Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3166/15.1T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO MAGALHÃES
Descritores: ACAREAÇÃO E CONTRADITA EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO – RECURSO ADMISSÍVEL.
CONDENAÇÃO EM MULTA
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REJEITADO
Legislação Nacional: ARTº 644º, NºS 2, AL. D), 3 E 4, DO NCPC
Sumário: I - Porque não consubstanciam decisões em que se rejeitem ou se admitam meios de prova, não podem ser objecto de apelação autónoma, a coberto da previsão do artº 644º, nº 2, al. d), do NCPC, as decisões que, no âmbito da audiência final, indefiram uma acareação ou uma contradita.
II - Embora a condenação em multa e/ou em taxa sancionatória excepcional sejam decisões que, em princípio, podem ser objecto de recurso de apelação autónomo, já assim não sucederá quando fazem parte e, por isso, estejam dependentes, de decisões (e do resultado da impugnação destas) – como são os casos das decisões que indeferiram acareações e contraditas – que não admitem recurso de apelação autónomo.
Nesse caso, tais decisões que condenaram “em multa e em taxa sancionatória excepcional” devem ser impugnadas quando o forem as decisões que indeferiram a acareação e a contradita, ou seja, nos termos do nº 3 ou do nº 4 do referido artº 644º.
III - Não sendo, assim, passíveis de recurso imediato, as decisões que condenaram a parte em multa e em taxa sancionatória excepcional não transitam em julgado, tal como sucede com as que indeferiram a acareação e a contradita, até que passado seja o prazo dentro do qual, nos termos sobreditos, podem ser impugnadas.
Decisão Texto Integral: I - A) - Em acção declarativa, de condenação, com processo comum, que J... intentou, em 24/05/2015, contra J..., M... e J..., o Autor, invocando o disposto nas alíneas d) e e) do n.º 2 artigo 644.º do (novo) Código de Processo Civil Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho (doravante, NCPC, para se distinguir daquele que o antecedeu e que se designará como CPC)., interpôs o presente recurso dos despachos que, na sessão da audiência de julgamento de 24 de Outubro de 2017, foram proferidos para acta, decidindo:
1- Indeferir a acareação que, invocando o artº 523º do NCPC, aí pediu que se fizesse entre ... (testemunhas) e ele próprio, ora Autor;
2 – Condenar o Autor, com fundamento na impertinência e manifesta improcedência da requerida acareação, “numa taxa sancionatória excecional de 2 UC, ao abrigo do artº 531º do C.P.C.”;
3 - Indeferir a contradita, pedida para se fazer relativamente às testemunhas ..., com base no confronto de tais testemunhas com as declarações por elas prestadas em sede de inquérito, constantes de certidão junta aos autos;
4 – Condenar o Autor, com fundamento na impertinência e manifesta improcedência da requerida contradita, numa taxa condenatória excecional fixada em 3 UC;
5 – Condenar o Autor, nas custas dos incidentes por ele suscitados (acareação e contradita), “fixando-se a taxa de justiça relativa a cada um deles em 2UC, nos termos tabela II anexa ao R.C.P..”.
B) – Pretende o Recorrente que se admita a realização da acareação e da contradita nos termos por ele peticionados, e, sem prejuízo do que resultar dessa admissão, ainda que a mesma seja recusada, que se “reforme” o decidido “quanto às multas e taxas de justiça aplicadas, por se tratar de actividade normal e justificada em face das circunstâncias, e, assim, substituída por outra decisão que, em qualquer caso, isente o A. do pagamento de tais montantes.”.
C) – O recurso foi admitido por despacho de 04/01/2018, para subir como apelação, imediatamente e em separado, citando-se para justificar a apelação autónoma o “art. 645º, n.º2”.
II – Já neste Tribunal de Recurso o relator, em 21/02/2018, proferiu despacho de onde consta o trecho que ora se transcreve:
«[…] Como é sabido, a actual regra em matéria de recursos de apelação (nº 1, alíneas a e b), do artº 644º do NCPC) é a de que apenas cabe recurso de apelação (imediato) da decisão do tribunal de 1.ª instância que ponha termo à causa, ou a procedimento cautelar ou a incidente processado autonomamente (al. a)), ou que tratando-se de decisão proferida no saneador, a mesma, não obstante não ter posto termo ao processo, seja uma decisão de mérito – v.g., porque decide da procedência ou da improcedência alguma excepção peremptória -, ou que absolva “...da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.”.
Portanto, se a decisão, não pondo termo à causa, A decisão de indeferimento liminar põe termo à causa, estando abarcada na previsão da al. a) do nº 1 do referido artº 644º. não é de mérito, nem absolve “...da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”, não é, à luz do nº 1 do artº 644º do NCPC, passível de apelação autónoma, a não ser que esteja abarcada na situações excepcionais previstas no nº 2 do citado artº 644º, ou em alguma norma especial que assim o preveja (v.g., o artº 27º, nº 6, do Regulamento das Custas Processuais - RCP).
