uma canadiana para o auxiliar na marcha; passa grande parte do seu tempo em casa e sofre com a incerteza referente à sua completa e definitiva cura; cf. ainda II. 1. alíneas k), n) a cc), e ff) a jj), supra], e tendo valorizado o quantum doloris sofrido, o prejuízo de afirmação pessoal (relevante durante o período em que o A. não pode viver em pleno a sua vida pessoal e profissional por estar incapacitado, a que acrescem as implicações das sequelas para desfrutar dos seus momentos de lazer), o dano estético, a ausência de culpa e a idade do sinistrado, bem como o valor aquisitivo da moeda na presente data, julgou adequado compensar tais danos não patrimoniais com o montante de € 40 000.

            Tal quantia não é excessiva e poder-se-á considerar equititativa, razoável e ajustada à situação concreta no confronto com as situações com alguma similitude versadas nas diversas decisões dos tribunais superiores[12] - e na plena afirmação das exigências da equidade, da proporcionalidade e da igualdade -[13], conferindo, pois, o devido relevo ao tipo de bem violado e à natureza, intensidade e extensão dos danos[14].

            13. O A. ficou portador de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 35 pontos, impeditivo do exercício da actividade profissional à data do acidente, bem como de qualquer outra da sua área de preparação técnica e profissional [cf. II. 1. ee), supra].

            O A. nasceu no dia 17.3.1969; à data do acidente trabalhava como electricista e auferia o vencimento base de € 1 069,25 [cf. II. 1. k) e m), supra].

             Sendo inequívoca a descrita limitação funcional, encontra-se, pois, justificada a atribuição de uma quantia para ressarcimento de danos patrimoniais futuros.

            Dadas as dificuldades inerentes à fixação da pretendida e devida indemnização, pensamos que se deverá atender, sobretudo, a critérios de equidade e aos valores que têm sido atribuídos pela jurisprudência em situações similares.

            Por conseguinte, considerando ainda que a vida activa do A. se desenvolverá, pelo menos, até aos 70 anos de idade[15], e atentos os demais elementos disponíveis [sobretudo, o já auferido pelo A. até Agosto de 2010, sendo que, então, ficou reformado por invalidez, dando-se a consolidação das lesões apenas três anos depois – cf. II. 1. bb), jj) e kk), supra], afigura-se que a indemnização fixada no montante de € 110 000 (cento e dez mil euros) é razoável e adequada, reparando os prejuízos decorrentes da descrita limitação funcional e com repercussão na esfera patrimonial do A..[16]

            14. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pela Ré/apelante.       

                                                                    *


09.01.2017

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Vítor Amaral

           

 


[1] Diploma a que respeitam os normativos adiante citados sem menção da origem.

[2] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 07.11.2000 e de 26.6.2003-processo 02B2294, publicados na CJ-STJ, VIII, 3, 105 e no “site” da dgsi, respectivamente.

[3] Que fixou a seguinte doutrina, hoje com o valor de acórdão para uniformização de jurisprudência

A primeira parte do n.º 3 do artigo 503º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito a indemnização “ (cf. DR n.º 146/83, Série I, 1º Suplemento, de 28.6).
[4] Redacção que se manteve, na 1ª parte do n.º 4 do mesmo art.º, na redacção conferida pela Lei n.º 23/2010, de 30.8.

[5] Vide, de entre vários, os acórdãos da RL de 20.02.1990 e da RP de 07.4.1997, in CJ, XV, 1, 188 e XXII, 2, 204, respectivamente.

[6] Vide Vaz Serra, BMJ 278º, 182.
[7] Vide Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, pág. 214 e ainda, entre outos, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 474.
   Propendemos, assim, para o entendimento sufragado nas referidas anotações, de sentido contrário àquela que parece ser a posição adoptada ultimamente pelo STJ [cf., entre outros, os acórdãos de 24.4.2013-processo 198/06.TBPMS.C1.S1 e 07.5.2014-processo 436/11.1TBRGR.L1.S1, publicados no “site” da dgsi].
[8] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[9] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 09.9.2014-processo 654/07.7TBCBT.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[10] Vide, de entre vários, os acórdãos do STJ de 13.01.2009-processo 08A3734, 26.11.2009-processo 2659/04.0TJVNF.P1.S1, 17.12.2009-processo 340/03.7TBPNH.C1.S1, 25.02.2010-processo 172/04.5TBOVR.S1 e 21.3.2013-processo 565/10.9TBPVL.S1, bem como os acórdãos da RL de 06.10.2005-processo162/2005-8, da RP de 15.02.2005-processo 0425710 e da RC de 14.10.2008-processo 2353/05.5TBCBR.C1, publicados no “site” da dgsi.

