Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
341/20.0T8CVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: TRABALHADOR DESEMPREGADO
APOIO EXTRAORDINÁRIO PAGO PELO ISS
DEDUÇÃO
RETRIBUIÇÕES POR DESPEDIMENTO ILÍCITO
ENTREGA À SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 01/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 156.º DA LEI N.º 75-B/2020, DE 31/12, E 390.º, N.º 2, AL.ª C), DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Tendo sido atribuído ao trabalhador o apoio extraordinário previsto no artigo 156.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12 por ter ficado em situação de desemprego e sem acesso à respetiva prestação, o montante que recebeu a este título no total de € 6.013,92 tem de ser deduzido às retribuições liquidadas a que tem direito por força do despedimento ilícito de que foi alvo, na medida em que, não fora a cessação do contrato de trabalho e o trabalhador nunca teria recebido tal quantia, à semelhança do que ocorre com o subsídio de desemprego (alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do CT).
II – Inexiste qualquer fundamento legal para distinguir entre desemprego involuntário resultante da COVID (nas palavras do recorrente) e despedimento ilícito, posto que, a lei também não o faz quando refere, a propósito da abrangência do referido apoio extraordinário, por razões que não lhes sejam imputáveis, ficaram em situação de desemprego, sem acesso à respetiva prestação.

III – A não ser assim criar-se-ia uma desigualdade infundada entre o trabalhador alvo de um despedimento ilícito que se encontrasse a receber subsídio de desemprego e que teria de ser deduzido às retribuições devidas e aquele a quem foi atribuído o referido apoio extraordinário por não ter direito àquele subsídio.

IV – À semelhança do que ocorre com o subsídio de desemprego e resulta da alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do CT, a quantia paga pelo ISS a título de apoio extraordinário deve ser deduzida à quantia em dívida pela empregadora a título de retribuições por despedimento ilícito e entregue pela mesma à segurança social.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam[1] na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

A..., S.A., com sede em ...

deduziu os presentes embargos de executado, contra

AA, residente na ...

tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julgo parcialmente procedentes os embargos de executado, reduzindo para €9.943,11 (nove mil novecentos e quarenta e três euros e onze cêntimos), a quantia exequenda, devendo a execução prosseguir, apenas, para pagamento desse valor.”

                                                                       *

O exequente embargado, notificado desta decisão, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

“                                                            1.ª

A douta sentença violou por erro de interpretação e aplicação o art. 390.º do Código do Trabalho, não permitindo descontar a quantia de 6.013,92 euros recebida pelo recorrente da Segurança Social a título de apoio extraordinário devido à não protecção económica causada pela pandemia da doença COVID-19, devendo ser revogada quanto a este aspecto;

2.ª

Já que a quantia de 6.013,92 euros foi recebida pelo recorrente ao abrigo do art. 156.º da Lei n.º 75-B/2021, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2021, sendo ilegal aplicar a este montante o art. 390.º do Código do Trabalho, com desconto no montante total a receber da A... SA.;

3.ª

Apenas é lícito descontar na quantia exequenda o montante de 692,86 euros recebido da firma B... SA. pelo trabalho a esta prestada no mês de Junho de 2020 pelo recorrente, sendo de aplicar, quanto a este aspecto, o artigo 390.º do Código do Trabalho;

4.ª

Ao montante peticionado na execução de 18.338.27 deduzido de 692,86 euros, dá o montante de 17.645,41 euros a pagar pela recorrida ao recorrente, acrescidos dos juros à taxa legal de 4% ano vencidos e vincendos até integral pagamento;

5.ª

A recorrida deve pagar ao recorrente a quantia de valor ilíquido € 17.645,41 deduzida dos descontos legais para a Segurança Social à taxa de 11% e da taxa devida em sede IRS, incluindo naquele valor os juros legais vencidos e vincendos até integral pagamento de tal montante;

6.ª

Importa, pois, revogar parcialmente a sentença recorrida na medida em que descontou a quantia de 6.013,92 euros recebidos pelo recorrente em 2021 ao abrigo do artigo 156.º da Lei 75-B/2020, de 31 Dezembro, devido à pandemia, interpretando e aplicando erradamente o tribunal a quo não só o art. 390.º do Código do Trabalho como aquele artigo 156.º da Lei 75-B/2020 de 31 de Dezembro;

7.ª

Assim decidindo, farão V. Ex.cias, sempre com douto suprimento, a costumada JUSTIÇA que o recorrente fica a aguardar.”

