Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1788/04.5JFLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: REPRODUÇÃO ILEGÍTIMA
PROGRAMA INFORMÁTICO
CRIME DE USURPAÇÃO
PROPRIEDADE INTELECTUAL
Data do Acordão: 03/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CANTANHEDE – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 14º, NºS 1 E 2 DO DL 252/94, DE 20 DE OUTUBRO; 8º, Nº 1, DA LEI Nº 109/2009, DE 15 DE SETEMBRO (LEI DO CIBERCRIME); ARTS. 81º, B), 75º, Nº 4, 195º, 197º E 199º DO CÓDIGO DE DIREITO DE AUTOR E DIREITOS CONEXOS
Sumário: I - A falta de prova de um facto, não se provando o seu contrário ou uma qualquer outra versão do mesmo facto, dá lugar apenas e tão-só a um non liquet, a um estado de incerteza que deverá conduzir à consideração do facto em questão como não provado, não resultando daí que deva considerar-se provado o facto contrário.
II – O art. 8º, nº 1, da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), que tipifica o crime de reprodução ilegítima de programa protegido, tutela a propriedade intelectual mediante a criminalização da utilização não autorizada de programa informático protegido por lei. Para a consumação do crime basta a reprodução, divulgação ou comunicação ao público, não se exigindo que a lesão do direito de autor se traduza num prejuízo económico (efectivamente verificado) para este.

III – O crime de usurpação p. p. pelos arts. 195º, 197º e 199º do CDADC, tutela o exclusivo de exploração económica da obra, que a lei reserva ao respectivo autor. Este tipo de crime verifica-se, independentemente de qualquer resultado material, desde que ocorra uma utilização não autorizada, independentemente de o agente se propor obter qualquer vantagem económica.

IV – No âmbito do CDADC, a licitude da utilização ou reprodução sem expressa autorização do autor apenas se afirma com a demonstração de que essa utilização ou reprodução se destinou a fim exclusivamente privado, sem prejuízo para a exploração normal da obra e sem injustificado prejuízo dos interesses legítimos do autor, sendo esta tripla conjugação que evidencia a verificação da regra dos três passos, decorrente da assimilação dos princípios previstos originariamente na Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas, ratificada por Portugal e transposta para o direito nacional através da legislação que tutela aquela matéria.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

            Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:

            (…)

Nestes termos, julga-se a acusação procedente, por provada e, em consequência, decide-se:
a) Condenar o arguido FJ... na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 7,00€, o que perfaz a quantia global de 350,00€ (trezentos e cinquenta euros), pela prática de um crime de reprodução ilegítima de programa protegido, p.p. pelas disposições combinadas dos artigos 14.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 252/94, de 20 de Outubro, e 9.º, n.º 1, da Lei da Criminalidade Informática;
b) Condenar o arguido na pena de 4 (quatro) meses de prisão e de 175 dias de multa à taxa diária de 7,00€ pela prática de um crime de usurpação, p.p. pelos artigos 195.º, 197.º e 199.º, todos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos.
c) Substituir a pena de 4 (quatro) meses de prisão concretamente aplicada ao arguido por uma pena de 175,00 (cento e setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de 7,00 € (sete euros).
d) Condenar o arguido, em soma da pena de multa aplicada a título principal e da pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão, numa pena única de 350 dias de multa (trezentos e cinquenta dias), à taxa diária de 7,00€ (sete euros), perfazendo um montante global de 2.450,00€ (dois mil quatrocentos e cinquenta euros).
e) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 375 dias de multa à taxa diária de 7,00€, o que perfaz o montante global de 2625,00€ (dois mil seiscentos e vinte e cinco euros).
f) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, cuja taxa de justiça se fixa em 3 Unidade de Conta, procuradoria em 1/2 da taxa de justiça devida com o acréscimo de 1% a reverter em favor da APAV (cfr. artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal, artigos 85.º n.º 1 al. b) e 95.º do Código das Custas Judiciais e artigo 13.º n.º 3 da Lei 31/2006, de 21.07);
g) Julgar improcedentes, por não provados, os pedidos de indemnização civil deduzidos pela demandante Sociedade Portuguesa de Autores, CRL, pela Lusomundo – Audiovisuais, SA e pela FEVIP – Federação de Editores de Videogramas e, em consequência, absolver o demandado FJ... dos pedidos contra si formulados.
h) Condenar os demandantes civis no pagamento das custas cíveis, nos termos dos artigos 446.º n.º1 e 3 do Código de Processo Civil.
i) Declaram-se perdidos a favor do Estado os CDs e DVDs apreendidos nos autos, os quais deverão, oportunamente, ser destruídos – cfr. artigos 109º do Código Penal e 201º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos.
j) Determina-se a publicação da parte decisória da presente sentença no jornal de âmbito regional mais lido da região de Cantanhede.

            Inconformado, recorre o arguido FJ..., retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:

1. A motivação do presente recurso tem por objecto a contradição insanável existente na fundamentação da decisão recorrida, a contradição existente entre a fundamentação e a decisão, bem ainda no erro notório na apreciação da prova, tal como resulta do próprio texto da douta sentença razões estas pelas quais se considera incorrectamente julgada e apreciada a matéria de facto produzida em audiência,

2. A douta sentença é contraditória na parte em que considera que deu como não provado que o arguido destinava os produtos apreendidos a comercialização, afirmando depois incompreensivelmente que não se provou que o arguido destinava as obras a uso pessoal, o que constitui um contra-senso!

Pelo que existe flagrante contradição da fundamentação.

3. Concluindo o douto tribunal que o arguido não destinava tais cópias de medias ao comércio impunha-se ao tribunal concluir que as destinava a seu uso pessoal.

4. Nenhuma das supra referidas formas de utilização de obra protegida, que preenchem o tipo legal, foi pelo arguido utilizada, já que ficou abundantemente provado, tal como o tribunal reconhece, que nunca o arguido vendeu, importou, exportou ou por qualquer modo distribuiu ao público qualquer obra ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma, razão pela qual o arguido deveria ter sido absolvido da prática do crime de usurpação, previsto e punido no art. 195º do C.D.A.D.C.

