Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
339/13.1TBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE FACTO
RECURSO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
GRAVAÇÃO
REIVINDICAÇÃO
Data do Acordão: 05/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - SERTÃ - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 640, 662, CPC, 1311, 1353 CC
Sumário: I - A não delimitação concreta e específica, na gravação, das passagens da gravação dos depoimentos nas quais o recorrente funda a sua pretensão, acarreta a liminar rejeição do recurso da decisão sobre a matéria de facto – artº 640º nº2 al. a) do CPC.

II - A alteração da decisão sobre a matéria de facto exige que os meios probatórios apresentados pelo recorrente e a valoração que deles deve ser operada, não apenas sugiram, mas antes, inequívoca e quase inelutavelmente, imponham, decisão diversa.

III – A reivindicação de parcela, para o respetivo terreno, por proprietários de prédios confinantes, improcede se, existindo conflito, não se prova a real e efetiva delimitação e área de cada um deles, não bastando, para o efeito, os elementos constantes no registo ou na matriz predial.

Decisão Texto Integral:


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.

1.

A (…) E (…) instauraram contra JA (…) e LA (…)  , ação declarativa, de condenação, com processo  comum.

Alegaram:

São proprietários do prédio rústico descrito no artigo 1.º a P.I., com a configuração existente no levantamento topográfico junto aos autos.

Em Janeiro de 2011 os réus cortaram pinheiros numa área de cerca 1730 m2 integrada naquele prédio, causando-lhes com isso inúmeros danos patrimoniais e não patrimoniais.

Pediram:

A condenação dos réus:

 i) a reconhecer os autores como legítimos donos e proprietários do prédio identificado no artigo 1.º da P.I.;

ii) a reconhecer que a linha divisória do prédio a Poente é a indicada no levantamento topográfico junto à PI, aí repondo, em prazo doutamente fixado, nos locais aí assinalados os marcos de delimitação;

 iii) a restituir aos autores a parcela de terreno que ilegitimamente se têm vindo a apropriar;

 iv) a absterem-se da prática de atos que induzam terceiras pessoas a considerá-los ou a confundi-los com proprietários da citada faixa de terreno e, finalmente,

v) em caso de incumprimento, no pagamento de uma sanção pecuniária diária não inferior a 50 €, bem como no pagamento da taxa de justiça e custas de parte.

Contestaram os réus:

Disseram que, há mais de 30 anos, são proprietários de um prédio confinante com o prédio reivindicado por aqueles, com a área de 15 150 m2 e a configuração constante de um levantamento topográfico que posteriormente juntaram, tendo sido nesse prédio que efetuaram o corte de pinheiros embargado pelos autores.

A parcela de terreno em litígio pertence-lhes, assim como lhes pertence o prédio descrito no artigo 2.º do seu articulado, onde aquela está integrada.

Pediram:

A improcedência da ação.

E, em reconvenção, impetraram:

i) se reconheça que os réus/reconvintes são donos e legítimos possuidores do prédio rústico sito em (...) ou (...) , freguesia de (...) , concelho da (...) , o qual confronta a norte com (...) , sul com (...) , nascente com (...) e poente com estrada, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de (...) , concelho da (...) sob o artigo 2.905 e descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o n.º 5613;

 ii) se declare que o referido prédio tem a área de 15 150 m2 e confina com o prédio dos autores numa estrema composta por 6 marcos;

 iii) condene os autores/reconvindos a retirarem do referido prédio toda a madeira que colocaram a poente do referido imóvel e junto à estrada, bem como a absterem-se de toda e qualquer conduta que colida com o direito de propriedade dos réus sobre o imóvel descrito;

 iv) se condenem os autores a indemnizarem os réus na quantia de três mil euros a título de danos não patrimoniais acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento; e, finalmente,

 v) se ordene a retificação da área do prédio descrito em a), quer perante o Serviço de Finanças da (...) , quer perante a Conservatória do Registo Predial de modo a que onde se lê 13.380 m2 passe a constar 15.150 m2.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«A) Julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, reconheço aos autores (…) a titularidade do  direito de propriedade sobre o prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , Concelho da (...) , inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2906 e descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2429, condenando os réus (…) a reconhecer tal direito e absolvendo-os dos demais pedidos formulados;

B) Julgo parcialmente procedente a reconvenção deduzida e, em consequência, reconheço aos réus/reconvintes (…) a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , Concelho da (...) , inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2905 e descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 5613, condenando os autores/reconvintes (…) a reconhecer tal direito e absolvendo-os dos demais pedidos formulados;

*

Custas por ambas as partes, na proporção dos respectivos decaimentos.»

