Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||||||||||||||||||||||||||||||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Relator: | LUÍS CRAVO | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Descritores: | CONTRATO PROMESSA RESOLUÇÃO DO CONTRATO MORA DO DEVEDOR INCUMPRIMENTO IMPUTÁVEL A AMBAS AS PARTES PERDA DO INTERESSE NA PRESTAÇÃO | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 3 | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 289.º, 433.º, 570.º, 804.º, N.º 2 E 808.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Sumário: | I – Em regra, a simples mora do devedor não confere ao credor o direito de resolver o contrato, para se considerar desvinculado da promessa, donde só com o incumprimento definitivo há lugar à resolução do contrato.
II – A mora do devedor pode converter-se em incumprimento definitivo pela perda objectiva do interesse do credor na prestação. III – O facto do não cumprimento ser imputável, em igual medida, a ambas as partes, não deve precludir o direito de resolução de uma delas nos contratos com contraprestações correspectivas. IV – Se as culpas dos dois contraentes forem iguais, apenas deve ser restituído o sinal em singelo, a qual é mera consequência da resolução, que tem eficácia retroactiva, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (cf. art. 289º, “ex vi” do art. 433º, ambos do C.Civil). (Sumário elaborado pelo Relator) | ||||||||||||||||||||||||||||||
| Decisão Texto Integral: | *
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO AA, c.f. nº ...13, e BB, c.f. nº ...65, divorciados, residentes em ..., Palace ..., ... ...- France, instauraram a presente ação declarativa de condenação contra CC, c.f. nº ...34 e DD, c.f. nº ...40, casados entre si mas separados de pessoas de bens, residentes na Rua ..., ..., ... ..., pedindo, na respetiva procedência: a) a declaração de validade da resolução do contrato promessa de compra e venda de uma moradia celebrado com os Réus em 24/05/1996, por incumprimento definitivo e culposo dos segundos e b) do direito a reterem as quantias pagas a título de sinal e princípio de pagamento no âmbito daquele contrato; c) a condenação dos Réus à entrega do imóvel livre e devoluto, d) no pagamento de indemnização mensal de 800,00€ até entrega efetiva do imóvel e e) de sanção pecuniária compulsória de 150,00€/dia após o trânsito em julgado enquanto se mantiver o incumprimento; f) tudo acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento. Para fundamentarem a sua pretensão alegam, em síntese: que são donos e legítimos proprietários do imóvel (moradia) que descrevem, sito em ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...96 e omisso na CRPredial; que em 24/05/1996 celebraram com os Réus um contrato promessa de compra e venda dessa moradia pelo preço de 74.819,68€ (PTE 15.000.000,00 conforme moeda em curso à data da celebração), com pagamento inicial de 14.963,93€ (PTE 3.000.000,00), e o restante (59.855,74€ - PTE 12.000.000,00) no prazo máximo de 4 anos a contar da data do reconhecimento notarial das assinaturas; os Réus apenas pagaram parcialmente o valor acordado, pelo que resolveram o contrato por carta de 16/11/2022; mas os Réus continuam a ocupar o imóvel, não dispondo de qualquer título válido, à revelia dos Autores, persistindo na recusa em entregar-lhes a moradia, impedindo o seu uso, gozo e fruição pelo Autor, que agora quer regressar a Portugal e nela passar a residir. * Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação e nela deduziram reconvenção. Entendem que a ação é improcedente. E pedem se declare: a) a execução específica do contrato promessa de compra e venda com a emissão de sentença que produza os efeitos da escritura definitiva (dependente do registo do imóvel e de obtenção de licença de utilização); b) subsidiariamente, a condenação dos Autores na devolução em dobro do sinal recebido (de 223.301,00€), no reembolso de 11.604,53€ de despesas com obras e de 7.200,00€ de IMI, de 5.000,00€ de indemnização por danos não patrimoniais sofridos e c) no reconhecimento pelos Autores do direito de retenção dos Réus sobre o imóvel até serem por eles ressarcidos de todas as quantias a que têm direito por efeito do incumprimento do contrato pelos primeiros. Impugnam a factualidade alegada, sustentando, em suma, que: residem no imóvel desde 1991, tendo realizado as obras necessárias para nela poderem passar a habitar, no valor de 11.604,53€; pagaram no âmbito do contrato promessa desde 1996 até à data da instauração da presente ação, a quantia total de 111.650,50€, superior ao preço ajustado; a escritura definitiva nunca foi feita por culpa dos Autores, que não regularizaram o registo nem obtiveram a licença de utilização do imóvel; a sua ocupação do imóvel esteve sempre legitimada, primeiro por contrato de arrendamento e depois como promitentes compradores; os Autores também nunca os interpelaram para cumprir o contrato; a cláusula de juros é nula e nunca estiveram em mora. E pedem a condenação dos Autores como litigantes de má fé, em multa e indemnização a seu favor, por deduzirem pretensão sem fundamento, que não podiam ignorar, alterando a verdade dos factos, e a condenação dos Autores em taxa sancionatória especial (cfr. art. 531º CPC). * Os Autores replicaram, refutando as exceções da contestação e a matéria da reconvenção, reafirmando que houve incumprimento definitivo por parte dos Réus quanto ao pagamento do preço estipulado no CPCV; que estiveram sempre disponíveis para formalizar a escritura pública, mas os Réus nunca cumpriram integralmente o preço, condição essencial para a sua realização, e que a falta de registo do imóvel e ausência de licença de utilização não obstam à validade do contrato promessa nem ao direito à resolução com fundamento em incumprimento; propugnam pela validade da cláusula que fixou juros de mora, referindo ser infundada a invocação do direito de retenção pelos Réus, pois não detém qualquer título legítimo após a resolução do contrato pelos Autores; assim como é inadmissível a invocada exceção de incumprimento, pois foram os Réus que não cumpriram, ao não pagarem o preço estipulado. Pedem a condenação dos Réus como litigantes de má fé, por deduzirem pretensão sem fundamento, tentando inflacionar os valores pagos, imputando a responsabilidade pelo inadimplemento aos Autores. * Foi dispensada a audiência prévia, procedendo-se ao saneamento da causa, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Procedeu-se à realização de perícia para avaliação do imóvel objeto do contrato promessa cujo relatório consta a fls. 220 a 223 dos autos. Procedeu-se à realização do julgamento, com observância do legal formalismo, como resulta das correspondentes Atas. Veio finalmente a ser proferida sentença, através da qual se começou por considerar que não havia incumprimento definitivo do contrato promessa imputável aos Réus (promitentes compradores), nem era válida a resolução operada pelos Autores, sucedendo, em contraponto, que os Réus tinham direito à execução específica do contrato, subordinada ao pagamento, por parte dos Réus, do remanescente do preço e dos juros vencidos à taxa contratual de 5% ao ano, e sem prejuízo de ficar a eficácia da sentença dependente da realização desse depósito, a efetuar em prazo contado do trânsito em julgado daquela, termos em que se concluiu com o seguinte concreto “dispositivo”: «IV. Decisão: A) Pelo exposto, julga-se a presente ação improcedente, por não provada, e em consequência: 1. Decara-se inválida e ineficaz a resolução operada pelos Autores por carta datada de 16 de novembro de 2022; 2. Absolvem-se os Réus dos demais pedidos formulados pelos Autores. » Custas na ação: pelos Autores. B) Julga-se a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência: 1. Declara-se que o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 24 de maio de 1996 entre Autores e Réus se mantém válido e eficaz; 2. Condenam-se os Autores a praticar, a expensas suas, todos os atos necessários à celebração da escritura de compra e venda, nomeadamente: a) A inscrição do imóvel a seu favor no registo predial, caso ainda não se encontre regularizada a sua situação registral; b) A obtenção de licença de utlização dando início ao respetivo procedimento; 3. Declara-se a execução específica do contrato promessa de compra e venda celebrado entre Autores e Réus no dia 24 de maio de 1996 e, por via disso, emite-se a declaração negocial de venda, em subtituição dos promitentes vendedores (Autores), nos termos dos arts. 442º e 830º do CCivil, relativamente ao prédio identificado em 1 dos factos provados, subordinando-se tal execução ao pagamento, por parte dos Réus, do remanescente do preço e dos juros vencidos ao ano no total de 16.614,20€, acrescidos de juros à taxa anual de 5% sobre o montante de 10.716,86€, contados desde 16/02/2023 até à data em que ocorra o trânsito em julgado da presente sentença, a consignar em depósito no prazo de 30 dias após esse trânsito. 4. Absolvem-se os Autores/Reconvindos dos demais pedidos formulados pelos Réus/Reconvintes. » Custas: na reconvenção, por Autores e Réus, na proporção de 3/4 (75%) e 1/4 (25%) respetivamente (cfr. art. 527º nºs 1 e 2 CPC). » Notifique e registe. » * Inconformados com essa sentença, apresentaram os AA. recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «A) A formulação conferida ao ponto 16 do rol de factos «provados» merece reparo porque (i) é equivoca, ou pelo menos dela não resulta claro que o valor da moradia determinado em 1996 e que as partes consideraram para efeitos de preço resultou da dedução do valor das obras executadas pelos RR. em 1991; e porque (ii) a formulação empregue omite que as partes também deduziram ao valor da moradia, paraefeitos de promessa de compra e de venda, o valor do terreno sobre o qual aquela se encontra edificada. B) Convoca-se, para tanto, que a matéria de facto contida nos artigos 112.º, 113.º e 114.º da réplica resulta demonstrada por confissão da R. por assentada lavrada na acta de audiência final de julgamento do dia 07.01.2024 (acto processual com a referência citius 109470182); resulta também demonstrada pelo documento n.º 12 junto com a réplica no qual se consigna “Também não é considerado o valor do terreno”; o documento n.º 13 junto com a réplica ressalva que “Também não é considerado o valor do terreno ocupado pela casa.”; resulta da acta de audiência final de julgamento do dia 07.01.2024 a aceitação expressa dos Apelados do teor do documento n.º 12 junto com a réplica; e por último há também que não olvidar a fundamentação, a este respeito, expressa na sentença, que não hesita em afirmar que o predito «facto 16 foi confirmado nesta parte pela Ré no seu depoimento de parte, referindo-se a dois relatórios de avaliação que foram solicitados para tal, que constam nos autos a fls 141 e 142 – docs. 12 e 13 com a réplica, datados de 24/11/1995, nos quais constam referidos tais acabamentos e que o valor da avaliação foi obtido em consideração.». C) Deve, assim, ao ponto 16. do rol dos factos «provados» ser conferida a redação seguinte: «16. O preço determinado no contrato promessa teve em conta o valor de mercado da moradia àquela data de 1996, alcançado por AA. e RR. mediante duas avaliações, e após dedução das obras executadas pelos RR. aquando ao arrendamento bem como deduzido do valor do terreno sobre o qual a mesma foi edificada, propriedade dos pais de A. varão e da R. mulher e mencionado em 47..» D) Sem prescindir, e só para a mera hipótese de assim não se entender, deverão então ser aditados três novos factos ao rol de factos «provados», narrativos da realidade contida nos artigos 112.º, 113.º e 114.º da réplica e integralmente confessada, cuja formulação seguinte se propõe: «60. O valor da moradia ajustado no contrato promessa de compra e de venda foi alcançado mediante duas avaliações.; 61. Ao valor das avaliações indicadas em 60. fez-se descontar que “o prédio ao seu nível interior necessita de trabalhos de acabamentos, assim como interiormente, que é o caso da casa de banho, cozinha, chão (parte)”, tomando também em consideração “da ocupação do prédio por parte da D.ª CC, não existirem as fossas, sendo esta a mandá-las fazer, suportando esses custos, assim como alguns acabamentos interiores”, bem como o valor do terreno mencionado em 47.; 62. O preço ajustado foi alcançado após dedução do valor das obras anteriormente executadas na moradia, em 1991, pelos RR..» E) O facto constante do artigo 103.º da réplica resulta demonstrado por confissão da R. conforme assentada lavrada na acta de audiência final de julgamento do dia 07.01.2024 (acto processual com a referência citius 109470182), exarada nos termos seguintes: «Confirma o art.