Pelo que se verifica erro notório na apreciação da prova.

5. Além do mais, ao não considerar que o arguido destinava tais cópias de medias a seu uso pessoal verifica-se erro notório na apreciação da prova.

6. O arguido admitiu ter realizado através do seu próprio sistema de acesso à internet copias de diversos medias (CD-R e DVD-R), destinadas a seu próprio consumo e utilização pessoal, atento o curso de Informática e Multimédia que frequentou no Instituto Superior Miguel Torga em Coimbra, tendo sido nesse âmbito que obteve quer da parte de professores quer da parte de colegas de curso, onde tais cópias circulavam livremente, cópias de programas reproduzidos, os quais faziam parte do seu espólio pessoal, o que deveria ter sido dado como facto provado, com a consequente absolvição do arguido da pratica do crime de reprodução ilegítima de programa protegido, previsto e punido pelos artigos 14° nºs 1 e 2 do Dec. Lei 252/94 de 20 de Outubro e artigo 9º, nº 1, da Lei da Criminalidade Informática.

7. Constituindo toda s as obras apreendidas parte do vasto espólio da mediateca pessoal do arguido, criada exclusivamente para uso próprio seu, ao logo de vários anos de investimento e dedicação pessoal, facto este que o douto tribunal deveria ter dado como provado, já que nada se provou em sentido diverso.

8. Existe erro notório da apreciação da prova quando for por demais evidente para a generalidade das pessoas a conclusão contrária a que chegou o tribunal, o que se verifica no caso concreto por o tribunal «a quo» não ter considerado que os medias se destinavam a uso pessoal do arguido.

Tal é manifestamente o caso da douta sentença recorrida.

8. Existe o vicio de contradição insanável de fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal.

Tal é manifestamente o caso da douta sentença recorrida!

9. O princípio dominante na protecção dos direitos de autor é o de que fica exclusivamente reservado ao autor de uma obra a sua exploração pública, isto é a sua utilização ou exploração económica da obra, no entanto, o uso privado é livre, daí que a utilização que um utilizador faça no seu computador de uma obra, mesmo que recebido em linha, é completamente livre.

10. A matéria de facto dada como provada conforme fundamentação constante da douta decisão e que o tribunal considerou credível, relevantes para uma boa justiça e decisão da causa, impunham decisão diversa da recorrida, e justificavam que o tribunal tivesse absolvido o arguido da pratica dos factos pelos quais vinha acusado, razão pele qual o tribunal errou.

O que constituindo erro notório na apreciação da prova, e entre a fundamentação e a decisão, impõe decisão diversa da proferida.

11. A utilização que um utilizador faça no seu computador de uma obra, mesmo que recebido em linha, é completamente livre, estendo apenas limitada quando tal utilização é pública ou destinada ao público.

12. Não se provou que foi o arguido quem fez as reproduções dos programas informáticos antes se tendo provado que tais reproduções tiveram diversas proveniências, tendo sido todas elas obtidas por cedência de terceiros sejam professores sejam colegas de curso, o que deveria ter sido dado como provado!

13. Tais incongruências impõem a reapreciação da prova documental e testemunhal gravada e prestada na audiência de julgamento supra referida, o que aqui se requer, impondo-se a renovação da prova produzida, nos termos e por tudo quanto fica exposto, e devendo anular-se o julgamento e reenviar-se o processo para que se desfaçam os erros aqui invocados apreciação da prova por forma a sanar as coutradições insanáveis aqui referidas e se julgue em conformidade.

14. Razão pela qual deverá o arguido ser absolvido da pratica de um crime de reprodução ilegítima de programa protegido, previsto e punido pelos artigos 14º, nº 1 e 2 do Dec. Lei 252/94 de 20 de Outubro e artigo 9° nº 1 da Lei da Criminalidade Informática, e ainda um crime de usurpação previsto e punido pelos artigos 195°, 197º e 199° do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos.

15. Pelo que foram incorrectamente julgados e apreciados todos os factos provados constantes da douta decisão recorrida, razão pela qual o tribunal fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 14º, nº 1 e 2 do Dec. Lei 252/94 de 20 de Outubro e artigo 9º nº 1 da Lei da Criminalidde Informática, e dos artigos 195°, 197º e 199º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos.

16. Como ultimo reduto e perante a falta de certezas quando a saber quem procedeu à reprodução de tais progmas, o que efectivamente não se chegou a apurar, impunha-se em alternativa ao tribunal a aplicação do principio '"in dubio pro reo" com a consequente absolvição do arguido da pratica dos factos pelos quais vinha acusado, assim se fazendo justiça!

Nestes termos e nos melhores de direito deve a douta decisão proferida ser substituída por outra que absolva o arguido da pratica dos factos ilícitos pelos quais vem acusado, anulando-se o julgamento e reenviando-se o processo para novo julgamento por forma a que se desfaçam os erros na apreciação da prova e as contradições insanáveis da fundamentação c entre a fundamentação e a decisão aqui referidas e se julgue em conformidade.

            A assistente Sociedade Portuguesa de Autores e o M.P. responderam, pugnando ambos pela manutenção da decisão recorrida.

            Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer pronunciando-se também pela improcedência do recurso.

            Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

            Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

            No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:

            - Impugnação da matéria de facto;

            - Contradição insanável da fundamentação;

            - Contradição entre a decisão e a fundamentação;

            - Erro notório na apreciação da prova;

            - Erro de direito na condenação do arguido pela prática do crime de reprodução ilegítima de programa protegido, p. p. pelos arts. 14º, nºs 1 e 2 do DL 252/94, de 20 de Outubro e art. 9º da Lei da Criminalidade Informática;

            - Erro de direito na condenação do arguido pelo crime de usurpação p. p. pelos arts. 195º, 197º e 199º do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos.