3.

Inconformado recorreram autores e réus, estes subordinadamente.

3.1.

Conclusões dos autores:

(…)

3.2.

Conclusões dos réus:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e  639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª- (Im)procedência da ação e/ou da reconvenção.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade  - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de  9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

Na verdade:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

Assim, estatui, adrede, o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

Perante o estatuído neste ultimo segmento normativo tem-se entendido, por um lado, que:

«A exacta indicação das passagens da gravação…não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa…Daí que ao recorrente…seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.» - Ac. da RC de 17-12-2014, p. 6213/08.0TBLRA.C1 in dgsi pt.

Ou, noutra nuance:

 «Sempre que o recorrente impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve observar o ónus de impugnação previsto no artº 640º do nCPC, nomeadamente deve indicar as exatas passagens da gravação dos depoimentos testemunhais em que se baseia para discordar do decidido, sob pena de rejeição do recurso quanto à reapreciação da prova.» - Ac. da RC de 16.03.2016, p. 1598/14.1T8LRA.C1.

Na verdade, ainda que o tribunal da Relação tenha de fundar a sua própria convicção, tal não significa que tenha de realizar um novo julgamento com total reapreciação de todos os meios probatórios produzidos.

Como se viu, a letra da lei não permite tal eventual entendimento.

E nem tal perspetiva se compadeceria com a índole e natureza deste tribunal ad quem, a qual exige uma tendencial depuração das questões, aliás, sempre necessaria a uma desejável celeridade decisoria que, obviamente, sairia prejudicada.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genéricamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas ou das objetivas evidencias e emanações probatórias, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.

Tudo, aliás, para se poder cumprir a exigência de o recorrente transmitir à parte contrária os seus argumentos, concretos e devidamente delimitados, de sorte a que esta possa exercer cabalmente o contraditório – cfr. neste sentido, os Acs. da RC de  29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 16.06.2015, p. nº48/11.0TBTND.C2, ainda inédito; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

Finalmente:

«. No âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações.» - Acs. do STJ 15.09.2011, p. 455/07.2TBCCH.E1.S1 e de  de 09.02.2012, 1858/06.5TBMFR.L1.S1, aquele citando  Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pg. 157, nota 333.

5.1.3.

No caso vertente.

5.1.3.1.

Desde logo nem os autores nem os réus cumprem a exigência legal de «indicar(em) com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso».

Na verdade, este ónus não se cumpre com a indicação genérica de onde começa e termina todo o depoimento de cada testemunha, como ora efetivam as partes.

Mas antes com a concreta, concisa e precisa delimitação da parte, ou partes, do depoimento na(s) qual(is) os recorrentes alicerçam a sua pretensão.

Tudo com o aludido fito legal de uma maior determinação e sintetização dos meios probatórios a apreciar pelo tribunal ad quem de sorte a consecutir a almejada celeridade e a definir adequadamente as funções e responsabilidades dos dois tribunais de instancia.

Efetivamente, a permissão de uma reapreciação total e ilimitada da prova produzida, para além do handicap supra referido, atribuiria ao tribunal da Relação uma missão para a qual, pela natureza das coisas e pela falta de elementos que assistem ao tribunal da 1ª instancia (vg. imediação e oralidade), não está vocacionado; e, inclusive, constituiria até uma apriorística e intolerável desconfiança nas capacidades técnicas e humanas do  Sr. Juiz a quo.

Ora, como ressuma do teor das conclusões, as partes não cumpriram tal ónus delimitador, referenciando apenas onde começa e acaba todo o depoimento de cada uma das testemunhas.

 Pelo que, ipso facto, as suas pretensões sobre a alteração da decisão sobre a matéria de facto, têm de ser liminarmente rejeitadas.

5.1.3.2.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, nem por isso a presente pretensão recursiva das partes poderia ser atendida.

Perscrutemos.

A julgadora fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:

«A decisão do Tribunal relativa à matéria de facto fundou-se numa análise crítica e conjugada dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência de discussão e julgamento e do teor dos documentos juntos aos autos a respeito dos prédios em litígio.