º 103º, com exceção do esquentador.», mostrando-se assim confessado que a construção «Estava dotada de abastecimento de água e de electricidade, primeiramente servida por contador de obra e posteriormente por contador definitivo.». F) Não é assim verdadeiro afirmar-se, como se faz em 30 dos factos «provados», que “A moradia só obteve ligação à rede pública de abastecimento de água a 12/03/1991” ou, como se afirma em 31, que “A ligação à rede pública de fornecimento de energia eléctrica só foi pedida no dia anterior, 11/03/1991, tendo ocorrido alguns dias depois”, ou que, como se afirma em 32, que também não dispunha «de rede de águas quentes» G) Resultando confessado que a construção dispunha de ligação quer à rede pública de abastecimento de água quer de ligação à rede pública de fornecimento de energia elétrica, com contadores, e o que não existia era a ligação definitiva, fica então, e de idêntico modo, também prejudicada a expressão “só” empregue em ambos os factos (30 e 31) na medida em que o seu emprego pretende narrar que até esse momento inexistia de todo quer energia elétrica quer abastecimento de água, o que, conforme confessado, não narra a verdade dos factos aceite pelas partes. H) Também a realidade confessada em 32 dos factos «provados», à luz da confissão expressa da factualidade contida no artigo 103.º da réplica, merece reparo, pois que se mostra evidente que a moradia dispunha de “rede de águas quentes”, antes e apenas não se encontrava dotada de esquentador ou equipamento equivalente que permitisse do aquecimento das águas (as quais, evidentemente, circulam pela rede de águas quentes que infraestruturam a casa). I) Assim, aos pontos 30, 31 e 32 do rol dos factos «provados» deve ser prestada a redação seguinte, que se propõe: «30. A moradia obteve ligação definitiva à rede pública de abastecimento de água a 12/03/1991; 31. A ligação definitiva à rede pública de fornecimento de energia eléctrica foi pedida no dia anterior, 11/03/1191, tendo ocorrido alguns dias depois; 32. A casa não dispunha de instalação de aquecimento, nem de esquentador e não tinham sido construídas as fossas sépticas para escoamento e tratamento dos esgotos». J) Só para a mera hipótese de assim não se entender, e o que apenas por mero zelo de patrocínio se alvitra, deve então ser aditado um novo ponto ao rol de factos «provados» que narre a realidade descrita e confessada em 103.º da réplica, com a mencionada ressalva, sob a redacção seguinte se propõe: «63. A moradia estava dotada de abastecimento de água e de electricidade, primeiramente servida por contador de obra e posteriormente por contador definitivo, não se encontrando dotada de esquentador.» K) Porém, na hipótese subsidiária vertida na conclusão anterior, haverá então que salvaguardar a coerência factual entre este facto novo introduzido por confissão, com aqueles já constantes dos pontos 30, 31 e 32 dos factos «provados», na exacta medida em que retratam realidades contrárias e que se repelem. L) Os Apelados alegaram em 25.º e 26.º da sua contestação ter despendido o valor de 2.326.500$00 (€ 11.604,53) por conta das obras que referem em 9.º a 13.º da predita peça processual, obras e tas que constam como provadas em 30, 31 e 32 dos factos «provados» e não quaisquer outras tais como caixilharias, muros ou aquecimento central, pelo que a quantificação feita por EE quanto aos “valores despendidos em caixilharias (30.000,00€), muros (20.000,00€) e aquecimento central (15.000,00€), por referência aos valores da época” refere-se a obras absolutamente distintas daquelas que os Apelados alegam ter suportado e que representaram o mencionado custo, pelo que se revela manifesto que o tribunal a quo deu como provado o facto 43, fazendo emprego e referência, para tanto, a outras obras que não as alegadas pelos Apelados, sequer com respeito às obras a que se refere a formulação do dito facto provado 43 e que nele se enunciam. M) A testemunha EE, no seu depoimento prestado em audiência de discussão e de julgamento de 07.01.2023, com início das 10:45:14 e termo às 11:22:51, in concreto minutos 22:59 aos minutos 25:00 – vide transcrição do depoimento constante da motivação recursiva e que aqui se dá expressamente por reproduzida – refere que as caixilharias foram substituídas há aproximadamente 10 anos e os muros construídos nos anos de 2005/2006 e 2007, não fazendo nem umas nem outras parte das obras iniciais realizadas para tornar a casa habitável. N) A respeito do aquecimento central – sendo certo que em 1991 não era usual proceder à instalação de aquecimento central nas residências, realidade bem mais recente e que remonta aos anos de 2000 –, a testemunha não avançou com uma data, limitando-se a agrupar esta no conjunto de obras que a tia (a R.) foi fazendo ao longo do tempo, resultando inequívoco que exclui esta das mencionadas obras iniciais realizadas “pelos Réus aquando do arrendamento”. O) A testemunha, que aos costumes declarou ter 46 anos de idade, à data de tais obras iniciais e executadas para que os RR. passassem a habitar (em 1991) tinha 12 anos de idade, razão pela qual, com tão tenra idade, jamais se poderia recordar destas obras, menos ainda do seu custo à época, tanto que com essa idade, naturalmente, não tinha nem noção de obras, nem do dinheiro nem do preço das coisas. P) Os preços indicados pela testemunha são preços que não apresentam qualquer correspondência com os preços que vigoravam no ano de 1991, tanto que bastaria somar aqueles que a testemunha indica para as caixilharias (€ 30.000,00), para os muros (20.000,00€) e para o aquecimento central (15.000,00€), e logo se alcança um total de € 65.000, o qual é manifestamente exagerado, bastando por comparação considerar que a construção, àquela data e no estado de nova, foi prometida vender e comprar por € 74.819,68, de resto suportado em duas avaliações que as partes requereram – cf. docs. 12 e 13 juntos com a réplica. Q) O juízo da apreciação da prova merece reparo uma vez que a credibilidade que o Tribunal a quo conferiu à testemunha esbarra de frente com a realidade apurada e tida como provada, tanto que resulta exuberante dos factos provados 20 a 25 do rol que os RR. não pagaram nem a totalidade do capital nem a totalidade dos juros, muito distintamente da versão que esta testemunha pugnou em suporte à versão que os Apelados defendiam e que viram julgada como «não provada». R) Assim, mal se compreende como pode o Tribunal recorrido conferir credibilidade a este depoimento, que carreou uma versão parcial e muito conveniente aos RR., porém que se comprovou factualmente não corresponder à verdade, tanto que, conforme estabilizado como «provado» nos autos, nem os RR. pagaram a totalidade do preço nem pagaram os juros devidos. S) Não é aceitável que a coberto do elástico chapéu da livre apreciação da prova se dê como provado que determinadas obras realizadas há 34 anos tiveram determinado custo, sem suporte bastante, sequer mínimo, designadamente documental ou pericial, e apenas apoiado no depoimento de uma testemunha que – para além da manifesta dificuldade evidenciada em precisar quais são as obras iniciais e quais as outras feitas no decurso dos tempos – há data tinha 12 anos de idade, de resto quando a testemunha não detém quaisquer conhecimentos especiais que a habilitem a pronunciar sobre tais matérias. T) Deve, em sinopse, o facto constante do ponto 43. do rol de factos «provados» passar a integrar o rol de factos «não provados». U) Dos factos alegados em 63.º a 67.º da p.i. extrai-se, com relevância e com natureza factual, a quantificação do benefício que os RR. colheram ao longo do período decorrido entre 1996 e até 2021, em virtude de terem disposto da moradia e sem que tenham satisfeito o preço aos AA., o que encontra, no seu reverso, o prejuízo que os AA. sofreram na medida em que se encontraram impedidos seja de fruir seja de rentabilizar a sua benfeitoria, à razão do programa contratual firmado e frustrado pela mora dos Apelados. V) Tal facto foi objecto da perícia requerida e ordenada, tendo o quesito formulado “Qual o montante do rendimento que os AA poderiam ter auferido a título de arrendamento da Moradia, desde o ano de 1996 e até ao ano de 2021 (inclusive)?” merecido a resposta seguinte: “(…) o imóvel objecto dos Autos, teria um potencial de rendimento desde o ano de 1996 e até ao ano de 2021 (inclusive) de € 169.239,51 <> € 169.240,00 (cento e sessenta e nove mil duzentos e quarenta euros”. W) Porque o mencionado facto assume relevância para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito, com particular premência à razão da construção e do posicionamento jurídico que os Apelantes conferem à lide, maxime e ab initio na sua petição inicial, deve ser introduzido um novo facto, ao rol de factos «provados», ao qual deve ser conferido a redacção seguinte: «64. A moradia teria um potencial de rendimento desde o ano de 1996 e até ao ano de 2021 (inclusivé) de € 169.240,00.» X) Do artigo 70.º da p.i. resulta a alegação do valor locativo mensal que corresponde ao benefício que os Apelados retiram da construção mediante o uso gratuito que dela fazem, sem título válido desde a data da resolução operada, o qual se reveste de relevância para a decisão da causa segundo as várias soluções de direito plausíveis, com particular relevo ante o pedido que os Apelantes formulam em F) do seu petitório. Y) A descrita realidade factual foi objecto da perícia realizada nos autos e que consta de fls..., e questionando-se no quesito n.º 3 “Qual o valor locativo mensal actual da Moradia?” veio este a merecer a resposta seguinte: “De acordo com o quadro de cálculo, de determinação do valor do imóvel, foi admitido um valor potencial de rendimento mensal da moradia de € 700,00 / mês (setecentos euros por mês).”, pelo que, a reboque da procedência do recurso, deve ser aditado um novo facto ao rol de factos «provados» com a formulação seguinte que se propõe: «64. A moradia tem o valor locativo mensal de € 700,00.» Z) Versando o contrato promessa uma construção levada a efeito sobre terreno que é de propriedade de terceiro, e tendo as partes, para a determinação do preço pelo qual correspectivamente prometeram vender e prometeram comprar, deduzido (entre o demais) o valor de tal parcela de terreno sobre a qual a dita construção se encontra edificada, é de concluir que o contrato promessa tem como objecto (unicamente) uma construção ou uma benfeitoria; AA) Tendo as partes alcançado o preço de compra e de venda da construção mediante a prévia dedução do valor do terreno sobre o qual aquela se encontra erigida, é aos Apelados, enquanto promitentes compradores, a quem cabe assegurar a aquisição daquela parcela de terreno, pagando o respectivo preço, de modo a permitir a regularização registral do prédio urbano correspondente à dita construção. BB) A falta de regularização registral da construção constitui condição inultrapassável à obtenção da licença de utilização, de resto como se apresenta constituir facto notório – cfr. certidão negativa que faz documento n.º 2 junto com a p.i. e facto provado 1 CC) Tendo os Apelados mediante a notificação judicial avulsa que dirigiram aos Apelantes não apenas reclamado pela celebração do contrato prometido como também afirmado “que o preço do contrato se encontrava “já integralmente pago há vários anos”” – facto provado 52 –, e vindo a provar-se que persistia em dívida o montante de EUR 16.614,20, correspondente a 22,20% do preço devido – vide factos provados 20 a 25 – e a satisfazer integralmente antes da escritura pública – vide facto provado 13 –, é então de concluir que os Apelados expressaram de forma unívoca, definitiva e concludente que não iriam cumprir o contrato, ou por outras palavras, deste modo expressaram a sua recusa antecipada ao cumprimento da prestação que lhes era devida. DD) Tendo os Apelados reafirmado na lide a mesma posição e assumido a mesma postura, reclamando nada deverem e que já haviam pago a totalidade do preço – vide factos «não provados» em h) e i) do rol –, tal apenas se presta a reforçar que os Apelados, também na lide persistiram em reiterar, de modo sério, inequívoco e concludente, a sua recusa antecipada ao cumprimento do contrato. EE) No quadro descrito logo se apresenta inexigível aos Apelantes permanecerem indefinidamente à espera que os Apelados cumpram com o pagamento do preço devido e que estes, antecipadamente, não apenas sempre negaram dever como, enquanto seu corolário lógico, também sempre e culposamente se recusaram pagar (artigo 799.º do Código Civil). FF) A descrita conduta assumida pelos Apelados é ostensivamente incompatível com o devido cumprimento da prestação a que se encontravam obrigados, aliás expressa de modo inequívoco e concludente a sua desvinculação das obrigações firmadas no contrato promessa celebrado, dispensando os Apelantes de lhes dirigirem uma interpelação admonitória para a celebração de um contrato que aqueles antecipadamente já haviam manifestado não pretenderem cumprir, mediante o pagamento do preço devido, possibilitando, de imediato e sem mais, afirmar-se o incumprimento definitivo e culposo dos Apelados. GG) A sentença recorrida destaca que os Apelantes não dirigiram a devida interpelação admonitória aos Apelados para, desse modo, afirmar a ilicitude da comunicação resolutiva que aqueles dirigiram a estes, como que ignorando todo o quadro alegatório vertido na petição inicial em que os Apelantes fundam a sua comunicação resolutiva na afirmação do incumprimento pela perda objectiva do interesse, omitindo, deste modo, a pronúncia sobre a mencionada questão jurídica, o que acarreta a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 e 2.ª parte do n.º 4 do artigo 615.