                                                                       *

                                                                       *

II - FUNDAMENTAÇÃO:

            Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
1. Já há alguns anos a esta parte, desde, pelo menos, o ano de 2001, que o arguido se vem dedicando à reparação de hardware e instalação de software, por conta própria, desenvolvendo a sua actividade na sua residência, sita nesta cidade e comarca de Cantanhede.
2. Em data não concretamente apurada do final do ano de 2003, e aproveitando a circunstância do ofendido, VS… lhe ter entregue o seu computador para reparação, o arguido solicitou-lhe o username e a respectiva password de acesso à Internet, sob o pretexto de necessitar de tais dados para poder reinstalar esse acesso.
3. Assim, em concretização do referido propósito, o arguido, entre Janeiro e Outubro de 2004, acedeu à Internet a partir da linha telefónica de sua casa (posto chamador com o n.º …), através do username … que a “Telepac” havia atribuído ao ofendido, VS…, e que este lhe havia confiado, quando da reparação do seu computador, sem que este, todavia, o tivesse autorizado para o efeito, tendo efectuado um total de tráfego de cerca de 1.400 horas, cujo valor foi totalmente suportado pelo ofendido.
4. Durante, pelo menos, o período compreendido entre Janeiro de 2004 e Novembro de 2005, o arguido, através do referido acesso à Internet, a par de serviço idêntico contratado em nome do seu pai, efectuou várias cópias de diverso software, videojogos, fonogramas (CD) e videogramas (DVD), a partir dos respectivos originais ou mediante a execução de download´s/upload´s de ficheiros com os mencionados conteúdos, essencialmente através da utilização do programa de partilha de ficheiros denominado “E-mule”.
5. Fê-lo, todavia, totalmente à margem dos autores, produtores, intérpretes/executantes ou representantes legais desses conteúdos, com quem não tinha efectuado qualquer transacção comercial.
6. No dia 29 de Novembro de 2005, pelas 13:45 h., na sequência de uma busca realizada pela Polícia Judiciária, o arguido detinha no quarto e na sala de estar da sua habitação, diverso material utilizado para a fabricação e reprodução de CD’s e DVD’s:
- 1310 (mil e trezentos e dez) discos ópticos, sendo que 243 (duzentos e quarenta e três) – 79 (setenta e nove) CD-R’s e 164 (cento e sessenta e quatro) DVD-R’s – estavam virgens ou sem qualquer conteúdo e 81 (oitenta e um) – 68 (sessenta e oito) CD-R’s e 13 (treze) DVD-R’s – se apresentavam danificados;
- Uma caixa de cartão com 100 (cem) caixas vazias próprias para discos ópticos;
- Nove fotocópias a cores de lay-cards.
7. Dentre os 1310 discos ópticos, havia 259 (duzentos e cinquenta e nove) fonogramas, em suporte físico de formato “Compact-Disc Recordable” (CD-R), 389 (trezentos e oitenta e nove) videogramas, em suporte físico de formato “Digital Versatible Disc Recordable” (DVD-R), 49 (quarenta e nove) videojogos para a Plataforma PlayStation 2, em suporte físico de formato CD-R, 172 (cento e setenta e dois) videojogos para a plataforma PC, em suporte físico de formato CD-R, e 71 (setenta e um) suportes com software, em suporte físico de formato CD-R.
8. Todos os exemplares foram reproduzidos pelo arguido e eram de duplicação artesanal sendo os respectivos suportes materiais idênticos aos que se vendem ao público em geral, como virgens.
9. No que diz respeito à fixação de sons e imagens, os referidos exemplares são de mediana ou má qualidade técnica.
10. Em nenhum dos fonogramas existem booklets ou livretos, onde consta, geralmente, a descrição das obras fixadas, respectivas letras, bem como referências a autores e toda a ficha técnica de produção dos mesmos.
11. Nenhum contém capas ou lay-cards.
12. As faces dos CD-R’s contrárias às de leitura não contêm impressões ou estampagens (os chamados labels), com “trabalho” gráfico e, nomeadamente, título genérico da obra, nome(s) de intérprete(s) e editor/etiqueta discográfica.
13. A face de leitura dos CD-R’s é, neste caso, esverdeada ou azulada, enquanto nos exemplares originais é prateada.
14. Nenhum dos videogramas tem booklets, como muitas vezes ocorre nos DVD’s originais, dos quais constam, geralmente, a descrição dos argumentos, bem como referências à ficha técnica de produção da obra, instruções de uso ou índice de capítulos.
15. As faces dos DVD-R’s contrárias às de leitura não contêm impressões ou trabalhos gráficos, habitualmente existentes nos originais (os labels), tendo aí, pontualmente, inscrições manuscritas com o nome da obra.
16. Alguns dos videogramas, apresentam lay-cards, maioritariamente em versão estrangeira, sob a forma de fotocópias de má qualidade, sendo que são reproduções integrais dos originais, composições por fotogramas (ou imagens) das obras originais e textos (os quais, geralmente, estão à disposição do público na Internet), ou ainda composições a reproduzirem parcialmente edições comerciais já distribuídas em mercados estrangeiros, observando-se em 40 (quarenta) deles fotocópia do selo/etiqueta oficial da IGAC.
17. Os videojogos e software encontram-se avulsos, sem qualquer acondicionamento, sendo que na maioria dos casos não existem quaisquer lay-cards e/ou, junto a estes, booklets, nos quais constam, geralmente, referências a editor/Software House, à marca, avisos sobre protecção das obras, sistemas de leitura, instruções sobre utilização, etc., aspectos estes que estão presentes, na maioria das vezes, em qualquer tipo de produto legalmente produzido/distribuído.
18. As faces dos CD-R’s e DVD-R’s contrárias às de leitura apresentam, na sua maioria, inscrições manuscritas relativas ao conteúdo dos mesmos.
19. Em nenhum dos exemplares referidos (fonogramas, videogramas, videojogos ou software) os CD-R’s e DVD-R’s contêm, na face de leitura e na área central, os códigos da IFPI (International Federation of the Phonografic Industry), chamados SID (Source Identification Code), os quais, ao ficarem inscritos em caracteres microscópicos, permitem identificar as entidades responsáveis pela masterização e/ou fabrico do exemplar em causa, característica esta sempre presente no “produto” das multinacionais e mais importantes editoras portuguesas.
20. Nos referidos DVD-R’s e CD-R’s estavam fixadas as seguintes obras protegidas:
 I