As demais decisões, não abarcadas nesses preceitos, podem (e apenas podem) ser impugnadas juntamente com o recurso que venha a ser interposto da decisão final ou, se não houver recurso e a impugnação tiver interesse autónomo para a parte, em recurso único a interpor depois de a decisão final transitar em julgado (art. 644.º, n.º s 3 e 4, do NCPC).
Vejamos.
A mera decisão condenatória em custas não equivale nem à “...condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional...” a que se reporta o nº 6 do artº 27º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), nem equivale a decisão “...que condene em multa ou comine outra sanção processual...”, prevista na alínea e) do nº 2 do artº 644º do NCPC;
Por outro lado, o indeferimento de acareação ou de contradita não equivale, para efeitos do disposto no artº 644º, nº 2, e), do NCPC, à “rejeição” de um meio de prova, nem põe termo a incidente “processado autonomamente”, não sendo, assim, passível de recurso de apelação autónomo imediato.
A condenação em multa e em taxa sancionatória excepcional são decisões, que, em princípio, podem ser objecto de recurso de apelação autónomo, mas assim já não sucederá quando, como é o caso, fazem parte e, por isso, estejam dependentes Diferente seria, pensamos, se o Autor se conformasse com a condenação e quisesse apenas impugnar os montantes da mesma., de decisões (e do resultado da impugnação destas) – como são os casos das decisões que indeferiram acareações e contraditas – que não admitem recurso de apelação autónomo.
Nesse caso, tais decisões que condenaram “em multa e em taxa sancionatória excepcional” devem ser impugnadas quando o forem as decisões que indeferiram a acareação e a contradita, ou seja nos termos do nº 3 ou do nº 4 do artº 644º.
E não sendo assim passíveis de recurso imediato, as decisões que condenaram a parte em multa e em taxa sancionatória excepcional não transitam em julgado, tal como sucede com as que indeferiram a acareação e a contradita, até que passado seja o prazo dentro do qual, nos termos sobreditos, podem ser impugnadas.
Entendendo-se, pois, em face do exposto, que as decisões em causa não admitem recurso de apelação imediato, o que, nesta fase, conduzirá a que não se conheça do objecto do recurso, julgando-se o mesmo como findo, notifiquem-se as partes para que, querendo, se pronunciem sobre esta matéria em 10 dias (artº 655º, nº 1, do NCPC). […]»;
III – Notificado deste despacho veio o Apelante defender o conhecimento do recurso das decisões que lhe indeferiram a acareação e a contradita, aduzindo, para o efeito, a argumentação que ora se sintetiza:
- O entendimento plasmado no despacho do Relator, “...não atenderá à circunstância das indeferidas acareação e contradita se enquadrarem dentro da produção da prova testemunhal e declarações de parte tomadas ao A.”;
- A falta de revisão, mediante o não conhecimento do objecto de recurso, da decisão do Tribunal “a quo”, “contende com o legitimo direito do demandante em recorrer das decisões proferidas;
- A apreciação apenas em momento ulterior do recurso ora interposto, mormente aquando do recurso da decisão final, se o houver, é susceptível de vir a determinar a repetição de actos processuais.
Vejamos.
Antes do mais, importa rectificar um manifesto erro de escrita constante do despacho de 20/02/2018 e do trecho que do mesmo acima transcreve, já que, por lapso material, que resulta evidente face à parte restante do despacho, no segmento «Por outro lado, o indeferimento de acareação ou de contradita não equivale, para efeitos do disposto no artº 644º, nº 2, e), do NCPC, à “rejeição” de um meio de prova...», escreveu-se “nº 2, e)”, quando se pretendia escrever “nº 2, d)”.», rectificação que ora se faz ao abrigo do disposto nos artºs 613º, nºs 1 e 2, 614º e 666º, nº 1, do NCPC.
Posto isto, começando pelo argumento do Apelante que focámos por último, diremos que, ainda que se admitisse o interposto recurso autónomo, uma vez que o mesmo não teria efeito suspensivo – o que o Apelante não discute – e já que as decisões em causa foram, como o serão, em regra, decisões idênticas, proferidas em sede de audiência final, mediando, portanto, entre elas e a conclusão do julgamento, um período, em princípio, muito curto, sempre seria difícil, para não dizer impraticável, ao Tribunal da Relação, julgar o recurso de modo a que, procedendo o mesmo, nada se tivesse de anular e de repetir, em sede de audiência.
Depois, a circunstância de os recursos de determinadas decisões, subindo só a final, poderem implicar a necessidade de anular parcialmente o processado, incluindo, o julgamento, não tem servido de óbice, sequer, à não admissão desse modo de subida, ou seja, à não recorribilidade imediata dessas decisões, desde que, de facto, a posterior impugnação das mesmas, v.g., com o recurso da decisão final, não se revele absolutamente inútil (alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º, do NCPC).