Assim, começando pelos actos de posse exercidos pelos autores sobre o prédio descrito em 1, nos termos descritos nos pontos 8 a 12, a sua demonstração resultou essencialmente do teor dos depoimentos testemunhais prestados (…), todos familiares da autora e descendentes dos primitivos donos do prédio em causa e (…), madeireiro com experiência na zona do (...) .

Todas estas testemunhas referiram conhecer bem o terreno em causa e souberam situá-lo geograficamente como sendo uma (quarta) parte de um prédio anteriormente pertencente aos bisavós da autora, referindo que o mesmo chegou à posse dos autores após estes o terem comprado à sua tia M (...) , a quem, por sua vez, o avô da autora, o havia doado, conforme comprovam as escrituras juntas a fls. 22 e ss. e 28 e ss. (cf. pontos 1 e 2).

Ademais, os próprios réus não contestam essa realidade, já que apenas se insurgem contra a área e configuração que os autores alegam corresponder ao prédio descrito no ponto 1 (e que não lograram provar), não pondo em causa que sejam aqueles os “donos” do prédio inscrito sob o artigo 2906 da matriz predial da freguesia de (...) .

Por sua vez, a factualidade descrita no ponto 13 foi confirmada pelas testemunhas ali identificadas e pelo próprio madeireiro que procedeu ao corte dos pinheiros, que relataram ao tribunal o que aconteceu naquele dia, em que a autora mulher deu ordem para pararem o corte das árvores, alegando que as mesmas lhe pertenciam. Quanto ao mais, designadamente quanto à questão de saber se os pinheiros em causa estavam integrados no prédio descrito no ponto 1 (artigo 2906) ou no prédio descrito no ponto 6 (artigo 2905), nada se apurou face à inconclusividade quer dos depoimentos testemunhais, quer da perícia topográfica produzidos a respeito da situação geográfica dos prédios e da sua forma de delimitação, conforme infra melhor se explicará.

Olhando agora para os factos relativos à reconvenção, descritos nos pontos 14 a 16, a sua demonstração resultou da conjugação dos depoimentos testemunhais prestados essencialmente por (…) , com a análise dos documentos prediais relativos aos prédios em causa, concretamente as escrituras juntas a fls. 22 e 28 e ss. e especialmente a fls. 99 e ss. (cujo início consta de fls. 109-117).

Com efeito, para além dos referidos depoimentos testemunhais nos terem merecido forte credibilidade, pela firmeza e sustentação do conhecimento que revelaram ter acerca da forma como o prédio descrito no ponto 6 chegou à posse dos réus/reconvintes e dos factos circunstancias das partilhas das heranças dos seus avós, a realidade reflectida naqueles pontos da matéria de facto provada, concretamente quanto à situação do prédio e à sua confrontação com o artigo 2906 (descrito no ponto 1) é a que melhor se compatibiliza com o teor das descrições prediais constantes dos referidos documentos.

Senão vejamos.

Antes de mais, as primeiras testemunhas referidas, irmãos da ré mulher, relataram com assinalável detalhe e segurança a forma como o prédio em causa entrou na posse da ré, desde as partilhas das heranças dos avós até à escritura que formalizou a partilha por morte do pai, explicando que o prédio descrito no ponto 6 (artigo 2905) corresponde a uma quinta parte de um prédio pertencente aos seus avós, tendo uma dessas partes, que corresponde à parcela situada mais a Sul, junto ao ribeiro, sido destacada aquando da morte do avô, enquanto as restantes quatro parcelas apenas foram divididas e distribuídas posteriormente, ainda em vida da avó, que decidiu ela própria fazer a distribuição dos prédios que integrariam a sua herança. Pelo que, naquele lugar, os pais da autora ficaram com duas parcelas, ficando uma delas situada junto ao ribeiro, que, por força das actualizações das matrizes na sequência das novas avaliações prediais, passou a corresponder aos artigos 2902 e 2903 e a outra situada a Sul do prédio descrito no ponto 1, correspondente ao artigo 2905, todos da matriz predial da freguesia de (...) . Tais parcelas, segundo referiram aquelas testemunhas, foram adjudicadas, respectivamente, a A (...) e à ré, por acordo verbal celebrado ainda em vida do seu pai, cujos termos apenas vieram a ser formalizados em 2005, através da escritura de fls. 109-117 (com continuação a fls. 99).