    Porém, também se defende (pensamos que ainda minoritariamente) que o ressarcimento do denominado “dano biológico” deve ser feito em sede de dano não patrimonial, casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, entendendo-se ainda que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.
    Desenvolvendo e explicitando esta segunda perspectiva, afirma-se que nem sempre é concretamente previsível que determinada IPP, sobretudo de reduzido grau (inferior a 10 % ou a 5 %), seja adequada a determinar consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado ou a reflectir-se, ainda que de modo indirecto, no desempenho da sua actividade profissional ou a implicar, para o mesmo, uma maior dificuldade ou esforço no exercício de actividades profissionais ou da vida quotidiana, pelo que nem sempre será possível sustentar a consideração do dano biológico como de cariz patrimonial para fundamentar a procedência do pedido de indemnização a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial - cf., neste sentido, os acórdãos do STJ de 20.01.2010-processo 203/99.9TBVRL.P1.S1 e 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, publicados no “site” da dgsi.
    Desenvolvendo largamente esta problemática e propendendo para esta segunda perspectiva, cf., ainda, o acórdão do STJ de 20.01.2011-processo 520/04.8GAVNF.P2.S1, publicado no “site” da dgsi.

[11] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 19.10.1999-processo 99A356, 06.4.2005-processo 05A2167, 13.01.2009-processo 08A3747, 01.10.2009-processo 1311/05.4TAFUN.S1, 25.11.2009-processo 397/03.0GEBNV.S1, 02.5.2012-processo 1011/2002.L1.S1 e de 02.10.2007, os primeiros publicados no “site” da dgsi e, o último, na CJ-STJ, XV, 3, 68.
[12] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, 27.5.2010-processo 8629/05.4TBBRG.G1.S1, 14.9.2010-processo 267/06.0TBVCD.P1.S1, 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, 07.10.2010-processo 2171/07.6TBCBR.C1.S1, 21.10.2010-processo 1331/2002.P1.S1, 11.11.2010-processo 270/04.5TBOFR.C1.S1, 07.6.2011-processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, 07.6.2011-processo 524/07.9TCGMR.G1.S1, 07.5.2014-processo 436/11.1TBRGR.L1.S1, 09.9.2014-processo 654/07.7TBCBT.G1.S1 e 16.6.2016-processo 1364/06.8TBBCL.G1.S2 e, ainda, os acórdãos da RP de 27.9.2016-processo 791/09.3TBVCD.P1 e da RC de 12.4.2011-processo 756/08.2TBVIS.C1 (subscrito pelo aqui relator) e 27.9.2016-processo 2206/11.8TBPBL.C1 (subscrito pelos aqui relator e 1ª adjunta), publicados no “site” da dgsi.    
[13] Exigências e princípios que, cremos, poderão/deverão ser adequadamente conjugados, ainda que, simultaneamente, se procure alcançar uma maior uniformização judicial.
   Afigura-se-nos, assim, porventura excessivo o juízo crítico expresso por Filipe Albuquerque Matos, sobre esta matéria, na parte final da anotação ao acórdão do STJ de 24.4.2013 (RLJ 143º, pág. 218).
[14] Vide Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, págs. 214 e seguinte.
[15] Cf., por exemplo, os acórdãos do STJ de 17.11.2005-processo 05B3167, 12.10.2006-processo 06B2581, 06.3.2007-processo 07A189 e 17.12.2009-processo 340/03.7TBPNH.C1.S1, publicados no “site” da dgsi, e de 02.10.2007 e 11.3.2010, publicados na CJ-STJ, XV, 3, 68 e XVIII, 1, 123, respectivamente. 

[16] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 13.3.2001-processo 01A3307, 14.02.2008-processo 07B4508, 26.01.2012-processo 220/2001.L1.S1, 26.01.2016-processo 2185/04.8TBOER.L1.S1, 02.6.2016-processo 3987/10.1TBVFR.P1.S1, 16.6.2016-processo 1364/06.8TBBCL.G1.S2 e 10.11.2016-processo 175/05.2TBPSR.E2.S1 e da RP de 16.3.2015-processo 224/12.8TVPRT.P1, publicados no “site” da dgsi.