Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | CRISTINA NEVES | ||
| Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR INOMINADA REQUISITOS AMEAÇA DE LESÃO GRAVE E DIFICILMENTE REPARÁVEL DO DIREITO REGISTO PREDIAL PRESUNÇÃO DA EXISTÊNCIA DO DIREITO | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 4 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 362.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ARTIGO 7.º DO CÓDIGO DE REGISTO PREDIAL. | ||
| Sumário: | I-O decretamento da providência cautelar inominada, prevista no artº 362 do C.P.C. exige a verificação dos seguintes requisitos cumulativos: a probabilidade séria da existência do direito; o fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora) a tal direito; a adequação da providência, como medida de tutela provisória, ao fim visado; que o prejuízo que resulte do deferimento da providência não seja superior àquele que se visa acautelar.
II-Não constitui ameaça de lesão grave e dificilmente reparável do direito da A., a comunicação expedida por aquele que tem a seu favor o registo de propriedade do imóvel e que goza da presunção da existência do direito (artº 7 do C.R.P.), para que a A. lho restitua em prazo certo, sob pena de recorrer à acção de reivindicação, por tal actuação corresponder ao exercício do seu direito. III-A tal não obsta a alegação de que a aquisição do imóvel é inválida, pretendendo a requerente interpor acção principal para ser anulado o acto, uma vez que é nessa acção, ou na acção de reivindicação que o requerido vier a intentar, que tais factos poderão ser alegados e discutidos. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | *
Recorrente: AA Recorrido: BB Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Emília Botelho Vaz Francisco Costeira da Rocha
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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra RELATÓRIO AA, instaurou o presente procedimento cautelar comum contra o requerido, BB, pedindo que sejam decretadas as seguintes providências (a produzir efeitos e a vigorar até que verifique a existência de decisão final, transitada em julgado, a proferir na ação principal, a intentar): “A) – Reconhecimento à Requerente do direito/autorização/permissão para – como, consecutiva e ininterruptamente, até à presente data, veio sempre ocorrendo, desde a aquisição dos imóveis –, permanecer investida, de facto, do exercício pleno dos direitos de propriedade e de posse, efectivos, reais, materiais e substantivos, bem como dos correlativos direitos de habitação (a que está associado o direito ao domicílio e, dentro deste, o direito à reserva e intimidade da vida privada, cujo substracto, por sua vez, comporta outras subcategorias de direitos, especialmente o direito de não ser incomodada/perturbada no seu domicílio, o direito à tranquilidade, o direito ao sossego e direito ao descanso, que se assumem como importantes direitos de personalidade, todos encontrando protecção constitucional), de ocupação, de uso e de fruição, com exclusão, afastamento e abstenção e de outrem, nomeadamente do Requerido e/ou de quaisquer terceiros por este mandatados, instruídos e/ou instigados e/ou que, por qualquer outra forma, com este colaborem, separada e/ou conjuntamente; B) – Consentaneamente com o requerido na alínea A) anterior, imposição ao Requerido da obrigação de ser abster, de ficar inibido, impedido e proibido de – por qualquer forma e meio, directa ou indirectamente, por si próprio e/ou por intermédio de terceiros (pelo Requerido mandatados, instruídos e/ou instigados e/ou que, de qualquer outro modo, com este colaborem, actuando separada e/ou conjuntamente) –, designadamente e sem limitar, através de notificações (verbais ou escritas) e/ou quaisquer outras tipologias de actuação pessoais, físicas, presenciais, directas e materiais, desenvolver e concretizar a prática de quaisquer actos que violem, desrespeitem, afectem, perturbem e/ou consubstanciem qualquer espécie de intromissão, invasão e/ou devassa de todos ou de alguns dos direitos elencados na anterior alínea B), visando, nomeadamente, a conquista e a tomada de posse, por ele, dos referidos imóveis.” Alega para tanto ser a única herdeira de CC e de DD e que, fruto do estado mental do falecido DD e aproveitando-se da sua fraqueza e instabilidade mental e emocional, o requerido o convenceu a vender-lhe os imóveis descritos nos autos por um preço inferior ao real, e