Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
283/05.0GAOHP.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: HOMICÍDIO TENTADO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Data do Acordão: 03/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 22º,23º 40º,71º, 72º,131º, 132º 152º Nº1,AL.D), DO CP.127º, 428º DO CPP.
Sumário: 1.No n.º 2 do artigo 132.º do CP indicam-se circunstâncias susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, elementos indiciadores da ocorrência de culpa relevante, cuja verificação, atenta a sua natureza indiciária, não implica a qualificação automática do homicídio.

2.No caso, verifica-se uma das enunciadas circunstâncias do n.º 2 do artigo 132.º – utilização de meio particularmente perigoso –, que embora não funcione automaticamente, com vimos, se conjugada com o demais provado, inculca a especial censurabilidade.

3. Afirmação inequívoca, se atentarmos ao «padrão de utilização» que dela fez, surpreendendo a mulher a dormir, num outro quarto, às escuras, já munido da faca, logo a cravando na vítima, repetindo várias vezes a agressão, com verbalizado objectivo de lhe colher a vida, depois de, durante os cerca de 13 anos de duração do seu casamento, a haver frequentemente agredido a murros e pontapés

4.O modelo de prevenção acolhido pelo Código Penal - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

5.Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

6.As circunstâncias e critérios do artigo 71.º devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. P, já devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento porquanto alegadamente incurso, segundo acusação deduzida pelo Ministério Público, na prática, em concurso real de infracções, de um crime de maus tratos e de um outro de homicídio qualificado, este sob a forma tentada, previstos e punidos através das disposições conjugadas dos artigos 152.º, n.ºs 1 e 2 [o primeiro]; 22.º; 23.º; 131.º; 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea g), [o segundo] e 30.º, n.º 1, todos do Código Penal [diploma de que serão os preceitos doravante a citar, sem menção expressa da origem].

M., admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente, deduziu também pedido de indemnização cível, visando obter a condenação do arguido a solver-lhe o quantitativo global de € 57.600,00, acrescido de juros, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência daquela assacada conduta delitiva.

Igualmente os Hospitais da Universidade de Coimbra deduziram pedido de indemnização cível tendente a obter o pagamento pelo arguido do custo com a assistência que prestaram a esta M., cujo valor computaram em € 6.568,06, a ele devendo acrescer os juros correspectivos.

Findo o contraditório, proferiu-se Acórdão, determinando ao ora relevante:

- Condenar o arguido pela prática, em concurso real de infracções, de um crime de maus tratos, previsto e punido através do artigo 152.º, n.ºs 1 e 2 [vigente à data dos factos e a que actualmente – redacção resultante da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro - corresponde o crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c)], na pena de um ano de prisão e, pela prática de um crime de homicídio qualificado, sob a forma tentada, previsto e punido através dos mencionados artigos 22.º; 23.º; 131.º; e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) [hoje alínea h)], na pena de cinco anos e seis meses de prisão.

Operando de imediato o cúmulo jurídico destas penas parcelares, acabou o arguido sentenciado na pena única de seis anos de prisão.

- Condenar o demandado a solver à demandante a título da indemnização reclamada, a quantia de € 18.000,00, acrescida de juros à taxa legal, então de 4% ao ano, e contabilizados desde 12 de Fevereiro de 2007.

- Mais o condenar a pagar aos Hospitais da Universidade de Coimbra, como pedido, a quantia de € 6.568,06, acrescida de juros à taxa legal, contabilizados idênticamente desde 12 de Fevereiro de 2007.

1.2. Porque se não revê no veredicto emitido, recorre o arguido extraindo da motivação ofertada as conclusões (após convite para que as completasse, ut despacho de fls. 964) seguintes:

1.2.1. Na fundamentação do aresto recorrido, consta do item 29 dos pontos de facto provados que “No decurso de um dos quatro últimos golpes, M chegou a agarrar na faca, pela parte da lâmina, ficando ferida nas mãos, de forma a evitar que P. enterrasse mais profundamente a faca no corpo dela”, sucedendo que o mesmo não constava da acusação deduzida e não teve qualquer suporte probatório no decurso da audiência.

Nesta perspectiva, incorreu o Tribunal a quo em excesso de pronúncia e, logo, preteriu o disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

1.2.2. A circunstância de o arguido, à data dos factos, ser dotado de uma personalidade com um quadro psiquiátrico dominado por alterações e perturbações de tipo passivo agressivo; sofrer de alcoolismo patológico, com dificuldades de controlo emocional, impulsividade incontrolada de que padecia; e estar convencido da infidelidade da mulher com a consequente tentativa de suicídio, neutraliza um tipo de culpa agravada, apontando antes para a emergência de um crime (tentado) de homicídio simples, previsto e punido através das disposições conjugadas dos citados artigos 22.º; 23.º e 131.º.

1.2.3. De igual modo, mostra-se provado que o recorrente sofre de imputabilidade diminuída, fundamentada nos elementos clínicos e perícia às faculdades mentais, revelando intolerância à frustração, requerendo tratamento médico continuado, dada a extensão e doença crónica de que padece.

1.2.4. Revelou sincero arrependimento pela prática dos factos ilícitos, como melhor consta dos elementos clínicos, perícia e relatório de reinserção social.

1.2.5. Este último, inclusive, requerido pelo próprio Tribunal, não foi levado em devida conta, sendo que o seu conteúdo é de expresso parecer pela aplicação ao arguido de uma medida não privativa de liberdade.

1.2.6. O recorrente não tem antecedentes criminais, estando habilitado com o 6.º ano de escolaridade e, é de modesta condição social, auferindo € 550,00 mensais.

1.2.7. O Acórdão sindicado não valorou, igualmente, a personalidade do recorrente com o alcoolismo patológico inerente e a sua agressividade se confinar ao seio intra-conjugal.

1.2.8. Como, de igual modo, não considerou suficientemente o facto de a vítima, no dia 28 de Setembro de 2005, horas antes da ocorrência do sucedido, ter apelidado o recorrente de “reles”; “bandido” e “ladrão”, sem qualquer razão ou motivo justificativo.

1.2.9. Não ficou provado o tempo que mediou a resolução de praticar o acto, sendo de rejeitar qualquer premeditação na sua prática.

1.2.10. Também se não mostra apreciada a boa aceitação do recorrente na comunidade em que se encontra inserido, e que, conjugada com tudo o demais que antecede, impunha a atenuação especial da pena a cominar-se-lhe.

1.2.11. Mostrando-se por isso adequadas as penas parcelares respectivas de três meses de prisão e de dois anos e seis meses de prisão, a que corresponderia uma pena única de dois anos e nove meses de prisão, ademais suspensa na sua execução, com subordinação a deveres de conduta que se considerassem ajustados.

Terminou pedindo que se decida em conformidade.

1.3. Notificados os sujeitos processuais visados ao efeito, respondeu o Ministério Público, sustentando o improvimento da impugnação.

Admitida, foram os autos remetidos a esta instância.

1.4. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a que fosse o recorrente convidado a completar as suas conclusões mas, em todo o caso, dever improceder o recurso.

Cumprido que foi o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem que fosse oferecida réplica, foi o recorrente convidado a completar as conclusões nos termos sugerido, face ao que apresentou as “novas” conclusões encimadas.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do dito inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Como assim, determinou-se o prosseguimento do recurso, com recolha dos vistos devidos, o que sucedeu, bem como submissão à presente conferência.

Urge agora ponderar e decidir.


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II – Fundamentação de facto.

2.1. No Acórdão recorrido tiveram-se por provados os factos seguintes:

“1. P e M casaram, entre si, no dia 30 de….de 1992, em ….– Arganil.

2. Desde então passaram a residir em …. Oliveira do Hospital.

3. Sucede que, uma semana após o casamento começaram os problemas entre o casal, tendo passado a ser frequentes as discussões entre ambos.

4. As discussões eram facilmente perceptíveis por vizinhos e pelos dois filhos do casal que, entretanto, nasceram e foram crescendo.

5. Desde o ano de 1992 até 29 de … de 2005 que agressões de P à então sua mulher se repetiram inúmeras vezes.

6. Inicialmente as agressões ocorriam com uma frequência de três a quatro vezes por ano, sendo que durante o Verão tais episódios eram mais frequentes.

7. Durante todos esses anos, em datas não concretamente apuradas, P desferiu murros e pontapés em diversas partes do corpo da sua mulher M, tendo esta chegado a apresentar queixas na GNR, das quais acabou sempre por desistir, e saído de casa durante algum tempo.

8. Em 16 de … de 2005, cerca das 21:40 horas, no interior da residência do casal, sita na Rua…., Oliveira do Hospital, o arguido, por razões relacionadas com um acidente ocorrido com o seu veículo automóvel, envolveu-se em discussão com a sua mulher, M.