                                Nos CD-R’s (fonogramas):

1. um (1) “Compact – Disc Recordable”. Após análise do seu conteúdo, verificou-se conter fixadas as seguintes obras musicais, interpretadas por Netinho:
 CD 1
Garotas do Brasil – aut. Ricardo Engels (SBACEM/SPA-EP e RM) Mauricio Vieira (SBACEM/SPA-EP RM) / Carlos H. Ludwig / Luca Predabom
Dia de farra – aut. Alexandre Peixe (AMAR/SPA-EP e RM)
Fulano de tal-aut. Giovane Santos / Leite Milk / Nego John / Gilson        Maninho
Intuição-aut. Gigi
Eu quero paz – aut. Cássio Calazans / Max Nunes (SADEMBRA/SPA-EP) Laércio Alves
Lua, lua, lua – aut. Anderson Cunha
Nas asas do avião – aut. Zé Luiz / Faridi
(…)

(…………………eliminaram-se neste texto 356 págs. constantes do original com a descrição das obras encontradas em poder do arguido………………..)



Dos DVD´s apreendidos ao arguido, este dispõe dos seguintes originais:
· O Advogado do Diabo
· Chicago
· Underworld: Submudo
· Estigma
· O Natal do Ruca
· A Pequena Sereia
· A Queda Hitler e o fim do Terceiro Reich
· O Pianista
· À Procura da Terra do Nunca
· Atiradores
· Titanic
· O Senhor dos Anéis: A Irmandade do Anel
· A Idade do Gelo
· Notre Dame de Paris
· James- Getting Away With It Live
· Dire Straits – Sultans of Swing
· Carlos do Carmo – Ao Vivo
· Mariza – Live in London
· Pink Floyd – Pulse
· Tiesto – In Concert 2003
· Tiesto – In Concert 2004
· Scooter – Encore
21.  Dos jogos para PC apreendidos ao arguido, este dispõe dos seguintes originais:
· Train Simulator
· Age of Empires
· Grand Theft Auto Vice City
· Call of Duty
· Medal of Honor Pacific Assault
· Splinter Cell
· Colin Mcrae Rally 2.0
· Syberia
· Medal of Honor Allied Assault
· Sound Blaster Live Player 5.1
22. O arguido reproduziu ainda através de download as obras referidas em 13, 31, 36, 156 e 164 do ponto 6.
23. O arguido aufere em média 400,00€ mensais e reside com a mulher.
24. A mulher do arguido é enfermeira.
25. O arguido não tem filhos.
26. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:

Por decisão datada de 06.042001, transitada em julgado, no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 153/00 do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, pela prática em 03.02.1999 de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, foi o arguido condenado na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 400$00.
Por decisão datada de 04.02.2004, transitada em julgado, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 13409/01.3TDPRT do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, pela prática em 25.05.2001 de um crime de emissão de cheque sem provisão, foi o arguido condenado na pena de 220 dias de multa à taxa diária de 5,00€.

            Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte:

Da acusação

- Que o arguido organizava um catálogo dos produtos referidos em 20., de acordo com o material que havia copiado ou obtido através de download´s, que publicitava pela Internet, através de listas de software, jogos, música e filmes, anunciando os seguintes preços:

De 1 a 5 DVD’s jogos X-Box = 5 €;

De 5 a 10 DVD’s jogos X-Box = 4,5 €;

Pack 6 DVD’s jogos X-Box = 25 €;

Jogos PC e programas PC, cada DVD = 5 € e cada CD = 3,5 €;

 Filmes e música DVD, cada = 5 €;

Portes de envio entre 3,40 € e 7,50 €.

- Os produtos solicitados via e-mail, pelos clientes, eram depois remetidos pelo arguido através dos Correios, contra reembolso.

- Os discos destinavam-se à comercialização.

Da contestação

- Os discos ópticos referidos em 6. faziam parte diversos medias resultantes de sobras de reparações por si efectuadas e que guardava para posterior reutilização em trabalhos de artesanato, v.g. cadeiras, candeeiros.

- Que as cópias de CD’s e DVD’s efectuadas se destinavam a uso pessoal.

Do pedido de indemnização civil deduzido pela FEVIP
 - Que no preço de venda de um videograma 40% do mesmo são direitos de autor e direitos conexos.

- Que a margem de comercialização dos videogramas é de 20%.

Do pedido de indemnização civil deduzido pela Lusomundo

- Que os videogramas vendidos pela Lusomundo eram vendidos a um preço unitário de 20,00€.

- Que a margem de lucro da Lusomundo era de 30%.

- Que os direitos de autor das obras comercializadas pela Lusomundo representam cerca de 40% do valor de 14,00€.

            A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:

O Tribunal formou a sua convicção conjugando os meios de prova disponíveis, nomeadamente os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de julgamento, conjugando-os com os autos de apreensão, o relatório pericial, documentação de operadora telefónica, certificado de registo criminal e restantes documentos juntos aos autos e examinados na audiência.

Estes elementos de prova foram apreciados à luz do preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal, o que vale por dizer que o foram segundo a livre convicção do julgador, de acordo com as regras da vida e da experiência comum.

Quanto ao facto descrito em 1., o tribunal baseou-se nas declarações prestadas pelo arguido, que confirmou que procedia à reparação de computadores de diversas pessoas que lhe solicitavam sem no entanto pretender qualquer contrapartida económica para o efeito. Também as testemunhas VS…, NP..., AC..., VH...,  e JC... confirmaram que o arguido por diversas vezes procedeu à reparação dos seus computadores pessoais, esclarecendo as testemunhas NP... e AC… que sempre que havia necessidade de instalação de software, o arguido lhes indicava sempre produtos originais para o fazer.

            Relativamente à circunstância de o arguido ter efectuado diversos downloads de CDR’s e DVD’s, o tribunal fundou-se nas declarações por si prestadas, que confirmou parcialmente os factos ao admitir que efectuou downloads de obras, afirmando no entanto que a maior parte dos discos ópticos que lhe foram apreendidos foram oferecidos ou são cópias de originais que possui.