sem que nenhum dos valores indicados na escritura lhe tivesse sido pago e sem que este tivesse verdadeira consciência do acto, sendo assim o negócio anulável. Mais alega que intentou a resolução pacífica deste litígio, tendo sido surpreendida no dia 27/05/2025 com carta do requerido a exigir-lhe a entrega dos imóveis. A propósito dos requisitos específicos que justificariam a decretação deste procedimento cautelar alega o seguinte: “(…) a Requerente irá, necessariamente, intentar acção judicial declarativa comum contra o Requerido, tendo por objecto, justamente, o desiderato sintetizado no anterior art. 34º, com fundamento na factualidade que também está na origem do presente procedimento cautelar que é instaurado como preliminar dessa acção, nos termos previstos no artigo 364º, n.º 1 do CPC. 36º Fazendo apelo às regras da experiência judiciária, é facilmente concluível que tal acção declarativa comum, com o referido objecto, implicará, previsivelmente, um período de tramitação, até à prolação de decisão final, transitada em julgado (e sem atender a eventual fase executiva/coercitiva), nunca inferior a cerca de 2 anos – constituindo esta realidade facto notório. 37º Compreensivelmente também, facilmente se percebe que a Requerente não poderá estar sujeita a essa tramitação comum e a todo o período que a mesma implica, sem que sejam aplicadas medidas cautelares – a decretar no âmbito do presente procedimento, nos termos supra preconizados nos arts. 32º e 33º – que assegurem, adequadamente, e durante esse período, a protecção da efectividade dos direitos até ao presente momento exercidos, realmente, efectivamente, materialmente e substantivamente, pela Requerente, e que estão a ser, agora, ameaçados pelo Requerido (cfr. arts. 28º-a), 29º in fine e 30º). 38º Assinale-se que o “ultimato” que claramente decorre do prazo que é imposto por meio da comunicação do solicitador mandatado pelo Requerido, dirigida à Requerente, surgida no contexto do art. 19.40º, em postura abrupta, imediatista e objectivamente violenta e impactante (depois de ter estado sempre em silêncio, escondido), especialmente para quem se encontra na posição concreta da Requerente, que vê os seus acima referidos direitos atacados, permite, como dissemos, a formulação de um indubitável juízo, no sentido de prever, com a mesma certeza, que, se o Requerido não for obrigado a abster-se, nem impedido – pelo Sistema Judicial, por meio rápido, urgente e cautelar – da prática de novos actos, iguais ou idênticos àquele, ou outros, e enquanto não for prolatada decisão, transitada em julgado, na acção principal a instaurar, ele persistirá em empreender actuação com o objectivo de subtrair e violentar tais direitos, e de ficar investido do domínio e do controlo (que seria ilegítimo e ilícito, por todos os motivos acima demonstrados) sobre os imóveis, o que, a acontecer, se consubstanciaria numa lesão grave e dificilmente reparável para a Requerente, por força da privação que lhe seria infligida relativamente ao gozo desses direitos, de que se destaca, em especial, o substracto dos direitos de propriedade e de posse efectiva, materializados, nos seus núcleos essenciais, também, através dos direitos de habitação (a que está associado o direito ao domicílio e, dentro deste, o direito à reserva intimidade da vida privada – cfr. supra citados artigos 34º, 62º, 65º, n.º 1 da CRP e artigos 80º e 82º, n.º 1 do CC), de ocupação, de uso e de fruição. 39º Daqui, a necessidade, a pertinência, a justificabilidade, a utilidade, a adequabilidade e a urgência – que é ainda mais reforçada pela circunstância de nos encontramos em período de férias judiciais –, na obtenção de decisão cautelar, no âmbito do presente procedimento, cujos efeitos e vigência deverão ser mantidos até que verifique a existência de decisão final, transitada em julgado, a proferir na acção principal, a intentar; decisão cautelar essa que, tendo por objecto os imóveis supra identificados nos arts. 3.1º e 3.2º, se requer seja no seguinte sentido, talqualmente vimos expondo: ----- A) – Reconhecimento à Requerente do direito/autorização/permissão para, como até à presente data e desde a aquisição dos imóveis, permanecer investida do exercício pleno dos direitos de propriedade e de posse, efectivos, reais, materiais e substantivos, bem como dos correlativos direitos de habitação (a que está associado o direito ao domicílio e, dentro deste, o direito à reserva e intimidade