Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
790/14.3T9LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
DECISÃO POR DESPACHO JUDICIAL
SILÊNCIO DO ARGUIDO
NULIDADE
Data do Acordão: 10/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA, UNIDADE 3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 64.º DO RGCO; ARTIGO 120.º, N.º 2, ALÍNEA D), DO CPP
Sumário: I - Não pode o julgador, sem ofensa dos princípios do contraditório e de confiança decorrentes do direito a processo equitativo, logo, das garantias de defesa, extrair do silêncio do arguido a sua não oposição à decisão por despacho, nos termos do disposto no artigo 64.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, quando o recorrente estrutura a sua defesa na impugnação dos factos integradores da contraordenação e na objecção de prática de contraordenação de menor gravidade em relação à que lhe esta imputada.

II - A dita violação do direito de defesa, por que se traduz na preterição da audiência de discussão e julgamento e, assim, na omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, consubstancia nulidade processual, enquadrável na parte final da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo de recurso de contra-ordenação 790/14.3T9LRA da Comarca de Leiria, Instância Local Criminal de Leiria, Unidade 3, o arguido A... , identificado nos autos, impugnou judicialmente a decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que o condenou, pela prática de uma contra-ordenação artº 69º,  nº 1  do  Regulamento  de  Sinalização  do  Trânsito,  aprovado  pelo  Decreto  Regulamentar  nº  22-A/98  de  1.10  e  artº  138º  e  146º  al,  l)  do  Dec.  Lei  nº  114/94  de  3.5,  revisto  e  republicado  pelo  Dec.  Lei  2/98  de  3.1  e  Dec.  Lei  265-A/2001  de  28.9,  alterado  pela  Lei  20/2002  de  21.8,  revisto  e  republicado  pelo  Dec.  Lei  nº  44/2005  de  23.2  e  alterado  pelo  Dec.  Lei  nº  113/2008  de  1.7  (Código  da  Estrada), na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de195 dias.

O arguido havia procedido ao pagamento voluntário da coima.

No requerimento de impugnação judicial o arguido impugnou os factos integradores da prática da contra-ordenação e arrolou testemunhas.

Foi proferido despacho ordenando a notificação do arguido e do Ministério Público para se pronunciarem sobre a decisão da impugnação judicial por despacho.

Na sequência de tal notificação o arguido não se pronunciou.

Em 20 de Fevereiro de 2015 foi proferida decisão por despacho que julgou improcedente a impugnação judicial. 

Inconformado com a decisão dela recorreu o arguido, rematando a correspondente motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª - Pelo despacho supra identificado foi julgada improcedente a impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente e manteve-se a aplicação da sanção de inibição de conduzir pelo período de 195 dias.

2ª - Após notificação ao recorrente para, querendo, se opor à decisão dos autos por despacho, tem que entender-se que o seu silêncio, acompanhado de oferecimento de prova (arrolou testemunhas e protestou juntar prova documental) e da impugnação dos factos em causa, com alegações de outros que em abstracto afastam a prática da infracção contraordenacional, constitui uma "manifestação implícita de oposição" à decisão por despacho.

3ª - De modo que, a prolação dessa decisão por despacho e sem a realização de audiência de julgamento constitui uma nulidade insanável por violação do disposto no art.º 119°, n.º 2, als. c) e d) do Código do Processo Penal, o que se invoca para todos os legais efeitos, impondo-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que ordena a realização de audiência de discussão e julgamento.

4ª - Por excesso de zelo e mera cautela ainda se dirá que o Tribunal recorrido deu como provado tão só que o recorrente "(. .. .) desrespeitou a obrigação de parar imposta pela luz vermelha de regulação de trânsito ( .. .)", o que encerra um mero juízo conclusivo desprovido de factos precisos e concretos, consubstanciando a "inexistência de alegação de factos concretos e reais" e, consequentemente uma verdadeira "falta do próprio objecto do

processo", além de impedir o recorrente de exercer convenientemente o seu direito de defesa, impondo-se a revogação do despacho, a absolvição do recorrente e o arquivamento dos autos de contra-ordenação.

 

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

Notificado, o Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo que deve ser mantida a decisão recorrida.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que o recurso deve ser provido por se verificar a alegada nulidade da decisão por despacho.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, o recorrente não exerceu o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.