*

O embargante não apresentou resposta.

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que antecede no sentido de que a apelação deverá ser julgada improcedente.

*

O embargado veio responder a este parecer reiterando o constante das alegações de recurso.

                                                         *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

*

II – Fundamentação

a) Factos provados constante da sentença recorrida:

1. No âmbito da ação de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho de com o n.º de processo 341/20...., intentada em 26/02/2020, em que foi autor AA e rés A... S.A. e C... S.A, que neste juízo correu termos, foi proferida sentença, transitada em julgado em 08/11/2021;

2. Na sobredita ação ficou provado, além do mais, que:

(…)

16. O autor possuía a categoria profissional de vigilante, quer na A..., quer na C..., com um horário de 40 horas semanais,

17. Auferindo em 2019, mensalmente, a retribuição base de 729,11, acrescida de €6,06 de subsídio de alimentação diário, sendo que quando é praticado horário em período noturno, acresce ainda 25% sobre o valor hora. (…)”

3. Consta do dispositivo da referida sentença o seguinte:

“3. Decisão

Pelo exposto, julgo procedente a presente ação condenando a A... S.A, a:

a) Reconhecer que o contrato de trabalho do autor AA se transmitiu para si, devendo o autor ser reintegrado no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, sendo a mesma reportada a 06/09/2012, por força de despedimento ilícito ocorrido em 18/01/2020.

b) A pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir desde 30 dias antes da interposição da presente ação até à data do trânsito da sentença que declara a ilicitude do despedimento, deduzindo-se ao montante obtido o valor que o trabalhador tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria recebido se não fosse o despedimento, a liquidar nos termos dos artigos 609º n.º 2 e 716º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo n.º 2 a) do Código de Processo do Trabalho;

c) A estes valores acrescem juros, à taxa legal de 4%, desde o vencimento das quantias arbitradas até efetivo e integral pagamento.

d) Absolve-se a C... S.A de tudo o peticionado.

4. Essa sentença foi dada à execução n.º 341/20...., na qual figura como exequente AA e executada A... S.A, tendo a quantia exequenda sido liquidada em 16 792,61 € (Dezasseis Mil Setecentos e Noventa e Dois Euros e Sessenta e Um Cêntimos), sendo:

5. Com referência:

a) ao ordenado de 4 dias de janeiro de 2020 (27-31), sobre o ordenado mensal base de € 756,57 exigível a partir de 01 de janeiro de 2020, exige € 102,00 euros de ordenado e juros à taxa de 4% ano sobre esta quantia, contados desde 27 de janeiro de 2020 até 15 de julho de 2022, no montante total de € 112,07 (€ 102,0057 capital + € 10,07 de juros), exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 112,07 até efetivo e integral pagamento;

b) ao ordenado de fevereiro de 2020 de € 765,57 + € 72,82 juros vencidos desde 29 de fevereiro até 15 de julho de 2022, no total de € 838, 39 euros, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 765,57 até efetivo e integral pagamento;

c) ao ordenado de março de 2020 de € 765,57 + € 70,22 de juros vencidos desde 31 de março de 2020 até 15 de julho de 2022, no total € 835,79 euros, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 765,57 até efetivo e integral pagamento;

d) ao ordenado de abril de 2020 de € 765,57 + € 67,71 de juros vencidos desde 30 de abril de 2020 até 15 de julho de 2022, no total de € 833,28 euros, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 765,57 até efetivo e integral pagamento;

e) ao ordenado de maio de 2020 de € 765,57 + € 65,10 de juros vencidos desde 31 de maio de 2020 até 15 de julho de 2022, no total € 830,67, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 765,57 até efetivo e integral pagamento;