da vida privada, cujo substracto, por sua vez, comporta outras subcategorias de direitos, especialmente o direito de não ser incomodado/perturbado no seu domicílio, o direito à tranquilidade, o direito ao sossego e direito ao descanso, que se assumem como importantes direitos de personalidade, todos encontrando protecção constitucional), de ocupação, de uso e de fruição, com exclusão, afastamento e abstenção de outrem, nomeadamente do Requerido e/ou de quaisquer terceiros por este mandatados, instruídos e/ou instigados e/ou que, por qualquer outra forma, com este colaborem, separada e/ou conjuntamente; ----- B) – Imposição ao Requerido da obrigação de ser abster, de ficar inibido, impedido e proibido de – por qualquer forma e meio, directa ou indirectamente, por si próprio e/ou por intermédio de terceiros (pelo Requerido mandatados, instruídos e/ou instigados e/ou que, de qualquer outro modo, com este colaborem, actuando separada e/ou conjuntamente) –, designadamente e sem limitar, através de notificações (verbais ou escritas) e/ou quaisquer outras tipologias de actuação pessoais, físicas, presenciais, directas e materiais, desenvolver e concretizar a prática de quaisquer actos que violem, desrespeitem, afectem, perturbem e/ou consubstanciem qualquer espécie de intromissão, invasão e/ou devassa de todos ou de alguns dos direitos elencados na anterior alínea B), visando, nomeadamente, a conquista e a tomada de posse, por ele, dos referidos imóveis. 40º Relegar a solução e a resposta jurídica que o caso concreto exige para a necessidade de obtenção (apenas) de uma decisão declarativa comum condenatória, transitada em julgado, não se afigura, em absoluto, compatível com a realidade sub judicio e merecedora de tutela efectiva, e no razoável urgente prazo que a realidade demanda, justificando-se, plenamente, o decretamento das providências ínsitas às precedentes alíneas A) e B), para o efeito se invocando o regime das disposições conjugadas dos artigos 362º, n .º 1 do CPC, e do artigo 20º, n.ºs 4, 5 da CRP.” * Por despacho de 02/09/2025, foi indeferido liminarmente o presente procedimento cautelar, com os seguintes fundamentos: “(…) Reconhecendo-se a todos o acesso ao direito a uma tutela jurisdicional efetiva, o deferimento da providência cautelar requerida, além de esgotar o objeto da ação principal, significaria a compressão injustificada desse direito, ao impor ao requerido a obrigação de se abster, de ficar inibido, impedido e proibido de o exercer (cf. artigo 20.º, n.os 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e 2.º do Código de Processo Civil) Na verdade, nem o descrito comportamento do requerido traduz qualquer ameaça aos direitos que a requerente invoca, nem a concretização dessa ameaça (ou a reiteração de idêntica notificação) representará uma lesão desses direitos, inexistindo qualquer alegação que permita antever que o requerido venha a proceder a quaisquer outras tipologias de atuações pessoais, físicas, presenciais, diretas e materiais ou a praticar quaisquer atos que violem, desrespeitem, afetem, perturbem e/ou consubstanciem qualquer espécie de intromissão, invasão e/ou devassa de todos ou alguns dos direitos elencados (…), nomeadamente, a conquista e a tomada de posse, por ele, dos referidos imóveis (que não através de medidas legais, nomeadamente, pelos meios judiciais previstos na legislação em vigor, única advertência que expressou). De facto, não configura uma situação de ameaça de lesão o facto de o requerido demonstrar intenção de propor uma ação tendente a obter a restituição de um bem (11). Posto isto, na ausência de factos de que possa extrair-se o prejuízo excessivo e, por isso, intolerante, desproporcionado ou inexigível para o requerente com a demora da ação, conclui-se que, independentemente da produção de prova que viesse a admitir-se, nunca se verificaria um dos requisitos da procedência do procedimento cautelar, sendo certo que qualquer providência tem cariz excecional e apenas pode ser usada em situações de urgência e cabal necessidade, quando a ação de que é dependente não possa, atempadamente, apreciar e tutelar – pelas vias normais e com plena igualdade de armas dos litigantes – o pedido do autor (12). No caso em apreço, não resulta do requerimento inicial a alegação de factos concretos e consistentes que permitam afirmar com rigor, objetividade e distanciamento a seriedade e a atualidade da ameaça, bem como a necessidade de serem adotadas medidas urgentes que permitam evitar o prejuízo (13). Nestas circunstâncias, os autos possibilitam, desde já, constatar que o presente procedimento cautelar é manifestamente improcedente (cf. artigo 590.