Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
102/10.5 TAANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: VALOR PROBATÓRIO
PROVA TESTEMUNHAL
RECURSO
Data do Acordão: 01/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 127º CPP
Sumário: 1.- Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum.

2,.- Assim a crítica à convicção do tribunal a quo não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.

Decisão Texto Integral: I – Relatório.
1.1. A..., arguido entretanto mais identificado nos autos, foi neles submetido a julgamento, após dedução de acusação particular – que mereceu acompanhamento pelo Ministério Público – por B..., também melhor identificado, imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de dano, p. e p. pelos art.ºs 212º, n.º 1, e 207.º, alínea a), ambos do Código Penal.
B... este que igualmente deduziu pedido de indemnização civil peticionando a condenação daquele primeiro a pagar-lhe a quantia de € 265,00, acrescida de IVA, a título de danos patrimoniais, e, € 250,00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem os respectivos juros de mora e juros calculados à taxa de 5% a título de sanção pecuniária compulsória, após trânsito em julgado da sentença.
Realizado o contraditório, mostra-se proferida sentença decretando, ao ora mais relevante, a condenação do arguido/demandado, enquanto autor do ilícito assacado e responsável civil pelos danos infligidos, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, ou seja, na multa global de € 585,00, bem como na obrigação de pagar ao demandante a quantia de € 180,00, acrescido de IVA, a título de danos patrimoniais, e € 250,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, tudo a acrescer aos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo cumprimento e ainda juros à taxa de 5%, desde a data do trânsito em julgado da sentença, quantia última arbitrada a título de sanção pecuniária compulsória, tal como prevista no artigo 829.º – A, n.º 4, do Código Civil.
1.2. Desavindo com o teor do sentenciado, recorre o arguido/demandado, extraindo da motivação com que motivou a irresignação, a seguinte ordem de conclusões:
1. A sentença recorrida avaliou mal a prova produzida em julgamento, ao dar como provado que foi o arguido que cometeu o crime de dano de que vinha acusado.
2. Ou pelo menos, a prova produzida devia ter criado no espírito do julgador, dúvida, de tal forma insanável que a M.ma Juiz deveria ter lançado mão ao princípio in dúbio pro reo.
3. A prova produzida aponta nesse exacto sentido, da aplicação do princípio in dúbio pro reo.
4. Nomeadamente, os depoimentos de C...; D...; E... e F..., conjugada com a demais prova produzida.
5. A julgadora não usou das regras de experiência e de senso comum, conforme deveria, e não fez uma apreciação racional e crítica da prova.
6. De facto, a M.ma Juíz do Tribunal a quo justificou a condenação do arguido, basicamente no depoimento da testemunha G..., que afirmou tê-lo visto, entre as 9 e as 10 horas, com uma espécie de martelo na mão, mini marreta.
7. Acontece, porém, que tal depoimento está em oposição directa com o prestado pelo arguido e pelas testemunhas C...; D...; E... e F..., dos quais se pode retirar essencialmente o seguinte:
- Que o arguido se ausentou de casa desde sábado à noite, até 2.ª feira, perto da noite, uma vez que passou o fim-de-semana com a namorada em Pombal, pessoa que o acompanhou sempre até 2.ª feira, cerca das 7:00 horas da manhã.
- Que depois disso, foi directamente para Torres Novas, onde se encontrou com a testemunha André, pelas 9:00 horas, tendo permanecido na companhia desta testemunha até às 13:00 horas desse dia.
- Que a ombreira já estava destruída, no Domingo de manhã.
- Que a construção onde foi feita a destruição foi erigida pelo falecido Pai do arguido e assistente estando implantada em terreno da herança, ilíquida e indivisa deste.
8. A M.ma Juiz a quo deu como provado que o crime foi cometido pelo arguido, entre as 9:00 e as 10:00 horas, do dia 28 de Junho de 2010. Portanto, embora a hora não seja precisa, situa-se num hiato temporal durante o qual o arguido esteve acompanhado pela testemunha F…, em Torres Novas.