            Contudo, atento o elevado número de cd’s e dvd’s apreendidos, a quantidade e diversidade de géneros a que respeitam, desde matérias infantis, adolescentes e adultos, alguns deles com várias cópias efectuadas, bem como as fotocópias a cores de lay cards sem os respectivos originais e o número de discos virgens, levou o Tribunal a não acreditar no arguido quando referiu que a maior parte dos discos apreendidos tinham sido oferta, antes acreditando que os discos foram por si duplicados

            No que concerne à prova dos factos descritos em 6 a 21, o tribunal baseou-se no teor do auto de busca e apreensão de fls. 81, nas fotocópias a cores de lay cards de fls. 87 a 95, no auto de exame directo de fls. 199 a 350, no auto de exame forense, nas declarações do arguido, que confirmou que todos os discos ópticos que constam da acusação lhe foram apreendidos, bem como no depoimento prestado pela testemunha PD…, Inspectora da Polícia Judiciária que procedeu à apreensão dos objectos encontrados em casa do arguido, depoimento esse que se revelou esclarecedor e desinteressado pois explicou que apreendeu cerca de 1300 discos ópticos ao arguido e ainda dois discos rígidos. Afirmou que os discos ópticos continham essencialmente música, filmes e videojogos, o que também foi encontrado nos discos rígidos. Adiantou ainda que num dos discos rígidos foi encontrada uma lista com jogos, música e filmes, com indicação de preços e e-mail de contacto.

            O tribunal entendeu contudo dar como não provado que foi o arguido a elaborar essa lista uma vez que foi encontrada num dos discos rígidos que se encontravam em casa do arguido, não se tendo apurado a quem pertencia. Na verdade, resulta de fls. 149 a 158, que essa lista foi encontrada num disco rígido do qual constava um ficheiro com o nome AC.... O arguido referiu que se tratava de um disco propriedade de AC... que fora substituído porquanto o mesmo encontrava-se danificado. No entanto, a testemunha AC... bem como o seu pai JC..., confrontados com a mencionada lista, referiram desconhecer que a mesma se encontrava no seu disco rígido. Ambas as testemunhas não confirmaram se o referido disco rígido lhes pertencia mas esclareceram que desde 2004 até 2010, já tiveram que substituir diversas vezes o disco e foi sempre o arguido que procedeu à sua reparação. Ora, criando-se a dúvida quanto à propriedade do disco rígido no qual a lista foi encontrada, o tribunal entendeu dar como não provado que a dita lista foi elaborada pelo arguido.

            Na sequência do supra exposto, também se deu como não provado que o arguido destinava os produtos apreendidos a comercialização até porque tanto a testemunha VS…, como NP..., AC..., VH..., MM... e JC..., afirmaram que nunca o arguido lhes vendeu quaisquer cópias de cd’s ou dvd’s, afirmando também desconhecer a existência de uma lista na internet destinada à venda desses produtos.

            No entanto, e não obstante esta circunstância, também não se provou que o arguido destinava as obras a uso pessoal desvalorizando assim as declarações por si prestadas, bem como os depoimentos das já referidas testemunhas NP..., AC..., VH..., todos amigos do arguido, atento não só o elevado número de cd’s e dvd’s apreendidos, como a diversidade de géneros a que respeitam, como ainda o facto de alguns deles terem várias cópias efectuadas, evidenciando que os discos não se destinariam ao arguido ou à sua formação académica mas a terceiros, embora não tenha ficado demonstrada a comercialização, ou seja, divulgação com objectivo de lucro.

Já no que respeita aos originais das obras descritas em 34. e ss., essa prova resultou do auto de exame directo de fls. 884 a 889 que considerou originais os cd’s, dvd’s e videojogos que o arguido juntou aos autos.

            Relativamente aos pedidos cíveis formulados, foram essenciais os depoimentos prestados pelas testemunhas PP… e JG..., respectivamente responsável pelo departamento de documentação da Sociedade Portuguesa de Autores e acessor de direcção da FEVIP, pois destinaram-se ao esclarecimento do custo das taxas pela reprodução dos videogramas e fonogramas, nada mais de relevante resultando quanto aos restantes valores e margens de lucro alegadas pelos demandantes.

            Relativamente às condições pessoais do arguido, o tribunal baseou-se nas declarações prestadas pelo mesmo tendo o certificado de registo criminal junto aos autos sido determinante para a prova dos antecedentes criminais.

                                                           *

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            O recorrente sustenta na motivação do recurso a existência de erro de julgamento da matéria de facto, confundindo manifestamente a revista alargada do julgamento de facto, admissível nos termos do art. 412º, nºs 3 a 5, do CPP (código a que se reportam também as demais disposições legais citadas sem indicação do diploma de origem), com os vícios previstos no art. 410º, nº 2, do mesmo diploma, que também invoca. São, na verdade, vícios distintos, como distinta é, consequentemente, a forma da sua arguição.

A divergência entre o que na sentença se teve como provado e aquilo que deveria ter sido dado como provado traduz erro de julgamento da matéria de facto, sindicável pelo tribunal superior apenas se tiver havido documentação da prova produzida em audiência e se o recorrente interessado na respectiva impugnação observar, em sede de recurso, o que pertinentemente dispõe o art. 412º.

Já os vícios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do art. 410º – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [al. a)], contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [al. b)] e erro notório na apreciação da prova [al. c)] – apenas se poderão ter por verificados se resultarem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão revela-se através de uma incoerência, evidenciada por uma relação de incompatibilidade ou conflitualidade entre dois ou mais factos ou premissas inconciliáveis, em termos tais que a afirmação de um ou uns implique necessariamente a negação do outro ou outros, e reciprocamente. É o que sucede, por exemplo, quando o mesmo facto é dado como provado e como não provado, quando se consideram assentes factos contraditórios ou quando se verifica uma insanável contradição entre a motivação e a decisão.