9. De seguida, desferiu-lhe vários murros e pontapés nas costas, empurrando-a de forma a fazê-la cair no chão.

10. Quando a mesma aí se encontrava puxou-lhe violentamente os cabelos e arrastou-a pelo chão.

11. Já após o início da agressão, M apelidou o marido de «reles» e «vil», e, visando fazê-la terminar, deu murros e pontapés ao marido.

12. Visando que o pai interrompesse a agressão, o filho do casal TO ainda deu ao pai um pontapé nas pernas. No entanto, este só parou de agredir a mulher devido à intervenção de dois vizinhos que se encontravam no local.

13. Nessa noite, a M juntamente com os seus filhos TO e B saíram da casa de morada de família e foram para Arganil, tendo, para o efeito tido protecção policial para evitar que o arguido os perseguisse.

14. Ainda durante esse mês a M juntamente com os seus dois filhos foram viver para ….

15. Em consequência dessa conduta, o arguido provocou na pessoa da sua mulher M as lesões descritas no auto de exame directo de fls. 7 e 8, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, designadamente, equimose arroxeada nos terços médio e inferior da face posterior do braço direito, equimose arroxeada no terço interior da face externa do braço direito, equimose arroxeada no terço superior da face posterior do antebraço direito, equimose arroxeada na face dorsal a nível das articulações metacarpo-falângicas do 4.º e 5.º dedos da mão direita, equimose arroxeada no terço médio da face posterior do antebraço esquerdo, equimose arroxeada no terço inferior da externa da coxa direita, equimose arroxeada no terço inferior da interna da coxa esquerda, as quais lhe determinaram um período de 6 dias de doença com incapacidade para o trabalho geral e com afectação da capacidade de trabalho profissional (6 dias).


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16. Em 28 de … de 2005, cerca das 16:00 horas, ML, fazendo-se transportar na viatura 29-…, propriedade do casal, acompanhada do filho mais velho, TO, dirigiu-se a casa de morada do arguido, …, Oliveira do Hospital, com o intuito de ir buscar bens de uso pessoal dela e dos dois filhos.

17. Solicitou o arguido a presença do seu advogado, que o acompanhou no decurso da diligência, sendo então apelidado pela mulher de «reles», «bandido» e «ladrão», ao que nada retorquiu.

18. Após, levou, M, roupa, e calçado, carregando o veículo, sem entrave de P, e partindo de seguida.

19. M, pelas 21:30 horas desse mesmo dia, sozinha, e, deixando a viatura em que se fazia transportar fora das imediações, dirigiu-se, novamente, à casa de morada de familia, onde acabou por pernoitar numa cama num quarto, que não o de P (onde habitualmente dormia o casal).

20. A M foi-se deitar, adormeceu e cerca 4:00 horas do dia 29 de… de 2005, despertou subitamente, quando sentiu alguém na sua cama.

21. Nesse momento, viu P ao seu lado, o qual lhe perguntou “desculpas?”, ao que ela retorquiu: “as desculpas não se dão, evitam-se.”

22. Acto contínuo, o arguido desferiu-lhe um golpe no lado esquerdo do abdómen com uma faca de cozinha (cfr. auto de exame directo de fls. 23) com 11 cm de cabo de cor preta em plástico e com 18 cm de lâmina.

23. M ainda conseguiu levantar-se da cama.

24. O arguido disse-lhe: “já que não desculpas acabamos com isto hoje, mato-te a ti e depois acabo comigo.”

25. M caiu no chão.

26. Quando ela se encontrava no chão, o arguido, com a dita faca, voltou a desferir-lhe mais quatro golpes, sendo um perto do umbigo, um sobre o lado direito do tórax, um na parte posterior da coxa direita e ainda uma no peito esquerdo.

28. Desferiu o arguido um quinto golpe com a faca.

29. No decurso de um dos quatro últimos golpes, M chegou a agarrar na faca, pela parte da lâmina, ficando ferida nas mãos, de forma a evitar que o arguido enterrasse mais profundamente a faca no corpo dela.

30. Após o quinto golpe, M tirou, pela segunda vez, a faca da mão do então marido e atirou-a para trás do móvel da televisão, sito no quarto.

31. Após, estando deitada no chão, de barriga para baixo, o arguido pôs-se por cima dela, e com as suas mãos tapou o nariz e a boca da então mulher, fazendo com que a mesma ficasse sem respirar por algum tempo.

32. Todavia, a M logrou com as mãos desbloquear uma das narinas, respirar fundo, e recuperando as forças, vir a desbloquear a boca.

33. Apelou, então ao marido para que lembrando-se dos filhos de ambos, a deixasse viver.

34. Conseguiu, deste modo que o arguido suspendesse os seus actos e viesse a deixá-la sair do quarto (onde, ambos, se encontravam) para o corredor.

35. Correndo por esta divisão em direcção à porta de saída, foi M, novamente, perseguida pelo arguido.

36. Que, no corredor, lhe disse: «não», «não», «isto tem de acabar hoje», «acabo contigo e depois acabo comigo».

37. M empurrou o arguido, fazendo-o desequilibrar.

38. E pondo-se em fuga, chegou à porta do apartamento.

39. Que abriu.

40. Saiu de casa e foi pedir ajuda aos vizinhos.

41. Em consequência da conduta do arguido, a M teve necessidade de receber tratamento médico-hospitalar no Centro de Saúde de Oliveira do Hospital e nos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde foi sujeita a uma intervenção cirúrgica ainda nesse dia 29 de Setembro de 2005.

42. Com a descrita conduta, o arguido causou na pessoa da sua mulher M as lesões descritas nos autos de exames médicos e elementos clínicos de fls. 71, 72, 73, 74, 75, 91, 103, 156 a 159, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, designadamente três feridas inciso-perfurantes abdominais (duas ao nível do hipocôndrio direito, uma a nível do hipocôndrio esquerdo e outra a nível da região periumbilical esquerda), duas feridas incidas a nível da coxa direita e uma ferida incisa na região mamilar esquerda.

43. Nessa mesma data, a M foi submetida a laparatomia exploradora na qual não foram detectadas quaisquer lesões de vísceras abdominais ou hemoperitoneu, sendo apenas realizada a sutura das feridas abdominais e da coxa.

44. M esteve internada nos HUC até ao dia 7 de Outubro de 2005.

45. As lesões provocadas pelo arguido só não provocaram perigo real e concreto para a vida de M devido a uma correcta e atempada intervenção médica e também porque não foram atingidas as vísceras ou os grossos vasos dessa região.

46. Tais lesões determinaram um período de 55 dias com afectação para a capacidade de trabalho geral e profissional, e sequelas, designadamente cicatrizes abdominais, torácicas e da coxa direita, as quais, todavia, não desfiguram de maneira grave a M.

47. O arguido agiu com o propósito e ciente que de forma reiterada infligia sofrimento físico e psíquico à sua mulher M, molestando o corpo e a saúde desta.

48. Bem como conscientemente, com o propósito de tirar a vida à sua mulher M, pois, ao proceder da forma descrita, esfaqueando-a nas regiões supra referidas e tapando-lhe a boca procurou atingi-la matá-la, propósito que reatou quando a perseguiu no corredor só não o tendo conseguido devido à mesma, apesar de gravemente ferida, e enfraquecida pela hemorragia, ter conseguido empurrá-lo, sair do apartamento, procurar auxílio e de ter sido prontamente socorrida e assistida.

Bem queria e sabia que utilizava um meio particularmente perigoso na agressão, ao desferir a primeira facada com o instrumento supra referido, contra a mulher que se encontrava deitada no leito.

49. O arguido evidencia um funcionamento interpessoal moldado por uma personalidade com predomínio de traços de impulsividade e descontrolo emocional fácil, com facilidade na passagem ao acto, acentuados por traumatismo crânio-encefálico aos 19 anos de idade, e agravados nas fases de consumo imoderado de álcool, que o limitam na sua vontade, quando age por impulso, como sucedeu relativamente às condutas descritas em 47.

49.b) Justificando, conforme se conclui no relatório pericial, a diminuição da sua imputabilidade, sendo, portanto, parcialmente imputável.

50. Os mesmos traços de impulsividade e descontrolo emocional fácil, com facilidade na passagem ao acto, acentuados pelo traumatismo crânio-encefálico, dificultaram-lhe o controlo da vontade, relativamente à sua conduta referida em 48,

50.b) Justificando, conforme se conclui no relatório pericial, a diminuição da sua imputabilidade, sendo, portanto, parcialmente imputável.