***

II. Fundamentos da Decisão Recorrida

São os seguintes os fundamentos da decisão recorrida:

O recorrente A..., residente na Rua (...) , Alcobaça, interpôs tempestivamente e com legitimidade, recurso de impugnação judicial de decisão da autoridade administrativa (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária) que lhe aplicou, uma coima por haver cometido a contraordenação prevista no art. 69º nº 1 do Regulamento de Sinalização do Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 22-A/98 de 1.10 e art. 138º e 146º al, 1) do Dec. Lei nº 114/94 de 03 de maio, revisto e republicado pelo Dec. Lei 2/98 de 03 de janeiro e Dec, Lei 265-A/2001 de 28 de setembro, alterado pela Lei 20/2002 de 21 de agosto, revisto e republicado pelo Dec. Lei nº 44/2005 de 23 de fevereiro e alterado pelo Dec. Lei nº 113/2008 de 1 de julho (Código da Estrada) e ainda com a  sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 195 dias.

A recorrente alega que a decisão administrativa padece de vício de insuficiência para a decisão da  matéria de  facto provada, pelo que deve a  mesma ser revogada e o  mesmo ser absolvido e os autos  arquivados. Mais alega que a  omissão fáctica de imputação subjetiva da contra ordenação conduz à  nulidade da decisão administrativa. Outrossim, alega o arguido não ter sido notificado de quaisquer elementos comprovativos dos averbamentos das sanções a que aludem na decisão impugnada pelo que foi violado o seu direito constitucional de defesa. Mais alega que no local referido no auto de notícia o que existe é um sinal luminoso junto a uma  passadeira o qual é ativado por intervenção humana, e  que passou com o sinal com a luz amarela. Por último, alega que a  sanção acessória deveria corresponder ao mínimo legal e que fosse autorizado que tal sanção fosse cumprida parcialmente durante o período de férias do arguido.

Notificado o Ministério Público e o arguido, nos termos e para os efeitos  do artigo 64.º do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, com a redação que lhe foi dada pelos DL n.º 356/89, de 17 de outubro e DL n.º 244/95, de 14 de setembro, os mesmos não se opuseram a que a decisão fosse proferida por simples despacho.

II-  FUNDAMENTAÇÃO:

O Tribunal formou a sua convicção com base no auto de fls. 1 e RIC de fls. 7 e ss.

Não há quaisquer nulidades ou outras questões prévias de que cumpra conhecer.

Pelo exposto, formou o Tribunal a convicção que permite dar como provados os seguintes factos:

1. No dia 19 de julho de 2013, pelas 19h25m, na Estrada Nacional 356-1, Azóia, Leiria o recorrente, conduzia o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de matrícula (...) .

2. O recorrente desrespeitou a obrigação de parar imposta pela luz vermelha de regulação do trânsito.

3. O recorrente procedeu ao pagamento voluntário da coima.

4. O recorrente atuou com falta de  cuidado e  prudência, bem sabendo que a sua conduta é proibida e sancionada  por lei contra ordenacional.

5. O recorrente tem averbado no seu  registo individual de condutor cinco contraordenações, sendo quatro delas praticadas nos últimos cinco anos.

Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.

O Direito:

Ao arguido é imputada a prática do ilícito contra  contraordenacional previsto no art. 69º 11º 1 do Regulamento de Sinalização do Trânsito, aprovado pelo Decreto  Regulamentar nº 22-A/98 de 1.10 e art. 138º e 146º al. l)  o Dec. Lei nº 114/94 de 03 de maio, revisto e republicado pelo Dec. Lei 2/98 de 03 de janeiro e  Dec. Lei 265-A/2001 de 28  de  setembro, alterado pela Lei 20/2002 de 21 de agosto, revisto e  republicado pelo Dec. Lei nº 44/2005 de 23  de fevereiro e alterado pelo Dec., Lei nº 113/2008 de 1 de julho (Código  da  Estrada).

Vejamos, o auto faz fé em juízo e mostra-se levantado nos termos do disposto no artº 170 do C.E, nºs 1, 2 e 4 e do mesmo constam o dia, hora, local e circunstâncias em que foi cometida a infração e a mesma foi presenciada pelo agente autuante. Conforme Ac. R.C. de 6.2.2013 publicado in www.itij.pt “1.- A  decisão administrativa no  âmbito de um processo contraordenacional deve conter a identificação do arguido, a  descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas, a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão, a  coima e as sanções acessórias, sendo certo que nesta fase não é  de exigir o rigor formal como se em processo penal estivéssemos;  2.- Tal exigência deve  respeitar apenas a de uma narração, ainda que sintética, devido à  simplicidade e celeridade que  norteiam a fase administrativa, e que permita ao arguido efetuar um juízo de oportunidade sobre a conveniência ou necessidade de impugnar judicialmente a decisão e posteriormente, já em sede de impugnação judicial, possibilitar ao tribunal conhecer e aferir sobre o processo lógico da formação da decisão administrativa e  respetivos  fundamentos”.