º do CPC. HH) Valorando os elementos objetivos enunciados nos autos como «provados», nos termos em que também o poderiam ser por qualquer pessoa ou pelo juiz, a perda do interesse no cumprimento é efectiva quando os Apelados se encontram em situação de mora ao longo de 25 anos, persistindo ainda nos dias de hoje em dívida a quantia correspondente a 22,20% do preço ajustado há longínqua data de 1996, não sendo por conseguinte tolerável impor aos Apelantes, com desprezo por todo aquele tempo decorrido, nem a conclusão do negócio então prometido nem que se admita que os mesmos mantenham o interesse na conclusão do negócio de acordo à luz do mesmo quadro contratual firmado há 29 anos, tanto que não é de admitir que conservem as mesmas expectativas, os mesmos interesses e ou finalidades que então visaram, que estiveram subjacentes à celebração do negócio e que balanceavam as prestações. II) Tendo os Apelados passado a habitar a benfeitoria no estado de nova (facto 10), primeiramente a título de arrendamento desde 1991 (factos 9 e 10) e posteriormente, desde 1996, a título gratuito e no âmbito do contrato promessa, situação que perdura até aos dias de hoje e em que persiste em dívida 22,20% do preço ajustado há 29 anos, valor esse que os Apelados, aliás, afirmam não dever quer na notificação judicial avulsa que dirigiram aos Apelantes quer também na contestação que apresentaram na lide, neste concreto circunstancialismo o decurso do tempo não é inócuo, antes revelou-se decisivo para a perda do interesse dos Apelantes na prestação dos Apelados e que se veio a demonstrar persistir devida. JJ) Quando em Agosto de 2000, momento em que os Apelados se obrigaram a pagar a totalidade do preço que é de EUR 74.819,68, ainda permanecia em dívida o montante de EUR 45.561.20 (facto 25), ou seja, apenas tinham prestado 39,11% do preço devido; e quando à data actual ainda permanece em dívida o valor de EUR 16.614,20, correspondente a 22,20% do preço ajustado naquele longínquo ano de 1996, conforme resulta do facto «provado» 25; tem de ser afirmar que deixou de existir correspondência ou o sinalagma das prestações nos termos visados e queridos pelas partes no acordo que firmaram há 29 anos. KK) Tendo os Apelados fruído e beneficiado gratuitamente de todas as comodidades proporcionadas pela construção ao longo de 29 anos, sem que pagassem o preço, antes negando que este fosse devido conforme se demonstrou não corresponder à verdade, há que afirmar o desaparecimento do interesse dos Apelantes em concluir o negócio, o que é o mesmo que dizer, na prestação dos Apelados. LL) Detendo actualmente a benfeitoria (sem terreno) um valor de EUR 178.000,00 (facto 26), o qual é em muito diferente do preço ajustado no contrato promessa de EUR 74.819,68 (facto 25), num quadro contratual que permitiu aos Apelados fazerem um uso gratuito da construção e que se traduziu num benefício quantificável em EUR 169.240,00 (resposta ao quesito 4 do relatório pericial), é manifesto que deixou de existir correspondência entre as prestações pactuadas, o que significa que os Apelantes perderam o interesse na prestação dos Apelados. MM) Sob perspectiva inversa, a celebração do contrato prometido nos dias de hoje representaria para os Apelantes a consumação de um prejuízo económico, ao qual não deram causa, no valor de EUR 283.137,18 (EUR 178.000 correspondente ao valor actualizado da construção + EUR 169.240 de rendimento frustrado (artigo 67.º e quesito 4 da perícia) – EUR 64.102,82 (montante do preço pago), pelo que facilmente se compreende que os Apelantes não tenham qualquer interesse na prestação dos Apelados. NN) Facilmente se compreende que os Apelados se apresentem enquanto os únicos interessados no cumprimento do contrato uma vez que, apesar de incumpridores, é-lhes hoje concedida a faculdade de adquirir algo mediante o pagamento um preço ajustado há 29 anos, e ainda mais quando puderam dispor gratuitamente desse bem durante todo esse período, o que representa um imerecido prémio que se quantifica em EUR 283.137,18. OO) E se a mora dos Apelados produziu uma acentuada valorização da construção, como produziu, é da maior injustiça que sejam aqueles, enquanto incumpridores, quem retire, em prejuízo dos Apelantes, o proveito de tal incremento patrimonial que a benfeitoria adquiriu, pois que o decurso do tempo que produziu tal valorização apenas se deveu ao extenso período da mora a que os Apelados se acometeram. PP) A conclusão do contrato mediante a celebração do contrato prometido significaria que a mora a que os Apelados se acometeram seria algo inócuo ou mesmo irrelevante, bem como que os seus efeitos e os prejuízos dela decorrentes seriam imerecida e exclusivamente suportados pelos Apelantes, o que não é tolerável, viola os ditames da boa-fé e ofende o sentimento de justiça. QQ) É assim de concluir que a celebração do contrato definitivo representaria para os Apelantes um prejuízo largamente superior àquele decorrente da sua não conclusão, mercê da alteração profunda do quadro contratual firmado há quase três décadas, pelo que se afirma, sem qualquer hesitação, a superveniente falta de préstimo ou de utilidade da prestação dos Apelados, até mesmo o prejuízo que essa prestação hoje representa para os Apelantes. RR) A mora dos Apelados determinou a perda do interesse dos Apelantes no cumprimento do contrato promessa uma vez que não tem qualquer valor por já não acrescentar qualquer vantagem ou interesse na declaração prometida pelos Apelados faltosos, tanto assim que os Apelantes já não interpelaram admonitoriamente os Apelados precisamente porque a prestação dos Apelados não tem para aqueles qualquer utilidade. SS) A ininterrupta mora dos Apelados ao longo de 25 anos no cumprimento de um contrato celebrado há 29 anos frustrou todo o programa obrigacional visado pelos Apelantes, designadamente as concretas condições e expectativas que estiveram subjacentes à sua celebração, enfim geraram um desequilibrar das prestações que há 29 anos balanceavam o sinalagma contratual, destruiu os objectivos e os propósitos do negócio ao ponto de que aos dias de hoje desapareceu, em absoluto, qualquer interesse na prestação dos Apelados – neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.04.1992, proc. n.º 081545, in dgsi.pt TT) A sentença recorrida deve ser revogada mediante douto Acórdão que declare válida e licitamente resolvido o contrato promessa celebrado, por incumprimento definitivo e culposo imputável aos Apelados, seja pela recusa antecipada ao cumprimento dos Apelados seja pela perda objectiva do interesse dos Apelantes na prestação daqueles, e, em consequência, que condene os Apelados: (viii) A reconhecerem que os Apelantes têm direito a fazer suas todas as quantias pagas a título de sinal e princípio de pagamento, satisfeitas no seio do contrato promessa de compra e de venda, conforme alínea B) do petitório; (ix) Os Apelados condenados a procederem à entrega aos Apelantes da construção prometida comprar e vender, livre e devoluta de pessoas e bens, conforme alínea D) do petitório; (x) Os Apelados condenados a absterem-se de praticar quaisquer actos ofensivos da posse e da propriedade sobre a construção, conforme alínea E) do petitório; (xi) Os Apelados condenados a pagarem uma indemnização aos Apelantes no valor mensal de EUR 700,00, desde 1 de Fevereiro de 2023 e até efectiva entrega da construção, livre e devoluta de pessoas e de bens, conforme alínea F) do petitório; (xii) Os Apelados condenados a pagarem aos Apelantes uma sanção pecuniária compulsória de montante não inferior a EUR 150,00 (cento e cinquenta euros), por cada dia que retardem o cumprimento da decisão que vier a determinar a entrega da construção nos termos do ponto anterior, a partir do momento em que essa decisão transite em julgado, conforme alínea G) do petitório; (xiii) Todas as quantias acrescidas de juros de mora às taxas legais sucessivas que se fixarem para os créditos civis, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, conforme alínea H) do petitório; (xiv) Os Apelados condenados no pagamento das custas, nestas se incluindo as de parte, e demais encargos, conforme alínea I) do petitório. UU) Apropriando-se os Apelantes do já extensamente exposto nas Conclusões Z), AA) e BB) supra e que aqui se dão expressamente por reproduzidas, afirma-se que o objecto da promessa não um bem imóvel antes uma benfeitoria ou uma construção implantada em terreno alheio, por conseguinte que a promessa não tem por objecto a “transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir” a que se refere o n.º 3 do artigo 410.º do Código Civil, e porque existe sinal prestado e nada se dispõe em sentido diverso, resulta que as partes afastaram o direito à execução específica nos termos do n.º 2 do artigo 830.º do Código Civil, não havendo lugar à aplicação do disposto no n.º 3 do indicado normativo. VV) Conforme extensamente exposto nas Conclusões Z), AA) e BB), a fim de se levar a efeito a regularização registral é imprescindível que os Apelados adquiram, suportando o respectivo preço e encargos, o terreno sobre o qual a benfeitoria se encontra implantada, pelo que não cumpre nem é possível aos Apelantes procederem à “inscrição do imóvel a seu favor no registo predial”, menos ainda pode subsistir a condenação dos “Autores a praticar, a expensas suas, todos os atos necessários à celebração da escritura pública”, conforme resulta do ponto B) 2. do dispositivo decisório que assume, como pressuposto, dir-se-á errado, que tal ónus pertence aos Apelantes. WW) Não podendo os Apelados obter por via da execução especifica um efeito jurídico que os Apelantes se encontrem impedidos de produzir nem obter um objecto contratual que os Apelantes não se encontrem obrigados a prestar, designadamente o terreno propriedade de terceiro sobre o qual a construção se encontra erigida, também não pode, por esta via, subsistir a decisão condenatória à execução especifica constante dos pontos 2 e 3 da alínea B) do dispositivo. XX) Ou porque o incumprimento definitivo do contrato é imputável aos Apelados, seja pela renúncia antecipada ao cumprimento seja pela perda objectiva do interesse dos Apelantes na prestação devida pelos Apelados, ou porque são os RR. que se encontram em mora no pagamento do preço conforme resulta abundante dos factos «provados», os Apelados são então o contraente faltoso a quem pode ser aposto o direito à execução especifica nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 830.º do Código Civil. YY) A decisão recorrida ao conferir o direito à execução especifica aos Apelados incumpridores, sobre os Apelantes cumpridores, subverte o instituto ao mesmo passo que viola o disposto no n.º 1 do artigo 830.º do Código Civil, pelo que não pode a decisão recorrida subsistir na ordem jurídica. ZZ) Porque constitui pressuposto da execução específica do contrato-promessa a mora e já não o incumprimento definitivo, e não se encontrando os Apelantes em mora nem tendo incumprido o contrato, a decisão recorrida, no segmento em que julgou procedente o pedido reconvencional de execução especifica do contrato promessa, violao disposto no artigo 830.º do Código Civil. AAA) Sem conceder, ainda se entendesse que os Apelantes se encontram em incumprimento em resultado da ilicitude da resolução contratual que promoveram, designadamente mediante a comunicação que remeteram aos Apelados, ainda assim esse afirmar do incumprimento dos Apelantes afasta a execução especifica de contrato-promessa pois que esta “apenas pode ser exercido em situação de mora e não quando já se verificou o incumprimento definitivo pelo promitente demandado” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2022, proc. n.º 1217/21.0T8FNC.L1-6, disponível em www.dgsi.pt. BBB) À decisão de condenação dos Apelantes na execução especifica do contrato promessa alinham-se todas as razões referidas nas Conclusões CC) a SS) e que se dão aqui expressamente por reproduzidas, as quais, e embora não tenham sido apreciadas na sentença recorrida, paralisam, ora por via de exceção, tal condenação à execução especifica, segmento decisório que deve ser revogado mediante douto acórdão. CCC) Ante a procedência do recurso de facto resulta indemonstrado qual o valor que os Apelados despenderam em obras, não podendo a sua determinação fazer-se em liquidação pelas mesmíssimas razões pelas quais também não é admissível ainda que o facto 43 viesse a subsistir como «provado». É que, conforme resulta dos factos «provados» 16 e 42, tais obras foram feitas pelos Apelados “aquando do arrendamento” bem como “tendo em vista o arrendamento celebrado”, o que significa que as mencionadas obras foram executadas por conta da locação celebrada “antes de abril de 1991” conforme resulta do facto «provado» 10, pelo que não se confundem com quaisquer obras (não alegadas) que possam ter sido executadas no âmbito ou na vigência do contrato promessa celebrado em Maio de 1996 (facto 13). DDD) Resultando dos factos «provados» 18 e 19 que os Apelantes pagaram o IMI durante o período em que vigorou um contrato de arrendamento, enquanto que foram os Apelados que passaram a pagar essa despesa a partir do momento da celebração do contrato promessa de compra e venda, tal presta-se a evidenciar o acordo celebrado entre as partes, ou seja, que essa despesa constituía encargo próprio dos Apelados por serem eles a beneficiar do uso, do gozo e da fruição da benfeitoria, razão pela qual pagaram os IMI´s por dever e a título próprio, nada lhes sendo por conseguinte devido. EEE) O pedido condenatório em danos morais logo queda quando os factos em que se sedimentou resultaram «não provados» das alíneas p) e q) do respectivo rol. FFF) O direito de retenção reclamado paira na dependência de ocorrer incumprimento definitivo imputável aos Apelantes, o que, conforme sobejamente demonstrado, não ocorre. TERMOS EM QUE NESTES E NOS MELHORES DE DIREITO, os quais V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recuso de apelação e, em consequência, revogada a sentença recorrida e esta substituída por douto Acórdão que condene os Apelados nos termos peticionados na petição inicial, e que absolva os Apelantes dos pedidos reconvencionais, tudo nos termos das proposições conclusivas supra, Assim se fazendo a Habitual e Costumada, JUSTIÇA! » * Apresentaram por sua vez os RR. contra-alegações, as quais finalizaram com as seguintes conclusões: «A. Deverá ser mantida na íntegra, a douta sentença recorrida. B. Não ocorreu qualquer erro de análise nem existiu erro de apreciação da matéria de facto. C. Não foi cometido qualquer erro de julgamento e não foram violados quaisquer preceitos legais. D. Inexistem nos autos quaisquer elementos que justifiquem qualquer alteração à redação dada aos pontos 16, 30, 31 e 32 dos factos provados, E. Ou que possa levar à transição do facto provado 43 para o rol dos factos não provados. F. O tribunal a quo valorou o alegado em 112.