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).” * Não conformado com esta decisão, impetrou a requerente recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “1ª – Ao decidir como decidiu, proferindo sentença, liminar, de indeferimento do procedimento cautelar comum instaurado pela Recorrente, fazendo uso do disposto no artigo 590º, n.º 1-1ª parte do CPC, não permitindo, desse modo, a apreciação de mérito dos fundamentos da causa de pedir e do pedido cautelares, o Mmo. Juiz a quo violou: a) – Esse normativo; b) – Desde logo, também, por omissão de aplicação, o artigo 366º, n.º 1-ab initio e n.º 2, e o artigo 367º, do CPC; c) – Adicionalmente, por via indirecta e igualmente por omissão de aplicação, as disposições conjugadas dos artigos 377º, 379º (enquanto preceitos aplicáveis como “auxiliares interpretativos”), 368º e 362º, todos do CPC; d) – Ainda por via indirecta e no domínio do direito substantivo, os artigos 1305º e 1302º; 1484º; 82º, n.º 1 e 80º, n.º 1, todos os Cód. Civil; e) – E, finalmente, no domínio constitucional, os artigos 34º, 62º, 65º, n.º 1 e 66º, n.º 1, da CRP. 2ª – Essa violação decorreu da circunstância de, em análise (superficializada) do caso concreto, o Mmo. Juiz a quo ter interpretado os citados normativos no sentido de que, de acordo com os fundamentos da causa de pedir e do pedido cautelares, e segundo a sua perspectiva (errática): 2.1ª – Sendo decretada a providência cautelar, quanto ao primeiro pedido, não se reconheceria aquela provisoriedade, esgotando-se na respectiva decisão o efeito da pretensão definitiva, pretendendo a Requerente uma antecipação de decisões a proferir na acção principal, o que representaria, não uma tutela cautelar, mas uma tutela definitiva urgente; 2.2ª – O comportamento do Requerido não traduz qualquer ameaça aos direitos que a Requerente invoca, nem a concretização dessa ameaça (ou a reiteração de idêntica notificação) representará uma lesão desses direitos; 2.3ª – No caso em apreço, não resulta do requerimento inicial a alegação de factos concretos e consistentes que permitam afirmar, com rigor, objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça, bem como a necessidade de serem adoptadas medidas urgentes que permitam evitar o prejuízo; 2.4ª – Os autos possibilitam constatar, in limine, a improcedência do procedimento, e, por isso, não seria de exigir a citação do Requerido para deduzir oposição, nem se imporia designar data para a realização de audiência final, destinada à produção probatória requerida, na conclusão da qual haveria de ser prolata decisão que versasse sobre o mérito dos fundamentos da causa de pedir e do pedido cautelares. 3ª – Deveria tê-los interpretado – quer na sua autonomia normativa (adjectiva e substantiva), quer na sua conjugação intra-sistemática –, em sentido contrário. Justamente no sentido de que: 3.1ª – A Requerente não pretende tirar de esforço uma decisão definitiva com base no que se justifica, apenas e neste momento, ser cautelar – isto é: transformar a instância cautelar numa acção comum/principal; 3.2ª – A matriz daquilo que a Recorrente requer não é, para já, nesta sede cautelar, o reconhecimento do direito de propriedade, tout court / stricto sensu, em si mesmo considerado, mas, antes, o direito de continuar investida, como até aqui, do exercício substractal que esse direito comporta na sua dimensão material/substantiva, que são vertentes distintas e que estão bem delimitadas no pedido cautelar; 3.3ª – O que está em causa não são os direitos de posse e de propriedade, propriamente ditos e formalmente considerados, mas, antes, o exercício, pleno (entenda-se a prática de actos, como até aqui, sem interferências, perturbadoras, de terceiros), prático, efectivo, real, material e substantivo que advém da titularidade (também prática, efectiva, real, material e substantiva), pela Requerente (agora, individualmente; anteriormente, conjuntamente e sucessivamente com os progenitores), dos imóveis identificados nos arts. 3.1º e 3.2º do requerimento inicial, que, inquestionavelmente, o Requerido intenta violar com todo o comportamento que foi empreendendo e que a comunicação corporizada no Grupo de Docs. n.