Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
133/15.9T8SCD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: CITAÇÃO POR VIA POSTAL
VALIDADE
CITAÇÃO PESSOAL
PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 02/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - ST. COMBA DÃO - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 225º Nº 1 E 228º DO CPC
Sumário: I – A citação efectuada, com observância das formalidades legais, em pessoa diversa do citando - que recebeu a carta e assinou o aviso de recepção, mediante declaração, conforme anotação constante do aviso de recepção e aposta pelo distribuidor do serviço postal, de que estava em condições de a entregar prontamente ao citando – é válida e regular, fazendo presumir que a citação foi entregue prontamente ao seu destinatário.

II – Nessas circunstâncias, a citação apenas terá que ser repetida caso venha a ser ilidida aquela presunção, mediante a alegação e prova de que a citação – recebida por terceiro – não chegou ao conhecimento do citando.

III – E para que essa presunção se considere ilidida não basta a mera circunstância de o terceiro – que, na altura, recebeu a citação por declarar estar em condições de a entregar ao destinatário – vir aos autos declarar que o citando não reside naquela morada, mas sim numa outra que identifica, sem que exista prova efectiva de que não comunicou ao citando a citação que lhe era dirigida e de que esta actuação não corresponde a mera manobra dilatória no sentido de dilatar os prazos e atrasar o andamento do processo.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos autos de procedimento cautelar em que é requerente A... , com domicílio em (...) , Suíça e em que são requeridos B... e C... com domicílio na (...) , Carregal do Sal, foi expedida carta registada com aviso de recepção para notificação do Requerido, B... , nos termos do art. 366º, nº 6, do CPC. Tal carta foi recepcionada pela Requerida, C... , que assinou o aviso de recepção, tendo sido mencionado no mesmo que a carta foi entregue a pessoa que, após a devida advertência, se comprometeu a entregá-la prontamente ao destinatário.

 

Posteriormente, na sequência de requerimento apresentado pela Requerida, C... , foi proferido despacho com o seguinte teor:

Conforme resulta da análise dos autos, mormente do aviso de recepção de fls. 98, o requerido B... foi citado na pessoa de C... , sua esposa (como flui do facto provado em 1, da sentença de fls. 65 e ss.) tendo-se a mesma comprometido, após ter sido advertida para tal, a entrega-la prontamente ao seu destinatário.

Posteriormente foi dado cumprimento ao disposto no art. 233º do Código de Processo Civil- vide notificação electrónica datada de 31/07/2015.

Verifica-se, assim, que a citação do requerido se mostra regularmente efectuada, pelo que nada mais existe a determinar quanto a esta matéria.

Sem prejuízo do acima mencionado consigna-se que a repetição da citação do requerido na morada que consta do requerimento de fls. 100, apresentado em juízo em 12/08/2015 - o que não se logrou efectivar por não ter sido reclamada, como consta de fls. 101 - apenas foi efectuada por mera cortesia da secção de processos.

Notifique”.

A Requerida, C... , veio interpor recurso desse despacho, formulando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto de douto despacho que julgou que "a citação do requerido se mostra regularmente efectuada".

2. Na sequência da ora recorrente ter apresentado nos autos requerimento onde invoca: "A requerida recepcionou a citação de B... , na morada sita na X(...) Papizios. Sucede que, o citando não mora em tal morada. O mesmo reside na " Y(...) , Suisse ". Pelo que, deve o mesmo ser citado naquela morada. (..), foi proferido o despacho de que ora se recorre e que afirma: " tendo-se a mesma comprometido, após ter sido advertida para tal, a entrega-la prontamente ao seu destinatário. (…) a citação do requerido se mostra regularmente efetuada. pelo que nada mais existe a determinar quanto a esta matéria."

     3. O art. 228° do CPC estabelece: "A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando. (.) "

     4. Assim, a citação pode ser efectuada na pessoa de terceiro, contudo para tanto, é necessário que este declare que se encontra em condições de a entregar ao citando.

     5. Ora, não só inexiste qualquer declaração nesse sentido, como, pelo contrário, existe um requerimento apresentado nos autos que afirma expressamente que o citando não mora na morada na qual a recorrente recebeu a citação.

     6. E mais, a recorrente forneceu inclusive outra morada para que a citação do citando - B... - fosse feita.

     7. Deste modo, não se concebe como é que, o douto despacho pode considerar a citação regularmente efectuada, quando dúvidas não há que houve falta de citação no que diz respeito ao requerido B... .