A esse propósito escreveu-se no Acórdão desta Relação e desta 3ª Secção de 12/01/2010 (Apelação nº 102/08.5TBCDN-A.C1), reportando-se ao código que antecedeu o NCPC: «A figura da inutilidade absoluta do recurso colocava-se anteriormente à reforma operada pelo Decreto-Lei nº 303/2007 relativamente à subida imediata ou diferida dos agravos, estabelecendo o artº 734º, nº 2 do Cód. Proc. Civil então em vigor que, entre outros, subiam imediatamente os agravos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.
Os contornos de tal figura permanecem, a nosso ver, inalterados, já que a actual impugnação de decisões interlocutórias com o recurso da decisão final equivale, em traços largos, à anterior retenção dos agravos.
Tais contornos constituíam, na vigência do artº 734º, nº 2 aludido, questão que motivou algumas decisões da jurisprudência, sendo, segundo cremos, unânime a ideia de que a inutilidade que se pretendia evitar era apenas a do recurso, em si mesmo, e não a de actos processuais entretanto praticados(…).”.».
E continuando a explicitar o sentido da inutilidade consagrada no referido artº 734º, nº 2, escreveu-se nesse Acórdão de 12 de Janeiro de 2010 «… Esta inutilidade verifica-se sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível (cfr. RC 5/5/1981, BMJ 310, 345), de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil (cfr. RL - 29/11/1994, BMJ 441, 390), mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição (RL - 30/6/1992, CJ 92/3, 254)[4].
Por outro lado, é claro que a não admissão de apelação autónoma significa apenas que a decisões em causa não são passíveis de recurso imediato, o que não equivale à irrecorribilidade dessas decisões, pelo que o direito da parte ao recurso não é cerceado.
Nem a contradita, nem a acareação, visam admitir ou rejeitar qualquer depoimento, mas, antes, ou colocar em causa a credibilidade de algum depoente (no caso da contradita), ou esclarecer a contradição existente entre dois ou mais depoimentos quanto a determinado facto, pelo que não se vê o efeito útil de colocar em causa que no despacho de 21/2/2018 não haja atendido à circunstância das indeferidas acareação e contradita se enquadrarem dentro da produção da prova testemunhal e declarações de parte tomadas ao A.
O que sucede é que a consideração da acareação e da contradita no âmbito da produção da prova testemunhal e da prova por declarações de parte tomadas ao A., não transforma aquelas em meios de prova e, portanto, não permite considerar os despachos que as indeferiram, como consubstanciando despachos que rejeitaram meios de prova.
Aliás, o Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes exclui da previsão do preceito do artº 644º, nº2, al.d) do NCPC as decisões respeitantes aos incidentes da acareação e da contradita, escrevendo a esse respeito, em anotação a esse artigo (nota nº 219) “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Julho/2013, pág. 155.: «Estão excluídas outras decisões respeitantes a incidentes suscitados no âmbito da produção de prova, como sucede com a acareação ou a contradita de testemunhas, pois que em nenhum deles se trata de “admitir” ou “rejeitar” meios de prova, antes de controlar o seu valor probatório.».
Não vemos a relevância da referência, pelo Apelante, ao Acórdão da Relação do Porto de 7/10/2013 (Apelação nº 1029/10.6TVPRT.P1), já que esse aresto não versa decisão que haja indeferido contradita ou acareação, mas antes uma decisão que «… não admitiu a junção de quatro documentos e ordenou a sua devolução à apresentante/Ré, “após trânsito”...», decisão essa que, inequivocamente, rejeita um meio de prova e que, portanto, era à face do CPC (como o seria à face do NCPC) impugnável mediante apelação autónoma (art.º 691º, nº2, alínea i) do pretérito CPC e artº 644º, nº2, al.d) do NCPC).
Atenta a inadmissibilidade de apelação autónoma das decisões que indeferiram a acareação e a contradita, mantém-se o que se escreveu no despacho de 21/02/2018 no que concerne às restantes decisões impugnadas e que em I-A) “supra” se identificaram sob os nºs 2), 4) e 5), pelo vale a conclusão aí extraída no sentido de tais decisões também não admitirem recurso de apelação autónomo.
Assim, não admitindo, as decisões em causa, recurso de apelação autónomo, não se conhecerá do respectivo objecto, julgando-se tal recurso como findo (artº 655º, nº 5, 654º, nº 2 e 652º, nº 1, h), do NCPC).
Custas pelo Recorrente (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2 “in fine”, todos do NCPC).
Notifique e lavre, no local próprio, cota que assinale a supra decidida rectificação do despacho de 21/02/2018.
Coimbra, 08/05/2018
O Relator:
(Luiz José Falcão de Magalhães)