O recorrente alega contradição insanável da fundamentação sustentando-se no facto de na motivação da sentença recorrida se ter afirmado que “… se deu como não provado que o arguido destinava os produtos apreendidos a comercialização até porque tanto a testemunha VS…, como NP..., AC..., VH..., MM... e JC..., afirmaram que nunca o arguido lhes vendeu quaisquer cópias de cd’s ou dvd’s, afirmando também desconhecer a existência de uma lista na internet destinada à venda desses produtos” e simultaneamente se ter afirmado que “… também não se provou que o arguido destinava as obras a uso pessoal desvalorizando assim as declarações por si prestadas, bem como os depoimentos das já referidas testemunhas NP..., AC..., VH..., todos amigos do arguido, atento não só o elevado número de cd’s e dvd’s apreendidos, como a diversidade de géneros a que respeitam, como ainda o facto de alguns deles terem várias cópias efectuadas, evidenciando que os discos não se destinariam ao arguido ou à sua formação académica mas a terceiros, embora não tenha ficado demonstrada a comercialização, ou seja, divulgação com objectivo de lucro”. Estas afirmações, segundo alega, são contraditórias entre si na medida em que se as cópias dos medias não se destinavam a ser comercializadas pelo arguido, então destinar-se-iam ao seu uso pessoal, não fazendo sentido concluir que tais cópias não se destinavam a ser comercializadas nem se destinavam a uso pessoal.

            Contudo, ao concluir nestes termos, incorre o recorrente num erro comum, qual seja, o de supor que a falta de prova de um determinado facto implica a prova do facto contrário. Na verdade, não é assim. A falta de prova de um facto, não se provando o seu contrário ou uma qualquer outra versão do mesmo facto, dá lugar apenas e tão-só a um non liquet, a um estado de incerteza, que deverá conduzir à consideração do facto em questão como não provado. Foi o que sucedeu no caso vertente. Os factos que originaram aquelas considerações relativas à prova, constantes da motivação do provado, têm origens distintas: A acusação imputou ao arguido ter a comercialização como destino para os discos que lhe foram apreendidos, enquanto o arguido alegou a sua destinação para uso pessoal. Contudo, nem a versão da acusação se provou, nem se provou a versão da contestação, subsistindo a dúvida sobre o efectivo destino que o arguido daria ao material que lhe foi apreendido sem que isso redunde numa contradição da fundamentação. Trata-se de um facto incerto, que foi objecto de investigação sem que os meios de prova produzidos tenham possibilitado ao juiz uma conclusão com o grau de certeza exigível para o considerar como provado.

            Não ocorre, pois, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

Também não ocorre erro notório na apreciação da prova, vício que “existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores, uma conclusão sobre o significado da prova, contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito dos factos relevantes para a decisão de direito” [1]. Este vício, tal como o anterior, deverá resultar exclusivamente do texto da decisão recorrida ou, quando muito, do respectivo texto conjugado com as regras da experiência comum, não se confundindo com a leitura que o próprio recorrente faz da prova produzida. Ora, a decisão em crise não evidencia o vício em questão, visto o tribunal recorrido ter fundamentado a sua decisão quanto à matéria de facto provada e não provada enumerando os elementos probatórios em que se baseou para formar a sua convicção, com indicação dos elementos a que atribuiu relevância, explicitando um critério lógico, coerente e objectivo, não denotando a sentença em crise, seja pelo seu teor literal, seja por recurso às regras da experiência comum, qualquer erro evidente na valoração da prova.

            Prossegue o recorrente reclamando a sua absolvição no que concerne ao crime de reprodução ilegítima de programa protegido, p. p. pelos arts. 14º, nºs 1 e 2 do DL 252/94, de 20 de Outubro e art. 9º da Lei da Criminalidade Informática, sustentando que o livre uso privado de uma obra não constitui crime, já que o que se protege com os direitos de autor é apenas a utilização pública da obra, invocando ainda a excepção prevista no art. 75º do CDADC.

            Vejamos:

            Segundo dispõe o art. 14º, nº 1, do DL nº 252/94, de 20 de Outubro, “um programa de computador é penalmente protegido contra a reprodução não autorizada”.

            Por força do nº 2 do mesmo artigo, “é aplicável ao programa de computador o disposto no nº 1 do art. 9º da Lei nº 109/91, de 17 de Agosto”.

            Esta última norma, que dispunha que “quem, não estando para tanto autorizado, reproduzir, divulgar oucomunicar ao público um programa infomático protegfido por lei será punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”, foi entretanto revogada pela Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), que prevê o mesmo delito no respectivo art. 8º, nº 1, nos seguintes termos: “Quem ilegitimamente reproduzir, divulgar ou comunicar ao público um programa informático protegido por lei é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

            As ligeiras alterações de redacção detectáveis na sucessão de normas não implicaram qualquer alteração significativa em termos de conteúdo. Registe-se, contudo, que esta norma recolhe, em sede de reprodução ilegítima de programas de computador, uma orientação diametralmente oposta àquela por que se pauta o direito de autor em geral, que admite a cópia para uso privado, já que define como crime qualquer tipo de reprodução não autorizada. Trata-se de um crime material e de dano, sendo o bem jurídico tutelado a propriedade intelectual, mediante a criminalização da utilização não autorizada. Como elementos típicos do crime há a considerar:

            - A falta de autorização;

            - A acção, numa das três modalidades previstas - reproduzir, divulgar ou comunicar ao público;

            - O objecto da acção, consistente num programa informático protegido por lei;

            - O dolo (elemento subjectivo).

            Como consequência desta peculiar configuração do tipo de crime em apreço, resulta que o desencadear da acção em qualquer das três modalidades referidas – reproduzir, divulgar ou comunicar ao público – é suficiente para a consumação do crime, não se exigindo que a lesão do direito de autor se traduza num prejuízo económico (efectivamente verificado) para este; “para haver crime basta que haja mera reprodução ilegítima, como acima se viu, mesmo que a reprodução não se destine à divulgação ou comunicação ao público (…). Subjacente a esta diferente opção legislativa estará, sobretudo, a enorme facilidade com que é possível efectuar cópias não autorizadas de programas informáticos, devido ao recurso à tecnologia digital e à escala que a reprodução e disseminação das mesmas no contexto de redes electrónicas pode assumir” [2].