Versão diferente foi aquela que apresentaram as testemunhas da autora, já supra identificadas, assim como esta, no depoimento de parte que prestou, referindo que a ré não herdou, nem alguma vez possuiu qualquer parcela de terreno confinante com o prédio descrito em 1, já que na sequência da partilha da herança dos seus avós, a mãe da ré ficou com a parcela situada mais a Sul, junto ao ribeiro, mediando entre ela e o prédio descrito em 1 uma outra parcela. Segundo estas testemunhas, o prédio originário pertencente aos avós daquela (e bisavós da autora) foi dividido em apenas 4 partes (e não 5) por cada um dos seus filhos, concretamente, (…) a quem coube, respectivamente, cada uma das quatro parcelas, seguindo a direcção Norte-Sul, pelo que rejeitam a possibilidade de as partes aqui em causa serem donas de prédios confinantes.

Sucede que, olhando para as descrições dos prédios em causa constantes das escrituras juntas aos autos, designadamente quanto às respectivas confrontações, verifica-se que o artigo  2906 (prédio descrito no ponto 1) confina a Sul com (...) , que é o nome pelo qual é conhecido o réu marido, e o artigo 2905 (prédio descrito no ponto 6) confina a Norte com (...) (antepossuidor do prédio descrito no ponto 1). E note-se que tais descrições constam não só das escrituras de partilhas juntas pelos réus, como também das escrituras relativas ao prédio descrito no ponto 1, concretamente a de justificação e doação outorgada em 1993 (fls. 28 e ss.), e a de compra e venda, outorgada pelos autores em 1997 (fls. 22 e ss) e ss., que formam o trato sucessivo do direito de propriedade sobre aquele prédio.

Por outro, do teor da escritura de partilha da herança dos pais da ré (cf. fls. 109-117 e 99 e ss.) resultam ali identificados precisamente dois prédios (e não um só, como alegam os autores) integrados no referido terreno da (...) que ambas as partes aceitam ter sido dividido em faixas/parcelas sequenciais de Norte para Sul, todos eles a partir da estrada.

São eles o artigo 2902 e o artigo 2905, sendo que o artigo 2903 não confronta a Poente com a estrada, o que é compatível com a explicação dada pela testemunha A (...) , irmão da ré, no sentido de este corresponder juntamente com aquele artigo 2902 à parcela situada junto ao ribeiro.

Pelo que, perante tais evidências documentais e conciliando o seu teor com a versão apresentada pelas referidas testemunhas arroladas pelos réus no sentido de estes terem entrado na posse do referido artigo 2905 na sequência da partilha da herança dos seus pais, que haviam herdado aquela parcela na sequência da divisão operada entre a sua mãe e os seus tios (descendentes directos dos primitivos proprietários do conjunto das parcelas), impõe-se concluir que os réus são possuidores do prédio descrito no ponto 6 nos termos expostos nos pontos 14 e 15 do elenco de factos provados, sendo os prédios em litígio confinantes entre si, tal como descrito no ponto 16.

É que, ao contrário da versão apresentada pelos réus e corroborada pelas referidas testemunhas, a versão trazida pelos autores e repetida em audiência de julgamento pelas testemunhas por si indicadas não encontra sustentação em qualquer outro elemento probatório, mostrando-se mesmo contrária ao teor dos documentos em cuja outorga os próprios autores e pelo menos uma testemunha () intervieram, sem que soubessem dar qualquer  explicação para tais incongruências, limitando-se a proferir afirmações acerca do que entendem ser as confrontações dos prédios, declarações essas que, face ao que supra se disse, não podem passar disso mesmo, razão pela qual não se considerou provada a factualidade descrita no ponto D.

Para além desta realidade, nada se provou, nomeadamente quanto às respectivas áreas, configuração e modo de demarcação dos prédios e, consequentemente, quanto à localização dos pinheiros cortados a mando dos réus.

Com efeito, a esse propósito as testemunhas apenas souberam dizer generalidades acerca dos marcos divisórios das parcelas, limitando-se a confirmar a sua existência, mas sem saber localizá-los em concreto, indicar as suas características ou sequer enumerá-los.