Outrossim, da decisão administrativa consta o elemento subjetivo, tendo  o arguido atuado com falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e que se lhe impunha, agindo assim de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida  e sancionada por lei contra-ordenacional.

Destarte, quer o auto, quer a decisão administrativa, não se mostram feridos dos vícios invocados pelo recorrente.

Por outro lado, conforme decorre do registo individual de condutor do arguido junto de fls. 7 a fls, 9, o mesmo foi notificado das respetivas decisões, conforme demonstra o facto de ter cumprido os correspondentes dias de inibições que lhe foram impostos, mormente nos autos nºs 262305780 e 262353024.

Alega o recorrente, absoluta necessidade de conduzir diariamente uma viatura automóvel. Nesta sede, sempre se dirá, que o condutor que necessita de carta de condução para exercer a sua profissão e gerir a sua vida pessoal e familiar tem que ter uma maior consciência do cumprimento das regras estradais.

Ainda que ao recorrente assistisse razão nunca a sanção acessória poderia corresponder ao mínimo legal, desde logo atento o disposto no artº143º nº1 e nº 3 do Código  da Estrada, nem a mesma poderia ser cumprida parcialmente durante o seu período de férias, conforme jurisprudência pacífica (vide, um por todos) Ac RC de 27.4.2011 publicado in www.itij.pt onde se pode ler “ 1.- A pena acessória de proibição de condução abrange sempre veículos motorizados de todas as categorias, sem excepção, 2.- Tal pena acessória tem que ser cumprida de modo seguido e ininterrupto, não podendo o seu cumprimento restringir-se aos fins  de semana ou férias."

***

III. Apreciação do Recurso

Como é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412°, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo de outras questões cujo conhecimento oficioso se imponha e com a limitação imposta pelo artigo 75º do RGCO. Assim, o recurso apenas pode versar sobre matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento da existência dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.

 Vistas as conclusões apresentadas as questões a apreciar são as seguintes:

- Se a decisão recorrida é nula por ter decidido por despacho nos termos do artigo 64º, nº 2 do RGCO sem o assentimento expresso do arguido, quando este impugnou os factos imputados e arrolou prova;

- Se a decisão recorrida não contém factos concretos subsumíveis à contra-ordenação imputada, o que corresponde a falta de objecto do processo.

Apreciando:

Começaremos por conhecer da segunda questão proposta porque entendemos que tem precedência sobre a restante.

Senão vejamos. Embora o recorrente configure um eventual vício da decisão recorrida por não conter factualidade que lhe permita imputar a contra-ordenação em causa, na realidade a existência do eventual vício que configura de falta do objecto do processo situar-se-ia em momento anterior, senão no auto de notícia, pelo menos na decisão administrativa que, nos termos do artigo 62º, nº 1 do RGCO se transformou em acusação.

E o vício, de nulidade da acusação, não seria susceptível de sanação em fase posterior com recurso ao mecanismo do artigo 358º do Código de Processo Penal.

Da decisão recorrida que transcreve o que consta a decisão administrativa nesta parte, consta que:

No  dia  19  de  julho  de  2013,  pelas  19h25m,  na  Estrada  Nacional  356-1,  Azóia,  Leiria  o  recorrente,  conduzia  o  veículo  automóvel,  ligeiro  de  mercadorias,  de  matrícula  (...) .

O  recorrente  desrespeitou  a  obrigação  de  parar  imposta  pela  luz  vermelha  de  regulação  do  trânsito.

Embora se conceda que “desrespeitar a obrigação de parar imposta por luz vermelha” tem uma óbvia vertente normativa de teor conclusivo, também cremos que é incontestável que é idónea a dar a conhecer ao arguido o facto que lhe é imputado de não ter parado perante a luz vermelha de semáforo.

E se esse conteúdo verbal transmite sem possibilidade de qualquer equívoco a ocorrência fáctica que está em causa, cumpre a função que lhe é assinalada e não é susceptível de viciar quer a acusação, quer a decisão recorrida.

No que se refere à questão elencada em primeiro lugar, o processo documenta que o arguido no requerimento de impugnação judicial impugnou a factualidade que lhe é imputada de não ter parado perante sinal vermelho de semáforo e apresentou prova testemunhal. Foi proferido despacho em que o Mmº Juiz entendeu ser de decidir por despacho e ordenou a notificação do arguido e do Ministério Público para se pronunciarem sobre essa forma de decidir. Não foi deduzida oposição expressa.

O artigo 64º do Decreto-Lei nº 433/82 de 27.10 preceitua o seguinte:

1. O Juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho.

2. O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido e o Ministério Público não se oponham.

Ou seja, a decisão por despacho é legalmente possível quando cumulativamente se verifiquem os requisitos do nº 2 do preceito transcrito.