            Revertendo ao caso dos autos, provou-se que o arguido efectuou cópias de software – programas de computador – tanto a partir dos respectivos originais como através da utilização do programa de partilha de ficheiros denominado E-mule, sem que para o efeito dispusesse de qualquer autorização dos respectivos autores. Tanto basta para que se tenha por verificado o crime de reprodução ilegítima de programa de computador.

            Por razões em tudo idênticas, e com base ainda na consideração de ser completamente livre a utilização de uma obra, mesmo que recebida em linha, reclama o arguido a sua absolvição do crime de usurpação p. p. pelos arts. 195º, 197º e 199º do CDADC.

            Dispõe o art. 195º daquele diploma nos seguintes termos:

“1- Comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código.

2 - Comete também o crime de usurpação:

a) Quem divulgar ou publicar abusivamente uma obra ainda não divulgada nem publicada pelo seu autor ou não destinada a divulgação ou publicação, mesmo que a apresente como sendo do respectivo autor, quer se proponha ou não obter qualquer vantagem económica;

b) Quem coligir ou compilar obras publicadas ou inéditas sem autorização do autor;

c) Quem, estando autorizado a utilizar uma obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão radiodifundida, exceder os limites da autorização concedida, salvo nos casos expressamente previstos neste Código.

3 - Será punido com as penas previstas no artigo 197.º o autor que, tendo transmitido, total ou parcialmente, os respectivos direitos ou tendo autorizado a utilização da sua obra por qualquer dos modos previstos neste Código, a utilizar directa ou indirectamente com ofensa dos direitos atribuídos a outrem.

            Por seu turno, o nº 1 do art. 197º estabelece que “os crimes previstos nos artigos anteriores são punidos com pena de prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias, de acordo com a gravidade da infracção, agravadas uma e outra para o dobro em caso de reincidência, se o facto constitutivo da infracção não tipificar crime punível com pena mais grave”.

            Por fim, segundo o nº 1 do art. 199º, “Quem vender, puser à venda, importar, exportar ou por qualquer modo distribuir ao público obra usurpada ou contrafeita ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma, quer os respectivos exemplares tenham sido produzidos no País quer no estrangeiro, será punido com as penas previstas no artigo 197º”.

O bem jurídico tutelado por estas normas é o exclusivo de exploração económica da obra, que a lei reserva ao respectivo autor. Daí que o art. 68º do CDADC estabeleça que entre outros, assiste ao autor “(…) o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes: (…) c) A reprodução, adaptação, representação, execução, distribuição e exibição cinematográficas; i) A reprodução directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte”, resultando do art. 176º, nºs 6 e 7, que “6 - Cópia é o suporte material em que se reproduzem sons e imagens, ou representação destes, separada ou cumulativamente, captados directa ou indirectamente de um fonograma ou videograma, e se incorporam, total ou parcialmente, os sons ou imagens ou representações destes, neles fixados. 7 - Reprodução é a obtenção de cópias de uma fixação, directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte dessa fixação.”.

            Considerou-se na sentença recorrida que “(…) ainda que não tenha resultado provado que o arguido pretendia vender os discos ópticos que lhe foram apreendidos, a verdade é que não é necessário que tal resulte provado para que se preencha o crime de usurpação. Tal como supra se referiu, a alínea i) do artigo 68º do CDADC prevê a a reprodução directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte como forma de utilização da obra. Resulta do acervo factual que foi o arguido quem reproduziu as obras que se encontram discriminadas e, não obstante dispor de alguns originais, tal não é suficiente para que se afirme que o arguido não praticou o crime que lhe é imputado. Acrescente-se ainda que, atento o elevado número de cd’s e dvd’s apreendidos, a diversidade de géneros a que respeitam, alguns deles com várias cópias efectuadas, bem como as fotocópias a cores de lay cards sem os respectivos originais e o número de discos virgens, não resultou provado que o arguido destinasse os CD’s e DVD’s a fins privados.”

            E mais adiante:

“Como tal, atento o número elevado de cd’s e dvd’s que lhe foram apreendidos, a diversidade de géneros musicais e principalmente a circunstância de ter resultado provado que foi o arguido quem efectuou a reprodução das obras, haverá que concluir que o arguido praticou o crime de usurpação que lhe é imputado.

Tendo em conta a matéria de facto provada e as normas acima indicadas, conclui-se que o arguido FJ... preencheu, com a sua conduta, os elementos objectivos e subjectivo do tipo de crime de usurpação (cfr. art.º 195º do CDADC), já que reproduziu cd´s e dvd’s que continham obras musicais e cinematográficas protegidos pelos direitos autorais sem licença para o efeito, bem sabendo que com a sua conduta lesava direitos de outrem, e mesmo assim não se abstendo de a praticar, não se descortinando a ocorrência de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.”.