º, 113.º e 114.º da réplica para dar como provado o ponto 16 dos factos provados. G. Os factos provados 30, 31 e 32 foram considerados aceites por ambas as partes em audiência. H. E o facto provado 43, de acordo com o tribunal a quo, “extrai-se do depoimento da testemunha EE, que as descreveu e contabilizou, sendo aquele que se deu como provado um valor muito aquém”. I. O artigo 103.º da réplica reflete os pontos 30 a 32 dos factos provados, não fazendo qualquer sentido a afirmação dos apelantes de que o mesmo não consta como «provado» nem como «não provado». J. Relativamente à matéria dos artigos 63.º a 67.º e 70.º da p.i., e salvo o devido respeito, a mesma não resultou provada nos autos. K. A convicção do tribunal a quo, na fixação da matéria de facto provada e não provada, baseou-se, além do acordo das partes quanto a factos que assumiram dar como assentes em audiência, na prova testemunhal produzida, nos depoimentos de parte do Autor e da Ré, na prova documental oferecida e na perícia de avaliação do imóvel, todos avaliados de forma crítica e conjugada à luz das regras de experiência comum resultantes da normalidade das relações familiares e contratuais. L. Ao longo de quase duas décadas, os apelantes não manifestaram qualquer perda de interesse, nem exigiram o cumprimento do preço em falta, sempre adotando uma postura de tolerância em relação aos apelados. M. Tal facto denota claramente que os apelantes não só nunca se sentiram prejudicados face aos atrasos de pagamento dos apelados, como foram sempre condescendentes perante as dificuldades económicas que estes foram atravessando. N. Não colhe a alegação de que o contrato promessa dos autos teve por objeto unicamente uma construção ou benfeitoria, uma vez que, tanto as testemunhas como as partes ouvidas deixaram bem claro que os pais do apelante marido e da apelada mulher dividiram verbalmente, ainda em vida, o seu quintal, anexo à sua casa, em diversas parcelas, que logo doaram, verbalmente também, uma para cada filho, de modo a que cada um destes ali pudesse levar a cabo a construção da sua habitação. O. Não colhe igualmente a alegação de que os réus e reconvintes, ora apelados, não cumpriram o contrato prometido: recordamos aqui que os autores, ora apelantes, nunca, até à presente data, interpelaram os apelados para cumprirem o contrato, pela simples razão de que não estavam prontos a faze-lo, por não disporem de licença de utilização e nem sequer terem registado a propriedade do prédio a seu favor! (pontos 48 e 49 dos factos provados) P. O que os autos demonstram é que os apelados se viram forçados a avançar com notificação judicial avulsa, com vista a obterem dos apelantes o cumprimento do contrato. (ponto 52 dos factos provados) Q. Mais demonstram os autos que, só depois de os apelados terem avançado com uma interpelação judicial para cumprirem o contrato é que os apelantes se lembraram de comunicar a resolução do contrato promessa. (ponto 27 dos factos provados) R. Quanto à perda objetiva do interesse na prestação pelos réus, apenas diremos o seguinte: Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1986, pág. 71, “O credor não pode, em princípio, resolver o negócio em consequência da mora do devedor. O que pode é exigir o cumprimento da obrigação e a indemnização pelos danos sofridos. O direito potestativo de resolução só é concedido no caso de impossibilidade culposa”. S. Admitindo que os apelados estivessem em mora (o que só por mero raciocínio académico se admite), que a simples mora do devedor apenas o obriga a reparar os danos causados ao credor (artigo 804.º, n.º 1 do CC) e que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (artigo 805.º, n.º 1 do CC). T. A perda do interesse do credor na prestação é, conforme estipula o n.º 1 do artigo 808.º do CC, “apreciada objetivamente”. U. É cristalino, face a toda a prova carreada para os autos, que os autores, ora apelantes, que nunca se preocuparam em regularizar a situação jurídica, nomeadamente, registral, do imóvel prometido vender, não possuíam qualquer motivo razoável para resolver o contrato promessa celebrado com os réus e reconvintes, ora apelados, nem tinham qualquer motivo razoável para alegarem a perda do interesse na prestação. V. Quanto à execução especifica, o direito à mesma assiste inequivocamente aos apelados, por via do disposto nos artigos 830.º, n.º 3, por referência ao n.º 3 do artigo 410.º, ambos do CC. W. Por fim, e quanto à referência ao terreno onde foi levada a cabo a construção, recordamos aqui que, tendo a habitação prometida comprar e vender sido construída de boa fé, num terreno propriedade dos pais do autor marido e da ré mulher, há, pelo menos, 35 anos, ocorreu a acessão industrial imobiliária e o construtor, que o legislador civil denomina de incorporador, adquiriu a propriedade do terreno, uma vez que o valor deste é, como ensinam as regras da experiência, inequivocamente, inferior ao valor da construção (artigo 1340.º, n.º 1 do CC). X. A referência ao abuso do direito, só podemos classifica-la de malévola, senão mesmo infame. Y. Aliás, e sem conceder, os apelados não podem deixar de invocar em seu benefício a exceção do não cumprimento do contrato – artigo 428.º, n.º 1 do CC. Z. Efetivamente, tivessem os autores, ora apelantes, atempadamente procedido ao registo do imóvel na Conservatória do Registo Predial, bem como à obtenção de da licença de construção do imóvel e tivessem, de seguida, interpelado os apelados para cumprir, estes teriam podido contratar um crédito à habitação (é o que ocorre com a generalidade dos cidadãos deste país que adquirem casa própria) junto de qualquer entidade financeira, o que lhes teria permitido saldar, de uma única vez, a (pequena) parte do preço ainda em divida. AA. Inexiste, pois, pelo que acaba de ser exposto, qualquer fundamento para alterar o já (bem) decidido em primeira instância. Termos em que deverá V. Exa. julgar o recurso improcedente, por não provado, com as legais consequências, com o que farão, como é timbre deste Venerando Tribunal, a já costumada JUSTIÇA! » * Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos AA./recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: - nulidade por omissão de pronúncia [art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil]; - erro na decisão da matéria de facto, quanto aos factos “provados” nos “16.”, “30.”, “31.”, “32.” e “43.” do rol de factos «provados» [sendo que relativamente aos 4 primeiros reclamam uma distinta redação (que enunciam) e quanto ao último que devia passar a figurar no elenco dos factos “não provados” (com a redação que enunciam); subsidiariamente, e com referência ao ponto de facto “provado” no “16.”, deviam ser aditados 3 pontos de facto ao elenco dos pontos de facto “provados”, em acolhimento do alegado nos arts. 112.º, 113.º e 114.º da réplica (com a redação que enunciam) e, com referência aos pontos de facto “provados” sob “30.”, “31.”, “32.”, na conjugação com o que constava do art. 103.º da réplica, devia ser aditado um outro ponto de facto (com a redação que enunciam)] e quanto à matéria dos arts. 63.º a 67.º da p.i. (relativamente à qual, por não acolhida nos pontos de facto nem “provados” nem “não provados”), devia agora ser aditado um novo ponto de facto ao elenco dos factos “provados” (com a redação que enunciam), o que idem reclamam quanto à matéria do art. 70.º da p.i., relativamente ao que também pugnam por que seja aditado um novo ponto de facto ao elenco dos factos “provados” (com a redação que enunciam). - incorreto julgamento de direito [mormente porque a ininterrupta mora dos RR. ao longo de 25 anos no cumprimento de um contrato celebrado há 29 anos determinou a perda do interesse deles AA. no cumprimento do contrato promessa, pelo que «[A] sentença recorrida deve ser revogada mediante douto Acórdão que declare válida e licitamente resolvido o contrato promessa celebrado, por incumprimento definitivo e culposo imputável aos Apelados, seja pela recusa antecipada ao cumprimento dos Apelados seja pela perda objectiva do interesse dos Apelantes na prestação daqueles», com a consequente condenação dos RR. nos termos que haviam sido requeridos na p.i.]. * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1 – Consiste a mesma na enunciação do elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, sem olvidar que tal enunciação poderá ter um carácter “provisório”, na medida em que os AA./recorrentes também tal impugnam. São então os seguintes os factos que se consideraram “provados” na 1ª instância: «1. Os Autores são donos do prédio urbano composto de casa de habitação, cave para garagem, rés do chão e 1º andar para habitação, sito na Rua ..., da freguesia ..., ..., a confrntar do norte com a Rua ..., de nascente com FF, do sul com GG e do poente com Rua ..., inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo nº ...96 e omisso na Conservatória do Registo Predial; 2. Foram os Autores quem, há mais de 35 anos: apresentaram a construção do prédio descrito em 1 a licenciamento e a aprovação dos respetivos projetos, levantando e pagando as respetivas licenças, adjudicaram a contrução da moradia a construtores e escolheram os materiais e acabamentos, pagando o custo destes e de construção, passando a dispor dele como entenderam, tendo inscrito a moradia na matriz no ano de 1991 a favor do Autor; 3. Sempre sem interrupção, à vista e com o conhecimento de toda a gente, com a firme convicção de que são proprietários da moradia, sem oposição de ninguém, sendo por todos tidos e considerados como seus donos; 4. O Autor marido e a Ré mulher são irmãos; 5. Até aproximadamente aos anos de 1989/1990, quer os Autores quer os Réus encontravam-se emigrados em França; 6. Os Réus, naqueles anos de 1989/1990 decidiram regressar a Portugal; 7. E dado que não dispunham de residência em Leiria, foram juntamente com os seus filhos residir para casa dos pais do Autor marido e da Ré mulher; 8. Os Autores permanecem emigrados em França; 9. Como emigrantes, nos anos de 1989/1990, os Autores estavam a finalizar a construção da moradia, a qual se destinava a constituir a sua habitação em Portugal nos seus períodos de férias e, aquando da sua reforma e regresso definitivo a Portugal, a sua habitação permanente; 10. Após o regresso dos Réus a Portugal e antes de abril 1991, os Autores deram de arrendamento aos Réus a moradia identificada em 1, que estes passaram a habitar a partir daquele mês e ano, no estado de nova, ajustando o pagamento de uma renda no valor mensal de 249,40€ (PTE 50.000$00 à data); 11. Os Réus deixaram de pagar as rendas pontualmente, também não tendo entregue ao Autor o montante respeitante às rendas correspondentes aos meses de outubro de 1994 até maio de 1996; 12. Por escrito denominado de “contrato – promessa de compra e venda”, datado de 24/05/1996, os Autores prometeram vender aos Réus, que prometeram comprar a moradia descrita em 1, pelo preço de PTE 15.000.000,00 (74.819,68€); 13. Mais ajustaram (sob a cláusula segunda do contrato), o pagamento (i) da quantia de PTE 3.000.000,00 (14.963,93€) a título de sinal e princípio de pagamento no ato da assinatura do contrato e (ii) a quantia de PTE 12.000.000,00 (59.855,74€) no prazo máximo de quatro anos a contar da data do reconhecimento notarial das assinaturas, ocorrido em 22/08/1996; 14. Sob a cláusula segunda do referido contrato, seu § único, as partes ajustaram que “a quantia em dívida vencerá juros à taxa anual de 5% até integral e efetivo pagamento, os quais serão pagos conjuntamente com o último pagamento de capital em dívida e nunca após o decurso do referido prazo de 4 anos”; 15. Acordando ainda, sob a cláusula 5ª, que a escritura pública de compra de venda do imóvel seria “outorgada no prazo máximo de 8 (oito) dias após o último pagamento”, o qual, nos termos do contrato, deveria ocorrer até à data limite de 22/08/2000; 16. O preço determinado no contrato promessa teve em conta o valor de mercado da moradia àquela data de 1996, e o valor dos acabamentos (interiores e exteriores) realizados pelos Réus aquando do arrendamento; 17. Os Réus habitaram na moradia referida em 1 desde abril de 1991, de forma ininterrupta, inicialmente a título de arrendamento e depois como promitentes compradores; 18. Os Autores pagaram o IMI do imóvel de 1991 a 1996 e de 2020 em diante; 19. Os Réus pagaram os IMI do imóvel nos anos seguintes à celebração do contrato promessa (de 1996) até 2020; 20. Os Réus, na data da celebração do contrato promessa, entregaram aos Autores o montante de PTE 2.200.000,00 (10.973,55€) a título de sinal e princípio de pagamento (e não PTE 3.000.000,00 - 14.963,93€), ao contrário do preço ajustado que deveria ser pago no ato de assinatura do contrato; 21. E até ao termo do prazo de pagamento acordado (22 de agosto de 2000), os Réus entregaram aos Autores o montante de 30.426,67€, nos seguintes períodos e quantias: EUR 1496,39 entre agosto 1996 e agosto 1997; EUR 6484,37 entre setembro 1997 e agosto 1998; EUR 12.469,95 entre setembro 1998 e agosto 1999; EUR 9.975,96 entre setembro 1999 e agosto 2000; perfazendo um total (10.973,55€ + 30.426,67€) de 41.400,22€; 22. Em face do § único da cláusula segunda do contrato promessa ao valor de 74.819,68€ (preço global) acresciam juros de mora à taxa anual de 5%, fixando-se o valor do capital em dívida, à data de agosto de 2000, em 45.561,20€, nos termos da tabela seguinte:
23. Entre setembro 2000 e agosto 2012, os Réus entregaram aos Autores, por conta do preço estipulado, o montante de 50.271,92€[2], nos seguintes períodos e quantias: EUR 13.966,34 entre setembro 2000 e agosto 2001; EUR 13.003,66 entre setembro 2003 e agosto 2004; EUR 1300,00 entre setembro 2004 e agosto 2005; EUR 1500,00 entre setembro 2005 e agosto 2006; EUR 4000,00 entre setembro 2006 e agosto 2007; EUR 9000,00 entre setembro 2007 e agosto 2008; EUR 7501,92 entre setembro 2011 e agosto 2012; 24. Nada tendo entregue aos Autores nos anos de 2002, 2009 e 2010, nem nos restantes meses de 2012 e seguintes; 25. Em face do § único da cláusula segunda do contrato promessa ao valor de 74.819,68€ (preço global) acresciam juros de mora à taxa anual de 5 %, fixando-se o valor do capital em dívida, em agosto 2012, em 10.718,86€, e na data da instauração da presente ação (2023), em 16.614,20€ (correspondente a 22,20% do preço ajustado), nos termos da tabela seguinte: 26. O valor atual de mercado do prédio identificado em 1 (sem o terreno), determinado em junho 2024, é de 178.000,00€; 27. Por carta datada e registada no dia 16/11/2022, recebida no dia 23/11/2022, os Autores comunicaram aos Réus a resolução do contrato promessa de compra e venda – doc. 9 – invocando que a celebração do contrato definitivo representaria um prejuízo superior à sua não conclusão, face ao valor atual do prédio, e interpelando-os para procederem à entrega do imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens, até ao dia 31 janeiro 2023; 28. Os Réus não procederam à entrega da morada aos Autores naquela data nem posteriormente, permanecendo nela a habitar; 29. Em 1990, aquando do regresso dos Réus a Portugal, a moradia dos Autores não possuía ligação à rede pública de distribuição de energia elétrica nem à rede pública de distribuição de águas domésticas; 30. A moradia só obteve ligação à rede pública de abastecimento de água a 12/03/1991; 31. A ligação à rede pública de fornecimento de energia elétrica só foi pedida no dia anterior, 11/03/1991, tendo ocorrido alguns dias depois; 32. A casa também não dispunha de instalação de aquecimento nem de rede de águas quentes e não tinham sido construídas as fossas sépticas para escoamento e tratamento dos esgotos; 33. A garagem, na cave não estava pintada; 34. As grades das escadas e das varandas não estavam colocadas; 35. No rés-do-chão, a cozinha não estava instalada, não existiam loiças sanitárias nas casas de banho e não havia sido feita a pintura ou colocada qualquer pavimento, excetuados os azulejos da sala e do corredor; 36. No 1º andar também não existia pavimento colocado em qualquer divisão. 37. Pela mesma altura em que os Réus regressaram a Portugal, o Autor, ao tempo casado com a Autora, cruzou-se em Portugal com um amor de juventude, uma senhora que, entretanto, havia casado e tinha filhos, e pretendeu regressar ao país para poder estar perto dela; 38. E, como a casa que estava a construir não estava pronta propôs à sua irmã HH que possuía ali perto uma casa já acabada, mas mais pequena, fazer com ele uma permuta, proposta que a mesma rejeitou; 39. Entretanto o Autor separou-se da Autora e regressara a Portugal, atrás do grande amor da sua vida; 40. Autor e Autora haviam adquirido um apartamento com recurso a empréstimo bancário em França, onde a segunda residia, e atravessavam dificuldades no pagamento das prestações do crédito respetivo; 41. Foi neste quadro, após a recusa da sua irmã HH em permutar, que o Autor propôs à Ré mulher (sua irmã), o arrendamento da moradia, que esta aceitou; 42. Antes de entrarem na moradia e nela passarem a residir, de forma a torná-la habitável, os Réus tiveram de mandar executar e pagar do seu bolso o referido de 29 a 36, tendo em vista o arrendamento celebrado; 43. Com a realização das obras em questão despenderam os Réus a quantia de, pelo menos, PTE 2.326.500$00 (€ 11.604,53); 44. No final de verão de 1991, o Autor foi morar com os Réus no prédio identificado em 1, de forma a poder viver a sua grande paixão; 45. Não obstante, os Réus continuavam a pagar-lhe a renda estipulada; 46. No primeiro trimestre de 1993, um filho menor da senhora referida em 37, tomou conhecimento da relação que esta mantinha com o Autor, e a relação entre ambos terminou, regressando o Autor pouco tempo depois para França; 47. Os Autores construíram a moradia dos autos em terreno (parte indivisa de um prédio) propriedade dos pais do Autor varão e da Ré mulher, mediante simples autorização escrita dos referidos progenitores; 48. Após o falecimento dos pais do Autor varão e da Ré mulher, respetivamente em 2011 (ele) e 2018 (ela), os Autores não diligenciaram no sentido de registar a seu favor a propriedade do prédio identificado em 1 na respetiva Conservatória do Registo Predial (que ainda hoje está omisso); 49. Tal prédio também não dispõe de licença de utilização, nem os Autores alguma vez requereram a emissão da mesma; 50. Em 2003 o Autor varão divorciou-se da Autora; 51. Em ../../2005 casou com II, da qual se veio a divorciar em novembro 2018; 52. Em 28 de março de 2022 os Réus requereram a notificação judicial avulsa dos Autores, na sua residência em França, que correu seus termos pelo Juízo Local Cível, Juiz 2, sob o n.º 1259/22...., pedindo a notificação pessoal dos Autores para “cumprirem o disposto na cláusula 5.º do contrato (…) marcando a realização da escritura dentro do prazo, que se reputa razoável, de 15 contados da data da efetivação da presente notificação e notificando os requerentes da data e local para a realização da mesma, com a antecedência mínima de 5 dias, a fim de ser outorgada a escritura pública de compra e venda relativa ao prédio urbano (…) sob pena de, não o fazendo, os requerentes considerarem o contrato definitivamente não cumprido por culpa exclusiva dos requeridos”, mais referindo que o preço do contrato se encontrava “já integralmente pago há vários anos”; 53. Os Autores foram dela notificados, no âmbito do processo, apenas em 26/04/2023; 54. Os Réus têm um grande apego afetivo e sentimental ao sobredito imóvel, por nele terem vivido e nele terem criado os seus 3 filhos. 55. Antes da carta datada de 16/11/2022, os Autores nunca interpelaram formalmente os Réus para a realização da escritura pública; 56. Os Autores, pelo menos até 16/11/2022, não podiam marcar a escritura pública de compra e venda, por o imóvel não ter a sua situação registral e administrativa regularizada; 57. De 1996 a 2019, os reconvintes pagaram a título de IMI pelo prédio identificado em 1 o valor médio anual de € 300,00, suportando, nesses 24 anos, a título de impostos, o valor global de € 7.200,00; 58. Os Réus, pelo menos desde a carta de resolução dos Autores, vivem em sobressalto e chocados com a postura do Autor, que só aceita celebrar a escritura pública se aqueles pagarem a diferença para o valor atual de mercado do imóvel; 59. Os Réus, ao longo do período de permanência em França e já depois da sua vinda para Portugal, tiveram dificuldades financeiras.» ¨¨ E os seguintes os factos “não provados”: «a) Quem antes de abril de 1991 a moradia estivesse concluída e que os Autores antes dessa data já a habitassem nas férias de Verão; (não foi confirmado pela Ré e até resulta das obras que fizeram) b) Os Autores acordaram que os Réus passassem a habitar a casa em abril de 1991 a título de arrendamento em virtude das relações familiares existentes entre ambos, por terem então dois filhos menores a seu cargo, e dada a exiguidade da casa dos pais do Autor varão e da Ré mulher para acolher o agregado familiar dos Réus, com o compromisso deste ser temporário e transitório, vigorando até que encontrassem uma residência permanente; c) Os Réus, na sequência do arrendamento, nunca mais vieram a arranjar uma habitação; d) O contrato promessa foi celebrado em maio 1996, por os Autores exigirem que os Réus, naquela altura, abandonassem ou adquirissem a moradia, tendo estes optado pela sua aquisição; e) O preço determinado no contrato promessa, e as condições de pagamento justadas, atenderam às relações familiares existentes entre Autores e Réus f) Os Autores não tinham qualquer interesse nem disponibilidade para concretizar a venda do imóvel para além do prazo de 4 anos previsto no contrato; g) O Autor marido, agora na qualidade de aposentado, e intencionando regressar a Portugal, não dispõe de outra habitação própria para residir; h) Os Réus, no momento da assinatura do contrato, entregaram aos Autores a quantia de € 14.963,00 (PTE 3.000.000,00), dos quais estes deram quitação; i) Os Réus, para além dos pagamentos referidos em 22 e 23, tivessem entregue aos Autores quaisquer outras quantias para pagamento do preço do contrato; j) Os Réus, a partir do verão de 1998, sempre estiveram disponíveis para outorgarem a escritura pública, até porque tinham acesso a crédito bancário, na modalidade de crédito à habitação, o que lhes permitia liquidar a quantia ainda em dívida logo que os Autores estivessem disponíveis para o efeito; k) A esposa do Autor (II) recusava-se a dar o seu consentimento à outorga de escritura pública devida, porque não queria que o Autor varão seu marido partilhasse o produto da venda com a esposa anterior; l) Por isso, cada vez que a Ré mulher interpelava o seu irmão para regularizar a situação registral e administrativa da moradia, este dizia-lhe para ter calma, que havia tempo; m) A partir do início de 2019, os Réus (tendo tomado conhecimento que o Autor varão se tinha novamente divorciado) recomeçaram a insistir junto do mesmo para regularizar a situação jurídica da moradia e outorgar a escritura pública de compra e venda, tendo este respondido que competia aos Réus e não ele tratar do assunto; n) O Autor varão aconselhou então os Réus a efetuarem uma escritura de usucapião da casa a seu favor, à semelhança do que havia feito a sua irmã HH; o) Os Réus aceitaram pagar juros durante 4 anos, por considerarem que era o prazo razoável para os Autores regularizarem a situação jurídica do prédio; p) Os Réus, desde a propositura desta ação, não dormem, têm pesadelos, vivem infelizes e sentem vergonha por estarem a serem sujeitos a uma humilhação pública que entendem não merecer estar a atravessar; q) A Ré mulher já teve duas crises nervosas por causa dos comportamentos dos Autores, ao recusarem celebrar a escritura definitiva; r) A Ré mulher obstaculizou o processo de partilhas dos seus pais, por virtude das dívidas que detinha, impedindo assim a celebração da escritura definitiva do contrato de compra e venda.». * 3.2 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz na alegada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia [al.d) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]. Que dizer? Nos termos da dita al. d), verifica-se a nulidade da sentença quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento». Assim, com referência à 1ª parte da citada al.d), do nº1, do art. 615º do n.C.P.Civil, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º, nº2 do mesmo n.C.P.Civil. Sendo que a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. De referir que tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal. “Questões” submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 615º nº1, al.d), do n.C.P.Civil: daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia. Como já foi doutamente sublinhado a este propósito, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda” . Aliás, no mesmo sentido foi-nos anteriormente ensinado que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” . Será, então, que se pode concluir que houve omissão de pronúncia no caso ajuizado? Atente-se, desde logo, que quanto a este fundamento de nulidade, está em causa, o correspondente incumprimento, por parte do julgador, de na sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer por terem sido alegadas/suscitadas, a saber, que «(…) os Apelantes fundam a sua comunicação resolutiva na afirmação do incumprimento pela perda objectiva do interesse, omitindo, deste modo, a pronúncia sobre a mencionada questão jurídica». Será assim? Salvo o devido respeito, a arguição de nulidade com esta linha de argumentação só se compreende como fruto de lapso ou desatenção, pois que, se bem se compulsar a sentença recorrida, inquestionavelmente se constata que a dita temática nela foi apreciada/afrontada, mais concretamente a págs. 26 da mesma – sendo no sentido de que não se verificava esse fundamento. Sendo certo que não configura esta nulidade – como supra explicitado! – a eventual omissão, na sentença, de algum argumento ou razão jurídica que os AA. tenham aduzido… Donde se assim é, importa concluir que não foi cometido o aludido vício, nesta sua vertente da omissão. Assim sendo, não ocorreu qualquer “omissão de pronúncia” no quadro e para efeitos do art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil. Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelos AA./recorrentes como fundamento para a procedência do recurso. * 3.3 – Impugnação relativamente à matéria de facto suscitada na apelação dos AA./recorrentes, mais concretamente no sentido de que existe erro na decisão da matéria de facto, quanto aos factos “provados” nos “16.”, “30.”, “31.”, “32.” e “43.” do rol de factos «provados» [sendo que relativamente aos 4 primeiros reclamam uma distinta redação (que enunciam) e quanto ao último que devia passar a figurar no elenco dos factos “não provados” (com a redação que enunciam); subsidiariamente, e com referência ao ponto de facto “provado” no “16.”, deviam ser aditados 3 pontos de facto ao elenco dos pontos de facto “provados”, em acolhimento do alegado nos arts. 112.º, 113.º e 114.º da réplica (com a redação que enunciam) e, com referência aos pontos de facto “provados” sob “30.”, “31.”, “32.”, na conjugação com o que constava do art. 103.º da réplica, devia ser aditado um outro ponto de facto (com a redação que enunciam)] e quanto à matéria dos arts. 63.º a 67.º da p.i. (relativamente à qual, por não acolhida nos pontos de facto nem “provados” nem “não provados”), devia agora ser aditado um novo ponto de facto ao elenco dos factos “provados” (com a redação que enunciam), o que idem reclamam quanto à matéria do art. 70.º da p.i., relativamente ao que também pugnam por que seja aditado um novo ponto de facto ao elenco dos factos “provados” (com a redação que enunciam). Vejamos então. Começando pelo primeiro dos ditos pontos de factos questionados, a saber, o ponto de facto no “16.”. É o seguinte o teor literal de tal ponto de facto: «16. O preço determinado no contrato promessa teve em conta o valor de mercado da moradia àquela data de 1996, e o valor dos acabamentos (interiores e exteriores) realizados pelos Réus aquando do arrendamento.» Relativamente a este ponto de facto, sustentam os AA./recorrentes que «[A] formulação conferida ao ponto 16 do rol de factos «provados» merece reparo porque (i) é equivoca, ou pelo menos dela não resulta claro que o valor da moradia determinado em 1996 e que as partes consideraram para efeitos de preço resultou da dedução do valor das obras executadas pelos RR. em 1991; e porque (ii) a formulação empregue omite que as partes também deduziram ao valor da moradia, para efeitos de promessa de compra e de venda, o valor do terreno sobre o qual aquela se encontra edificada», face ao que reclamam que a redação deste ponto de facto devia ser reformulada, passando a ter o seguinte teor: «16. O preço determinado no contrato promessa teve em conta o valor de mercado da moradia àquela data de 1996, alcançado por AA. e RR. mediante duas avaliações, e após dedução das obras executadas pelos RR. aquando ao arrendamento bem como deduzido do valor do terreno sobre o qual a mesma foi edificada, propriedade dos pais de A. varão e da R. mulher e mencionado em 47.» De referir que os AA./recorrentes fundamentam esta sua pretensão, em síntese, em que a Ré teria confessado a matéria de facto contida nos artigos 112.º, 113.º e 114.º da réplica, o que na conjugação com o teor literal dos documentos que constituem as ditas 2 “avaliações”, e bem assim da própria “motivação” consignada pela Exma. Juiz de 1ª instância quanto a este particular, determinaria o acolhimento desta sua pretensão. Que dizer? Desde logo temos que apenas a Ré mulher terá efetivamente confessado o que consta dos ditos artigos 112.º, 113.º e 114.º da réplica [cf. art. 353º, nº2 do C.Civil]. Depois, se bem compulsarmos o teor desses artigos, resulta que o que é possível deles retirar é que o valor da moradia ajustado no contrato promessa “foi alcançado mediante duas avaliações”, cujo teor e sentido aparece, em parte, reproduzido nesses artigos. Acontece que as duas ditas avaliações, como delas resulta, apontam para valores diferentes: uma fixa o valor do prédio em “15.200.000$00” e a outra em “14.250.000$00”. Por sua vez, temos que o valor ajustado no contrato promessa foi o de “15.000.000$00”. Ora se assim é, como este último é um valor intermédio entre os dois que constavam das avaliações, os elementos de prova invocados não são nem consistentes nem concludentes quanto ao sentido preconizado pelos AA./recorrentes, isto é, não foi feita prova segura e insofismável de que o valor final tenha sido “alcançado” pela forma aduzida pelos AA./recorrentes. Acresce que a redação que figura neste ponto de facto, tal como consignado na sentença, acomoda a interpretação de que no valor não se inclui os acabamentos realizados pelos RR.. Consequente e correspondentemente ao vindo de dizer-se – e agora já em resposta ao deduzido em via subsidiária! – não podem ser aditados três novos factos ao elenco dos factos “provados” que sejam narrativos da realidade contida nos artigos 112.º, 113.º e 114.º, pois que, além de tal não ser ajustado face ao teor vago e generalista do que deles consta (e enquanto meramente instrumental do que releva), também não cumpriria função útil. Termos em que improcede esta impugnação. ¨¨ Pontos de facto “30.”, “31.”, “32.”: O teor literal dos mesmos é, respetivamente: «30. A moradia só obteve ligação à rede pública de abastecimento de água a 12/03/1991»; «31. A ligação à rede pública de fornecimento de energia elétrica só foi pedida no dia anterior, 11/03/1991, tendo ocorrido alguns dias depois»; «32. A casa também não dispunha de instalação de aquecimento nem de rede de águas quentes e não tinham sido construídas as fossas sépticas para escoamento e tratamento dos esgotos» Os AA./recorrentes convocam neste particular o teor do art. 103º da Réplica[3], o qual não consta nem como “provado” nem como “não provado”, e que teria sido confessado pela Ré mulher. Acontece que, mais uma vez, essa confissão não é eficaz [cf. art. 353º, nº2 do C.Civil], muito menos nos termos amplos pretendidos. Assim, por ausência de elementos de prova consistentes e concludentes do sentido pretendido, vai indeferida a reformulação da redação respeitante a estes pontos de facto. E consequente e correspondentemente ao vindo de dizer-se – e agora já em resposta ao deduzido em via subsidiária! – não pode ser aditado um novo facto ao elenco dos factos “provados” que seja narrativos da realidade contida no dito artigo 103.º da Réplica. ¨¨ Ponto de facto “provado” sob “43.”: Recorde-se que o teor literal deste é: «43. Com a realização das obras em questão despenderam os Réus a quantia de, pelo menos, PTE 2.326.500$00 (€ 11.604,53)». Os AA./recorrentes pugnam no sentido de que este ponto de facto transite para o elenco dos “não provados”, argumentando, no essencial, que «O Tribunal a quo sustentou positivamente o seu juízo fundamentando que “O montante das obras em questão (facto 43), descritas pela Ré no seu depoimento, extrai-se do depoimento da testemunha EE, que as descreveu e contabilizou, sendo aquele que se deu como provado um valor muito aquém”», sucedendo que o depoimento da testemunha EE não foi de todo confirmativo dos valores em causa (“valores irrealistas”), para além de se ter revelado uma testemunha “parcial” e não credível. Que dizer? Quanto a nós que não lhes assiste razão. Atente-se que este ponto de facto tem uma redação já de si restritiva [cf. «(…) despenderam os Réus a quantia de, pelo menos, (…)»[4], isto é, a Exma. Juíza a quo só deu como “provado” um valor pelo limite mínimo, o que, logicamente, significa que não deu credibilidade a alegações ou depoimentos que apontassem para valor(es) superior(es). Sendo certo que no confronto com os concretas obras em causa, a saber, o que constava discriminado nos pontos de facto “provados sob “29.” a “36.”, o valor é perfeitamente credível e realista. Termos em que improcede a impugnação também quanto a este particular. ¨¨ Matéria dos arts. 63.º a 67.º da p.i.: Relembremos antes de mais o teor literal destes: «63.º - O decurso do tempo, ao longo de 27 anos, desacompanhado quer do pagamento do preço acordado quer da possibilidade dos RR. disporem da Moradia, da qual os AA. fazem uso exclusivo, redunda num directo e relevante prejuízo para os AA., por um lado, e num correlativo e injustificado benefício para os RR., por outro lado.»; «64.º - Na prática e efectivamente, ao longo de 27 anos que os AA. não dispõem nem da posse directa e pessoal (posse precária) da Moradia como também não receberam o preço desta.»; «65.º - Em contra polo, ao longo de 27 anos – a mora – os RR. gozam das comodidades e da Moradia, a título gratuito e sem pagamento do preço desta.»; «66.º - Volvidos 27 anos de reiterada mora, ao longo dos quais os RR. colheram em benefício próprio e exclusivo o gozo, o uso e a fruição da Moradia, sem pagar o preço, tudo às custas dos AA., não é por conseguinte nem de admitir nem é presentemente do interesse dos AA., o cumprimento do contrato nos termos ajustados no longínquo ano de 1996.»; «67.º - E tal gozo, uso e fruição que os RR. beneficiaram desde 1996 até 2021 – a mora – representou, para aqueles, o valor de EUR 222.411,96 – vide documento n.º 8 já junto – em prejuízo dos AA..» Sustentam os AA./recorrentes que os factos destes artigos não resultaram nem como “provados”, nem como “não provados”, não obstante a sua relevância, donde pugnarem pelo aditamento dum ponto de facto ao elenco dos “provados”, cuja redação enunciam. Será assim? Em nosso entender, a resposta foram os próprios AA./recorrentes que a deram, quando logo concomitantemente reconheceram que «[É] certo que grande parte do alegado nos mencionados artigos encerra matéria de direito, ou é conclusivo (…)». E na verdade assim ocorre, acrescendo o pendor largamente argumentativo… Assim sendo, sem necessidade de maiores considerações, também improcede a impugnação quanto a este particular. ¨¨ Matéria do art. 70.º da p.i.: Esta tinha o seguinte teor literal: «70.º - Devem, por conseguinte, os RR. ser condenados a pagar uma indemnização aos AA., a qual se deverá fixar em montante nunca inferior a 800,00 por mês, desde 1 de Fevereiro de 2023 e até efectiva entrega da Moradia livre e devoluta de pessoa e de bens, correspondente à vantagem que os RR. ilegitimamente retiram mediante o uso, gozo e fruição que dela fazem.» Aduzem os AA./recorrentes que «[N]o alegado está ínsito o valor locativo mensal que corresponde ao benefício que os Apelados retiram da construção mediante o uso gratuito que dela fazem, sem título válido, desde a data da resolução operada. Este facto não consta nem como «provado» nem como «não provado», porém assume relevância para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito, com particular relevo ante o pedido que os Apelantes formulam em F) do seu petitório», sendo certo que invocam em abono da correspondente prova o resultado da perícia feita. Que dizer? Quanto a nós assiste-lhes efetivamente razão neste particular, importando referir que na perícia realizada efetivamente consta a resposta à pergunta atinente «[D]e acordo com o quadro de cálculo, de determinação do valor do imóvel, foi admitido um valor potencial de rendimento mensal da moradia de € 700,00 / mês (setecentos euros por mês).»