Por outro lado, o levantamento topográfico efectuado por determinação do tribunal, junto a fls. 195 e ss., reflecte apenas a versão de cada uma das partes acerca da linha divisória dos prédios, tal como o Sr. Perito confirmou em audiência de julgamento, e nem sequer é coincidente com as áreas e configuração alegadas nos articulados por referência aos desenhos juntos por cada uma das partes (cf. fls. 53-54 e 180) sendo que, no que diz respeito aos marcos, foi indicada ao Sr. Perito uma quantidade bastante maior do que a alegada nas respectivas peças processuais. O que demonstra bem a confusão das próprias partes acerca dos limites e dimensão dos seus prédios.

Não podemos, assim, considerar demonstrada a factualidade descrita nos pontos A a C, G e K a O.

Também no que concerne à quantidade e qualidade dos pinheiros cortados, os autores não lograram demonstrar, com o rigor e a segurança necessários, os factos descritos nos pontos E, F e H, já que das testemunhas ouvidas a esse respeito, apenas o madeireiro que efectuou o corte, A (...) , depôs com a razão de ciência exigível à valoração do tribunal, referindo que cortou 90 pinheiros e comprou-os por € 2 000,00, tal como resulta do teor da factura de fls. 105. Tudo o que de mais foi dito não passou de meras suposições, palpites ou afirmações relativas a um passado longínquo que em nada contribuíram para corroborar a factualidade alegada pelos autores a que se alude nos pontos supra referidos.

Finalmente, quanto aos sentimentos de tristeza, revolta e indignação descritos nos pontos I a J e Q a W, também nada ficou demonstrado, desde logo porque não se provando ter ocorrido qualquer invasão da propriedade de alguma das partes, nem qualquer dos demais factos alegados, nomeadamente pelos réus/reconvintes, não podemos aceitar verificado qualquer sofrimento decorrente de tais actos.».

Já os litigantes, invocando os mesmos meios de prova, pretendem a alteração da decisão da matéria de facto nos termos constantes das suas conclusões, apenas porque deles operam uma interpretação diversa.

Como dimana do processo, o quid factual essencial e nuclear em dilucidação, e do qual dependem ou relevam utilmente os demais factos alegados –  máxime atinentes à indemnização pelo corte dos pinheiros e pelos transtornos sofridos – atém-se à delimitação e apuramento das áreas dos prédios das partes, rectius em saber se a parcela na qual os pinheiros foram cortados, pertence ao prédio dos autores ou ao dos réus.

Ora quanto a esta matéria o processo está, probatoriamente, enxameado de desconformidades, incongruências e, até, contradições.

Desde logo os  vários documentos apontam para áreas diferentes de ambos os prédios, sendo que uns – descrições prediais – ficam aquém; e outros – levantamento topográfico de fls. 194 e segs- vão além das áreas inclusive clamadas pelas partes.

De igual sorte, quando à parcela em litígio inexiste linearidade, pois que o levantamento topográfico apresentado pelos autores como doc. 5 a fls.54 refere a área de 1.730,00 m2 e o levantamento de fls. 194 e segs já menciona apenas a área de 1.438,00 m2.

Ora esta diferença de quase 300 m2 não é despicienda na economia da pretensão das partes, rectius dos autores, até porque, como dimana do processo, este último levantamento foi efetivado com a presença das partes.

 O que, tudo, demonstra a periclitância das suas alegações quanto a tal quid central, bem como a desconformidade das mesmas com uma sua atuação posterior consubstanciada, vg., no aludido levantamento topográfico de  fls. 194 e segs, para cujo teor, como se disse, eles também contribuiram.

Por outro lado, apreciados que foram os depoimentos das testemunhas, no teor descriminativo que deles é efetivada pelo tribunal e pelas partes, verifica-se que, efetivamente, os mesmos se revelam dispares e até contraditórios no que tange - vg. e no que essencialmente ora interessa-, à área dos prédios e a quem pertence a parcela em disputa.

Mas tal é o que comummente acontece,  pois que as testemunhas, naturalmente e em termos de normalidade, acompanham e defendem a tese de quem as apresenta.

As partes insurgem-se quanto à credibilidade e valoração que o tribunal concedeu, ou não concedeu, a cada uma delas em particular, e globalmente consideradas.

Defendendo os autores que as suas foram mais credíveis e coerentes e os réus precisamente o contrario.

Ora inexistindo razão de ciência inatacável apresentada por qualquer das testemunhas ouvidas, ou erro crasso e manifesto, é evidente, atentos os princípios supra mencionados, que a valoração atribuída pela julgadora não pode ser censurada, apenas em função da valoração que as partes atribuem aos depoimentos.