O poder do juiz no sentido de avaliar a necessidade ou desnecessidade da realização da audiência de julgamento, determinando a partir dessa avaliação a forma do procedimento decisório não é, porém, um poder discricionário, mas um poder vinculado, supondo que não existam questões de facto controvertidas ou que existam questões prévias ou excepções que obstem ao conhecimento de mérito.

Com efeito, o processo de contra-ordenação em qualquer das suas fases está sujeito ao disposto no artigo 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa que estipula que são assegurados ao arguido os direitos de audiência e de defesa.

Em caso de impugnação dos factos no recurso de impugnação judicial, o direito de defesa que inclui o direito a exercer o contraditório de forma real e efectiva, contraria qualquer interpretação no sentido de que o conteúdo da decisão possa depender do critério particular de um juiz (as decisões não podem sequer parecer arbitrárias, os tribunais estão sujeitos à lei nos termos do artigo 203º da CRP e por decorrência os juízes como vem consagrado no respectivo estatuto, antes de mais impondo-se o respeito pela Constituição que é o vértice da pirâmide legislativa, sendo de rejeitar qualquer interpretação da lei que leve à violação de princípios constitucionais, como, aliás, decorre do artigo 9º, nº 1 do Código Civil quando alude à unidade do sistema jurídico como elemento de interpretação da lei). 

Ora havendo impugnação factual, o contraditório apenas se poderá tornar efectivo com a realização de audiência de julgamento e a produção dos meios de prova indicados pelo recorrente.

E não se diga que a não oposição, mesmo que expressa e não apenas implícita, à decisão por despacho significa que o recorrente prescinde desses direitos. Na verdade isso corresponderia a associar um efeito cominatório a essa não oposição que a lei não contempla, a de se considerarem provados os factos, quando o recorrente estruturou a sua defesa na impugnação deles.

Se o recorrente estruturou a sua defesa na impugnação dos factos integradores da contra-ordenação ou em impugnação que leve à conclusão da prática de uma infracção de menor gravidade em relação à infracção concreta por que foi condenado em sede administrativa, não é espectável que perante notificação para se pronunciar sobre decisão por despacho deva entender que se não se opuser será proferida decisão que não atenda à sua impugnação.

Qualquer processo e mormente processo de natureza sancionatória está sujeito à exigência constitucional (artigo 20º, nº 4) de ser um processo equitativo (due processo of law – conceito importado para o nosso ordenamento jurídico através da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) o que supõe, para além do mais, que todos os intervenientes do processo, incluindo o tribunal, se movam dentro de valores como a lealdade e a confiança. E não basta que estas existam é ainda necessário que transparecem do processo (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 345/99 em www.tribunalconstitucional.pt).

Ora, a decisão proferida violou esse princípio de confiança derivado do direito a processo equitativo, posto que contém, de forma dissimulada, efeito cominatório que a lei não consente e, ainda que o consentisse, não poderia ser eficaz se a parte a que se dirigisse não fosse expressa e previamente advertida do mesmo.

Do exposto resulta que a prolação de despacho no sentido de que a decisão seria proferida por despacho, fora das condições legais, coloca em equação a violação de direitos constitucionalmente consagrados e poderá redundar na negação de uma tutela jurisdicional efectiva que impõe a prevalência da justiça material sobre a justiça formal. Neste particular vislumbra-se, como já se mencionou, violação do disposto no artigo 20º da CRP.

O vício em causa traduz-se na preterição da realização da audiência de julgamento quando ela era obrigatória, revertendo afinal na omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, nulidade processual enquadrável na parte final da alínea d) do nº 2 do artigo 120º do Código de Processo Penal e que foi atempadamente suscitada, conforme resulta do disposto nos artigos 120º, nº 3, 105º, nº 1, 410º, nº 3 do Código de Processo Penal e 73º, nº 1, alínea e) do RGCO.

E tem sido este o entendimento seguido nesta Relação, como dão nota os Acórdãos de 27/10/2010 proferido no processo 2515/09.6TALRA.C1 e de 15/5/2013 proferido no processo 589/12.1T2ILH.C1, ambos publicados em www.dgsi.pt, mas não só.

Finalmente importa concluir que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que designe data para a realização do julgamento.

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IV. Decisão

Nestes termos acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, revogam a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que ordene a realização de audiência de julgamento.

Não há lugar a tributação em razão do recurso.

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Coimbra, 7 de Outubro de 2015

(Texto processado e integralmente revisto pela relatora)

(Maria Pilar de Oliveira - relatora)

(José Eduardo Martins - adjunto)