[5] Ora se assim é, tendo em conta que o resultado dessa perícia não foi impugnado ou questionado pelas partes e que o mesmo mereceu incontestável acolhimento na “motivação” expressa na sentença recorrida, no deferimento desta reclamação, e tendo em vista o aditamento correspondente ao elenco dos factos “provados”, opta-se pela reformulação do ponto de facto “provado” sob “26.”, porque já respeitante a igual materialidade resultante da mesma perícia, donde, esse ponto de facto passa a figurar doravante com a seguinte redação: «26. O valor atual de mercado do prédio identificado em 1 (sem o terreno), determinado em junho 2024, é de 178.000,00€, sendo que o mesmo tem o valor locativo mensal de € 700,00.» ¨¨ Nesta estrita medida procede a impugnação à decisão sobre a matéria de facto. * 4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Cumpre agora entrar na apreciação da questão igualmente supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, a do incorreto julgamento de direito [mormente porque a ininterrupta mora dos RR. ao longo de 25 anos no cumprimento de um contrato celebrado há 29 anos determinou a perda do interesse deles AA. no cumprimento do contrato promessa, pelo que «[A] sentença recorrida deve ser revogada mediante douto Acórdão que declare válida e licitamente resolvido o contrato promessa celebrado, por incumprimento definitivo e culposo imputável aos Apelados, seja pela recusa antecipada ao cumprimento dos Apelados seja pela perda objectiva do interesse dos Apelantes na prestação daqueles», com a consequente condenação dos RR. nos termos que haviam sido requeridos na p.i.]: Desde logo importa começar por referir que a fundamentação nuclear e matricial para esta pretensão dos AA./recorrentes assentava no seu pedido de que devia ser declarado válida e licitamente resolvido o contrato-promessa (que pelos mesmos fora operado). Sendo que, recorde-se, e ao invés, na sentença recorrida se considerou que não havia incumprimento definitivo do contrato promessa imputável aos Réus (promitentes compradores), nem era válida a resolução operada pelos Autores, sucedendo, em contraponto, que os Réus, enquanto promitentes não faltosos, tinham direito à execução específica do contrato, subordinada ao pagamento, por parte dos Réus, do remanescente do preço e dos juros vencidos à taxa contratual de 5% ao ano, e sem prejuízo de ficar a eficácia da sentença dependente da realização desse depósito, a efetuar em prazo contado do trânsito em julgado daquela. Quanto a nós – e releve-se o juízo antecipatório! – face à factualidade efetivamente apurada, na sua globalidade, o enquadramento e “conclusão” a que se chegou na sentença recorrida não se mostra integralmente fundado, mormente porque, salvo o devido respeito, o que relevava para a boa decisão do caso era o efetivo incumprimento (definitivo ou não) dos Réus[6], porque o mesmo é que esteve na génese ou pelo menos acompanhou o incumprimento igualmente ocorrido por parte dos AA, face ao que discordamos do enquadramento feito na sentença recorrida. Senão vejamos. Na verdade, tem de se proceder a um enquadramento “alargado” da situação, pois que, obviamente, a questão central e que verdadeiramente definirá os direitos das partes é a que se prende com a existência ou não de uma situação de incumprimento (definitivo), surgindo num segundo momento a sub-questão da culpa (na imputação do incumprimento ocorrido), pelo que para tal dilucidação partiremos sem mais delongas. E fazendo-o, diremos o seguinte. Em nosso entender, do conjunto da factualidade apurada, sua devida concatenação e valoração, o que resulta é ter ocorrido um incumprimento imputável a ambas as partes. Concretizando: Cremos que importará começar pelos aspetos ligado ao pagamento do “preço” da promessa, e do “prazo” da realização da escritura, pois que será a partir daí que se vão começar a definir os direitos das partes. Relativamente ao pagamento do “preço” da promessa, entendemos que os RR. senão intencionalmente, pelo menos objetivamente/factualmente não pagaram o preço/ prestações no tempo em que se haviam comprometido a fazer no contrato-promessa, nem posteriormente (até à prolação da sentença), inclusive quanto aos juros com que se haviam igualmente obrigado: como flui inapelavelmente dos factos “provados”, encontra-se em dívida, por parte dos RR., o pagamento da quantia de € 16.614,20 respeitante a parte do preço acordado e contratualmente devido [cfr. factos “provados” sob “20.” a “25.”], quando é certo que, nos termos acordados, o preço deveria ser integralmente pago antes da data da escritura, concretamente no prazo de 4 anos a contar de 22.08.1996 [cfr. facto “provado” sob “13.”]. Ora, não obstante os RR. se encontrarem em incumprimento quanto ao preço propriamente dito [para além de várias falhas e dilações, não efetuaram mais qualquer pagamento desde o ano de 2012], também só pagaram o IMI do prédio desde 1996 até 2020, e assim se deixaram estar, até que em 28 de março de 2022 dirigiram uma notificação judicial avulsa aos AA. [cf. facto “provado” sob “52.”], para estes «(…) cumprirem o disposto na cláusula 5.º do contrato (…) marcando a realização da escritura dentro do prazo, que se reputa razoável, de 15 contados da data da efetivação da presente notificação e notificando os requerentes da data e local para a realização da mesma, com a antecedência mínima de 5 dias, a fim de ser outorgada a escritura pública de compra e venda relativa ao prédio urbano (…) sob pena de, não o fazendo, os requerentes considerarem o contrato definitivamente não cumprido por culpa exclusiva dos requeridos», mais referindo que o preço do contrato se encontrava «já integralmente pago há vários anos». Daqui resulta, desde logo, que os RR. não cumpriram a sua prestação de pagamento do “preço”, restando por pagar um valor que não se podia considerar “residual”. Entraram assim os RR. inapelavelmente em mora, decisivamente desde o último pagamento ocorrido no ano de 2012. Acrescendo que vieram posteriormente a demonstrar uma vontade/intenção definitiva de não cumprimento pontual do contrato, quando, na notificação judicial avulsa que fizeram aos AA. no sentido de marcação da escritura, invocaram que o preço do contrato se encontrava “já integralmente pago há vários anos” [cf. facto “provado” sob “52.”]. Por outro lado, havia ficado acordado contratualmente que «A escritura pública ora prometida será outorgada no prazo máximo de 8 (oito) dias após o último pagamento.» [cf. cláusula 5ª do contrato promessa][7]. Quanto à estipulação de prazo de cumprimento nos contratos-promessa, pode-se dizer, em geral, que esta pode assumir duas modalidades: - termo fixo (ou absoluto); - termo não fixo (ou relativo). Naturalmente que o decurso do prazo previsto num contrato-promessa para a celebração do contrato definitivo, sendo qualificado como limite ou absoluto, gera o incumprimento definitivo (e logo a resolução do contrato); ao invés, o decurso de prazo relativo importa tão-só uma situação de atraso (mora) no cumprimento, face à qual se exige uma interpelação (eventualmente admonitória, para que o decurso do prazo acarrete um incumprimento definitivo) do devedor para cumprir. E isto porque não ocorre, em princípio, uma perda objectiva de interesse do credor.[8] E dizemos “em princípio”, porque há casos em que face ao particularismo da situação, outra pode e dever ser a conclusão. Retornando ao aspeto da natureza do prazo, como qualificar o fixado no contrato-promessa ajuizado? Na medida em que não foi arredada pelas partes a possibilidade de um cumprimento ulterior, nem sendo afirmado ou resultando do teor literal expresso que a finalidade da prestação só podia ter lugar desde que o cumprimento ocorresse dentro daquele prazo (isto é, sendo nesse caso o prazo um elemento essencial do contrato-promessa), cremos que importa concluir que era um prazo incerto/relativo, mas, a não se entender dessa maneira, na linha da jurisprudência dominante para um caso de dúvida, a igual conclusão se deve chegar.[9] No caso ajuizado, se bem compulsarmos o contrato, constata-se que nele não estava indicado quem devia proceder à marcação da escritura. Sucede que, na medida em que não estava objetivamente satisfeita a condição para essa marcação, a saber, «após o último pagamento» [cf. dita cláusula 5ª do contrato-promessa], não nos parece que se possa falar em incumprimento de qualquer das partes quanto a esse particular. Sem embargo do vindo de dizer, os AA., através da carta registada no dia 16 de novembro de 2022 [e recebida pelos RR. na data de 23.11.2022] comunicaram aos RR. a resolução do contrato promessa ajuizado, fundamentada não só na dita mora quanto ao pagamento do preço, mas também na perda objetiva do interesse no cumprimento do contrato, por parte deles AA.. Que dizer? Consabidamente, a mora poderá converter-se em incumprimento definitivo por qualquer das duas vias previstas no art. 808, nº1, do C.Civil: - perda objetiva do interesse do credor na prestação; - interpelação com a fixação de um prazo certo e suplementar, com a advertência de que o não cumprimento do mesmo importa a perda de interesse na celebração do contrato. No caso, invocam os AA. a perda objetiva do interesse. Sucede que nos parece questionável a verificação desta situação. Isto tendo em conta a globalidade do quadro factual apurado nos autos. Com efeito, face à situação de mora em que os RR. se encontravam, nos termos do art. 804, nº2, do C.Civil, indiscutivelmente a partir do ano de 2012, cumpria aos AA., mais não seja à luz do princípio da boa fé que deve nortear o cumprimento dos contratos, intentar sair dessa situação. Só que os AA. nunca o fizeram ao longo dos 10 anos subsequentes, pois que nunca em tal período de tempo expressa e formalmente manifestaram aos RR. qual era a sua posição, nomeadamente que tinham urgência e efetivo interesse na celebração da escritura e/ou comunicado a concessão de um prazo suplementar e último para liquidação do que estava em dívida. Assim como nunca os AA. invocaram ou deram a conhecer aos RR. que havia da sua parte uma perda do interesse na prestação. Atente-se que a perda do interesse na prestação (o que sucederá quando esta, apesar de ser fisicamente concretizável, deixou de ter oportunidade), é apreciada objetivamente, razão por que eventuais subjetivismos, serão de afastar. «Não basta que o credor diga, mesmo convictamente, que a prestação já lhe não interessa, há que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse corresponde à realidade dos factos»[10], isto é, a perda do interesse deve ser justificada segundo um critério de razoabilidade entendido pela generalidade das pessoas. Acresce que «V - Para que ocorra uma situação de perda de interesse susceptível de justificar a assumpção de uma atitude resolutiva por parte do accipiens, torna-se necessário que a situação de retardamento no cumprimento da prestação em que o devedor se colocou ocasione um subjectivo, objectivamente perspectivado, desinteresse do credor na execução do contrato. VI - Cabe aos demandantes alegar e provar os factos objectivos e concretos que substanciem a perda do interesse, susceptível de caracterizar o comportamento do inadimplente como equiparável à impossibilidade de cumprir; a perda de interesse reveste, a esta luz, a natureza de facto constitutivo do direito que o credor se arroga de proceder, com esse fundamento, à liquidação da relação contratual (art. 342.º, n.º 1, do CC).»[11] Ora, o que os autos evidenciam é que os AA. deixaram o tempo correr, como se a situação não os estivesse a penalizar, tornando até legítima a interpretação de que esperaram pelo decurso do tempo para poderem invocar a perda do interesse, isto é, contemporizaram com o passar do tempo, permitindo uma situação de indefinição, para virem a final prevalecer-se da invocação dum prejuízo efetivo e muito relevante para si, consequência do decurso do tempo, da desvalorização da moeda, do desequilíbrio das prestações, etc. Sucede que isto até permite qualificar a sua postura como de um abuso do direito nesta invocação – na modalidade de surrectio. Na verdade, esta modalidade/tipologia de abuso do direito[12], revela-se quando é a manutenção de uma situação durante um longo período de tempo que faz surgir numa pessoa uma faculdade jurídica que de outro modo não teria. Ademais, divisa-se uma outra e relevante circunstância para apreciar e avaliar o (in)cumprimento contratual, desta feita da banda dos AA.. É ela a que se prende com o facto de os próprios AA. não terem cumprido com as suas obrigações em termos de registo do prédio e de obtenção da licença de utilização do prédio.[13] Decorre dos pontos de facto “provados” sob “47.” a “49.” que os AA. nunca diligenciaram no sentido de registar a seu favor a propriedade do prédio [mesmo a partir do momento em que existiam condições legais que tal permitiam e até impunham – heranças por partilhar], como também nunca requereram a emissão de licença de utilização, situação que perdurou pelo menos até 16/11/2022 [data da resolução do contrato promessa pelos mesmos operada], face ao que, consabidamente, não podiam marcar a escritura pública de compra e venda [cf. facto “provado” sob “56.”][14]. Acontece que ainda que a necessidade de regularização registral e administrativa do prédio não decorresse diretamente do contrato promessa, ela era um dever acessório ou complementar ínsito nas estipulações contratuais, senão mesmo decorrente do desígnio da própria vinculação contratual (enquanto dever inerente à dinâmica negocial assente no princípio de boa-fé e num critério ético-normativo de razoabilidade).[15] Isto é, os AA. nunca estiveram em condições de poder celebrar a escritura, seguramente não o estando à data em que comunicaram a resolução do contrato. O que significava também uma situação de mora da sua parte. Ora se assim é, divisa-se aqui um incumprimento contratual também da sua parte, encontrando-se culposamente colocados nessa situação. Neste quadro, e competindo/podendo ambas as partes proceder à marcação da escritura, o que é certo é que nunca nenhuma delas o fez. Donde, salvo o devido respeito, o que os factos “provados” evidenciam/demonstram, é que ambas se desinteressaram do cumprimento pontual “daquele” contrato – pois que ambas elas demonstraram não estar em condições de o cumprir, nem de ter vontade de efetivamente o cumprir. Sendo certo que foi nesta sequência/contexto que os AA. comunicaram aos RR. a resolução do contrato [cf. facto “provado” sob “27.”], o que só por si significa uma vontade de não cumprimento definitivo do contrato. Nesta linha de entendimento, estamos reconduzidos a uma situação de não cumprimento definitivo do contrato bilateralmente imputável, na medida em que o comportamento contratual de ambas as partes contribuiu para uma situação de impasse ou de inércia na actuação (positiva) com vista ao cumprimento da sua parte no cômputo da relação contratual estabelecida, face ao que o «(…) contrato deve ser resolvido, tendo por base as normas gerais, pela compensação de culpas concorrentes verificados os respectivos pressupostos (art. 570.