Na verdade, e considerando que é o juiz que tem o múnus, decorrente de um poder dever – um dever funcional -, de julgar, e considerando a imediação e a oralidade que permitem uma apreciação ética dos depoimentos que escapa a este tribunal ad quem, a censura da sua valoração dos depoimentos apenas pode emergir quando os aludidos óbices se evidenciem.

Ademais, atenta a natureza destes factos probandos – área dos terrenos e inclusão da parcela num ou noutro – e, ainda, sendo a questão intrincada e complexa, cujas raízes e primórdios se reportam a pretéritas longas dezenas de anos, os depoimentos das testemunhas não poderiam ser, só por si, suficientes para se darem como provados os factos pretendidos pelas partes, máxime os das áreas dos prédios e a o da inclusão da parcela num deles.

Tal prova teria de ser complementada e/ou corroborada, clara e determinantemente, pela prova documental.

Ora  esta, como se viu, não é, neste particular conspeto, unívoca e coerente; antes pelo contrário.

Reitera-se que não basta que os meios probatórios apresentados pelos insurgentes da decisão de facto sugiram decisão diversa; urge que a imponham!

Existe, pois, pelo menos, uma dúvida sobre os factos probandos recursivos colocados por cada uma das partes, a qual  se situa para além da margem de álea em direito permitida.

Pelo que tais factos, considerando inclusive disposição legal pertinente – artº 414º  do CPC – não poderiam ser dados como provados.

Clamam os autores que neste caso se deveria ordenar à julgadora a efetivação de inspeção judicial que foi requerida mas não foi concretizada.

Esta pretensão não pode ser concedida por razões formais e substanciais.

Quanto aquelas cumpre dizer que tendo sido requerida a inspeção aquando da apresentação dos meios de prova, em fevereiro de 2015, sobre tal pedido não foi emitido despacho.

Admitindo-se que tal despacho poderia ser prolatado até ao final da produção da prova, vislumbra-se que, neste final, em 15.06.2015, tal não aconteceu.

Assim, verificando-se nulidade por omissão de pronuncia, constata-se que os autores não a arguiram atempadamente, pois que estiveram presentes no referido dia 15.06 e, ainda, na audiência do dia 01.07.2015, data em que proferiram alegações orais – cfr. artº 199º do CPC.

Por outro lado, importa ter presente que a inspeção é determinada no uso legal de um poder discricionário – «o tribunal, sempre que o julgue conveniente…» - artº 490º nº1 do CPC – pelo que o despacho que eventualmente indeferisse tal pretensão não era passível de recurso – artº 630º nº1.

Mesmo que assim não fosse, não nos parece que, em termos substanciais, a inspeção relevasse, muito menos determinantemente, para a boa decisão da causa.

Na verdade foi efetuada, a mando oficioso da julgadora, prova pericial – levantamento topográfico de fls. 194 e sgs – que, considerando inclusive que teve intervenção das partes, tem, ou poderia ter, a mesma ou até melhor relevância probatória do que a inspeção judicial ao local, e sendo certo que as testemunhas, em audiência, foram  ou poderiam ser confrontadas com tal documento.

5.1.4.

Decorrentemente, os factos a considerar são os apurados na 1ª instancia, a saber:

i) Factos assentes por acordo ou prova documental

1. Pela Ap. 04/060697 encontra-se registado a favor dos autores, sob a ficha n.º 2429 da Conservatória do Registo Predial da (...) , o direito de propriedade sobre o prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , Concelho da (...) , inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2906.

2. Por escritura pública de “justificação e doação” outorgada a 25.05.1993 (…) declararam ser donos e legítimos possuidores do prédio rústico descrito no ponto 1 e doá-lo (…)

3. Por escritura pública datada de 19.08.1997, outorgada no Cartório Notarial da Sertã, os autores declararam comprar(…) , que declararam vender, o prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , Concelho da (...) , composto por terreno de pinhal, mato e rocha, a confrontar do norte com (...) , de sul com (...) , de nascente com (...) e de poente com estrada, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2906.

4. Anteriormente tal prédio era propriedade dos bisavós da autora mulher, chamados (…)

5. Os autores requereram a Ratificação Judicial de Embargo de Obra Nova Extrajudicial, que correu termos no Tribunal Judicial da Sertã, com o Proc. 49/11.8TBSRT.