9. O arguido não poderia estar em dois locais diferentes.
10. Por outro lado, resulta patente, das declarações das testemunhas C… e D..., respectivamente, irmã e mãe do recorrente, que a ombreira já se encontrava partida no Domingo, pelas 10:00 horas da manhã.
11. Do expendido resulta que estiveram em confronto duas versões dos factos: a sustentada pelo arguido e aqueloutra trazida aos autos pela acusação particular.
12. Pelo que deveria a M.ma Juiz sindicada ter utilizado como critério de decisão, pelo menos, o aludido princípio do in dúbio pro reo.
13. Impõe-se, consequentemente, renovar a prova sustentada no depoimento das testemunhas C...; D...; E... e F..., conjugada com a demais prova testemunhal produzida.
14. De facto, no nosso sistema vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º, do Código de Processo Penal.
15. Liberdade que não significa o arbítrio ou impressionismo emocional ou a decisão puramente assente no subjectivismo alheio à fundamentação e comunicação – Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, pág. 43.
16. Comete o crime de dano, pelo qual acabou o arguido condenado, “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar, ou tornar não utilizável coisa alheia.”
17. Com a incriminação do art.º 212.º, do Código Penal, visa-se proteger a propriedade alheia contra agressões que atingem directamente a existência ou a integridade do estado da coisa. O que é atingido é o direito reconhecido ao proprietário de fazer da coisa (e de lidar com ela como) o que quiser, retirando dela, no todo ou em parte, as gratificações ou utilidades que ela pode oferecer (cfr. Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 206 e ss.).
18. Assim, é elemento do tipo objectivo do crime, o carácter alheio da coisa que é objecto da conduta do agente, o mesmo é dizer, que fica excluída da factualidade típica a destruição ou danificação de coisa própria.
19. Por outro lado, a alínea a) do n.º 2, do art.º 410.º, do Código de Processo Penal, refere-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, ou seja, há insuficiência da matéria de facto provada “quando da actualidade vertida na decisão em recurso, se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição” [Ac. do STJ, de 97-05-08, in Acs (STJ) V, 2, 200].
20. In casu, temos a questão da propriedade da pequena construção que foi danificada, verificando-se lacuna no apuramento de matéria de facto necessária para a decisão.
21. Dando-se como provado no ponto 3 dos factos provados, que... sendo aquele compartimento anexo ao imóvel onde a mesma serração funciona…, e tendo o ofendido/assistente apenas junto certidão de teor matricial da serração, não idónea a provar a propriedade da serração (e na qual é omissa qualquer referência ao dito anexo), deveria o tribunal ter apurado a que titulo é que o ofendido/assistente é proprietário da pequena construção.
22. No entanto não o fez, sendo este um elemento essencial – a propriedade do imóvel – a sua qualidade de bem alheio – para que o arguido possa ser condenado pelo crime de dano.
23. Decidindo pela forma em que o fez, a decisão recorrida violou, inter allia, o disposto nos citados art.ºs 212.º, n.º 1 e 207.º, alínea a); 127.º e 340.º, este também do Código de Processo Penal, bem como, por fim, 205.º, da Constituição da Republica Portuguesa.
Terminou pedindo que no provimento do recurso, seja eximido da responsabilidade penal e civil decretadas.
1.3. Cumprido o disposto pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento do recurso interposto.
1.4. Proferido despacho admitindo-o e cumpridas as formalidades devidas, foram os autos remetidos a esta instância.
1.5. Aqui, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer conducente a idêntico improvimento.
Após cumprimento do estatuído pelo artigo 417.º, n.º 2, do último diploma citado, no exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se nenhuma circunstância impôr a apreciação sumária do recurso, ou obstar ao seu conhecimento de meritis, donde que a dever prosseguir seus termos, com a recolha dos vistos devidos, e submissão à presente conferência.
Cabe, então e agora, apreciar e decidir.
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II – Fundamentação de facto.
2.1. Mostra-se como segue, a matéria de facto dada como provada na decisão sob censura:
1. Arguido e assistente são irmãos e encontram-se desavindos.
2. No dia 28 de Junho de 2010, no lapso temporal compreendido entre as 9:00 e as 10:00 horas, no lugar de … , área da comarca de Ansião, o arguido, empunhando uma espécie de martelo, vulgarmente designada por maceta, desferiu várias pancadas na ombreira, em cimento, da porta de acesso a um compartimento destinado à recolha e protecção dos componentes eléctricos da recepção da alta tensão e transformação.
3. Componentes esses destinados à alimentação das diversas máquinas que laboram numa serração de madeiras do assistente ali próxima, sendo aquele compartimento anexo ao imóvel onde a mesma serração funciona: “composto por pavilhão destinado a serração de madeiras, com a superfície coberta de trezentos e cinco metros quadrados e logradouro com dois mil quinhentos e dezanove metros quadrados, afecto à actividade industrial de serração de madeiras, inscrito em nome do queixoso, na matriz urbana respectiva sob o artigo … .
4. Ao desferir as várias pancadas sobre a ombreira provocou a destruição de parte da ombreira, construída que estava a blocos de cimento argamassados e rebocados a cimento e areia.
5. O arguido actuou com o propósito de destruir a referida ombreira, actuando com a intenção conseguida, livre e consciente da sua conduta.
6. Sabia ainda que a sua conduta era proibida por lei, não se tendo coibido de a levar por diante.
7. A conduta do arguido acusou ao assistente um prejuízo de, pelo menos, €. 180,00, a que acrescerá o IVA.
8. A conduta do demandado/arguido causou ao demandante/assistente irritação, nervosismo, desassossego e mal-estar interior.
9. O arguido é madeireiro e trabalha na agricultura, auferindo mensalmente entre € 475,00 a € 600,00.
11. Não tem filhos.
12. Tem o 4.º ano de escolaridade.
13. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
2.2. Por outro lado, relativamente a factos não provados, consignou-se na mesma sentença:
De relevante para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos.
2.3. Por fim, tem o teor que segue a motivação probatória constante da mencionada decisão recorrida:
A convicção do tribunal quanto aos factos provados fundou-se na conjugação da factualidade objectiva provada, no teor dos documentos junto aos autos, de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência comum, como determina o artigo 127.º, do Código de Processo Penal, como se passa a expor.
O assistente B... prestou declarações de modo considerado sincero e credível. Descreveu o referido compartimento (cabine), a sua finalidade e afirmou que foi construído por si, situando-se o mesmo perto de uma serração igualmente de sua propriedade. Relatou ainda os danos sofridos nesse acesso, confirmando as fotos de fls. 5 e 6.
A testemunha … atestou também as fotos de fls. 5 e 6 e relatou que tinha estado no local, no sábado anterior ao dia dos factos, para tirar medidas a fim de colocar uma porta a pedido do assistente, tendo chegado a efectuar a obra na serração do assistente. Todavia, foi informado para não colocar a dita porta. Mais relatou que o arguido lhe disse que “se fizesse alguma coisa no aludido compartimento, partiria aquilo”. Prestou um depoimento honesto e objectivo.
Valorou-se ainda o depoimento da testemunha … que demonstrou conhecimentos directos sobre os factos que depôs e revelou credibilidade e isenção. Descreveu de modo seguro e convicto que viu o arguido a partir a ombreira da porta do aludido acesso (cabine) com uma espécie de martelo na mão, mini-marreta. Explicou que se deslocou ao local a fim de falar com o assistente por questões profissionais e, nessa altura, presenciou o arguido a destruir a tal ombreira. Somente contou o episódio que presenciou ao assistente na sequência deste se lamentar que lhe tinham partido a ombreira, pois, na altura, a testemunha não deu importância ao assunto. O seu depoimento foi prestado de modo isento, sincero e convincente. Acresce ainda que é perfeitamente consentâneo com as regras da normalidade que a testemunha não tenha presente todos os pormenores ocorridos naquele dia, concretamente, todo o percurso que fez ao longo do dia, como, por exemplo, não saber descrever com precisão o telefonema que fez ao assistente (ou até se chegou a fazer), tanto mais porque só posteriormente é que lhe contou que tinha visto o seu irmão a destruir a ombreira, não sabendo sequer de quem pertencia a mesma, e, por outro lado, não deu importância ao assunto. Tal não abalou minimamente o seu depoimento, considerado honesto e credível, testemunhando a sem a menor dúvida a destruição efectuada pelo arguido.
A testemunha … apenas confirmou as fotos de fls. 5 e 6, desconhecendo o autor da destruição.
A testemunha … asseverou também as fotos de fls. 5 e 6, desconhecendo o autor da destruição. Afirmou que se deslocou ao local a fim de orçamentar a reparação da aludida ombreira, sendo o autor do orçamento de fls. 52. Todavia, questionado sobre os valores descritos em tal orçamento, resultou do seu depoimento que estaria um pouco inflacionado, já que ao referir, por exemplo, o custo dos materiais constatou-se que o valor não atingiria € 35,00 conforme aí consta (disse por exemplo que necessitaria de um saco de cimento e o mesmo custa € 4,60; dois ou três sacos de areia pelo preço de € 5,00 ou € 6,00; cerca de seis blocos de tijolo, sendo que cada um custa 0,60 €); igualmente não nos pareceu credível que demorasse um dia inteiro para retirar os destroços (possíveis de serem observadas nas fotos de fls. 5 e 6), recorrendo-se às regras de experiência e normalidade.
De qualquer forma, não acreditamos que toda a obra importasse o custo de € 40,00 acrescido de IVA, conforme adiantou a testemunha F.... Valor esse manifestamente aquém da realidade e contrário às ditas regras de experiência e normalidade.
Assim, foi necessário descontar os valores inflacionados pelo orçamento dado por … , auxiliando-se o tribunal nas ditas regras da experiência e juízos de equidade.
Referiu ainda a testemunha … que foram os seus empregados a construir o aludido compartimento a pedido do assistente e tal foi dito de modo espontâneo e merecedor de credibilidade.
A testemunha C..., companheira do arguido, disse que esteve com o arguido no fim de semana antecedente ao dia dos factos e nesse dia (2.ª-feira) o arguido foi levá-la a uma pastelaria, onde esta trabalhava, sita a 9/10 km de Pombal.
Todavia, a testemunha igualmente afirmou que entrava na pastelaria às 7:00horas da manhã e saia por volta das 15:00horas e o arguido a terá deixado por volta das 7:00 horas da manhã e depois seguiu à sua vida. Ora, tendo o arguido sido visto nessa segunda feira, dia 28.06.2010, a destruir a tal ombreira, conforme relatado pelo depoimento isento e objectivo da testemunha Pedro (já referido), nada impede que ele antes da prática do crime tenha transportado a sua companheira ao local de trabalho, pois esta entra às 7:00 h da manhã.
De resto, tal depoimento, assim como o depoimento das testemunhas … , mãe do arguido, e … , irmã do arguido, não revelaram o necessário distanciamento e imparcialidade que merecesse credibilidade. Transpareceu destes depoimentos que existem conflitos familiares, por razões de partilha, entre estas testemunhas e o arguido, assim como existe grande animosidade entre os dois irmãos. E pese embora as testemunhas … e … afirmarem que o terreno onde se encontra construída a referida cabine (compartimento) pertencer à herança, o certo é que tal aspecto nada releva para análise do crime em apreço (dano provocado na cabine), sendo indiferente a quem pertence o terreno onde o compartimento foi construído, e foi dito pela testemunha … que o mesmo foi construído pelos seus empregados a pedido do assistente. Aliás, o compartimento destinava-se à recolha e protecção dos componentes eléctricos da recepção da alta tensão e transformação, que alimentavam as diversas máquinas que laboram numa serração de madeiras do assistente ali próxima, sendo aquele compartimento anexo ao imóvel onde a mesma serração funciona.
Acresce que a testemunha … , mãe do arguido chegou a dizer que tal construção faz parte da serração que pertence ao assistente.
Além do mais, tais testemunhas tiveram a preocupação de afirmar logo a data que eventualmente terá ocorrido a tal destruição (não sendo a mesma coincidente com a data dos factos), sendo até incoerentes nas justificações que deram para a terem memorizado.
Assim, o depoimento destas testemunhas, familiares próximas do arguido, não infirmou o depoimento das testemunhas G..., que viu o arguido a destruir a ombreira, … , que confirmou que a construção foi feita a pedido do assistente.
De igual modo, o depoimento da testemunha F... não infirmou o depoimento das citadas testemunhas G... e … , pois apesar da testemunha … ter afirmado que esteve com o arguido naquele dia 28.06.2010, por volta das 9:00 horas, nada impede que o arguido tenha praticado os factos já que a hora dos mesmos não é precisa e este foi visto a destruir a ombreira. De resto, é de estranhar que esta testemunha tenha memorizado com tanta precisão a hora e dia em que esteve com o arguido há cerca de uma ano atrás, pois, por um lado, não foi nenhum episódio marcante e, por outro lado, apesar de justificar que se recorda que foi passado uma semana de férias, não soube dizer em que dia do mês foi.
Valoraram-se ainda os documentos juntos aos autos, nomeadamente de fls. 5 e 6, 52 (com as correcções supra referidas) e 66, 67, 71 e 72.
O arguido prestou declarações após o depoimento das testemunhas arroladas pela acusação, negando a prática dos factos e afirmando que o aludido acesso e terreno é da herança. Ora, a prova produzida em julgamento e já analisada supra permitiu imputar ao arguido os factos dados como provados e as suas declarações não infirmaram a mesma.
No que respeita à situação sócio-económica do arguido, baseou-se o tribunal nas suas declarações a esse respeito.
Atendeu-se ainda ao certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 146.
Quanto ao facto referido em 8, atendeu-se à prova produzida em audiência, valorando-se o depoimento da referida testemunha … que atestou o nervosismo, inquietude, transtorno do arguido provocado pela conduta do seu irmão. A testemunha G... igualmente testemunhou uma conversa tida com o assistente em que este se lamentava dos danos sofridos na ombreira da cabine. Esta prova foi igualmente conjugada com as regras de experiência comum que nos ditam, desde já, que a conduta do arguido é susceptível de causar aqueles sentimentos num cidadão comum, sem se olvidar que demandante e demandado são irmãos.
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Quanto aos factos não provados, cumpre, finalmente, referir que não se produziu em audiência de julgamento qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para lá dos que nessa qualidade se descreveram.
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III – Fundamentação de Direito.
3.1. Como constitui jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal –, é através das conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, e nas quais deve sintetizar as razões do pedido [artigo 412.º, n.º 1, do mesmo diploma], que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal ad quem.
Nessa perspectiva, e porque não ocorre qualquer circunstância conducente àquela intervenção oficiosa, questões a resolver serão, pois, a de apurarmos se a matéria de facto constante como provada nos itens n.ºs 1 a 8 da decisão recorrida se mostra indevidamente apreciada, mormente por preterição ao princípio do in dúbio pro reo, além de se ocorre insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, tudo conduzindo à improcedência, quer da acusação particular, quer do pedido de indemnização cível deduzidos.
2.2. É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou, através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do citado art.º 412.º.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o aludido art.º 412.º, n.º 3:
«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. art.º 430.º do diploma adjectivo mencionado).
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.ºs 4 e 6 do art.º 412.º). Aliás, é nesta exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do art.º 411.º, n.º 4 que o antecede.
Como realçou o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 12 de Junho de 2008, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- A que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- A que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- A que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- A que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º 3 do citado art.º 412.º].
Como se constata da leitura quer da motivação, quer das conclusões do recurso, o recorrente apenas parcialmente observou o regime prescrito nos n.ºs 3 e 4 do citado preceito legal.
Com efeito, e contráriamente ao que também se vem sufragando como não sendo adequado, manifestou a sua discordância sobre a matéria de facto dada como provada, elencando-a totalmente, além de que a motivação é completamente omissa quanto ao estabelecido no n.º 4 do citado art.º 412.º.
Ora, tendo a audiência de julgamento sido objecto de gravação áudio, impunha-se-lhe que especificasse os pontos que tem como incorrectamente julgados e indicasse as provas que justificam a decisão que preconiza, diversa da recorrida, fazendo para tanto referência aos respectivos suportes técnicos. Neste aspecto, aliás, verifica-se que o recorrente se limitou a identificar as testemunhas inquiridas em audiência, remetendo para a totalidade dos depoimentos prestados e apenas realçando o que, na sua perspectiva, deles se deveria ter acolhido como assente.
Como mencionava Maia Gonçalves, no art.º 412.º na versão anterior à introduzida pela Lei n.º 48/07, estabelecem-se os requisitos da motivação, sendo patente que a lei é aqui particularmente exigente quanto a estruturação das alegações. E esta tomada de posição da lei através deste artigo é secundada por outras disposições, determinando a não admissão ou a rejeição do recurso, não só quando falte a motivação mas ainda quando esta for manifestamente improcedente ou quando, versando o recurso matéria de facto não contenha as indicações das als. a), b) e c) do n.º 3. É, portanto, matéria a que haverá que prestar particular cuidado, pois o Código denota o intuito de não deixar prosseguir recursos inviáveis ou em que os recorrentes não exponham com clareza o sentido das suas pretensões. O sentido da exigência da lei, esse, é manifesto, pois sanciona o seu incumprimento com a rejeição do recurso, como claramente resulta da sua letra e como uniformemente tem entendido a jurisprudência.
Como se afirmava no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 259/2002, de 18 de Junho de 2002, publicado no Diário da República, II.ª Série, de 13 de Dezembro de 2002, referindo-se à versão anterior à introduzida pela Lei n.º 48/07, quando a deficiência de não se ter concretizado as especificações previstas nas alíneas a), b) e c), do n.º 3 do art.º 412.º, reside tanto na motivação como nas conclusões – como é o caso dos autos –, não assiste ao recorrente o direito de apresentar uma segunda motivação, quando na primeira não indicou os fundamentos do recurso, ou a completar a primeira, caso neste não tivesse indicado todos os seus possíveis fundamentos.
Tanto da leitura da motivação, quanto das conclusões do recorrente resulta cristalinamente que o presente recurso em matéria de facto se limita a procurar abalar a convicção formada pelo tribunal a quo. Ou seja, o recorrente não põe em causa a existência dos depoimentos que fundamentam a convicção do tribunal a quo. O que questiona é a relevância que lhes foi conferida pelo tribunal recorrido e que, em sua opinião, é desajustada, quando ao menos não fez apelo ao princípio do in dúbio pro reo.
Ou seja, a discordância do recorrente limita-se a questionar a valoração da prova pelo Tribunal, valoração essa, livremente formada e fundamentada.
Sucede, que a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão.
Neste sentido vai a jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, ao explicitar que quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum, e, consequentemente, que a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
Como fica patente da análise da motivação de facto supra transcrita, o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem a concordância deste tribunal. Na realidade, o tribunal superior pode verificar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, mas, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova. O art.º 127.º do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
Como se viu, a sentença proferida pelo tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova. Apenas sucede que valorou dois depoimentos – o da testemunha Pedro sobre a autoria da alegada destruição, e da testemunha Armindo sobre quem ordenou a construção da cabine destruída – em detrimento de outros, nomeadamente os coligidos pelo recorrente.
Alude ainda o recorrente a que se impunha o apelo e funcionamento do princípio in dúbio pro reo, e, nesse sentido, o tribunal devia tê-lo absolvido.
Cumpre acentuar que o tribunal recorrido não se socorreu de tal princípio o qual apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece os arguidos, porque não teve quaisquer dúvidas da valoração da prova e ficou seguro do juízo de censura ao arguido.
No caso vertente, tal princípio só teria sido violado se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar o arguido com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor do arguido.
Ora, se a fundamentação não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo, por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto.
Como vimos, no caso dos autos a livre apreciação da prova não conduziu nem poderia conduzir à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a existência do facto e do seu autor. Por isso, não há lugar a invocar aqui o princípio do in dúbio pro reo.
Com a devida vénia transcreve-se parte do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2008, in processo n.º 07P4198, acessível em www.dgsi.pt, citando Cristina Líbano Monteiro, que explica cabalmente porque é que em casos como o dos autos não ocorre a violação do aludido princípio: “De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art.º 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dúbio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu – «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dúbio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dúbio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Ademais, «são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art.º 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido»: art.º 349.º do CC). Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art.º 127.º do CPP).
Não estaria por isso vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».
Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável (“a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).
Desta forma, o entendimento do recorrente supra transcrito é errado e significa uma compreensão deficiente das regras de apreciação da prova.
Apesar de todos os meios de prova terem, ab initio, a mesma possibilidade de convencer o Tribunal, no momento de apreciar a prova produzida essa igualdade já não existe. Nesse momento é preciso sopesar devidamente o valor da prova produzida já que, como é uso dizer, “as testemunhas não se contam, pesam-se”. E se, fundamentadamente, na sua convicção, o juiz considerar que determinado depoimento é credível e outro não é, a decisão mantém-se.
Ora, após a audição da prova testemunhal produzida em audiência e gravada em suporte digital, conclui-se que a motivação constante da decisão recorrida tem nela o suporte adequado, tendo o tribunal recorrido procedido a uma apreciação crítica da mesma.
2.3. Acresce que as motivações de recurso, tal como se mostram configuradas, por remissão expressa para a alínea a) do art.º 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não traduzem verdadeira impugnação da matéria de facto provada, na medida em que, na opinião do recorrente (correctamente ou não) a decisão recorrida padece do vício formal a que alude o referido preceito.
Aí se estabelece que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Como ponto primeiro de salientar que nessa, como também nas demais hipóteses que as subsequentes alíneas prevêem, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
Existe o vício previsto na alínea a) convocada, quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas. Dito de outro modo: quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão.
No caso vertente, salvo o devido respeito, o recorrente confunde o vício invocado com um erro de julgamento considerado como a incorrecta apreciação da prova produzida que determina que os factos sejam indevidamente julgados provados ou não provados.
Efectivamente, o recurso baseia-se apenas naquilo que, na perspectiva do recorrente, consubstancia uma errada apreciação da prova produzida e, sobre esse aspecto, já nos pronunciámos.
A questão ora oposta atém-se ainda a tal apreciação.
A matéria de facto acolhida no tribunal a quo era bastante à tipificação da conduta do arguido dentro da previsão do art.º 212.º, n.º 1. Em rigor ainda cabe dizer que nos autos não estava em causa a titularidade do terreno no qual se mostrava implantada a cabine danificada, antes esta em si. Ora esta foi construída a pedido do ofendido, destinando-se à recolha e protecção dos componentes eléctricos da recepção da alta tensão e transformação, que alimentavam as diversas máquinas que laboram numa serração de madeiras do assistente ali próxima, sendo até o compartimento anexo ao imóvel onde a mesma serração funciona.
Donde, em síntese conclusiva, que inexistam motivos para se proceder à alteração da matéria de facto provada, a qual se mostra devidamente enquadrada de direito na decisão recorrida.
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IV – Decisão.
São termos pelos quais se nega provimento ao recurso interposto, e, consequentemente, mantemos a decisão sob censura.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UCs.
Notifique.
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Brízida Martins (Relator)
Orlando Gonçalves