º 21 percute de forma expressa e veemente, com a gravidade acrescida de ser bem conhecedor da fraude em que – até chegar a tal comunicação –, enredou DD, conforme devidamente explicitado no requerimento inicial (vide arts. 15º e seguintes). 3.4ª – O que a Recorrente pede é que o Requerido seja, cautelarmente, impedido de prosseguir a sua escalada de prática de mais actos tendentes a conseguir levar a cabo o seu ilegítimo, ilícito e ignóbil plano de apossamento e de apropriação dos dois imóveis identificados nos arts. 3.1º e 3.2º do requerimento inicial, sendo fundando o receio de que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável no exercício dos direitos de posse efectiva, habitação, ocupação, uso e fruição, livres (que são apenas decorrência e ramificação da posse e da propriedade materiais), em consequência de todo o denunciado comportamento do Requerido – o que está sobejamente alegado (e que o Mmo. Juiz a quo, erroneamente, irrelevou), destacando-se, designadamente e com importância para o objecto do presente recurso, o vertido nos arts. 19.40º a 19.45º e 28º a 39º do requerimento inicial. 3.5ª – Os fundamentos da causa de pedir cautelar exigiam e exigem, no mínimo, a produção probatória indicada no requerimento inicial, em audiência final, com citação, prévia, do Requerido; e não a prolação de decisão, liminar, de indeferimento. 4ª – Destarte, e em conformidade com a correcta interpretação normativa que acabámos de defender nas precedentes conclusões 3ª a 3.5ª, apela-se a que, nesta instância de recurso, seja proferido acórdão que determine a anulação e revogação da sentença ora impugnada, ordenando-se, em consequência, a remessa dos autos à Primeira Instância para que, aqui, o Tribunal a quo cumpra o disposto nos referidos artigo 366º, n.º 1-ab initio e n.º 2, e artigo 367º, do CPC, respectivamente, citando o Requerido para deduzir oposição e, sequencialmente, designando data para a realização de audiência final, destinada à produção probatória requerida, na conclusão da qual haverá de prolatar decisão que verse sobre o mérito dos fundamentos da causa de pedir e do pedido cautelares.”
* Citado o requerido, veio este deduzir oposição, e apresentar contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
*** QUESTÕES A DECIDIR Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2] Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apreciar: *
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
*** FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Insurge-se a recorrente contra a decisão que indeferiu liminarmente o presente procedimento cautelar, por o considerar manifestamente improcedente, pretendendo, na sua confusa argumentação, que o tribunal efectuou uma leitura errónea da matéria alegada e das pretensões da requerente que visariam apenas assegurar o exercício dos seus poderes de posse e fruição dos imóveis em causa, “sendo fundando o receio de que lhe seja causada lesão grave e dificilmente reparável no exercício dos direitos de posse efectiva, habitação, ocupação, uso e fruição, livres” pelo comportamento do requerido. Opõe o requerido que não se verificam, nem foram alegados, os requisitos para a decretação desta providência. As providências cautelares inominadas, conforme decorre do disposto no artº 362 do C.P.C., destinam-se a assegurar a efectividade do direito ameaçado, de forma a evitar que o deferimento do reconhecimento deste direito em acção comum, retire utilidade prática à decisão, por se terem já consolidado danos na esfera jurídica da requerente, irreparáveis ou dificilmente reparáveis. Não se destinam a regular de forma definitiva o direito invocado, muito menos a coarctar ou restringir, sem qualquer relação com o direito que se pretende acautelar, direitos dos requeridos, nomeadamente o direito de reivindicar coisa imóvel, de que sejam proprietários inscritos (gozando assim da presunção que lhes confere o artº 7 do Código do Registo Predial), de terceiro, ou de intentar acção judicial com vista a obter a restituição destes imóveis. Acção na qual se poderá discutir a validade da aquisição da propriedade pelo titular inscrito. Nesta medida, para além do requisito da titularidade do direito, exige-se não só a verificação de um periculum in mora, ma também que as providências requeridas sejam as adequadas a assegurar a efectividade do direito ameaçado. Assim sendo, constituem fundamentos para o decretamento de providência cautelar inominada: -a probabilidade séria da existência