º do CC). Assim, a indemnização poderá ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, consoante a gravidade das culpas de ambas as partes e as consequências que delas resultaram. Se as culpas dos dois contraentes forem iguais, a indemnização deve ser excluída, devendo o accipiens, porém, restituir o sinal em singelo, pois não se vê a que título possa retê-lo legitimamente – neste sentido, entretanto, o acórdão do S.T.J., de 13 de Janeiro de 2009 (Processo n.º 08A3649); acórdão da Relação de Lisboa, de 12 de Março de 2009 (Processo n.º 9788/2008-7). É que tal restituição, importa repeti-lo, não reveste natureza indemnizatória, sendo antes mera consequência da resolução equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou à anulabilidade (arts. 433.º e 434.º) –, que tem eficácia retroactiva, pelo que deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art. 289.º, ex vi do art. 433.º).»[16] Sendo certo que o pedido de resolução do contrato promessa foi formulado expressamente pelos AA. na ação que propuseram, em que visavam, além do mais, que fosse reconhecida a licitude da resolução extra-processual já feita pela comunicação de 16/11/2022… Isto tendo obviamente presente que o facto do não cumprimento ser imputável, em igual medida, a ambas as partes, não deve precludir o direito de resolução de uma delas nos contratos com contraprestações correspetivas.[17] Assim, estando como se está perante um incumprimento do contrato imputável a ambos os contraentes, importará agora dizer que a questão deve ser solucionada pela compensação de culpas concorrentes, verificados os respetivos pressupostos (cf. art. 570º do C.Civil).[18] Neste sentido aponta a melhor doutrina já supra citada[19], sendo que importará então passar à tarefa seguinte, qual seja, a de determinar se a gravidade das culpas das partes é ou não igual, pois que, consabidamente, sendo ela igual, não pode o sinal desempenhar qualquer das funções que a lei lhe atribui (cf. art. 442º, nº2 do C.Civil), devendo o respectivo accipiens proceder à sua restituição em singelo, dada a falência do efeito para que havia sido constituído, sendo certo que essa restituição em singelo é mera consequência da resolução, que tem eficácia retroativa, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (cf. art. 289º, “ex vi” do art. 433º, ambos do C.Civil), sem embargo de o regime indemnizatório a que houver lugar ser o regime geral do art. 562º e segs. do mesmo C.Civil, tendo especialmente em consideração o art. 570º do mesmo; se, ao invés, a gravidade da culpa de cada um dos contraentes tiver medida diferente, poderá o sinal funcionar, com a redução que do art. 570º do C.Civil resultar dever ser imposta.[20] “Quid iuris” no caso vertente? Quanto a nós, se é de censurar os RR./recorridos por terem entrado em incumprimento contratual ao falharem o pagamento prestacional do preço, acrescendo insistirem injustificadamente numa totalidade do pagamento (e que nada mais era por si devido!) pela sua comunicação formal datada de 28 de março de 2022 [data da notificação judicial avulsa a que se refere o facto “provado” sob “52.”], também o alheamento prolongado dos AA. face ao atraso nos pagamentos acordados e mesmo face à falha final dos RR. no cumprimento dessa obrigação, inculca a ideia de que assim ocorreu porque, pela falta de regularização registral e administrativa do prédio, os AA. não estavam em condições objetivas de realizar a escritura ou já não estavam mesmo interessados na concretização do contrato prometido, não obstante nos parecer que foi a conduta incumpridora dos RR. que potenciou/determinou e teve como corolário a declaração de resolução por parte dos AA. [cf. facto “provado” sob “27.”]. Nesta ponderação, entendemos que a atuação/postura das partes é de molde a fazer equivaler as culpas de ambas os contraentes para a produção do resultado final, donde considerarmos que ambas as partes agiram com culpa para que o contrato não obtivesse o resultado para que tendia, em consequência do que, nos termos dos artigos 433º e 434º do C. Civil, a não conclusão do contrato terá os efeitos da resolução o que, no caso, se traduzirá na restituição aos RR., em singelo, do sinal recebido [de €10.973,55[21]], e bem assim do “preço” liquidado [de € 80.698,59[22]]. Atente-se que a solução não poderá deixar de ser a da restituição do sinal em singelo, pois que sendo como era o incumprimento imputável a ambas as partes, em medida que, em nosso entender, se deve considerar sensivelmente idêntica, tal se impõe pela circunstância de que «ambas as partes teriam nessa situação direito à indemnização da contraparte, pelo que essas obrigações se extinguiriam por compensação (art. 847º do C.Civil)».[23] De referir que a esses montantes acrescem o parcial relativo aos pagamentos de IMI feitos pelos RR. [de 7.200,00[24]], e bem assim o parcial pelas obras efetuadas e suportadas também pelos RR. [de € 11.604,53[25]], sendo certo que a restituição/pagamento destes valores decorre das disposições conjugadas dos arts. 289º, nº 3 e 1273º, nº2, ambos do C.Civil, tudo à luz das regras do enriquecimento sem causa. Releva-se que quanto ao último segmento vindo de referir se está a dar procedência aos pedidos em via reconvencional (a título subsidiário) que os RR. haviam formulado. Deste modo, temos que o valor total a restituir pelos AA. aos RR. será de € 110.476,67 [= € 10.973,55 + € 30.426,67 + € 50.271,92 + € 7.200,00 + € 11.604,53]. Por outro lado, por fim, e tal como peticionado pelos AA./recorrentes [desde logo na p.i.], devem os RR. ser condenados, na entrega do imóvel livre e devoluto aos AA., para o que se concede àqueles o prazo de 30 dias. Ao invés, improcedem os demais pedidos de condenação dos RR. que os AA. haviam formulado [de indemnização aos AA. em montante nunca inferior a € 800,00/mês, desde 1 de Fevereiro de 2023 (por não verificação dos respetivos pressupostos e facto e de direito), de sanção pecuniária compulsória de montante não inferior a € 150,00 por cada dia que retardem o cumprimento da decisão (por não verificação dos respetivos pressupostos legais, a saber, não se tratar de uma prestação de facto “infungível”, tal como previsto no art. 829ºA, nº1 do C.Civil), e de juros de mora (por referentes às duas anteriores condenações, como visto improcedentes). Assim como improcedem os demais pedidos que os RR. haviam formulado em via reconvencional (principal e subsidiária). O que significa que, na parcial procedência do recurso interposto, se dá agora parcial procedência à ação e apenas parcial procedência à reconvenção (em via subsidiária)! Nesta linha de entendimento, se virá, a final, a proferir condenação em conformidade. Procedendo nessa medida o recurso dos AA./recorrentes. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (…). * 6 - DISPOSITIVO Pelo exposto, decide-se a final julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que: i) Se revoga a decisão na parte recorrida que, no essencial, havia dado parcial procedência à reconvenção, com a condenação dos AA. a praticar, a expensas suas, todos os atos necessários à celebração da escritura de compra e venda, como condição prévia à igualmente declarada execução específica do contrato promessa ajuizado (esta subordinada ao pagamento por parte dos RR. dos montantes acordados e ainda em dívida, acrescidos de juros); ii) Se declara agora resolvido o contrato promessa ajuizado, face às normas gerais sobre o incumprimento, com culpas de ambas os contraentes para a produção desse resultado final, e em medida equivalente, com a consequente condenação dos AA. a restituir aos RR. a quantia total de € 110.476,67 (cento e dez mil, quatrocentos e setenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), e, em reciprocidade, sendo os RR. condenados na entrega do imóvel livre e devoluto aos AA., para o que se concede àqueles o prazo de 30 dias, mantendo-se, no demais, a improcedência dos restantes pedidos formulados, quer pelos AA., quer pelos RR. em via reconvencional (principal e subsidiária). Custas do recurso pelas partes, na proporção dos respetivos decaimentos – e também assim na 1ª instância. * Coimbra, 20 de Novembro de 2025 Luís Filipe Cravo Alberto Ruço João Moreira do Carmo [1] Relator: Des. Luís Cravo 1º Adjunto: Des. Alberto Ruço 2º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo [2] De referir que se corrigiu o manifesto lapso de escrita quanto ao valor grafado na sentença recorrida quanto a este particular de “60.271,92€”, pois que os valores unitários correspondem efetivamente à soma aritmética de “50.271,92€”. [3] Cujo teor literal é «103.º - Estava dotada de abastecimento de água e de electricidade, primeiramente servida por contador de obra e posteriormente por contador definitivo.» [4] Com destaque da nossa autoria. [5] Cf. fls. 221 vº, da versão do processo em papel. [6] Os quais não se podem considerar como contraentes “não faltosos”… [7] Isto depois de haverem igualmente convencionado que o pagamento dos juros devia ter lugar «(…) conjuntamente com o último pagamento de capital em dívida e nunca após o decurso do referido prazo de 4 anos.» [cf. cláusula 2ª, § único do mesmo contrato promessa, com destaques da nossa autoria]. [8] Cf. no sentido que se expôs, e que, aliás, seguimos de perto nesta parte, FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, in “Contrato-Promessa em Geral – Contrato-Promessa em Especial”, Livª Almedina, Coimbra, 2009, a págs. 182-185. [9] Esta também é a posição de CALVÃO DA SILVA, expressa in “Sinal e Contrato-Promessa”, Livª Almedina, Coimbra, 9ª ed., 2002, a págs. 144; também assim o entende o referenciado FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, in obra e lugar pré-citados (págs. 184), “atentas as consequências gravosas que emergem do prazo ser havido como absoluto, de isso não corresponder à vontade manifestada pelas partes e sob pena de serem causados prejuízos irreparáveis”. [10] Citámos agora GALVÃO TELLES, in “Obrigações”, 7ª edição, a págs. 311. [11] Assim no acórdão do STJ de 15.03.2012, proferido no proc. nº 9818/09.8TBVNG.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jst. [12] Vide mais aprofundadamente sobre as diversas tipologias possíveis MENEZES CORDEIRO em “Tratado de Direito Civil Português”, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, Livª Almedina, a págs. 249-269. [13] Importando neste particular começar por sublinhar que é completamente infundamentada a invocação recursiva, por parte dos AA. ora recorrentes, de que o contrato promessa tinha/teve como objeto (unicamente) uma construção ou uma benfeitoria, e que era aos RR. ora recorridos, enquanto promitentes compradores, a quem cabia assegurar a aquisição daquela parcela de terreno: nada nesse sentido resulta do teor do contrato promessa ajuizado, nem minimamente resulta dos autos que essa fosse ou se devesse considerar ter sido a vontade das partes. [14] O que se vem de dizer não está infirmado pela circunstância do artigo 24º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de Janeiro (que entrou em vigor no dia 4 de Março de 2024) ter revogado o Decreto-Lei n.º 281/99, de 26 de Julho [em cujo art. 1º estava prevista a impossibilidade de celebração de escrituras públicas sem que fosse apresentada a licença de utilização], pois que esta revogação não tem como consequência a alteração do enquadramento feito: só a partir desse momento se pode eventualmente considerar que a obrigação se tornou possível nessa parte, donde será de desconsiderar face ao quadro factual destes autos. [15] Neste sentido, vide o acórdão do STJ de 27.11.2018, proferido no proc. nº 4724/10.6TBSTB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj. [16] Cf. CALVÃO DA SILVA, in “Sinal e Contrato-Promessa”, Livª Almedina, 13ª ed., 2010, a págs. 154-155. [17] Neste sentido o mesmo CALVÃO DA SILVA, em obra e local citados na nota anterior, ora a págs. 155. [18] Apontando para uma solução semelhante/equivalente, inter alia, os acórdãos do STJ de 12.10.2004 (proferido no proc. nº 04A2667), de 13.01.2009 (proferido no proc. nº 08A3649), de 11.09.2012 (proferido no proc. nº 3026/05.4TBSTS.P1.S1), de 12.09.2017 (proferido no proc. nº 148/14.4TVPRT.P1.S1) e de 27.11.2018 (proferido no proc. nº 4724/10.6TBSTB.E1.S1); todos estes arestos estando acessíveis em www.dgsi.pt/jstj. [19] Nas precedentes citações, a que correspondeu as notas [9] e [10] . [20] Também neste preciso sentido se apontou no já anteriormente citado acórdão do STJ de 12-10-2004, proferido no proc. nº 04A2667, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj. [21] Cf. facto “provado” sob “20.”. [22] Cf. factos “provados” sob “21.” e “23.”. [23] Citámos MENEZES LEITÃO, in “Direito das Obrigações”, I, 6ª edição, Coimbra, 2007, a pags. 234; no mesmo sentido, FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, in obra e lugar pré-citados, a págs. 202. [24] Cf. facto “provado” sob “57.”. [25] Cf. facto “provado” sob “43.”. |