51. O arguido tinha perfeito conhecimento de que as suas condutas eram punidas criminalmente.

52. Em consequência da agressão de 16 de Agosto de 2005, M sentiu dores, tendo durante mais de uma semana de fazer tratamentos, colocar pomadas e analgésicos, sentindo ainda angústia, medo, vexame e humilhação perante terceiros que souberam do sucedido, e sofrimento por si e pelos filhos menores que presenciaram a agressão.

53. Para fugir do então marido, após refugiar-se durante seis dias em casa da irmã em Arganil, foi viver para G… onde ninguém conhecido a podia auxiliar, tendo de arrendar uma casa nova e mobilada, suportando sozinha a renda mensal de € 200,00, desde Setembro de 2005 até Abril de 2006.

54. Pagando desde Maio de 2006 a Outubro do mesmo ano uma renda mensal de € 300,00.

55. Os filhos do casal tiveram de deixar as escolas que frequentavam e as amizades conquistadas e adaptar-se a um novo meio.

56. Em razão da conduta do dia 29 de … de 2005, M sentiu muitas dores, e muito medo de morrer por si e por deixar os filhos desamparados.

57. Continuou em sofrimento físico e emocional, até e após a intervenção cirúrgica, sentindo-se incapaz e desesperada no período de internamento.

58. Teve muitas dores durante cerca de dois meses nas zonas atingidas.

59. Ainda sente dores e dificuldades em mexer a perna atingida, que não consegue esticar convenientemente, provocando-lhe dor e dificuldade no andar.

60. No tórax ficou com cicatriz nacarada ligeiramente oblíqua para baixo e para a esquerda, em forma de Y, medindo o ramo maior cerca de 2 cm de comprimento, e o menor 1 cm de comprimento, no quadrante súpero externo da auréola da mama esquerda vestígio cicatricial com 8 mm x 2mm;

61. No abdómen, desde a região epigástrica até à região umbilical ficou com cicatriz rosada longitudinal, endurecida à palpação, com 10 cm x 5mm de maior largura, na região periumbilical esquerda, ficou com cicatriz acastanhada transversal, ligeiramente deprimida

62. No membro inferior direito, no terço médio da face externa da coxa, ficou com cicatriz arroxeada, longitudinal, com 1,8 cm x 4mm.

63. Sente desgosto ao ver-se marcada pelas cicatrizes, lembrando-se do sucedido.

64. Prestava serviços de formadora no Centro de Emprego e Formação Profissional de.., na área de cozinha, auferindo uma quantia por hora, não tendo horário fixo, recebendo em média mensal cerca de € 1.000,00.

65. Durante os dois meses, que em consequência da conduta do arguido deixou de trabalhar, não auferiu a correspondente retribuição.

66. Os filhos do casal, no período em que a mãe esteve hospitalizada estiveram ao cuidado de vizinha, sentindo-se sós e em pânico.

67. Em consequência da agressão do dia 29 de … de 2005 foi assistida nos serviços de urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra, tendo ficado internada no Serviço de Cirurgia 3, onde permaneceu até ao dia 7 do mês seguinte, voltando a receber assistência, em regime de consulta externa no mesmo serviço de Cirurgia 3, no dia 23 de Novembro de 2005.

68. M retirou outros objectos da casa de morada de família em 7 de Novembro de 2005.

69. Actualmente, reside com os filhos, em ….

70. Os encargos com a assistência prestada à ofendida importaram em € 6.568,06.

71. O casamento entre o arguido e a M foi dissolvido através de divórcio por mútuo consentimento que correu os seus termos no Tribunal Judicial de G….

72. O arguido, padecendo de alcoolismo já antes do casamento, foi, por várias vezes, internado no Hospital Psiquiátrico do Lorvão, tentando por diversas vezes a sua recuperação, referindo actualmente consumos ocasionais, e ausência de acompanhamento médico.

73. No dia 29 de .. de 2005, após a mulher sair do apartamento, desferiu um golpe em cada um dos braços e ingeriu um produto tóxico usado para tratamento de madeiras, com o objectivo de pôr termo à própria vida.

74. Os primeiros socorros foram-lhe ministrados no Centro de Saúde de Oliveira do Hospital, sendo dali transferido para os HUC, onde veio a ser internado na Clínica Psiquiátrica.

75. Tem o 6.º ano de escolaridade. Trabalha como operador de máquinas auferindo cerca de € 550,00 mensais, pagando € 150,00 de alimentos para os filhos. Vive com uma companheira verbalizando um relacionamento afectivo gratificante.

76. Não tem antecedentes criminais.”

2.2. No mesmo Acórdão, mas relativamente a factos não provados consignou-se que:

“Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, e designadamente que:

1. No ano de 1986, P foi vítima de agressão por três indivíduos (de nomes J D e P) que lhe provocaram lesões cerebrais graves, tendo ficado internado nos HUC em situação clínica comatosa, e em recuperação neurológica e psiquiátrica.

2. Foi então que iniciou, a ingestão de bebidas alcoólicas, originando desinteresse e desapego aos parentes, falta de memória e atenção.

3. Constantemente a mulher o apelidava de reles, bandido (insultos que apenas se provaram respeitante ao primeiro na ocasião de 16 de Agosto, e, ambos, relativamente 28 de Agosto de 2005), bêbado, e cabrão, rebaixando-o, de forma a agravar a dependência alcoólica,

4. Levando-o a reacções isentas de qualquer determinação de vontade ou consciência de praticar os actos.

5. P insultasse a então mulher apelidando-a de «vaca» e «puta», e a ameaçasse de morte a ela e aos filhos dezenas de vezes, chegando a conduzir a viatura na IP5 a velocidade superior 100 quilómetros por hora, em contra-mão, afirmando «é desta que morremos todos», levando a que a então mulher, em pânico receasse abandonar o lar, apresentar queixa, ou desistisse das apresentadas.

6. No dia 16 de  de 2005, M  partiu um guarda-chuva nas costas do marido.

7. Na sequência da agressão do dia 16 de .. de 2005, como era Verão e estava muito calor, a roupa de M deixava ver as negras nos braços.

8. O que levou a que várias pessoas, incluindo estranhos desse modo viessem a saber que era vítima de maus-tratos.

9. M levou todos os objectos que quis, carregando o veículo, com o auxílio do filho.

10. M entrou na casa de morada de família sem aviso prévio, ou invocação de motivo justificativo,

11. Marido e mulher trocaram impressões na varanda,

12. M deitou-se no quarto de casal,

13. Pelo que o arguido se convenceu de que o regresso se devera a aproximação e reatar conjugal.

14. O tempo que mediou entre a resolução do arguido esfaquear a mulher, o municiar-se da faca e o desferir a primeira facada.

15. M, ao mesmo tempo que se esvaía em sangue chegou a desejar ter morte imediata.

16. Deixou, por vergonha de usar o biquíni.

17. A zona abdominal passou a estar inchada ou distendida, pretendendo M sujeitar-se a intervenção plástica, na qual despenderá montante não inferior a € 10.000,00.

18. Mantém o receio de que o arguido tente novamente acabar com a vida dela, ou invista contra os filhos.

19. Já no hospital, P pegou numa almofada e colocou-a por cima da cara de M, por forma, a que, impedindo que esta respirasse, lhe acabasse com a vida, o que só não logrou conseguir, atenta a pronta intervenção do médico e da enfermeira de serviço.

20. Foi na presença do arguido e desacompanhada, que M retirou outros objectos da casa de morada de família em 7 de Novembro de 2005.

21. O arguido é inimputável, relativamente aos factos descritos nos autos.

22. O arguido é totalmente imputável, relativamente aos factos descritos nos autos.”

2.3. Por fim, é do teor seguinte a motivação probatória inserta no aresto sindicado:

“A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica da globalidade da prova produzida, declarações do arguido e assistente; depoimentos das testemunhas; documentos, relatórios e exames juntos aos autos.

Concretamente suportaram a prova da matéria de facto provada sob os n.ºs:

1, casamento entre P e M ­a certidão respectiva a fls. 133, e desde logo, as declarações de ambos, que ao mesmo se referiram;

2, 3, 4, local de residência do casal, e discussões entre os cônjuges – declarações de ambos, que dão conta de tal matéria. Inversamente, os relatos que efectuaram, ou doutros meios de prova produzidos não suportam com a necessária consistência e coerência que, a mulher do arguido constantemente o rebaixasse, e o insultasse, ou que noutras ocasiões – que não a de 16 de Agosto de 2005, em que o chamou de reles e vil, ou de 28 de Setembro de 2005, quando o apelidou de reles, bandido e ladrão – o chamasse de reles, bandido, bêbado, ou cabrão (p. 3. da matéria de facto não provada);

5, agressões de P à então mulher – declarações desta, e depoimentos dos amigos do casal, A e L, que referem agressões físicas do arguido a sua mulher, que se lhes queixava de tais ofensas, bem como do estado de desespero e desolação dos filhos do casal, em particular do filho mais velho, após aquelas agressões, tendo a irmã da assistente – FA – relatado as confidências que lhe fazia a M, e dado conta das lesões que apresentava, na pendência do matrimónio.