do direito, um “fumus boni juris”, exigindo-se apenas uma análise sumária, de acordo com juízos de verosimilhança e credibilidade de o direito invocado e a acautelar já existe ou pode vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor; -o fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável (“periculum in mora”) a tal direito, pressupondo-se que a lesão ainda se não consumou; -a adequação da providência, como medida de tutela provisória, ao fim visado, ou seja que esta se afigure como a mais adequada a impedir a situação de lesão eminente e assegurar a efectividade do direito ameaçado; -por último, que o prejuízo que resulte do deferimento da providência não seja superior àquele que se visa acautelar. Ora, o direito aqui invocado e cuja efectividade alegadamente se visaria com a decretação da providência, é a salvaguarda do direito da requerente sobre o imóvel, como única herdeira dos falecidos CC e DD, com fundamento na alegada anulabilidade do negócio translativo da propriedade deste imóvel celebrado entre o DD e o requerido. No entanto, não se vê em que medida tal direito se mostra ameaçado, ou de que forma a demora na acção que a requerente menciona ir intentar, poderá causar uma lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito. Conforme se refere em acórdão da Relação de Lisboa de 04.12.2012[3], “o periculum in mora é um «conceito jurídico indeterminado gradativo, “carecido de preenchimento valorativo” a fazer no confronto do caso concreto, à luz dos padrões socioculturais do tipo de comportamento ou situação social relevante e da teleologia subjacente à norma em que se inscreve (…). Nessa perspectiva, não se deverá partir de uma bitola genérica, meramente abstracta, mas antes tomar em linha de conta as particularidades da situação singular em presença, de forma a perscrutar nelas os sinais apelativos de uma justiça equitativa que permita, de algum modo, a aplicação flexível da norma, num esforço de conciliação ou síntese entre os valores ético-sociais e o direito. Há, no entanto, que evitar interpretações arbitrárias e por isso recorrer a directrizes objectiváveis e sustentadas numa base de razão prática. Por isso, a doutrina e jurisprudência têm firmado o critério de que a lesão relevante se tem de situar num padrão de gravidade qualificada pela difícil reparabilidade dos danos ocorridos ou previsíveis, não se bastando com uma simples lesão nem com uma lesão de gravidade reduzida». A gravidade da lesão deve aferir-se à luz da sua repercussão na esfera jurídica do requerente, tendo em conta que, no concernente aos prejuízos materiais, eles são, em regra, passíveis de ressarcimento através de restituição natural ou de indemnização substitutiva”.[4] Ora, dos autos não só não resulta qualquer ameaça de lesão ao direito da requerente - nomeadamente pela petição de restituição dos imóveis pelo titular inscrito, direito que lhe assiste enquanto não for anulado o negócio aquisitivo da propriedade - como não foram alegados quaisquer factos dos quais resulte que essa lesão seria grave e dificilmente reparável, sem o decretamento da providencia ora requerida. Como bem refere a decisão recorrida, de acordo com a alegação da própria requerente e de acordo com o documento 20 que junta ao r.i., o requerido enviou, através de solicitador, uma carta em que solicita a desocupação voluntária do imóvel, no prazo de trinta dias, findo o qual “serão adotadas as medidas legais necessárias à restituição da posse do imóvel, nomeadamente através dos meios judiciais previstos na legislação em vigor” . Este acto corresponde ao exercício do direito (que se presume existir enquanto titular inscrito (conforme resulta do já mencionado artº 7 do Código de Registo Predial), não configura qualquer ameaça ao direito da requerente, muito menos que exista o perigo de uma lesão grave e dificilmente reparável. Muito pelo contrário. Nessa acção poderá a requerente contrapor os factos que alega nesta providência. Como poderá instaurar acção para obter a invalidade do negócio. Em qualquer dos casos, a tutela do seu direito estará assegurada. Assim sendo, improcede na totalidade o recurso interposto pela requerente. ***
DECISÃO a) julgar totalmente improcedente a apelação interposta, confirmando a decisão recorrida. *** Custas pela apelante pelo decaimento na providência e no recurso (artº 527 nº1 e 539 do C.P.C.). Coimbra 20/11/25
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