Estas considerações são acertadas. Na verdade, o nº 1 do art. 195º do CDADC, que acima se transcreveu, tipifica o crime de usurpação como a utilização, por qualquer das formas previstas naquele diploma, de uma obra ou prestação sem autorização do autor ou do titular de direito conexo, gizando assim um crime formal que se verifica independentemente de qualquer resultado material. Este tipo de crime verifica-se, desde que ocorra aquela utilização não autorizada, independentemente de o agente se propor obter qualquer vantagem económica. À semelhança do que sucede com o nº 2 do artigo em questão, “também na previsão do nº 1 não é afastada a hipótese de o agente poder agir sem obtenção de obter proventos materiais. Basta pensar que aqui se visa proteger os direitos patrimoniais do autor, pelo que a divulgação ou publicação, mesmo que sem intuito de obter lucro, retira ao autor os proventos que lhe seriam devidos pela mencionada divulgação ou publicação” [3]. De resto, em matéria de tutela de direitos de autor, a lei prevê um sem-número de possibilidades de utilização da obra por terceiros, dispondo sobre elas exemplificativamente no art. 68º, sob a epígrafe “formas de utilização”, mas de uma forma abangente e tendencialmente total, já que contempla tanto as formas actualmente conhecidas de exploração e utilização da obra, mas salvaguardando os modos de utilização ou exploração ainda não conhecidos mas que de futuro o venham a ser (cfr. o nº 1 do citado art. 68º do CDADC). Nessa medida, a exploração comercial é apenas uma das muitas vertentes possíveis de exploração da obra, sendo a tutela extensível à venda, aluguer, comodato, reprodução, utilização em obra diferente, representação, etc. Precisamente por essa razão, falha uma vez mais o argumento utilizado pelo recorrente, que pretende reconduzir a utilização possível da obra por terceiros às modalidades de exploração comercial e de utilização pessoal, invocando a licitude desta última e sustentando que uma vez que se não demonstrou a destinação para uso comercial das obras que reproduziu ou copiou, estarão aquelas abrangidas pela cláusula de salvaguarda que considera lícita a utilização privada.

Esta é, no entanto, uma visão redutora do sistema, que escamoteia a necessidade de expressa demonstração da destinação para uso privado como condição de licitude da utilização da obra sem autorização do autor. É verdade que logo o art. 75º, nº 2, al. a), do CDADC, dispõe que “são lícitas, sem o consentimento do autor, as seguintes utilizações da obra:

a) A reprodução de obra, para fins exclusivamente privados, em papel ou suporte similar, realizada através de qualquer tipo de técnica fotográfica ou processo com resultados semelhantes, com excepção das partituras, bem como a reprodução em qualquer meio realizada por pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos;”.

            Esta referência constante da lei à “reprodução em qualquer meio” abrange tanto as cópias digitais como as analógicas, situação que ficou clara com a Directiva 2001/29/CE. Seja qual for a técnica utilizada, não é questionada a licitude da cópia feita no âmbito do uso privado [4]. Por força da norma citada, a reprodução de obra protegida efectuada no âmbito do uso privado é lícita, independentemente do consentimento do autor da obra ou de quem legalmente o represente. Constituindo ainda uma modalidade de utilização da obra, o uso privado distingue-se por ter em vista a exclusiva satisfação de interesses pessoais de carácter não económico, sejam eles de natureza cultural ou recreativa. A lei apenas excepciona a reprodução de partituras. E sendo assim, mesmo o download de obra protegida por direito de autor não traduz violação desse direito, desde que efectuada no âmbito do uso privado, ainda que a obra ou prestação venham a ser fixados num suporte destinado a esse efeito, como um disco rígido ou um CD-R, não havendo lugar à responsabilização criminal ou civil do autor da cópia. Como refere José Alberto Vieira, “o direito de autor e os direitos conexos sofrem também a incidência da prossecução de políticas públicas de interesse geral, não são direitos ilimitados. O uso privado constitui um desses limites” [5]. Simplesmente, no que tange à cópia, há que ter presente ainda o disposto no art. 81º, al. b), que, desenvolvendo o teor do art. 75º, nº 4, dispõe ser consentida a reprodução “para uso exclusivamente privado, desde que não atinja a exploração normal da obra e não cause prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor, não podendo ser utilizada para quaisquer fins de comunicação pública ou comercialização”. Esta forma de utilização lícita tem que ser expresamente demonstrada. A regra é a tutela do direito do autor e a necessidade da sua autorização, ou de quem detiver os respectivos direitos, para utilização da obra e a licitude da utilização ou reprodução sem expressa autorização do autor apenas se afirma com a demonstração de que essa utilização ou reprodução se destinou a fim exclusivamente privado, sem prejuízo para a exploração normal da obra e sem injustificado prejuízo dos interesses legítimos do autor, sendo esta tripla conjugação que evidencia a verificação da regra dos três passos, decorrente da assimilação dos princípios previstos originariamene na Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas, ratificada por Portugal e transposta para o direito nacional através da legislação que tutela aquela matéria. Não se demonstrando expressamente a verificação daqueles elementos que compõem a regra dos três passos – como sucedeu no caso vertente, em que se teve expressamente como não provado que as cópias de CD`s e DVD`s se destinavam a uso pessoal – subsiste a responsabilidade criminal prevista no art. 195º, nº 1, do CDADC [6]. Donde se segue que também no que a este aspecto concerne, o recurso se revela improcedente.

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III – DISPOSITIVO:

            Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso.

            Por ter decaído integralmente no recurso que interpôs, condena-se o recorrente na taxa de justiça, já reduzida a metade, de 4 UC.

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                                                                                  Coimbra, ____________

                        (texto processado e revisto pelo relator)

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                                               (Jorge Miranda Jacob)

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                                               (Maria Pilar de Oliveira)


[1] - Entre outros, conferir, no sentido apontado, o Ac. do STJ de 22 de Abril de 2004, in “Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça”, ano XII, tomo 2, págs. 166/167.
[2] - Cfr. Pedro Verdelho, in “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, vol. 1, pág. 521.
[3] - Cfr. José Branco, in “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, Vol. 2, pág. 253.
[4] - Cfr. José Alberto Vieira, “Download de obra protegida pelo Direito de Autor e uso privado”, in “Direito da Sociedade da Informação”, vol. VIII, pag. 451.
[5] - Idem, pag. 467.
[6] - Este modo abrangente de tutela do bem jurídico não constitui, aliás, caso único no ordenamento jurídico-criminal português. Veja-se, por exemplo, o que sucede no domínio da legislação de combate ao tráfico de estupefacientes, com o crime de tráfico para consumo, previsto no art. 26º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro. O tipo incriminador está descrito no art. 21º, nº 1, mas o art. 26º prevê uma pena mais reduzida para o traficante consumidor. Contudo, o funcionamento desta cláusula de salvaguarda exige a prova concreta de que as actividades descritas no nº 1 do art. 21º visaram exclusivamente conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal. Não se provando essa finalidade exclusiva, funcionará ainda o dispositivo do art. 21º e não a previsão do art. 26º.