Inversamente, a matéria descrita sob o p. 5 da matéria de facto não provada, aliás, não descrita na acusação pública, à qual a assistente aderiu, não encontrou o necessário arrimo, nestes ou noutros meios de prova.

6, e 7, frequência e modus operandi das agressões por parte do marido e padrão de comportamento da mulher – declarações de M, que às mesmas se referiu especificamente, de um modo que se afigurou sincero.

8, 9, 10, 12, discussão no dia 16 de Agosto, agressão do arguido, intervenção de terceiros – declarações de M dos amigos do casal, A e L, que, estando presentes, envidaram esforços no sentido de P parar de agredir a mulher.

11, reacção de M – admissão da assistente, e depoimentos dos amigos do casal A e L, dos quais emerge, sem margens para dúvidas que apenas tentou defender-se da agressão violenta de que estava a ser vítima, não referindo que tenha partido um guarda-chuva nas costas do marido. Face a tais declarações e depoimentos, prestados de um modo que se afigurou isento, espontâneo e sincero, aos comportamentos subsequentes de M, que saiu de casa com os filhos, e às lesões infligidas, afastou-se a versão deste apresentada em audiência, que aliás confessou ter inicialmente atingido a mulher com uma estalada, de por seu turno, com igual intensidade, e com idêntico animus, ter sido, na ocasião agredido fisicamente pela mulher. Relativamente a esta matéria, considerando os referidos depoimentos, e desvalorizando, como referido, as declarações do arguido, não se provou que a assistente tenha partido um guarda-chuva no corpo do, então, marido (facto não provado sob o n.º 6);

13, saída de casa de M, com os filhos – declarações desta, suportadas pela irmã, FA, em casa de quem foi – inicialmente – refugiar-se.

14, ida para G.. – declarações de M, não afastadas, nesta parte pelo arguido.

15, lesões causadas no dia 16 de Agosto de 2005 – relatório pericial a f1s. 6 a 8, confirmado pelas declarações de M, em audiência, afigurando-se que nem este nem outros meios de prova constituem arrimo suficiente relativamente ao facto sob o n.º 7 da matéria de facto não provada.

16 a 18, relativamente à diligência da tarde de 28 de .. de 2005 ponderaram-se as declarações do arguido e do assistente, bem como o depoimento do soldado CZ (subscritor do relatório a fls. 18) todos referindo a presença de advogado, e o arguido a do filho mais velho TO, o que é de algum modo confirmado pela testemunha CZ, que alude a um rapaz no local.

Constata-se que de acordo com o relatório de ocorrência a fls. 18, no dia 28 de Setembro de 2005, os soldados CZ e AX deslocaram-se ao local, onde segundo aquele referiu, em audiência, verificaram a presença de ambos os então cônjuges, e um rapaz (que seria o filho de ambos TO, de acordo com o arguido), estando os ânimos, na ocasião, serenados, ausentando-se a mulher em viatura por si conduzida

Face a toda a prova produzida, acolheram-se as declarações do arguido (que, além do mais, o favorecem, ao invés das da assistente, que nega tê-lo insultado) de que na ocasião, a mulher o apelidou de «reles» e «bandido», julgando-se razoável que tendo solicitado a presença do seu advogado teria tido a presença de espírito para não retorquir às palavras da mulher (sendo certo que ninguém referiu insultos por parte do arguido).

Pelo contrário, estes como os demais meios de prova produzidos, não constituem suporte bastante no respeitante à matéria descrita sob o p. não provado 9.

19, no concernente à ida nesse mesmo dia da assistente para a casa, sozinha e deixando a viatura, longe da mesma, consideraram-se as declarações de concordantes de ambos.

Foram, ao invés, de sentido oposto, afirmando-a o arguido, e negando-a assistente, relativamente à factualidade descrita sob os pontos não provados 10, 11, e 13, merecendo a versão de M, maior credibilidade, pela sua maior coerência e espontaneidade ao longo de todas as suas declarações e no respeitante à matéria ora em apreço.

20, 21, 26, 28, 33, 34, no respeitante aos, então, cônjuges pernoitarem em quartos separados, na residência do casal; ao despertar de M, às palavras então proferidas, à situação, inicial de M deitada no leito, às várias facadas infligidas, aos apelos de M, à suspensão da agressão e saída do quarto, ponderaram-se as declarações do arguido e do assistente, encontrando-se a fls. 23 fotografia do interior do quarto onde M foi esfaqueada, sendo visível roupa de cama ensanguentada.

Por ambos foi admitido que dormiram em quartos separados, assim resultando afastada a matéria descrita sob o ponto 12 da matéria de facto não provada.

22 a 25, 27, 29 a 32, 35 a 40, no respeitante ao imediato esfaquear de M, às palavras proferidas por P após a rejeição, a M levantar-se e cair no chão, ao agarrar e tirar da faca, à sufocação, à reacção defensiva de libertar uma das narinas, às palavras de P no corredor, ao empurrão de M, à sua fuga e pedido de auxilio, foram em especial consideradas as declarações da assistente.

Referiu o arguido ter-se municiado com a faca de cozinha após a não-aceitação das desculpas, no que foi veementemente contrariado pela assistente, cuja versão do então sucedido, se acolhe atenta a coerência global do seu relato face à inconsistência do primeiro.

Que, chegou, até a sustentar ter aberto a porta de saída do apartamento a M, dizendo-lhe para pedir ajuda.

Apresentou assim uma versão falha de credibilidade uma vez que não se percebe por que razão, estando M no corredor em fuga, em direcção à saída, o arguido que ia atrás dela, a ultrapassaria, para lhe abrir a porta, dizendo-lhe, como referiu em audiência, para pedir ajuda aos vizinhos.

Acresce que entre actos de grande violência praticados pelo arguido contra a então mulher, e posteriormente contra si próprio, quando se tentou suicidar, não mediou um telefonema deste pedindo auxílio aos bombeiros para M ou para as autoridades dando conta do sucedido.

Aliás, em audiência o arguido referiu que apenas se lembrou dos eventos – posteriormente à não-aceitação de desculpas – depois de estar dias e dias, no interior do quarto onde deu as facadas.

Lacunosas foram, ainda as suas explicações, quanto às duas facas na pia da cozinha, que apenas admite em termos vagos, poderem ter sido utilizadas nas agressões, contra a mulher, e posteriormente contra si próprio.

Julga-se assim que a versão do arguido é ilógica, contrária aos juízos de experiência, e omissa, e por isso pouco credível.

Ora, ainda que se considerasse que o arguido sinceramente relata, em audiência, a sua reconstrução interna do evento – o que se afigura inverosímil, considerando os indicados vícios da mesma – não se vislumbra como acolher esta versão íntima e meramente subjectiva só agora e deste modo recuperada, em desfavor das declarações que se afiguraram impressionantemente espontâneas, sinceras e consistentes de M.

Relativamente às características do instrumento, considerou-se o auto a fls. 23, 41 a 46, quanto à lesões e tratamentos a M, em consequência do evento de 29 de Agosto de 2005, foram ponderados os autos de exames médicos e elementos clínicos de fls. 71, 72, 73, 74, 75, 91, 103, 156 a 159.

47, e 48, no respeitante aos elementos subjectivos respeitantes ao sofrimento infligido na pendência do casamento, até ao dia 16 de Agosto de 2005, e à agressão de 29 de Agosto de 2005 – apelou-se a um juízo de experiência e razoabilidade face aos respectivos comportamentos objectivos encetados, suportados nos meios de prova supra referidos.

49, relativamente aos traços de personalidade do arguido acentuados por traumatismo crânio-encefálico, e agravados nas fases de consumo imoderado de álcool, que o limitam no controlo da vontade, no respeitante às agressões perpetradas até ao dia 16 de Agosto de 2005, ponderaram-se o relatório pericial, a fls. 505 a 508 – cfr. ainda informação a fls. 478, e os esclarecimentos da Sr.ª perita, CE em audiência, em conjugação com as condutas objectivas encetadas, sendo de salientar que a própria assistente associava o comportamento agressivo, até ao dia 16 de Agosto de 2005, ao consumo excessivo de álcool.

De referir, que, relativamente ao modo como o traumatismo crânio-encefálico foi produzido e demais circunstâncias clínicas associadas – discriminadas sob o p. 1 da matéria de facto não provada - nem estes nem outros meios de prova foram produzidos que, com a necessária segurança o suportem.

Registe-se ainda, como decorre do exposto na motivação da prova ao p. 47 e 48 que, nem estes nem quaisquer outros meios de prova produzidos suportam a ausência de determinação da vontade ou consciência de praticar os factos, derivados da dependência alcoólica do arguido (facto não provado sob o n.º 4)

50 de modo idêntico, relativamente aos traços de personalidade do arguido acentuados por traumatismo crânio-encefálico, que o limitam no controlo da sua vontade, no respeitante às agressões perpetradas até no dia 29 de Agosto de 2005, ponderaram-se o relatório pericial, a fls. 505 a 508 - cfr. ainda a fls. 498, e os esclarecimentos da Sr.ª perita, CE conjugados com as condutas encetadas, em particular a tentativa de suicídio (v. ainda motivação respectiva), depois da fuga da mulher.

A este propósito refira-se que, se considera que, mesmo que o arguido, ao contrário do que disse à Sr.ª perita se lembrasse do que ocorreu no dia 29 de Agosto, tal não obstaculiza a avaliação e conclusões da mesma.

Efectivamente, estas foram extraídas de um conjunto de elementos pericialmente valorados, e não apenas com base nas declarações prestadas perante a perita, relativamente ao que o arguido se lembrava quanto à conduta de 29 de Agosto.

Assim, pese embora o arguido tenha reconhecido que previamente não ingeriu álcool, não se provando (p. 14 - por ausência de qualquer meio de prova que o suporte) o tempo que mediou entre a resolução de matar, a escolha dos meios e a passagem ao acto e ponderando que, após a fuga da mulher se tentou suicidar, julgou-se, em obediência ao princípio in dúbio pro reo que, no acto, teria o controlo da sua vontade limitado pelos indicados traços de personalidade acentuados pelo traumatismo crânio-encefálico diagnosticados.

No respeitante à matéria sob os pontos 49.a) e 50.a), ressalta que, no decurso do processo o ora arguido foi submetido a perícia psiquiátrica cujo relatório apresenta as seguintes conclusões.

«1. Do ponto de vista psiquiátrico-forense e para os factos descritos nos autos, não se apuram razões de natureza psiquiátrica que permitam excluir a sua imputabilidade.

2. Conforme consta da discussão científica, justifica-se invocar diminuição da imputabilidade.

3. Poderá beneficiar de uma acompanhamento especializado em ambulatório.»

Inclui-se assim na matéria de facto provada «tal juízo conclusivo formulado na perícia, segundo o qual o arguido justifica uma diminuição ou atenuação da imputabilidade, e portanto, sendo parcialmente imputável» (v. Acórdão da Relação de Coimbra, a fls. 824). Na verdade, tal juízo conclusivo expresso na perícia encontra-se, nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal subtraído à livre apreciação do julgador, De acordo com este juízo científico o arguido é imputável, mas tem uma imputabilidade diminuída ou atenuada, ou seja, é parcialmente imputável. Isto porque, refere-se no Acórdão da Relação de Coimbra, a fls. 823, «como se pode ler na discussão do relatório pericial, apresenta uma personalidade com predomínio de traços de impulsividade e descontrolo emocional fácil, com facilidade na passagem ao acto, agravados, eventualmente por traumatismo crânio-encefálico, sofrido na juventude e também em fases de consumo imoderado de álcool».

Por outro lado, do ponto de vista psiquiátrico e para os factos descritos nos autos, não se apuram razões, que permitam excluir a sua imputabilidade, nem tão-pouco, antes pelo contrário, como se referiu, que permitam concluir pela sua imputabilidade total.

Deste modo não se provou, nem que o arguido é inimputável, relativamente aos factos descritos nos autos, nem que é totalmente imputável relativamente aos factos descritos nos autos (factos provados sob os pontos 21. e 22).

51, no concernente à consciência da ilicitude, ponderou-se o relatório pericial, conjugado com as declarações do próprio arguido.

52, relativamente ao abalo físico e psicológico em consequência da agressão de 16 de Agosto de 2005, atendeu-se às declarações de M e de sua irmã FA, em casa de quem esta se refugiou, as quais não suportaram suficientemente, assim como o não fizeram outros meios de prova, a matéria descrita sob os p. 15 a 18 da matéria de facto não provada.

Refira-se que se considerou que terceiros vieram a saber do sucedido – pelo menos os vizinhos e o filho que, como supra relatado, presenciaram a agressão, os soldados que a acompanharam na saída de casa, a irmã que a acolheu, e os que lhe prestaram assistência médica – pese embora o facto não provado sob o p. 8.

53 a 55, 64 a 66, quanto à ida para G, ao pagamento de renda, à adaptação dos filhos do casal, após a agressão de 16 de Agosto; à actividade profissional; à perda de rendimento; à situação dos filhos, no período de internamento da mãe, atendeu-se às declarações de M, ponderando-se em particular quanto 1. aos montantes das rendas, as cópias a fls. 193 e 194 - sendo o aumento por aquela justificado, pela saída de um outro inquilino, 2. à actividade profissional exercida, o horário a fls. 195, 3. estimando-se o valor auferido, após exame dos documentos fls. 214 a 216.

56 a 63, no respeitante aos abalo moral, sofrimento físico e psicológico, sequelas da agressão de 29 de Agosto, ponderou-se o relatório pericial, confirmado pelas declarações da assistente;

67 e 68, relativamente à assistência prestada pelos HUC a M e respectivos encargos, considerou-se a certidão junta aos autos, a fls. 221.

69, no respeitante à retirada de objectos, atendeu-se à declaração subscrita pela assistente, do Lorvão, considerou-se o relatório pericial, o relatório clínico a fls. 231, a informação a fls. 472, as declarações do próprio, e de M.

Inversamente, julgou-se que nem estes nem outros meios de prova suportaram, com a necessária segurança, as consequências do alcoolismo descritas sob o p. 2.º da matéria de facto não provada, ou agravamento da dependência alcoólica do arguido por a mulher o apelidar de reles, bêbado, bandido, cabrão (p. 3.º da matéria de facto não provada).

73 e 74 quanto à tentativa de suicídio, ao tratamento e internamento subsequente de Paulo Dinis, consideraram-se as declarações do próprio, e a ficha clínica a fls. 634.

Ponderado foi, ainda, o depoimento do soldado CZ (subscritor do auto a f1s. 17) que, referiu, que juntamente com o colega AL, na manhã do dia 29 de Agosto de 2005 foi encontrar o arguido, em tronco nu e de cuecas, numa serração, que os informou que havia ingerido líquido de tratar madeiras e com sinais aparentes de ter cortado os dois pulsos, sendo posteriormente transportado para o Centro de Saúde.

Deslocaram-se este depoente e colega à residência do então casal, onde encontraram duas facas de cozinha – que o arguido, em audiência, admitiu (também) poderem ter sido utilizadas para o cortar dos pulsos – tendo ainda fotografado manchas de sangue no chão do apartamento.

Ora, a fls. 19 e 20 encontram-se fotografias do chão do interior e da entrada da cozinha com sangue, que se conclui pertencente ao arguido, e não à sua então mulher, já que não foi referido, por quem quer que seja que a agressão contra ela dirigida foi perpetrada nestes locais.

Ao invés, negando o arguido a matéria descrita sob o p. 20 da matéria de facto não provada, apenas vagamente relatada pela assistente e aliás, não imputada sequer na acusação pública, julgou-se a mesma não provada.

75, no respeitante às condições pessoais do arguido, fundou-se a convicção nas declarações do próprio, conjugadas com o relatório social, junto aos autos, a certidão a f1s. 304, e o depoimento do seu padrinho J, e de MO, que, trabalha na mesma empresa na qual o arguido está empregado.

76, no concernente à ausência de antecedentes, atendeu-se à informação junta aos autos, a fls. 280.

Não se provaram outros factos com relevância para a boa decisão da causa, em especial os discriminados sob os p. 1 a 22 da matéria de facto provada, na ausência de declarações, depoimentos, relatório periciais, documentos, ou outros meios de prova que com a necessária segurança a suportem, como melhor foi sendo supra referido, por contraposição, na motivação da matéria de facto provada.”


*

III – Fundamentação de Direito.

3.1. Como é consabido, o âmbito dos recursos define-se através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (cfr. artigos 412.º, n.º 1 e 403.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal), mas isto sem prejuízo do conhecimento, inclusive oficioso, dos vícios e nulidades previstos (as) nos n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma adjectivo (cfr. Acórdão do STJ n.º 7/95, em interpretação obrigatória).

Mencionamos, desde já, não emergir dos autos qualquer fundamento que determine esta intervenção oficiosa.

Donde, que o thema decidendum haja de fixar-se em função das conclusões do recorrente.

Como aludimos no Relatório que encima esta peça processual, o arguido/recorrente foi convidado a completar as que primeiramente ofertou.

Confrontando-as com aquelas que juntou aos autos após tal convite, em estrito rigor formal o que deveria seguir-se era a rejeição do recurso ou o não conhecimento nesta instância da parte indicada (cfr. artigo 417.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Penal).

Na verdade, relapso, o recorrente não deu devido acatamento ao convite endereçado; depois, em rectas contas, tais conclusões até e apenas se atêm a matéria de direito, para cuja sindicância, ex vi do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, se mostraria competente o Supremo Tribunal de Justiça.

Sucede, todavia, que, malgré o descrito, sempre se mostra possível fixar o conteúdo do dissídio do recorrente, entre ele sobressaindo também (parca) matéria de facto, que acarreta, em todo o caso, o crivo desta instância.

Com tal enfoque, e procurando surpreender todo o alcance da motivação apresentada, dele nos ocuparemos, ponderando:

- Sobre a questão preliminar “apresentada”.

- Sobre o decidido em matéria de facto.

- Sobre o enquadramento jurídico-penal dos factos provados.

- Sobre a (diminuída) imputabilidade do arguido.

- Sobre a medida da pena.

- Sobre a suspensão da respectiva execução.

3.2. Sob a epígrafe “Questão preliminar”, inicia o recorrente a motivação do recurso interposto, alegando:

Relativamente à factualidade mencionada como tendo ocorrido no dia 16 de Agosto de 2005, foram instaurados os autos de Inquérito n.º …/05.0 GAOHP, sendo que neles foi constituído arguido, interrogado mediante assistência por defensor e procedido á prestação de TIR, em 21 de Setembro desse ano.

No que concerne à factualidade cometida no dia 28 de Setembro de 2005, foram instaurados, por sua vez, os autos de Inquérito n.º …/05.0 GAOHP, oportunamente apensados àqueles primeiros.

Porém, sucede que nestes autos (antes ou sequer mesmo após apensação), nunca ele foi constituído arguido, ouvido ou interrogado, apenas o tendo sido em sede de audição para ponderação sobre o seu estatuto coactivo (em 28 de Março de 2007, conforme fls. 386). O que tudo se traduziu em preterição a direitos constitucionalmente consagrados.

Após, termina, sem mais, e mormente sem qualquer menção nas conclusões do que quer que seja, a propósito.

Quid iuris?

Esta última desconsideração, inclusive após o mencionado convite que lhe foi endereçado no sentido de completar as conclusões, seria um dos segmentos em que se imporia a rejeição do recurso.

Todavia, não enveredaremos por tal solução, uma vez que vendo-se os autos, se constata que o arguido mais não faz do que repristinar uma questão antes decidida.

Na verdade, depois de deduzido o libelo acusatório (fls. 161 e segs.) e dele notificado, apresentou o requerimento constante de fls. 226/229, arguindo com iguais fundamentos aos que ora aduz (embora agora, vimos, não retire uma consequência que se vislumbre da invocação feita), a nulidade do processado até tal acusação.

Sobre a pretensão recaiu o despacho de fls. 251 e segs. denegando deferimento ao solicitado, isto no entendimento essencial de que a omissão cometida integraria a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal (como sufragou o Acórdão do STJ de 2 de Janeiro de 2006, in Diário da República, I.ª Série-A: “A falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal.”), susceptível de ser sanada por força da alínea c), do n.º 3 do dito artigo 120.º, caso não se mostrasse arguida até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito (o que ocorreria).

Acresce resultar dos autos que esta decisão transitou em julgado.

Ora, tudo conjugado, a conclusão óbvia de que se mostra então processualmente inconsequente tal “Questão preliminar”.

3.3. Segundo pomo de discórdia oposto pelo recorrente ao decidido o que contende (indevidamente intui-se), com a matéria que preenche os pontos 27 e 29 da enumeração dos factos provados.

Para sustento do alegado, o arguido convoca duas ordens de razões, a saber:

- Tais pontos de facto não integravam a acusação pública contra si oportunamente deduzida.

- A mencionada “ferida nas mãos”, não tem qualquer sustentação nos autos de exames médicos de fls. 71, 72, 73, 74, 75, 91, 103, 156 a 159, estando em flagrante contradição com o ponto 42 (por lapso manifesto o recorrente falou 49), sendo, além disso, «facto notório que a vítima, sendo mulher, com a fragilidade física inerente, não poderia ter agido defensivamente como se mostra provado».

Que dizer?

Em primeira linha, que o recorrente descortina excesso de pronúncia na decisão recorrida, consubstanciada em uma alteração dos factos balizadores do objecto do processo.

Alteração que, atentando-se nas disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 1, alínea f) e 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, se deveria ter como não substancial de factos.

Sucede não proceder tal argumentação pois, como retorquiu o Ministério Público:

O aresto impugnado fundamentou a enumeração dessa factualidade pela seguinte forma:

“A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica da globalidade da prova produzida, declarações do arguido e assistente; depoimentos das testemunhas; documentos, relatórios e exames juntos aos autos.

Concretamente suportaram a prova da matéria de facto provada sob os n.ºs:

(...)

22 a 25, 27, 29 a 32, 35 a 40, no respeitante ao imediato esfaquear de M, às palavras proferidas por P após a rejeição, a M levantar-se e cair ao chão, ao agarrar e tirar da faca, à sufocação, à reacção defensiva de libertar uma das marinas, às palavras de P no corredor, ao empurrão de M, à sua fuga e pedido de auxílio, foram em especial consideradas as declarações da assistente.

(...)”.

Fundamentação que prossegue, evidenciando as razões porque não foi tomada, por «versão falha de credibilidade», a descrição que o arguido deu desses mesmos factos.

Continuando na senda dessa peça, fácilmente se vislumbra que a enumeração destes factos inseridos controvertidos pelo arguido (27 e 29), mais não traduzem do que o resultado da criteriosa apreciação da prova por declarações, produzida, respectivamente, pelo arguido e assistente, bem como da ideia de expor, por forma tanto quanto possível minuciosa, toda a sequência factual ocorrida.

Mas, e sobremaneira importante, além deste cuidado, o que sobressai do Acórdão da 1.ª instância, é que nenhum outro alcance foi dado a tal concreta factualidade, mormente em sede de enquadramento jurídico-penal e de responsabilização extra contratual do arguido.

Donde que irrelevante (neste sentido) o aditamento em causa.

Assim como a alegada «flagrante contradição», uma vez que a referência expressa aos ferimentos nas mãos da assistente não se destinou, como resulta do exposto, a acrescentar novas lesões ao rol de ferimentos registados no ponto 42 da enumeração. Por isso, não há que questionar se esses ferimentos foram ou não documentados e, não o tendo sido, se o não foram por não terem sido relevantes ou por outro motivo.

Também desmerecedora de acolhimento a afirmação do recorrente segundo a qual constitui «facto notório» que, pela sua «fragilidade física inerente», uma mulher se não pudesse defender como provado.

Ao contrário, e como lucidamente opôs o recorrido Ministério Público, essa mais não é do que uma opinião preconceituosa do próprio que, desde 1992 a 2005, «por inúmeras vezes», se habituou a «desferir murros e pontapés em diversas partes do corpo da sua mulher», sem esperar resistência física e sem outra reacção da vítima que não fosse sair de casa durante algum tempo, apresentar queixas na GNR e acabar sempre por delas desistir.

Ao invés, a assistente demonstrou ser pessoa corajosa e que, em circunstâncias de extremo perigo para a própria vida, em lugar de entrar em pânico, reagiu com grande determinação e sem perder serenidade: soube actuar defensivamente, conseguindo encontrar energia que nem ela se saberia dotada, alentada pela ideia de que era imprescindível aos filhos. Soube vencer as dores e as limitações resultantes dos diversos ferimentos provocados pelos golpes desferidos pelo arguido e fugir, procurando auxílio. E tudo isto nada tem de fragilidade.

Depois e a este propósito, uma última nota: o arguido, que o reconhece, quis matar a esposa; surpreendeu-a e agrediu-a, pelas 04.00 horas, nas demais circunstâncias estabelecidas nos pontos 20 a 26, 28, 30 e 31 da enumeração dos factos provados e cujo teor o recorrente não questiona; atingiu-a com cinco golpes de faca, um na região mamilar esquerda, três na região abdominal e um na coxa direita; perante uma tão evidente persistência, por parte do arguido, na execução do seu desígnio de morte, com a repetida e aproveitada oportunidade de esfaquear a esposa, só a resistência desta pode, à luz das regras da experiência, explicar que essa agressão não tivesse revestido de maior intensidade e, a par da «correcta e atempada intervenção médica», dela se não houvesse verificado o resultado que o arguido agressor havia representado, pretendido e prosseguido (sic).

Além desta menção, qualquer outra é feita pelo recorrente à matéria de facto.

Na verdade, e no demais, apenas se limita a pretender questionar a coerência e a credibilidade atribuídas às declarações da assistente M. em desfavor das que ele próprio prestou. Tudo, porém, por forma arredia aos meios processuais adequados e logo determinante da manutenção do acervo fáctico acolhido em 1.ª instância.

3.4. Entrando em estrita ponderação de direito, clama o recorrente pela “convolação” do ilícito cometido em uma tentativa de homicídio simples. Isto porquanto da factualidade provada – à data dos factos, ser dotado de uma personalidade com um quadro psiquiátrico dominado por alterações e perturbações de tipo passivo agressivo; sofrer de alcoolismo patológico, com dificuldades de controlo emocional, impulsividade incontrolada de que padecia; estar convencido da infidelidade da mulher com a consequente tentativa de suicídio –, não decorreria a “especial censurabilidade ou perversidade”, pressuposto indispensável ao emergir do ilícito qualificado.

No nosso ordenamento jurídico o crime de homicídio qualificado não é um tipo legal autónomo, com elementos constitutivos específicos, constituindo antes uma forma agravada de homicídio[1], em que a morte é produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade[2].

A qualificação do homicídio assenta, pois, num especial tipo de culpa, num tipo de culpa agravado, traduzido num acentuado desvalor da atitude do agente, que tanto pode decorrer de um maior desvalor da acção, como de uma motivação especialmente reprovável[3].

Como refere Figueiredo Dias, o pensamento da lei é o de imputar à “especial censurabilidade” aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas[4].

Ou, como entende Teresa Serra, citando Sousa Brito, a especial censurabilidade refere-se às componentes da culpa relativas ao facto e a especial perversidade à atitude do agente[5].

No n.º 2 do artigo 132.º indicam-se circunstâncias susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, elementos indiciadores da ocorrência de culpa relevante, cuja verificação, atenta a sua natureza indiciária, não implica, obviamente, a qualificação automática do homicídio, isto é, sem mais. Qualificação que, por outro lado, atenta a natureza exemplificativa das referidas circunstâncias, o que claramente resulta da letra da lei, concretamente da expressão “entre outras”[6], pode decorrer da verificação de outras situações valorativamente análogas às descritas no texto legal[7], sendo certo, porém, que a ausência de qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas a) a m) do n.º 2 do artigo 132.º, constitui indício da inexistência de especial censurabilidade ou perversidade do agente, ou seja, indicia que o caso se deve subsumir no artigo 131.º (homicídio simples)[8].

Tudo dependerá, como doutamente refere Figueiredo Dias[9], de uma imagem global do facto agravada que corresponda ao especial tipo de culpa que aqui se deve ter em conta. Tipo de culpa que, perante a inexistência de qualquer uma das circunstâncias previstas no texto legal, só se deve ter por verificado perante circunstâncias extraordinárias ou um conjunto de circunstâncias especiais (reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade do agente), que exprimam um grau de gravidade e possuam uma estrutura valorativa correspondente à imagem de cada um dos exemplos-padrão enunciados no texto legal[10].
As circunstâncias em questão são, assim, não só um indício, mas também uma referência. Circunstâncias que, não fazendo parte do tipo objectivo de ilícito, se devem ter por verificadas a partir da situação tal qual ela foi representada pelo agente, perguntando se a situação, tal qual foi representada, corresponde a um exemplo-padrão ou a uma situação substancialmente análoga; e se, em caso afirmativo, se comprova uma especial censurabilidade ou perversidade do agente
[11].

As circunstâncias mencionadas pelo recorrente, como dito, não têm virtualidade bastante para que logre obter a “desqualificação” do segundo ilícito praticado.

Com efeito, vislumbra-se formalmente na actuação do arguido uma das enunciadas circunstâncias do n.º 2 do artigo 132.º – utilização de meio particularmente perigoso –, que, vimos, embora não funcione automaticamente, se conjugada com o demais provado, inculca a especial censurabilidade, tal como definida supra. Afirmação inequívoca, se atentarmos ao «padrão de utilização» que dela fez, surpreendendo a esposa a dormir, num outro quarto, às escuras, já munido desse objecto, logo a cravando na vítima, repetindo várias vezes a agressão, com verbalizado objectivo de lhe colher a vida, depois de, durante os cerca de 13 anos de duração do seu casamento, a haver frequentemente agredido a murros e pontapés, como o fizera havia apenas doze dias, em 16 de Agosto de 2005, quando, na presença do filho, além de lhe desferir socos e pontapés, a empurrou, fazendo-a cair, lhe puxou violentamente os cabelos e a arrastou pelo chão, levando a que o menor TO interviesse numa vã tentativa de levar o pai a parar com essa violência, utilizada com o propósito de infligir sofrimento físico e psíquico à sua mulher (sic resposta do Ministério Público).

A nada obstando os fundamentos alegados, até a situarem-se antes mais no âmbito da operação de determinação da medida da sanção, do que neste estrito campo de prévio enquadramento jurídico da conduta assumida.

3.5. Ponto seguinte de ponderação aquele respeitante á imputabilidade diminuída que se reconhece afectar o recorrente.

Incorrendo mais uma vez em falta de rigor, tanto a chamou à colação para tentar desqualificar o ilícito, como acabámos de o consignar, quanto a coligiu para peticionar uma redução da medida da sanção (ou, last but not least, ser elemento de ponderação num pretenso e condicionado regime de suspensão de execução da pena).

Sempre malogradamente o fez, liminarmente dizemos.

Não se encontrando prevista qualquer uma de tais consequências como decorrência necessária de uma imputabilidade diminuída, nada justifica a sua utilização a coberto dos termos gerais instituídos pelo artigo 72.º.

De harmonia com o disposto no antecedente artigo 71.º, n.º 2, na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor do agente ou contra ele. Será, pois, como circunstância que possa influir na determinação concreta da pena que deveremos apreciar a questão da imputabilidade diminuída.

Se é certo que, numa perspectiva ético-retributiva, a psicopatia do agente deveria justificar uma pena mais leve, todavia se a doença o arrasta para o crime as razões de prevenção imporiam uma sanção mais severa. Por isso a maioria dos ordenamentos jurídicos utiliza um sistema dualista de reacções criminais, aplicando uma pena correspondente à culpa e uma medida de segurança para fazer face à perigosidade[12].

Outra, porém, é a solução da nossa lei substantiva penal.

Estabelece o artigo 20.º, n.º 2, que “Pode ser declarado inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa ser censurado, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade para avaliar a ilicitude deste ou para se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída”, esclarecendo o n.º 3 que “A comprovada incapacidade do agente para ser influenciado pelas penas pode constituir índice da situação prevista no número anterior.” Ou seja: sempre que a capacidade do agente para avaliar a ilicitude e se determinar por ela está muito diminuída, embora seja ainda possível um juízo de censura, este é substituído por um juízo de perigosidade, substrato da aplicação de uma medida de segurança[13].

Para os demais casos, isto é para aquelas situações em que o agente podia agir doutra maneira, o Professor Eduardo Correia defendia que se “é maior a tendência do agente para o crime (e portanto menor a sua culpa referida ao facto), … mais clara consciência terá ele do seu dever de a corrigir e portanto mais censurável será a sua omissão e maior a sua culpa na preparação da personalidade”[14], o que justifica a aplicação duma pena sempre que, apesar da anomalia, o agente pode dominar os seus efeitos, sendo censurado por o não ter feito.

Dentro desta perspectiva, o Professor Figueiredo Dias[15] entende que a questão da imputabilidade diminuída não necessita de um tratamento legislativo próprio, devendo ser resolvida à luz da culpa e da inimputabilidade, sustentando: “Se, nos casos de imputabilidade diminuída, as conexões objectivas de sentido entre a pessoa do agente e o facto são ainda compreensíveis e aquele deve, por isso, ser considerado imputável, então as qualidades especiais do seu carácter entram no objecto do juízo de culpa e por ela tem o agente de responder. Se essas qualidades forem especialmente desvaliosas de um ponto de vista juridico-penalmente relevante, elas fundamentarão – ao contrário do que sucederia numa perspectiva tradicional – uma agravação da culpa e um (eventual) aumento de pena; se, pelo contrário, elas fizerem com que o facto se revele mais digno de tolerância e de aceitação jurídico-penal, poderá justificar-se uma atenuação da culpa e uma diminuição da pena.”

No caso presente sobressai da perícia médico-legal a que o arguido se sujeitou que «ponto de vista psiquiátrico-forense e para os factos descritos nos autos, não se apuraram razões de natureza psiquiátrica, que permitam excluir a sua imputabilidade».

Noutras palavras mais singelas, o recorrente é não só capaz de distinguir um facto lícito de um facto ilícito, mas também de se determinar em função dessa avaliação pessoal.

De não olvidarmos, porém, haver-se igualmente concluído nesse exame que «conforme consta da discussão justifica-se invocar diminuição de imputabilidade». Fundada em que aspectos? [Funcionamento interpessoal moldado por uma personalidade com predomínio de traços de impulsividade e descontrolo emocional fácil, agravados nas fases de consumo imoderado de álcoo1. O traumatismo crânio-encefálico (TCE) ocorrido aos 19 anos de idade (…) poderá ter contribuído para acentuar estas características de personalidade que, no entanto, já se esboçavam previamente ao sucedido (…). Eram frequentes as queixas de irritabilidade, impulsividade, baixa tolerância à frustração, descontrole emocional fácil e humor depressivo, agravadas nas fases de consumo de bebidas alcoólicas.]

O Tribunal a quo, ponderando tal informação pericial, melhor alcançada com os esclarecimentos que em audiência prestou a Sr.ª Perita, Dr.ª CP. bem como a decorrente da informação respeitante ao comportamento do arguido posterior aos factos, nomeadamente ensaiando uma tentativa de suicídio após a fuga da assistente, concluiu verificar-se uma sua limitação no controlo da vontade, no respeitante às agressões perpetradas.

Como corolário, sustentou deparar-se-lhe de uma imputabilidade sensivelmente diminuída conducente á decisão de atenuação especial da pena. Tarefa a que procedeu.

Ora, mais se mostrava vedado considerar com tal fundamento.

3.6. Item seguinte a dever apreciar-se o atinente á medida das penas parcelares e única que lhe foram impostas na decisão recorrida.

“A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, determina o artigo 40.º, n.º 1.

Por seu turno, o artigo 71.º estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”
Como ensina Figueiredo Dias
[16], “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”

Aduz o mesmo Ilustre Professor[17] que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma «infringida».”

Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor[18], “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Ou, e, em síntese: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”[19]

A função da culpa encontra-se consagrada no n.º 2 do citado artigo 40.º, o qual estabelece que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”

É nesta orientação que o STJ vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.

Como resulta, v. g., do seu  Acórdão datado de 15 de Novembro de 2006[20], o modelo de prevenção acolhido pelo Código Penal - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

O n.º 2 do mencionado artigo 71.º estabelece:

“Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”

As circunstâncias e critérios do artigo 71.º devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

Atenta a factualidade provada, valorando-se nos termos do artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, há que ter em conta:

O grau de ilicitude dos factos: elevado no 2.º episódio, pois que na busca da violação do direito à vida, bem primeiro, o suporte de todos os bens da tutela jurídica;

O modo de execução: também neste caso, através do uso de uma faca de cozinha, cuja lâmina tem a extensão de 18 cm;

A intensidade do dolo: específico, pois que ainda na 2.ª situação intuito do arguido, embora não logrado, era o de ceifar a vida a sua esposa;

Os sentimentos manifestados no cometimento de ambos os ilícitos: comportamento possessivo demonstrado pela reiteração das agressões cometidas visando sua esposa e as palavras proferidas após vibrar a 1.ª facada “já que não desculpas acabamos com isto hoje, mato-te a ti e depois acabo comigo”;

Os motivos e fins determinantes: agiu na sequência de discussão entre ele e a vítima, insatisfeito e desagradado por ela não se dispor a viver mais consigo;

A condição pessoal e económica: o arguido tem o 6.º ano da escolaridade, e aufere cerca de € 550,00 mensais, dos quais despende € 150,00 em prestações alimentares de seus filhos;

As necessidades de prevenção geral, cabendo lembrar a amplitude que condutas como as em causa assumem em crescendo na nossa sociedade e a que os Tribunais devem tentar pôr cobro, punido adequadamente os respectivos autores.

Na minuta do recurso que interpôs, clama o arguido pela consideração de uma série de circunstâncias não atendidas na decisão recorrida.

Desde logo, ao arrependimento. Ora, arrependimento pressupõe, em primeira linha, que o agente reconheça o desvalor da sua acção, e este é aspecto nunca assumido verdadeiramente nos autos pelo arguido.

Depois, a sua personalidade agressiva ser exercida ne seio intra-conjugal, motivada pela suspeita de infidelidade da vítima, sendo este facto não provado.

A sua imputabilidade diminuída que, vimos acima, foi tomada em devida conta pelo Tribunal a quo.

As “provocações” que a vítima lhe teria dirigido no dia 28, olvidando que a mesma já se encontrava a dormir á muito quando ele se lhe dirigiu ao quarto.

O facto de a vítima haver retornado depois a casa do casal para levar pertences, que nenhum relevo pode assumir quanto ao antes sucedido.

As demais invocadas, como mencionámos, foram tomadas em linha de conta, contráriamente ao que alega.

O que tudo significa a adequação e proporcionalidade das penas parcelares e da pena única cominadas.

3.7. Último ensejo do arguido, o de que a pena imposta fosse suspensa na respectiva execução, condicionada à observância de regras de conduta.

Sucede ser pressuposto essencial para tanto, além do mais, que a pena aplicada o tivesse sido “em medida não superior a cinco anos” de prisão (artigo 50.º, n.º 1).

Ora, á míngua da verificação deste pressuposto formal, irrefutavelmente precludida fica a possibilidade de apelo ao regime em causa.


*

IV – Decisão.

São termos pelos quais se nega provimento ao recurso interposto e se mantém, na íntegra, o Acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UCs.

Notifique.


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Coimbra,



[1] Como refere Teresa Serra, in Homicídio Qualificado Tipo de Culpa e Medida da Pena, 81, o homicídio qualificado é um caso especialmente grave de homicídio, pelo que é correcto afirmar que este caso especialmente grave está totalmente referido ao tipo de homicídio simples previsto no artigo 131.º.
Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 25, assume posição coincidente ao defender que o homicídio qualificado não é mais que uma forma agravada do homicídio simples previsto no artigo 131.º.
[2] Sob a epígrafe de homicídio qualificado estabelece o n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal: «Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos».
[3] Neste sentido se pronuncia a doutrina mais representativa – entre outros, Figueiredo Dias, ibidem, I, 29, Teresa Serra, ibidem, 40, Augusto Silva Dias, Materiais para o estudo da Parte Especial do Direito Penal – Crimes contra a vida e a integridade física, 16/17, e Eduardo Correia que no seio da Comissão Revisora do Código Penal – Actas das Sessões Parte Especial, 25, referiu ter sido sempre sua intenção considerar as circunstâncias do n.º 2 do artigo 138.º (actual artigo 132.º) como simples elementos da culpa.
Em sentido não coincidente pronuncia-se, isoladamente, Fernanda Palma, ao defender que não se pode fundamentar um tipo qualificado unicamente com base num critério de culpa, devendo considerar-se um misto de ilicitude e de culpa – Direito Penal, parte especial (crimes contra as pessoas), 44 e ss.
[4] Ibidem, 29.
[5] Ibidem, 64.
[6] É do seguinte teor o corpo do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal: «É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: …».
[7] Cfr. Figueiredo Dias, ibidem, 26 e Teresa Serra, ibidem, 66/67.
[8] Cfr. Teresa Serra, ibidem, 71.
[9] Ibidem, 26.
[10] Neste sentido Teresa Serra, ibidem, 71 e “Homicídios em série”, Jornadas sobre a revisão do Código Penal (1998), 135, segundo a qual a decisão do juiz terá de ser uma decisão vinculada, sendo que de outra forma o juiz deixará de ter critérios seguros na sua decisão, e esta passa a ser discricionária; se não se guiar pelos exemplos-padrão previstos na lei o juiz tenderá a guiar-se pelos seus próprios critérios do que seja censurabilidade ou perversidade. Estar-se-á então perante analogia aplicada à mais gravosa norma incriminadora prevista no Código Penal, o que seria inadmissível e, desde logo, inconstitucional, sendo certo que o princípio da legalidade vigora, não apenas para o pressuposto da ilicitude, mas para todos os pressupostos da punibilidade e para as próprias sanções jurídico-penais.
[11] Cfr. Figueiredo Dias, ibidem, 42/43.

[12] Cfr. Maria João Antunes, O Internamento de Imputáveis em Estabelecimentos Destinados a Inimputáveis, pág. 31.
[13] Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, II, pág. 157.
[14] Direito Criminal, I, pág. 358.
[15] Direito Penal – Parte Geral, I, pág. 585.
[16] Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime – Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, pág. 121.
[17] As Consequências Jurídicas do Crime, § 55.
[18] In ob. cit. § 56.
[19] Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, págs. 109 e segs.
[20] In Proc. n.º 3.135/06 - 3.ª Secção.