f) ao ordenado de junho de 2020 de € 765,57 + € 62,59 juros vencidos desde 30 de junho de 2020 até 15 de julho de 2022, no total € 828,16, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 765,57 até efetivo e integral pagamento;

g) ao ordenado de julho de 2020, exigível a partir de 01 julho, de € 796,19 + € 62,39 de juros vencidos desde 31 de julho de 2020 até 15 de julho de 2022, no total de € 858,58, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 796,19 até efetivo e integral pagamento;

h) ao ordenado de agosto de 2020 de € 796,19 + € 62,39 de juros vencidos desde 31 de agosto de 2020 até 15 de julho de 2022, no total de € 855,87, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 796,19 até efetivo e integral pagamento;

i) ao ordenado de setembro 2020 de € 796,19 + € 57,06 de juros vencidos desde 30 de setembro de 2020 até 15 de julho de 2022, no total de € 853,25, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 796,19 até efetivo e integral pagamento;

j) ao ordenado de outubro 2020 de € 796,19 + € 54,36 de juros vencidos desde 31 de outubro de 2020 até 15 de julho de 2022, no total de € 850,55, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 796,19 até efetivo e integral pagamento;

k) ao ordenado de novembro 2020 de € 796,19 + € 51,74 de juros vencidos desde 30 de novembro de 2020 até 15 de julho de 2022, no total de € 847,93, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 796,19 até efetivo e integral pagamento;

l) ao ordenado de dezembro de 2020 de € 796,19 + € 49,04 de juros vencidos desde 31 de dezembro de 2020 até 15 de julho de 2022, no total de € 845,23, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 796,19 até efetivo e integral pagamento;

m) ao proporcional de subsídio de Natal de 2020 não pago, desde 18 de janeiro de 2020 até 31 dezembro de 2020, a pagar até 15 deste mês nos termos legais, no montante de € 759,11 assim obtido - € 796,19 ordenado x 348 dias = € 277.074,12 : 365 dias = € 759,11, a que sobre esta quantia acrescem juros vencidos desde 15 de dezembro de 2020 até 15 de julho de 2022 no montante € 48,08, a qual somada a € 759,11 perfaz € 807,19, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 759,11 até efetivo e integral pagamento;

n) ao subsídio de férias a pagar em 2020, não recebido, desde 18 de janeiro de 2020 até 31 de dezembro de 2020 (proporcional de 348 dias de 2020), no montante de 759,11, a que acrescem juros desde 31 de dezembro de 2020 até 15 de julho de 2022 no montante de € 46,75, perfazendo € 805,86, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 759,11 até efetivo e integral pagamento;

o) ao ordenado de janeiro de 2021 em vigor durante todo o ano de 2021 de € 800,17 + € 46,56 de juros vencidos desde 31 de janeiro de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 846,7 3, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivo e integral pagamento;

p) ao ordenado de fevereiro de 2021 de € 800,17 + € 44,11 de juros vencidos desde 28 de fevereiro de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 844,28, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivo e integral pagamento;

q) ao ordenado de março de 2021 de € 800,17 + € 41,29 de juros vencidos desde 31 de março de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 841,56, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivo e integral pagamento;

r) ao ordenado de abril de 2021 de € 800,17 + € 38,76 de juros vencidos desde 30 de abril de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 838,93, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivo e integral pagamento;

s) ao ordenado de maio de 2021 de € 800,17 + € 36,04 de juros vencidos desde 31 de maio de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 836,31, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivo e integral pagamento;

t) ao ordenado de junho de 2021 de € 800,17 + € 33,41 de juros vencidos desde 30 de junho de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 833,58, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivo e integral pagamento;

u) ao ordenado de julho de 2021 de € 800,17 + € 30,69 de juros vencidos desde 31 de julho de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 830,86, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivo e integral pagamento;