6. Pela Ap. 197 de 13.04.2010 encontra-se registado a favor dos réus/reconvintes, sob a ficha n.º 5613 da Conservatória do Registo Predial da (...) , o direito de propriedade  sobre o prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , Concelho da (...) , inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 2905.

7. Por escritura pública, outorgada a 11.02.2005, no Cartório Notarial da Sertã, foi acordada a partilha dos bens integrantes da herança aberta por óbito de (…)tendo sido adjudicado à ré LA (…)  o prédio descrito no ponto 6.

*

ii) Factos controvertidos e objecto de produção de prova

- Da petição inicial

8. Há cerca de 20 anos, após incêndio ocorrido no local, os avós da autora mulher, (…), então proprietários do prédio descrito no ponto 1, procederam ao corte de pinhal existente no mesmo.

9. Até tal incêndio ter ocorrido, os avós da autora mulher procediam à recolha da resina dos pinheiros existentes naquele prédio.

10. Há cerca de 9 anos, os ora autores cortaram e venderam os eucaliptos existentes no prédio descrito no ponto 1, sendo vistos por toda a população do (...) , bem como especialmente por quem tem prédios confinantes ou nas imediações do prédio identificado no ponto 1, como sendo os únicos e exclusivos donos e proprietários de tal prédio.

11. Há mais de 30 anos que os autores e, antes destes, os anteriores possuidores do prédio descrito no ponto 1, são vistos como seus donos, sem qualquer oposição e de forma ininterrupta, na firme convicção que exerciam um direito próprio, à vista de toda a gente, posse, essa, pública, pacífica, continuada e de boa fé.

12. O prédio descrito em 1 fazia inicialmente parte de um prédio de maiores dimensões, que foi há mais de 30 anos dividido em várias partes, correspondentes a diferentes novos prédios.

13. No dia 15 de Janeiro de 2011 um madeireiro chamado (…)cortou, a mando dos réus, cerca de 90 pinheiros num terreno sito em (...) / (...) , na sequência do que a autora mulher chamou a GNR e deu ordem de embargo, o que foi efectuado na presença de duas testemunhas, a saber, (…)

*

- Da reconvenção

14. Por volta do ano de 1978, na sequência de uma partilha verbal efectuada ainda em vida do pai da ré mulher, os réus passaram a ocupar e zelar o prédio descrito no ponto 6 como seus proprietários.

15. Há mais de 30 anos que os réus/reconvintes, por si e seus antecessores, têm vindo a possuir, continuadamente, o prédio identificado no ponto 6, cortando e mandando cortar as árvores nele implantadas, roçando mato, resinando os pinheiros e apanhando as pinhas, o que têm feito à vista de toda a gente, sem qualquer oposição ou interrupção, na segura convicção de que o mesmo lhes pertencia.

16. O prédio descrito no ponto 6 confronta pelo lado norte com o prédio descrito no ponto 1.

5.2.

Segunda questão.

A Julgadora decidiu, de jure, nos seguintes termos.

O caso sub judice integra, de ambas as perspectivas, principal e reconvencional, uma típica acção de reivindicação…segundo o disposto no artigo 1311.º do Código Civil…

Assim sendo, incumbe a cada uma das partes reivindicantes o ónus da prova do direito de propriedade de que se arrogam titulares, cabendo-lhes demonstrar, nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil, os factos constitutivos do direito que pretendem fazer valer.

Só assim não será quando o sujeito activo beneficie da presunção legal de propriedade, designadamente a que vem prevista no artigo 7.º do Código do Registo Predial…

Trata-se, porém, de uma presunção iuris tantum, susceptível de ser ilidida mediante prova em contrário…

O direito de propriedade pode, como é sabido, ser adquirido pelas diferentes formas previstas no artigo 1316.º do Código Civil – contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação  ou acessão…

Nessa medida, tratando-se de uma aquisição originária, terá o reivindicante de demonstrar a prática dos actos materiais que a ela conduziram, ao passo que se estivermos diante uma aquisição derivada, domina o princípio nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet, exigindo-se, nesse caso, a prova da regularidade, substancial e formal, da cadeia das sucessivas transmissões anteriores que, a partir de uma qualquer aquisição originária, sirva de suporte ao direito por ele actualmente invocado…

No caso em apreço, atenta a factualidade provada no ponto 1 não se suscitam quaisquer dúvidas quanto à titularidade do direito de propriedade sobre o prédio ali descrito, já que o respectivo registo se encontra inscrito a favor dos autores...