     8. Desta forma, os termos processados posteriormente à PI são nulos, inclusive no que diz respeito à ora recorrente, devendo-se repetir os mesmos, nulidade esta que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

9. Em face do exposto, o douto despacho proferido, ao não reconhecer a nulidade invocada, é nulo de acordo com o disposto nos artigos 187° e 190°, ambos do CPC, por violação dos artigos 225°, 228°,230° e 188°, todos do CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado com as demais consequências legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se a citação do Requerido foi ou não regularmente efectuada.


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III.

Sustenta a Apelante – em desacordo com a decisão recorrida – que a citação do Requerido, B... , não foi regularmente efectuada, já que, apesar de a citação poder ser efectuada na pessoa de terceiro, para que tal suceda é necessário que este declare que se encontra em condições de a entregar ao citando, sendo certo que, no caso, não existiu qualquer declaração nesse sentido e a Recorrente até afirmou expressamente que o citando não residia naquela morada, indicando outra morada onde o mesmo poderia ser citado.

Não lhe assiste razão.

Determina o art. 225º, nº 1, do CPC que a citação de pessoas singulares é pessoal ou edital, preceituando o nº 4 que “Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento”.

Além de outras modalidades que aqui não relevam, a citação pessoal pode ser feita mediante entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção (cfr. art. 225º, nº 2, b) do citado diploma) e relativamente a esta modalidade de citação, o art. 228º dispõe nos seguintes termos:

1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé”

2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.

3 - Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.

4 - Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando.

(…)

8 - No caso previsto no número anterior, se a impossibilidade se dever a ausência do citando e se, na ocasião, for indicado ao distribuidor do serviço postal novo endereço do citando, devolvido o expediente, a secretaria repete a citação, enviando nova carta registada com aviso de receção para tal endereço.

(…)”.

É certo, portanto – como resulta das citadas disposições legais – que a citação pessoal de pessoa singular pode ser efectuada mediante a entrega de carta a pessoa diversa do citando, desde que esta declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.

E foi isso que aconteceu no caso sub judice, sendo que, como decorre do aviso de recepção junto aos autos, foi a ora Recorrente quem recebeu a carta, assinando o aviso de recepção e comprometendo-se – conforme indicação ali aposta pelo distribuidor do serviço postal – a proceder à sua pronta entrega ao citando, tudo em conformidade com o disposto nas disposições legais supra citadas.

Diz a Apelante que, para que a citação possa ser efectuada na pessoa de terceiro, é necessário que este declare que se encontra em condições de a entregar ao citando.

É verdade que assim é. Mas, ao contrário do que diz a Apelante, não é verdade que não exista qualquer declaração nesse sentido. Com efeito, conforme consta do aviso de recepção, o distribuidor do serviço postal mencionou a existência dessa declaração após advertência do dever de pronta entrega ao citando (como determina o art. 228º, nº4) e a Apelante assinou o aviso de recepção e recebeu a carta o que, só por si, evidencia ter entendido e declarado que estava em condições de a entregar ao citando (pois, caso contrário, não a teria recebido e não teria assinado o aviso de recepção).

A citação foi, portanto, efectuada em conformidade com as citadas disposições legais e, ao receber a carta naquelas circunstâncias, a Apelante ficou obrigada a proceder à sua pronta entrega ao respectivo destinatário, presumindo-se – como determina o art. 225º, nº 4 – até prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento.

Tendo sido efectuada em conformidade com os formalismos impostos por lei, não poderá concluir-se pela nulidade ou irregularidade da citação e a mera circunstância de a pessoa que recebeu a citação – no caso, a Apelante – vir depois aos autos afirmar que o citando não reside naquela morada também não será bastante para considerar nula aquela citação.

Efectuada a citação naquelas circunstâncias e, como se disse, em conformidade com as normas legais que regulam essa matéria, apenas se poderá admitir, nos termos já assinalados, que venha a ser ilidida a presunção estabelecida na lei de que o citando teve oportuno conhecimento da citação, mediante a prova de que o terceiro que recebeu a carta não a entregou ao citando.

Mas, salvo o devido respeito, será, em princípio, o citando quem poderá invocar qualquer nulidade ou irregularidade da sua citação ou quem deverá suscitar o incidente com vista a provar que não teve oportuno conhecimento da citação, já que é ele o interessado nessa citação e na sua eventual repetição (cfr. art. 197º do CPC).

Naturalmente que não poderemos deixar de admitir que o terceiro que recebeu a carta – até para se livrar da responsabilidade que lhe possa ser atribuída em conformidade com o disposto no art. 228º, nº 1 – venha aos autos informar que não a entregou ao destinatário, não obstante ter procedido à sua recepção por ter entendido que estava em condições de a entregar. Mas aí se esgota a sua actuação, não tendo, naturalmente, qualquer interesse ou legitimidade para invocar qualquer nulidade ou irregularidade de uma citação que não lhe é destinada e que apenas respeita à pessoa a quem a mesma se dirigia.

De qualquer forma, a mera circunstância de a Apelante ter vindo aos autos dizer que, apesar de ter recepcionado a carta, o Requerido (seu destinatário) não residia no local não era bastante para que o Tribunal concluísse que a citação não havia chegado ao conhecimento do seu destinatário. Para que tal sucedesse, deveria a Apelante ter procedido à junção da carta (fechada) que havia recebido e não lhe era destinada e deveria ter alegado as concretas razões ou circunstâncias pelas quais não havia procedido à entrega da carta para que, após averiguação desses factos, o Tribunal se convencesse de que o Requerido não havia tido conhecimento da citação que lhe havia sido dirigida e que não estava em causa uma mera manobra dilatória com o único objectivo de ganhar tempo e dilatar os prazos em curso.

De facto, segundo consta da decisão recorrida, a Apelante é esposa do citando e, como resulta dos autos, sabe onde o mesmo se encontra e, portanto, impunha-se saber quais foram as concretas razões que a impediram de entregar a carta ao seu marido, quando é certo que, aquando da recepção da carta, entendeu ter condições para proceder a tal entrega. O que mudou ou aconteceu entretanto para que tenha ficado impossibilitada de cumprir a obrigação que, aquando da recepção da carta, declarou estar em condições de cumprir?

Assim, e concluindo, diremos que:

- A citação foi feita nos termos e com observância de todo o formalismo imposto por lei, não estando inquinada de qualquer irregularidade;

- A citação assim efectuada em pessoa diversa do citando faz presumir que essa citação foi prontamente entregue ao seu destinatário;

- Enquanto não for ilidida essa presunção – mediante a prova de que tal citação não chegou ao conhecimento do citando – a citação deve ter-se por regularmente efectuada, não havendo lugar à sua repetição;

- A mera circunstância de o terceiro – que, na altura, recebeu a citação por declarar estar em condições de a entregar ao destinatário – vir aos autos declarar que o citando não reside naquela morada, mas sim numa outra que identifica, não é bastante para considerar ilidida aquela presunção, pois que, para este efeito, o que releva é fazer a prova de que o citando não teve conhecimento da citação.

Nestes termos, a citação do Requerido – efectuada na pessoa da Apelante em conformidade com as formalidades legais – deve ter-se por regularmente efectuada, sem prejuízo, naturalmente, da faculdade que assiste ao citando de vir aos autos alegar e provar que dela não teve conhecimento e de, por essa via, ilidir a presunção estabelecida na lei.

Confirma-se, portanto, a decisão recorrida.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – A citação efectuada, com observância das formalidades legais, em pessoa diversa do citando - que recebeu a carta e assinou o aviso de recepção, mediante declaração, conforme anotação constante do aviso de recepção e aposta pelo distribuidor do serviço postal, de que estava em condições de a entregar prontamente ao citando – é válida e regular, fazendo presumir que a citação foi entregue prontamente ao seu destinatário.

II – Nessas circunstâncias, a citação apenas terá que ser repetida caso venha a ser ilidida aquela presunção, mediante a alegação e prova de que a citação – recebida por terceiro – não chegou ao conhecimento do citando.

III – E para que essa presunção se considere ilidida não basta a mera circunstância de o terceiro – que, na altura, recebeu a citação por declarar estar em condições de a entregar ao destinatário – vir aos autos declarar que o citando não reside naquela morada, mas sim numa outra que identifica, sem que exista prova efectiva de que não comunicou ao citando a citação que lhe era dirigida e de que esta actuação não corresponde a mera manobra dilatória no sentido de dilatar os prazos e atrasar o andamento do processo.


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IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida, considerando-se que a citação do Requerido – efectuada na pessoa da Apelante em conformidade com as formalidades legais – foi regularmente efectuada, sem prejuízo da faculdade que assiste ao citando de vir aos autos alegar e provar que dela não teve conhecimento e de, por essa via, ilidir a presunção estabelecida na lei.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)
Nunes Ribeiro
Helder Almeida