v) ao ordenado de agosto de 2021 de € 800,17 + € 27,97€ de juros vencidos desde 31 de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 836,31, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivo e integral pagamento;

t) ao ordenado de junho de 2021 de € 800,17 + € 33,41 de juros vencidos desde 30 de junho de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 833,58, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivos e integral pagamento;

u) ao ordenado de julho de 2021 de € 800,17 + € 30,69 de juros vencidos desde 31 de julho de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 830,86, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivos e integral pagamento;

v) ao ordenado de agosto de 2021 de € 800,17 + € 27,97€ de juros vencidos desde 31 de agosto de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 828,14, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivo e integral pagamento;

w) ao ordenado de setembro de 2021 de € 800,17 + € 25,34 de juros vencidos desde 30 de setembro de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 825,51, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 800,17 até efetivo e integral pagamento;

x) ao ordenado correspondente aos primeiros sete dias de outubro de 2021, no montante de € 26,67 + € 0,82 de juros vencidos desde 07 de outubro de 2021 até 15 de julho de 2022, no total de € 27,49, exigindo ainda os juros vincendos sobre aquela quantia de € 26,67 até efetivo e integral pagamento.

6. O exequente, no período compreendido entre janeiro de 2021 e dezembro de 2021 recebeu a quantia de 501,16 € mensais, medidas APOIO COVID 19, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 156.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, no total de 6.013,92€, do Instituto da Segurança Social;

7. O benefício foi atribuído por se tratar de trabalhador por conta de outrem (TCO) em situação de desemprego involuntário sem acesso à prestação de desemprego.

8. O Exequente, em junho de 2020 foi contratado pela empresa B..., S.A. Nipc ..., para a qual trabalhou esse mês, tendo auferido o montante global de €692,86.

                                                              *

                                           *

b) - Discussão

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do CPC).

Assim, cumpre apreciar a questão suscitada pelo recorrente, qual seja:

- Se não deve ser descontado à quantia exequenda o montante total de € 6.013,92 pago ao exequente pelo Instituto da Segurança Social (alínea b) do n.º 2 do artigo 156.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro).

                                                             *

Alega o recorrente que:

- A sentença violou o art. 390.º do Código do Trabalho que não permite descontar a quantia de 6.013,92 euros recebida pelo recorrente da Segurança Social a título de apoio extraordinário, ao abrigo do art. 156.º da Lei n.º 75-B/2021, de 31 de dezembro.

- A recorrida deve pagar ao recorrente a quantia de valor ilíquido € 17.645,41 deduzida dos descontos legais para a Segurança Social à taxa de 11% e da taxa devida em sede IRS, incluindo naquele valor os juros legais vencidos e vincendos até integral pagamento de tal montante.

Consta da decisão recorrida o seguinte:

“In casu, temos que o Exequente, tem direito a ser pago das retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da interposição da ação cuja sentença foi dada à execução (26/01/2020) até à data do trânsito da sentença que declara a ilicitude do despedimento, ou seja 08/11/2021, deduzindo-se ao montante obtido o valor que o trabalhador tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria recebido se não fosse o despedimento.

Ora, teria então o autor direito às retribuições devidas entre 26/01/2020 e 08/11/2021, que inclui a retribuição do período de férias e os subsídios de férias e de Natal respetivos1, num total de € 18.338,27.

Contudo, a tal quantia ter-se-á que o valor que o trabalhador tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria recebido se não fosse o despedimento.

No caso, ficou provado que o autor o exequente, no período compreendido entre Janeiro de 2021 e Dezembro de 2021 recebeu a quantia de 501,16 € mensais, medidas APOIO COVID 19, ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 156.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro2, no total de 6 013,92€, do Instituto da Segurança Social;

O benefício foi atribuído por se tratar de trabalhador por conta de outrem (TCO) em situação de desemprego involuntário sem acesso à prestação de desemprego

Provou-se, também, que, o Exequente, em Junho de 2020 foi contratado pela empresa B..., S.A. Nipc ..., para a qual trabalhou esse mês, tendo auferido o montante global de €692,86.

Ora em face disto, é logico, depreender que, se não fosse a cessação do contrato de trabalho com a executada, não teria o autor auferido os montantes a que se referem os pontos 6. e 8. da matéria de facto provada, pelo que, deduzindo estes valores ao seu crédito, tem o autor direito ao valor ilíquido €11 631,49.

A lei não diz se as retribuições intercalares são líquidas ou ilíquidas.

O art.º 276.º n.º 3 do Código do Trabalho prescreve que até ao pagamento da retribuição, o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual constem a identificação daquele, o nome completo, o número de inscrição na instituição de segurança social e a categoria profissional do trabalhador, a retribuição base e as demais prestações, bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber.

Resulta desta norma jurídica que o empregador está obrigado a mencionar no recibo de vencimento as quantias a reter relativas à segurança social e imposto sobre o rendimento (e eventualmente outras), ficando seu fiel depositário e obrigado a entregá-las às entidades correspondentes, como prescreve o art.º 98.º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares.

O mesmo se passa em relação às retribuições intercalares. Estas são rendimento, nos termos do art.º 2.º do CIRPS e não estão excecionadas.

O empregador está obrigado a emitir recibo com os requisitos enumerados no art.º 276.º n.º 3 do CT e a entregar ao trabalhador apenas a quantia líquida. Não ocorre um enriquecimento injustificado do empregador, uma vez que está legalmente obrigado a entregar as quantias retidas às autoridades respetivas. O trabalhador não sai empobrecido, uma vez que estaria sempre sujeito à incidência da taxa única relativa à segurança social e ao imposto sobre o rendimento.

Quando o art.º 390.º n.º 1 do Código do Trabalho prescreve que o trabalhador tem direito “a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento”, tem em vista o seu pagamento como se o trabalhador estivesse ao serviço. Estando o trabalhador ao serviço, está obrigado a efetuar os descontos legais para a segurança social e a título de imposto sobre o rendimento. Não existe qualquer justificação legal ou de justiça material para que o trabalhador deixe de efetuar os descontos nos termos legais.

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.06.20103, decidiu precisamente neste sentido:

“Embora o referido n.º 1 do art.º 437.º (correspondente ao atual 390.º n.º 1), ao estatuir que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, não refira se o valor da retribuição a considerar é a retribuição ilíquida ou líquida, resulta da letra da lei que a retribuição em causa corresponde à quantia que o trabalhador deixou de auferir, isto é, a quantia ilíquida que deve entender-se como retribuição do trabalho e sobre a qual incidem os descontos legais”.

Termos em à quantias devidas deverá a entidade empregadora deduzir os montantes devidos a titulo de IRS (€959,60) e contribuições à Segurança Social (€1.279,46)4, perfazendo o valor ilíquido de €9.392,43, a que acrescem juros contabilizados até ao momento da prolação da presente sentença, no valor de €550,68.

Vejamos:

Por força do disposto no artigo 390.º, do CT, em caso de despedimento ilícito o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare aquela ilicitude, sendo que, a tais retribuições deduzem-se as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, bem como o subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no mesmo período, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

Por outro lado, consta do artigo 156.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, o seguinte:

Apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores

1 - É criado o apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores, com o objetivo de assegurar a continuidade dos rendimentos das pessoas em situação de particular desproteção económica causada pela pandemia da doença COVID-19.

2 - São abrangidos pelo apoio referido no número anterior os trabalhadores e os membros de órgãos estatutários que, a partir de 1 de janeiro de 2021, se enquadrem nas seguintes situações:

(…)

b) Os trabalhadores por conta de outrem, incluindo os trabalhadores do serviço doméstico, os trabalhadores independentes economicamente dependentes e os membros de órgãos estatutários com funções de direção que, por razões que não lhes sejam imputáveis, ficaram em situação de desemprego, sem acesso à respetiva prestação, e que tenham, pelo menos, três meses de contribuições nos 12 meses imediatamente anteriores à situação de desemprego;

(…)

11 - Os beneficiários do apoio previsto no presente artigo estão sujeitos aos deveres previstos no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro.” sublinhado nosso.

Resulta dos normativos citados que às retribuições a que o trabalhador tem direito por força do despedimento ilícito são deduzidas as importâncias que o trabalhador aufira e que não receberia se não fosse aquele.

Assim sendo, como é, facilmente se conclui que tendo sido atribuído ao trabalhador o referido apoio extraordinário por ter ficado em situação de desemprego e sem acesso à respetiva prestação, o montante que recebeu a este título no total de € 6.013,92 tem de ser deduzido às retribuições liquidadas a que tem direito, na medida em que, não fora a cessação do contrato de trabalho e o trabalhador nunca teria recebido tal quantia.

Aliás, o mesmo ocorre com o subsídio de desemprego (alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do CT), sendo que, conforme resulta do n.º 11 do citado artigo 156.º, os beneficiários do apoio previsto no presente artigo estão sujeitos aos deveres previstos no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro que estabelece o regime jurídico de proteção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem.

Ao contrário do alegado pelo recorrente inexiste qualquer fundamento legal para distinguir entre desemprego involuntário resultante da COVID (nas palavras do recorrente) e despedimento ilícito, posto que, a lei também não o faz quando refere, a propósito da abrangência do referido apoio extraordinário, por razões que não lhes sejam imputáveis, ficaram em situação de desemprego, sem acesso à respetiva prestação.

E conforme resulta do artigo 12.º da Portaria n.º 19-A/2021, de 25/01 (regulamenta os procedimentos de atribuição do apoio extraordinário ao rendimento dos trabalhadores, criado com o objetivo de assegurar a continuidade dos rendimentos das pessoas em situação de particular desproteção económica causada pela pandemia da doença COVID-19), sob a epígrafe “Cumulação”:

1 - O apoio extraordinário não é cumulável com rendimentos do trabalho nem com prestações substitutivas de rendimentos do trabalho.

2 - O apoio não é cumulável com outros apoios atribuídos no âmbito da resposta à pandemia por COVID-19.

3 - O apoio extraordinário a que se refere o n.º 3 do artigo 14.º não é cumulável com apoios de idêntica natureza concedidos ao abrigo de Decreto do Governo que determine encerramento de atividades ou de estabelecimentos.”

Acresce que inexiste qualquer fundamento legal para o trabalhador receber duas vezes aquilo a que tem direito.

O referido apoio extraordinário só é concedido ao trabalhador que ficou em situação de desemprego involuntário e que não recebe o respetivo subsídio.

A não ser assim criar-se-ia uma desigualdade infundada entre o trabalhador alvo de um despedimento ilícito que se encontrasse a receber subsídio de desemprego e que teria de ser deduzido às retribuições devidas e aquele a quem foi atribuído o referido apoio extraordinário por não ter direito àquele subsídio.

Por fim, assiste razão ao recorrente quando alega que a empregadora não tem de ser premiada com a dedução da quantia de € 6.012,92.

Na verdade, é nosso entendimento que, à semelhança do que ocorre com o subsídio de desemprego e resulta da alínea c) do n.º 2 do artigo 390.º do CT, tal quantia paga pelo ISS deve ser deduzida à quantia exequenda tal como consta da sentença recorrida e entregue pela empregadora executada à segurança social.

                                                             *

Improcedem, assim, as conclusões do recorrente, impondo-se a manutenção, da decisão recorrida.

                                                             *                                                        

III – Sumário[2]

(…).

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                                                             *

IV - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente a apelação confirmando-se a decisão recorrida, devendo a embargante entregar à Segurança Social a quantia de € 6.012,92 a deduzir às retribuições em dívida ao exequente.                                                  

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Custas a cargo do recorrente.

                                                             *

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                                                                                            Coimbra, 2024/01/12

                                                                             


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(Paula Maria Roberto)

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 (Mário Rodrigues da Silva)

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(Felizardo Paiva)     


[1] Relator – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
   Felizardo Paiva

[2] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.