De igual modo, dos factos descritos no ponto 6 do elenco de factos provados decorre que os réus são titulares do direito de propriedade sobre o prédio inscrito no artigo 2905 da matriz predial da freguesia de (...) , por terem registado tal direito a seu favor…

Porém, o que aqui está verdadeiramente em discussão, conforme se depreende da forma como vêm formulados os pedidos das partes, é a configuração das respectivas parcelas de  terreno que compõem os prédios em causa, cuja prova não está abrangida pela presunção decorrente da inscrição registral.

Com efeito, como é sabido e pacificamente aceite doutrinal e jurisprudencialmente, o teor das matrizes prediais, nas quais se baseiam os correspondentes actos registrais, não constitui qualquer presunção de veracidade no que concerne às descrições e áreas dos respectivos prédios, uma vez que, para além da possibilidade de estes serem objecto de diversas transformações (seja por decomposição ou por agregação) ao longo do tempo, as descrições prediais encontram-se sujeitas a inúmeros factores de desactualização.

De todo o modo, a dimensão e configuração alegadas por cada uma das partes relativamente à composição de cada uma daquelas parcelas de terreno por si reivindicadas não correspondem sequer à área constante dos respectivos registos.

Assim, o reconhecimento a favor de cada uma das partes do direito de propriedade sobre as respectivas parcelas de terreno em causa, com a área e configuração por si alegadas, está dependente da verificação de factos susceptíveis de consubstanciar a posse geradora da usucapião ou de uma cadeia de sucessivas transmissões anteriores que, a partir de uma qualquer aquisição originária, tenham feito chegar à sua titularidade, de forma regular, substancial e formal, o direito de propriedade sobre as ditas parcelas, tudo nos termos que supra se descreveram.

Ora, a este respeito nada se apurou…

…designadamente quanto à dimensão das respectivas parcelas de terreno que compõem aqueles prédios e à sua configuração ou forma de delimitação, não foram demonstrados factos que nos conduzam à verificação de qualquer dos caracteres da posse constitutivos da usucapião, na medida em que não se provou que os actos de posse praticados sobre os prédios em causa se dirigissem às parcelas de terreno configuradas pelas partes nos seus articulados, com as características descritas nos pontos A e B e K a M, respectivamente.

Pelo que apenas podem proceder os pedidos de reconhecimento da titularidade a favor dos autores do direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o artigo matricial 2096 da freguesia de (...) e descrito na respectiva CRP sob o n.º 2429 e a favor dos réus do direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o artigo matricial 2095 da freguesia de (...) e descrito na respectiva CRP sob o n.º 5613.».

É evidente que, perante os factos apurados, este discurso argumentativo se apresenta adequado e curial, havendo apenas que corroborá-lo.

Na verdade, a eventual procedência dos pedido, inicial e reconvencional  estaria, – sendo ambos as duas faces da mesma moeda – dependente da alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Todavia, perante os factos apurados, a presente ação, como de reivindicação e pelo que foi doutamente aduzido na sentença, não pode proceder.

Estamos em crer que a questão mais se atém, e poderá ser perspetivada, como de demarcação, a operar, razoável e sensatamente, extrajudicialmente, ou, em caso de conflito inultrapassável, por via judicial, nos termos do artº 1353º e sgs. do CC – cfr. quanto a este preceito, o Ac. da RC de 13-05-2014 p.3779/10.8TBVIS.C1
 in dgsi.pt.

Improcedem os recursos.

6.

Sumariando.

I - A não delimitação concreta e específica, na gravação, das passagens da gravação dos depoimentos nas quais o recorrente funda a sua pretensão, acarreta a liminar rejeição do recurso da decisão sobre a matéria de facto – artº 640º nº2 al. a) do CPC.

II - A alteração da decisão sobre a matéria de facto exige que os meios probatórios apresentados pelo recorrente e a valoração que deles deve ser operada, não apenas sugiram, mas antes, inequívoca e quase inelutavelmente, imponham, decisão diversa.

III – A reivindicação de parcela, para o respetivo terreno, por proprietários de prédios confinantes, improcede se, existindo conflito, não se prova a real e efetiva delimitação e área de cada um deles, não bastando, para o efeito, os elementos constantes no registo ou na matriz predial.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas na proporção da sucumbência.

Coimbra, 2016.05.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos